Bem-aventurados são os pacificadores na política

Especialistas alertam que a violência política tem crescido cada vez mais. Para saber como agir, os cristãos devem olhar para as Escrituras, não para as revoluções humanas.

Christianity Today July 16, 2024

A sétima audiência do comitê parlamentar que investiga a invasão do Capitólio [Congresso Estadunidense], ocorrida em 6 de janeiro de 2021, teve a violência como principal tema: quem fez aquilo; quem encorajou [a invasão]; quem sabia que estava para acontecer, mas não interveio.

“O ponto crucial é o próximo passo: o que este comitê, o que todos nós faremos para fortalecer nossa democracia contra golpes e violência política”, disse o deputado Jamie Raskin (Democrata do estado de Maryland), no final da audiência. A violência política, segundo ele, é “hoje um problema do país inteiro”.

Raskin está longe de ser o único a fazer esse alerta sobre a possibilidade de violência política — essa busca de fins políticos por meios violentos, em vez de buscá-los por meio de processos normais e pacíficos, como exercer o voto, concorrer a um cargo, fazer lobby ou protestar.

“Sabemos, por outros países que mergulharam em violência política realmente grave, que isso é um caminho, e nós estamos nele”, alertou a pesquisadora Rachel Kleinfeld, em um artigo do Washington Post. “Na verdade, estamos bem avançados [nesse caminho]”.

Kleinfeld disse que podemos notar uma crescente violência por parte de milícias de direita, bem como violência de uma “esquerda descontente”. Ela projetou um cenário ameaçador, no qual as “porcentagens de americanos que endossam a violência estão se aproximando [das porcentagens registradas] no auge do conflito na Irlanda do Norte [também conhecido em inglês como The Troubles], que aconteceu em 1973”.

(A escala desse tipo de violência política pode variar muito, e vai de um ataque individual a uma revolução, mas o conflito na Irlanda do Norte é um bom exemplo do que muitos antecipam que acontecerá nos EUA — teve “episódios de violência que foram amplamente localizados e em segundo plano”, mas a vida cotidiana seguia em frente, ainda que “todos estivessem com mais medo e deprimidos”.)

motivos para ser cético em relação aos resultados da pesquisa que ela provavelmente está citando como referência; por exemplo, algumas pessoas que são propensas a dizer a um pesquisador que “a violência contra o outro lado [é] ao menos um pouco aceitável” também podem estar muito longe de se dispor a realmente cometer tal violência.

Mas “a boca fala do que está cheio o coração” (Lucas 6.45). Não há como negar o ponto levantado por Kleinfeld de que a retórica política e a animosidade dos americanos [assim como de outros povos ao redor do mundo] pioraram nos últimos anos. Talvez Kleinfeld esteja certa ao dizer que “precisamos perceber que grupos paramilitares podem se tornar uma parte normal da nossa vida política”. Talvez a violência política já esteja a caminho. E os cristãos não devem se aliar a nada disso.

Você pode acreditar que isso nem precisa ser dito, mas há duas razões pelas quais acho que é algo que precisa ser explicitamente declarado.

Uma das razões se deve à reputação atual dos evangélicos americanos em grande parte da grande mídia. Especialistas e autoridades no assunto que vêm alertando sobre o risco de violência política de direita frequentemente incluem uma menção ao cristianismo, ao nacionalismo cristão e/ou a evangélicos brancos. Kleinfeld, por exemplo, argumentou que a Rússia nos dá um modelo de política baseado em uma “hierarquia branca, cristã, tradicional, muito masculina, liderada por um homem forte”, algo que é atraente para alguns da direita antidemocrática dos EUA.

A associação dessas coisas faz sentido para muitos americanos, por causa da proliferação do simbolismo cristão entre a multidão que invadiu o Capitólio, do apoio recorde que o ex-presidente Donald Trump recebeu consistentemente dos que se autodenominam evangélicos e da retórica nacionalista cristã de figuras republicanas como a deputada Marjorie Taylor Greene, da Geórgia. Se não é isso que queremos que nossos compatriotas pensem de nós [cristãos], rejeitar de forma inequívoca a violência política é um bom lugar para começar.

A segunda razão pela qual acredito que devemos deixar bem claro que cristãos não devem se aliar à violência política é que me preocupo que a concepção dos cristãos americanos do que vem a ser uma violência política aceitável seja demasiadamente moldada por nossa história e nossas crenças como americanos — e particularmente por nossa compreensão da Revolução Americana como um exemplo louvável de violência política —, mas não suficientemente moldada pelo que Jesus ensinou sobre violência, quando viveu em uma sociedade com um governo muito mais brutal do que o nosso.

Nas festividades do Quatro de Julho que acabaram que acontecer, por exemplo, considere o que estamos celebrando na Revolução. Há reclamações sérias na Declaração de Independência, mas uma preocupação proeminente era a tributação — sim, era uma tributação sem representação do povo na política [e o slogan deles era “nenhuma tributação sem representação”], mas também era baseada em taxas decrescentes que hoje acharíamos ridiculamente baixas. Essa é uma razão boa o suficiente para que cristãos matem cristãos?

Isso resume grande parte do que foi a Revolução: cristãos matando cristãos por questões políticas. E, talvez, olhando em retrospectiva, mais de dois séculos depois, nós julguemos que o saldo foi positivo. Ou, talvez, — analisando a capacidade de outras ex-colônias britânicas de conquistar sua independência sem guerra, ou mesmo comparando a história da abolição da escravidão na Inglaterra com a nossa — nós julguemos que o saldo não foi positivo.

Eu poderia ficar dando voltas sobre o assunto, mas não consigo dizer que era certo que cristãos matassem outros cristãos por causa de impostos. Não consigo, porque não consigo conciliar isso com o que Jesus disse sobre a violência, especialmente no Sermão da Montanha:

Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente’. Mas eu lhes digo: Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra. E se alguém quiser processá-lo e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa. Se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas. […] Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. (Mateus 5.38-41, 43-45)

Os cristãos vêm debatendo as implicações desses versículos e de outros semelhantes (João 18.36; Romanos 12.17-21; Efésios 6.12) há milênios, e sei que minha convicção de que Jesus aqui está nos chamando para a não violência não é consenso universal entre fiéis seguidores de Cristo.

Por muito tempo, eu mesmo também não compartilhava dessa convicção. Eu acreditava que a interpretação pacifista era muito estranha, dura e impraticável. Com o passar do tempo, no entanto, concluí que Jesus já havia falado de forma bem clara; simplesmente era uma ordem que eu não queria ouvir. E uma percepção importante, conforme mudei meu pensamento, foi que o contexto em que Jesus estava falando era um contexto político violento.

Usamos expressões como “dar a outra face” e “andar mais uma milha” de forma metafórica, para descrever conflitos interpessoais. Jesus as usou literalmente, quando estava falando para uma audiência que corria um risco real de sofrer abuso físico pelo poder dominante — e que, na verdade, era um governo que não lhes oferecia nenhuma das formas de expressão política pacífica que hoje temos à nossa disposição.

Há muita coisa errada em nosso governo e em nossa política, mas, por padrões globais e históricos, desfrutamos de uma governança notavelmente livre, funcional e democrática. Se Jesus disse a seus ouvintes originais para evitarem a violência em favor de um comportamento pacífico, de um comportamento surpreendente e potencialmente autossacrificial, quão mais esse ordem não deveria se aplicar a nós?

À luz disso tudo, mesmo que a sua interpretação desses versículos seja diferente da minha, talvez você consiga enxergar a lacuna que há entre o que a Revolução Americana diz sobre a violência política e o que Jesus diz sobre ela. E se não conseguimos enxergar essa lacuna, ou se nos encontramos criando cenários nos quais seria justificável praticar violência por motivações políticas — prejudicando nossos próximos e odiando nossos inimigos, porque não conseguimos eleger o presidente ou a política que queríamos —, talvez nossas mentes tenham se conformado mais com a Revolução do que com a mente de Cristo (Romanos 12.2; 1Coríntios 2.14-16).

Talvez a violência política esteja de fato chegando à América, mas isso não deveria acontecer por meio de mãos cristãs.

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Books

Sou evangélico e tenho filhos LGBTQ. E agora?

Minha teologia é totalmente ortodoxa. Mas preciso da ajuda de outros cristãos para lidar com questões práticas no relacionamento com meus filhos.

Christianity Today July 12, 2024
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Getty / Unsplash

Para pais evangélicos que seguem as doutrinas milenares da igreja sobre gênero e sexo, acordar para a realidade de ter filhos LGBTQ em nossos lares muitas vezes marca o início de uma jornada difícil.

Frequentemente surpreendidos pela revelação, muitos pais se sentem mal preparados para o trabalho de discernimento que é necessário para seguir em frente. Eles têm fome de instrução e de compreensão. Acima de tudo, anseiam por se verem livres do pesado fardo do medo de “errar”, enquanto navegam por águas desconhecidas que exigem muitas escolhas, dia após dia, ano após ano.

Este é o contexto que gera uma alta participação em eventos que tentam ajudar pais cristãos a encontrar respostas para seus filhos LGBTQ — respostas que não sejam lutar contra ou fugir da questão. A Unconditional Conference (Conferência Incondicional), realizada no ano passado e organizada pela igreja do influente pastor Andy Stanley, é um exemplo desses eventos.

A conferência foi controversa, pois contou com a presença de vários palestrantes que não têm visões evangélicas ortodoxas sobre sexo e gênero. Para os principais críticos evangélicos, a coisa toda representou “um claro e trágico afastamento do cristianismo bíblico” (Albert Mohler) e uma “profunda falha de responsabilidade pastoral” (Sam Allberry).

Da mesma forma, em uma polêmica mais recente, o pastor e autor Alistair Begg, que defende a doutrina histórica sobre o casamento, viu seu popular programa de rádio ser cancelado por uma rede cristã conservadora. Veio à tona que ele aconselhou uma mulher a comparecer ao casamento do neto com uma pessoa transgênero, embora ela se opusesse à união por motivos doutrinários. Em um artigo que escreveu para o First Things, o teólogo Carl Trueman argumentou que comparecer a casamentos desse tipo é em si um desvio doutrinário e “um preço muito alto a se pagar para evitar ferir os sentimentos de alguém. E se os cristãos ainda acham que vale a pena pagar [esse alto preço], o futuro da Igreja é realmente sombrio”.

Como pai evangélico de filhos adultos LGBTQ, acompanhei ambas as controvérsias com interesse. Compartilho algumas das preocupações dos que fizeram críticas, mas também acredito que nós — evangélicos que nos apegamos às doutrinas históricas do cristianismo sobre sexo e gênero, ou seja, que defendemos a posição tradicional ou “não afirmativa”, segundo a abreviação lexical mais corrente — precisamos não de menos, mas de mais conversas sobre questões intensamente práticas de como sermos bons próximos para as pessoas LGBTQ em nossas vidas, estejam elas em nossos lares, nossos locais de trabalho ou nossas congregações.

Existem alguns recursos disponíveis para cristãos na minha situação, como o livro Is God Anti-Gay? [Deus é contra os gays?], de Sam Allberry e o curso para pais do The Center for Faith, Sexuality & Gender [Centro para Fé, Sexualidade & Gênero]. Mas, além de livros ou cursos online, precisamos de conversas na vida real sobre circunstâncias específicas. Pais cristãos de filhos LGBTQ, como eu, têm sede de uma visão sustentável para a vida cotidiana com nossos filhos. Certamente há motivos para criticar a visão oferecida por Stanley e Begg, mas simplesmente reafirmar a doutrina correta, ainda que seja necessário, não é o suficiente para responder a essas questões práticas de como conviver com nossos filhos.

Como pais, já temos enraizado o entendimento de que Deus criou a humanidade de duas formas distintas, que chamamos de masculino e feminino, e que a intimidade sexual é reservada para o casamento monogâmico entre um homem e uma mulher. Nossa pergunta é como nos relacionar com nossos filhos, especialmente os filhos adultos, quando eles escolhem vidas que não estão enraizadas nesse entendimento.

Já deixamos claro para eles o que acreditamos. E agora?

Suspeito que grande parte da reação à Conferência Incondicional e a Begg seja resultado da preocupação de que abrir à consideração essas questões prudenciais resultará, inevitavelmente, em desvio teológico significativo, com consequências terríveis para a igreja e para aqueles a quem ela ministra. Esse medo é amplificado por uma mentalidade de guerra cultural, que está presente no evangelicalismo desde as controvérsias entre fundamentalismo-modernismo do início do século 20. Essa mentalidade tende a colocar as pessoas LGBTQ como nossos inimigos nessa luta, inimigos a serem constantemente confrontados com declarações de verdade.

É bom falar a verdade, mas adotar uma postura constantemente confrontativa torna impossível ouvirmos a exortação do apóstolo Paulo aos cristãos romanos: “No que depender de vocês, vivam em paz com todos” (Rm 12.18, NVT). E, embora a busca por respostas para essas questões práticas de relacionamento, no caso de muitos, não tenha passado de uma parada em uma jornada para longe da ortodoxia, esse não é o único resultado possível.

A tarefa é uma questão da prática correta (ortopraxia), o que requer discernimento, e discernimento é algo difícil por natureza. O que o torna difícil, evidentemente, é a nossa falibilidade. Pois, embora a Palavra de Deus seja totalmente confiável, a aplicação que nós fazemos dela pode não ser. Às vezes, escolhemos ser lenientes, quando deveríamos ser firmes, ou severos, quando deveríamos ser flexíveis. Independentemente de nossa diligência espiritual e de nossas boas intenções, sempre há uma chance de acabarmos fazendo a escolha errada. Acrescente a isso a preocupante consciência de que até mesmo escolhas corretas podem resultar em dor para aqueles que amamos, e o discernimento se torna algo completamente assustador.

Mas ignorar a realidade de que o discernimento é necessário não é uma opção. A presença de riscos não nos isenta do esforço de amar o próximo. As pessoas precisam de ajuda, e decisões precisam ser tomadas: os cristãos devem usar os pronomes que preferem [e quanto à linguagem de gênero]? Devemos comparecer aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, de nossos filhos ou de colegas de trabalho? Devemos permitir que nossos filhos adultos e a pessoa do mesmo sexo com quem são casados durmam na mesma cama, quando vierem nos visitar?

Para muitos de nós, essas não são meras questões teóricas, mas situações reais com pessoas reais que exigem respostas, e geralmente sem muito tempo de espera. Essas são as circunstâncias nas quais devemos praticar o discernimento, aplicando o que sabemos da Palavra de Deus da melhor maneira possível, com muito cuidado e humildade. Esses são os tipos de perguntas sobre as quais pais cristãos, como no meu caso, e avós, como no caso que Begg abordou, desejam conversar com nossos pastores e amigos na igreja, e ter a ajuda dessas pessoas para respondê-las.

Às vezes, vamos errar. Como J. I. Packer colocou em sua obra seminal, O Conhecimento de Deus, às vezes o “cristão acorda para o fato de que perdeu a orientação de Deus e tomou o caminho errado”. Mas, mesmo nesse caso, o dano não é irrevogável, segundo Packer garantiu, e Deus é suficientemente gracioso para proteger suas ovelhas — incluindo nós — de nossos próprios pensamentos falíveis. “Assim”, concluiu Packer, “parece que o contexto certo para discutir a orientação [divina] é um contexto de confiança no Deus que não nos deixará arruinar nossas almas”.

O discernimento requer trabalho duro, muita oração, reflexão bíblica e pôr à prova os espíritos (1João 4.1-6). Fazer isso em uma cultura com uma janela de Overton [conceito que delimita o espectro de opiniões aceitáveis em uma determinada sociedade em relação a determinado assunto] que muda a toda hora é incrivelmente difícil. Mas é ainda pior ter que fazer isso de forma individual, isolada, porque irmãos e irmãs evangélicos ortodoxos não estão dispostos a falar sobre essas questões práticas.

Victor Clemente é escritor freelancer sobre questões de fé e cultura. Seu trabalho apareceu em Christ and Pop Culture [Cristo e Cultura Pop] e Faithfully Magazine [Revista Fielmente]. Você pode encontrá-lo no X em @The_Wait_Room ou no Threads em @the_wait_rm.

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Bavinck alerta: sem o cristianismo, o racismo e o nacionalismo prosperariam

O teólogo holandês argumentou que a visão de mundo bíblica é fundamentalmente incompatível com o etnocentrismo.

Christianity Today July 11, 2024
Illustration by Elizabeth Kaye

Não é segredo para ninguém que o teólogo holandês Herman Bavinck tem passado por um renascimento nos últimos anos, como também já apontou James Eglinton, em um artigo anterior para a CT.

Desde que a tradução para o inglês da obra seminal de Bavinck, Dogmática Reformada, foi lançada em 2008, tem havido uma constante avalanche de releituras sobre sua vida e seu pensamento. Mais recentemente, novas traduções de textos menos conhecidos, mas não menos importantes, incluem obras suas como Cosmovisão Cristã, Cristianismo e Ciência e Manual de Instrução na Religião Cristã; além disso, foram publicadas novas edições de Filosofia da Revelação, baseada em suas Palestras Stone de 1908, e As Maravilhosas Obras de Deus.

Teólogos como eu também estão redescobrindo a tradição neocalvinista moldada por Bavinck e seu colega Abraham Kuyper, outro teólogo holandês, e analisando como esses pensadores podem se envolver com questões culturais de hoje, entre as quais está o confronto da nossa nação com o racismo. E, ao mesmo tempo que muitos recentemente (e com razão) criticaram o legado controverso de Kuyper nesta questão, também negligenciaram com frequência as contribuições de Bavinck sobre o assunto, que muitos estudiosos consideram um avanço em relação a Kuyper.

A avaliação de Bavinck traz lições duradouras para os cristãos que vivem em um clima político polarizado. Semelhante ao próprio contexto de Bavinck, na Europa do século 19, quem vive hoje nos EUA e em outros países enfrenta os desafios de viver em uma cultura cada vez mais pós-cristã. Isso tem levado a debates acalorados sobre a identidade da América, o nacionalismo cristão e como todos podemos encontrar um denominador comum em meio às nossas diferenças substanciais.

A cosmovisão cristã neocalvinista de Bavinck e de Kuyper, por exemplo, afirmava a diversidade da realidade, mas via essa diversidade como algo que refletia uma unidade maior. Como observaram, uma vez que o Criador é Triúno, o mundo frequentemente se conforma a padrões de unidade na diversidade. No entanto, Bavinck acreditava que essa questão tinha implicações adicionais para a própria humanidade.

Como já mostrei em outro oportunidade, Bavinck argumentava que a imagem de Deus (a imago Dei) se refere não apenas a nós como indivíduos, mas à humanidade como um todo. Como escreve o teólogo Richard Mouw, Bavinck articula como essa imagem de Deus se desdobra “na rica diversidade da humanidade espalhada por muitos lugares e tempos”, à medida que a raça humana se dispersa pelo globo e desenvolve culturas, idiomas e contextos organicamente diferenciados. Essas diferenças não são petrificadas nem estáticas, mas se entrelaçam de maneiras belas e surpreendentes, por meio da união do reino de Deus forjada pelo Espírito.

Resumidamente, Bavinck acreditava que a glória de Deus se revela de forma mais clara por meio da diversidade humana, e que essa diversidade se mantém coesa pela confissão comum de Jesus como Senhor. A igreja global é um povo composto por uma coletividade de todas as tribos e línguas — uma humanidade restaurada que está cumprindo seu telos sob o senhorio de Cristo.

No entanto, Bavinck combinou essa visão positiva com severos avisos contra o racismo e o nacionalismo. Em dois de seus textos, Cosmovisão Cristã e Filosofia da Revelação, Bavinck antecipou o surgimento do nacionalismo eurocêntrico. Em meu livro mais recente, exploro como Bavinck detectou esses desdobramentos na filosofia alemã do início do século 20 — que mais tarde vieram a preparar o terreno para o regime de Hitler, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.

Bavinck atribuiu essas mudanças ideológicas ao declínio da fé cristã na Europa. Quando os seres humanos deixam de adorar a Deus, substituem o divino por realidades criadas (Romanos 1.25). Portanto, segundo ele, qualquer sociedade que se afaste da fé cristã naturalmente irá nutrir o racismo e o nacionalismo.

Se Deus não é a fonte para definir o que é verdadeiro, bom e belo, então, a moralidade deve se fundamentar na humanidade. E se a humanidade não é “genérica” ou “universal”, mas diversa e algo que está em constante evolução, então, deve-se decidir qual humanidade em qual momento da história se torna o padrão para a avaliação moral. No contexto de Bavinck, esse referencial era o nacionalismo ariano (ao qual ele se referia como “pangermanismo, pan-eslavismo, e assim por diante”), que via a raça ariana como o ápice da humanidade universal e, portanto, a encarnação da normatividade.

Bavinck cita alguns dos “eloquentes” primeiros líderes do pensamento cuja emergente ideologia racista influenciou seus contemporâneos — e cujas ideias eventualmente levaram à reconfiguração do próprio Jesus como o símbolo supremo da raça ariana.

Uma vez que cada religião olha para uma figura histórica como fonte de sua revelação, o novo nacionalismo alemão precisava reformular Jesus, transformando-o no “tipo mais puro da raça ariana ou germânica” para “manter” sua autoridade. “Jesus não veio de Israel, mas dos arianos”, segundo eles determinaram, pois todas as outras culturas passadas são primitivas, incluindo os judeus. “Quão tolo é aquele que acredita que Jesus não era judeu, que ele era ariano”, escreve Bavinck, “e que a Bíblia, na qual cada herético encontra seu texto-prova, dá a evidência dessa questão”.

Esse “renascimento da consciência racial” foi ainda mais reforçado, segundo Bavinck, pela visão histórica que muitos filósofos sustentavam em seu tempo: a de que cada estágio da história humana foi ascendendo sucessivamente até a era atual, a qual (convenientemente) era retratada como a mais evoluída e culta de todas. Assim, a linhagem ariana é vista como a raça dominante e superior, à qual todas as maiores realizações da Europa (e, portanto, do mundo) poderiam ser creditadas.

O resultado, observou Bavinck, foi que a “chamada visão puramente histórica se transforma na mais tendenciosa construção da história”. Ao situar a ética no âmbito de sua própria história e ao projetar sua cultura como se fosse a norma absoluta, os alemães se colocaram na posição de árbitros e pináculos da história, eclipsando todas as outras nações e grupos étnicos. Eles libertaram sua “raça superior” de prestar contas perante uma revelação transcendente de Deus, o que lhes permitiu impor coerção opressiva a todas as raças “inferiores” e rejeitar qualquer outra cultura como fonte de correção.

Essas ideias foram combinadas com a emergente prática da eugenia — na qual a teoria da evolução e as ciências naturais foram aplicadas à noção de criar uma raça super-humana (Übermensch). E se, por exemplo, o processo de seleção natural, por meio da “sobrevivência do mais apto”, pudesse ser acelerado pela eliminação de fraquezas genéticas, a fim de “purificar e aperfeiçoar” a raça humana? Assim, filósofos, cientistas e psicólogos se uniram em torno do objetivo de livrar a humanidade de seus infortúnios — ou, como Bavinck colocou, de “melhorar os atributos raciais da humanidade de maneira artificial”.

Bavinck conecta essas teorias em voga na época com as aspirações dos filósofos alemães de se apresentarem como os portadores de alguma forma de salvação escatológica para o mundo. Ele observa que esses pensadores não rejeitam o cristianismo apenas porque o veem como falso, mas porque é visto como prejudicial para o desenvolvimento futuro: “Se a cultura moderna pretende avançar, ela deve rejeitar totalmente a influência do cristianismo e romper por completo com a antiga visão de mundo”.

Por quê? Como Bavinck explica, enquanto a esperança humana moderna era considerada como algo que é inteiramente “deste mundo”, o cristianismo era visto por seus contemporâneos europeus como algo “indiferente a esta vida”, uma vez que sua esperança repousa, em última instância, no reino que não é deste mundo, na eternidade, no céu e em Deus. Em outras palavras, a esperança em realizações humanas tangíveis é mais segura do que a esperança em realidades divinas intangíveis.

Ver uma sociedade humana ou uma nação em particular como a portadora primária da civilização ética, segundo Bavinck argumenta, preenche o vácuo escatológico deixado pela remoção da esperança cristã da sociedade moderna. Se a lei moral não se encontra no transcendente, mas sim no imanente, então, o mesmo acontece com o céu. Neste caso, uma sociedade utópica é moldada pela nacionalidade que representar o “ponto alto” da humanidade.

Esses desdobramentos ideológicos, que estavam todos em voga na época, pintam um cenário verdadeiramente sombrio. Qual foi a resposta de Bavinck a isso — e que alternativa ele propôs?

Em sua obra Filosofia da Revelação, Bavinck aponta os problemas insuperáveis ​​de se transpor os princípios científicos da evolução naturalista para a história social da humanidade. Esse instinto reflete uma forma de monismo que, segundo ele argumentava, reduz a rica diversidade da vida criada a uma uniformidade singular — como se uma explicação que funciona bem em uma esfera pudesse ser usada para todas as áreas da vida.

Ele argumentou ainda que as tentativas de elaborar uma narrativa histórica grandiosa muitas vezes privilegiam uma nação ou um grupo de pessoas em relação a outros, e ignoram a unidade da raça humana ao longo do tempo e do espaço. Mais do que isso, alegar que cada século é intrínseca e holisticamente melhor do que o anterior é cometer uma falha em reconhecer que existiu “alta civilização” na Antiguidade, até mais avançada do que nós em alguns aspectos, e que os mesmos vícios dos tempos antigos ainda afligem nossas culturas contemporâneas.

Em vez de uma história linear de desenvolvimento progressivo, que culmina em uma nação ou em uma filosofia superior, Bavinck acreditava que a história é pluriforme, é um labirinto rico e multifacetado, e que ela narra uma humanidade unida — ao longo de todas as suas particularidades, seus lugares e seus períodos de tempo.

E para evitar o instinto supremacista de elevar uma nação ou uma fase da história, Bavinck argumentou que as ciências históricas devem estar enraizadas no teísmo cristão. Isso porque os historiadores precisam de uma “revelação” única, divina, para afirmar que “todas as criaturas […] são abraçadas e se mantêm juntas por um pensamento principal, pelo conselho de Deus”. Acreditar na unidade da humanidade, que é o “pressuposto de toda a história”, é uma alegação que “conhecemos somente através do cristianismo”.

Em vez de ver uma cultura ou etnia como a expressão universal da verdadeira humanidade, o cristianismo para Bavinck ensina que “a unidade da humanidade não exclui, pelo contrário, inclui a diferenciação da humanidade em raças, em caráter, em conquistas, em chamado e em muitas outras coisas”.

Bavinck escreve que esta “variedade foi destruída pelo pecado e transmutou-se em todas as formas de oposição” desde que “a unidade da humanidade dissolveu-se em uma multiplicidade de povos e nações”. Mas, em vez de buscar a “falsa unidade” de um monismo mundano, preservar a rica diferenciação da humanidade requer que a “unidade de toda a criação não seja buscada nas coisas em si, mas transcendentalmente […] em um ser divino, em sua sabedoria e seu poder, em sua vontade e conselho”.

Em outras palavras, reafirmar o cristianismo significa rejeitar uniformidades forjadas pelo ser humano e abraçar a diversidade que é divinamente ordenada. Somente a salvação em Cristo e a comunhão no seu Espírito, a revelação divina e a redenção podem restaurar e alcançar o ideal de uma verdadeira unidade orgânica da humanidade na diversidade.

Como seres humanos, nossa unidade e diferenciação, identidade e dignidade são todas, em última instância, asseguradas em Cristo — a quem Bavinck chama de “cerne” que revelou o “plano, o progresso e o objetivo” da história, e esvaziou nossa tendência pecaminosa de exaltarmos a nós mesmos como o ideal histórico. Em outras palavras, o centro, o objetivo, o progresso e o fim último da história não se encontram na humanidade, mas em Cristo.

A única cosmovisão que “responde à diversidade e à riqueza do mundo”, escreve Bavinck, é aquela que insiste no ponto de que a história é governada pela vontade divina. E não apenas isso, mas devemos acreditar que Deus, de forma voluntária, veio ao mundo “historicamente”, na pessoa de Jesus Cristo, para exaltá-lo “até as alturas” do “reino dos céus”.

A utopia celestial que buscamos, portanto, não é resultado do progresso histórico da humanidade, mas sim uma obra divina de Deus: “Se quisermos que algum dia exista uma humanidade unida de coração e alma, então, ela deve nascer da volta ao único Deus vivo e verdadeiro.”

Nesta era cada vez mais polarizada de hoje, a mensagem de Bavinck sobre a diversidade unificada da humanidade é mais necessária do que nunca. Em vez de assumir que a nossa visão de mundo é a última palavra ou é superior à de outros contextos, Bavinck nos lembra do testemunho profético da mensagem universal de reconciliação de Deus, encarnada em Jesus Cristo.

As reflexões antropológicas de Bavinck certamente não são perfeitas. Ele continua sendo um homem do século 19 e, às vezes, retrata análises ou uma linguagem que os leitores do século 21 rejeitariam (por exemplo, quando fala de culturas “superiores” e “inferiores”). Mas é notável que, no início do século 20, Bavinck tenha antecipado os perigos emergentes da eugenia, do racismo e do nacionalismo na filosofia alemã — coisas que estavam em voga na época, até mesmo entre cristãos.

Nos séculos que antecederam aos horrores da Segunda Guerra Mundial, quando se acreditava que “o espírito alemão curaria o mundo”, Bavinck apresentou uma visão escatológica transcendente — que é levada adiante não por mãos humanas, mas iniciada pela vontade divina, pela vontade de Deus. Em uma era pós-cristã, tanto a daquela época quanto a de agora, Bavinck nos lembra que as raízes nefastas do racismo e do nacionalismo remontam a uma rejeição das reivindicações cristãs — que alicerçam nossa dignidade, nossa moralidade e nossa esperança última em Deus.

N. Gray Sutanto é professor associado de teologia sistemática no Seminário Teológico Reformado em Washington, DC. Ele é autor, editor e tradutor de vários livros, entre eles Deus e Humanidade: Herman Bavinck e Antropologia Teológica e Manual T&T Clark sobre Neocalvinismo.

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Quando a Mídia se Torna o ‘Príncipe do Poder do Ar’

Para se libertar da desinformação e da opressão sistêmica é preciso discipular uma nação.

Christianity Today July 10, 2024
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash / Pexels

Nas Filipinas, meu país de origem, as fake news se espalham rapidamente — não apenas pelas redes sociais, mas também através da comunicação boca a boca propagada pelas “Marites”, termo em tagalo [um dos principais idiomas falados nas Filipinas] que descreve pessoas fofoqueiras.

Essa palavra é uma junção de “mare”, que significa “madrinha” e também pode se referir a grupos de amigos do bairro, com a palavra em inglês “latest” (última). Basicamente, ela expressa a ideia de “Mare, qual é a última novidade?” E assim a fofoca se espalha com rapidez, especialmente em comunidades urbanas densamente povoadas e pobres.

A tecnologia acelerou e expandiu a disseminação da desinformação para muito além do que as redes de amigos tagarelas jamais poderiam alcançar. Este fenômeno não se limita aos Estados Unidos e ao Ocidente em geral, mas também afeta países com mídia controlada ou influenciada pelo governo.

Analistas afirmam que parte da razão pela qual Ferdinand Marcos Jr. e seus aliados voltaram ao poder foi por sua habilidade em usar amplamente as redes sociais digitais para ressignificar as narrativas sobre nossa experiência de autoritarismo durante o governo de seu pai.

Cristãos ao redor do mundo têm lamentado, e com razão, a disseminação de fake news em suas comunidades, a prevalência de teorias da conspiração e o ceticismo em relação à possibilidade de se saber a verdade. Nós que vivemos no Mundo Maioritário [termo hoje usado para designar o que antes era conhecido como “Terceiro Mundo” ou, mais recentemente, como Sul Global, e que abrange África, Ásia e América Latina] também somos sensíveis a outra dimensão desse fenômeno: somos mais propensos a perceber a realidade espiritual que está por trás disso.

Discernimos como o poder demoníaco pode se alojar e se enraizar nas tecnologias da mídia — em uma nossa versão contemporânea do que Paulo denomina “príncipe do poder do ar”, em Efésios 2.2.

A linguagem utilizada por Paulo para se referir a “tronos ou soberanias, poderes ou autoridades”, em Colossenses 1.16, sugere que o poder demoníaco se manifesta não apenas em personalidades, mas também em forças sub-humanas — em estruturas e instituições — que escravizam ou oprimem as pessoas.

A falsidade frequentemente anda de mãos dadas com a opressão, diz o profeta Jeremias. Quando a verdade é suprimida da esfera pública, “opressão sobre opressão, falsidade sobre falsidade” crescem (Jeremias 9.6, ESV). Aqueles que abrem a boca para contar mentiras não se cansam de fazer o mal.

O Estado e outras instituições poderosas têm o poder de enganar multidões através da mídia e das redes sociais. Não é por acaso que a primeira coisa que os déspotas fazem para consolidar o poder é amordaçar a imprensa.

Em uma era de desinformação em massa, os cristãos devem lutar pela verdade. Enfrentamos o “príncipe do poder do ar” quando articulamos, de forma persuasiva, as normas de Deus para a sociedade, na esfera pública.

Construindo uma “comunidade hermenêutica”

Participar da vida política e social de um país não significa apenas eleger cristãos para cargos públicos ou conquistar posições de poder para promover nossos valores e nossa agenda, como faz a Direita religiosa nos Estados Unidos e em outros países. Significa criar um ambiente social e intelectual que defenda a força moral dos valores cristãos e sirva de modelo para o comportamento na esfera pública.

Como escreveu T. S. Eliot:

O que os governantes acreditam é menos importante do que as crenças às quais eles são obrigados a se conformar [cuja forma eles são obrigados a assumir]. E um estadista cético ou indiferente, que trabalha com um referencial cristão, poderia ser mais eficaz do que um estadista cristão devoto que fosse obrigado a se conformar a uma estrutura secular. […] O que primordialmente importa não é o cristianismo dos estadistas, mas o fato de eles estarem confinados, pelas tradições e pelo temperamento do povo que governam, a uma estrutura cristã dentro da qual possam realizar o que ambicionam.

Como criar esse ambiente?

Em primeiro lugar, construindo intencionalmente o que chamo de “comunidade hermenêutica”, formada por aqueles que, como a tribo de Issacar (1Crônicas 12.32), conheciam bem o tempo em que viviam e eram capazes de dar orientações sobre como influenciar e impactar a sociedade de forma eficaz.

Testemunhar, no sentido paulino do termo, é “levar cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (2Coríntios 10.5). Infelizmente, esse mandato missional tem sido negligenciado em favor de um grande esforço dedicado a proclamações superficiais do evangelho, às quais muitas vezes chamamos de “evangelismo”. Ensinamos os crentes a usar a Bíblia para questões como a salvação, mas não os ensinamos a como aplicar todo o conselho de Deus aos diversos problemas que enfrentamos diariamente.

Reconheço que o tipo de educação que capacita pessoas para se envolverem na esfera pública exige uma atenção concentrada naquelas que possuam dons e expertise profissional apropriados, abrindo suas mentes para a relevância do evangelho em todas as áreas da vida. É hora de trazer para o centro da vida e do testemunho de nossa igreja os artistas e cientistas, aqueles que tenham dons capazes de se comunicar de forma criativa com o mundo exterior.

A importância de uma comunidade hermenêutica como essa se tornou evidente para mim no auge da luta contra o regime autoritário do ex-presidente filipino Ferdinand Marcos. Alguns líderes evangélicos nas Filipinas criticavam constantemente minha organização, o Instituto de Estudos da Igreja e da Cultura Asiática (ISACC), por fazer parte do movimento de resistência contra a continuidade do governo de Marcos.

O ISACC é uma pequena comunidade de cientistas sociais, profissionais da área de desenvolvimento comunitário,escritores, artistas e alguns pastores e teólogos. Estávamos convencidos de que os resultados das eleições antecipadas de 1986, que proclamaram a vitória de Marcos, eram fraudulentos. Ele não tinha mais o direito de governar nosso país.

Organizamos um protesto em colaboração com outros movimentos. Na época, líderes evangélicos o rotularam como “rebelião”, e ficavam citando o texto de Romanos 13.1-7, que fala sobre a submissão às autoridades governantes.

Todavia, nossa interpretação do que estava acontecendo na época era bastante diferente. Para nós, o texto relevante para aquele momento não era Romanos 13, como a maioria dos evangélicos acreditava, mas sim Apocalipse 13. Há momentos em que o Estado deixa de ser um servo e assume a forma de uma besta (Apocalipse 13.5-8), e, por isso, deve ser enfrentado.

Prevaleceu a leitura que fizemos tanto da época quanto do texto que era pertinente.

Após a Revolução do Poder Popular de 1986, alguns líderes da igreja começaram a perguntar: “Como o ISACC parece estar sintonizado com os anseios do nosso povo, e nós não?”

Para não perdermos as pistas que a história nos dá, é crucial formarmos uma geração de líderes, de cabeças pensantes, que sejam capazes de interpretar os sinais dos tempos com perspicácia e aplicar os ensinamentos das Escrituras, de forma criativa, na análise e no enfrentamento das questões polêmicas da época em que vivemos.

Discipulando nações

Em segundo lugar, para criar esse ambiente social e intelectual que defenda a força moral dos valores cristãos e sirva de modelo para o comportamento na esfera pública, somos instruídos a discipular nações, não apenas indivíduos. Devemos criar dentro da nossa cultura novos sistemas de afirmação da vida.

Isso não se limita à criação de estruturas paralelas rotuladas como “cristãs”, tais quais uma “mídia cristã” ou “escolas cristãs”. Devemos nos engajar ativamente em nossa cultura e em nossas instituições. Analisamos criticamente nossos costumes e tradições, e os voltamos para Cristo e os valores do Reino.

O forte clamor que levantamos contra Marcos pode ter ocorrido há 37 anos, mas continuamos a lutar contra bestas igualmente sinistras nos dias atuais.

Por exemplo, há um ressurgimento do autoritarismo em muitos países, nos quais se supunha que a democracia tivesse sido restaurada. O culto ao caudilho ou ao mítico líder forte persiste.

Parte da razão para isso é a falta de congruência entre os valores operantes na cultura e as estruturas de governança estabelecidas. Como o sociólogo guatemalteco Bernardo Arevalo afirma: “Temos o hardware da democracia, mas o software do autoritarismo”.

A mudança requer um “software” de valores que sustentem o “hardware” das estruturas e instituições que colocamos em prática.

A criação de padrões culturais de sustentação que farão com que nossos sistemas funcionem exige que discipulemos a nação toda. O processo começa com a transformação interna dos indivíduos, mas não termina aí. Essa mudança deve resultar nas “boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos” (Efésios 2.10), que depois se espalham por toda a sociedade em geral.

O renomado missiólogo e historiador Andrew Walls, ao analisar a transição do judaísmo para a enculturação de formas do pensamento grego que ocorreu no cristianismo, explica como a Bíblia interage com as culturas e transforma o tecido social das nações:

A Palavra deve penetrar em todas essas formas distintas de pensamento, essas redes de afinidade, essas maneiras específicas de fazer as coisas, que conferem a uma nação seu aspecto comum, sua coesão, sua identidade. [A Palavra] precisa percorrer os processos mentais e morais compartilhados por uma comunidade.

Ao proclamarmos a Palavra de Deus na esfera pública, libertamos as pessoas das “fortalezas” mentais descritas por Paulo em 2Coríntios 10.4. Nesse sentido que Paulo confere à palavra, essas fortalezas não se referem apenas a domínios de poderes espirituais exteriores, mas sim à rede [interior] de mentiras que trazemos na mente e que moldam a consciência da sociedade e mantêm nossas culturas sob escravidão.

Testemunhar envolve a destruição das barreiras intelectuais que impedem a fé em Cristo. Significa propagar a Palavra de Deus e fazer “cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (2Coríntios 10.5).

Infelizmente, reduzimos nosso testemunho a fórmulas pré-fabricadas do evangelho, acreditando que elas serão eficazes em qualquer cultura. Essa abordagem superficial não toca o coração e a mente das pessoas de forma genuína. Também é lamentável o fato de que todos nós que aprendemos teologias desenvolvidas no Ocidente tenhamos uma tendência a negligenciar a natureza cultural e encarnacional do nosso testemunho.

Um trabalho transformador

Hoje em dia, a pobreza massiva causou a erosão dos valores do povo filipino. A pressão econômica faz com que nossos burocratas abram mão da integridade e transforma nossos trabalhadores em mão-de-obra estrangeira que se dispõe a ser contrabandistas e entregadores de drogas em terras remotas. No idioma tagalo, chamamos a isso de kapit sa patalim, uma referência à forma como as pessoas agarram com avidez a lâmina de uma faca afiada — mesmo cortando a própria mão — apenas para aproveitar oportunidades para sobreviver.

Mas a mudança pode acontecer e pode se espalhar através das estruturas que organizam a nossa vida em comum, da mesma forma que a igreja primitiva, através da sua prática e de seu testemunho sob perseguição, rompeu as barreiras de classe, raça e gênero, vindo finalmente a rasgar o tecido social da sociedade greco-romana, uma civilização que se sustentava nas costas de escravos.

A batalha pela alma de um povo começa com a mente. As pessoas seguem o “príncipe do poder do ar” até que a Palavra as alcance. E, à medida que o evangelho penetra e transforma nossos modelos mentais de como o mundo funciona, as comunidades são capacitadas a avançar rumo a novos padrões culturais.

Melba Padilla Maggay é escritora e antropóloga social. Ela atua como presidente da Miqueias Global e já foi presidente do Instituto de Estudos da Igreja e da Cultura Asiática.

“Speaking Out” é uma coluna da Christianity Today que expressa a opinião de pessoas convidadas e (ao contrário de um editorial) não necessariamente representa a opinião da revista.

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Estou trocando minha carreira pela maternidade. Mas nem uma coisa, nem a outra vai me trazer realização

Este não é um problema da mulher, é um problema do ser humano.

Christianity Today July 5, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Getty

A visão de um avião voando bem acima de mim costumava fazer meus olhos brilharem com um ar sonhador. Naquela época, eu havia largado a faculdade, pesava pouco mais de 23 quilos, depois que anos de anorexia me reduziram a pouco mais do que órgãos e pele.

Sempre que ouvia os aviões passando, eu olhava para o céu e imaginava as pessoas lá em cima, ocupadas vivendo a vida, provavelmente voando para importantes reuniões de negócios e conferências em Hong Kong ou Los Angeles, ou fazendo quaisquer outras coisas importantes que fazem as pessoas que não estão morrendo de algum transtorno alimentar. E eu ficava ali parada, agarrando-me àquela dor visceral no meu peito, lembrando dos dias em que sonhava em me tornar uma jornalista que viajaria pelo mundo afora.

E, vinte anos depois, é justamente isso que faço. Escrevo longas histórias sobre várias partes do mundo. Hoje sou aquela pessoa ocupada que está num avião, voando para participar de reuniões e conferências. Já andei a cavalo nas selvas da Birmânia para fazer uma matéria sobre uma organização de ajuda humanitária nada convencional; voei em um avião de dois passageiros sobre os reinos de gelo do remoto Alasca, para fazer uma reportagem sobre os nativos da região; passei por girafas e gazelas que pastavam em campo aberto, enquanto fazia reportagens sobre missões para imigrantes chineses no Quênia.

Finalmente estou vivendo o sonho que me parecia uma fantasia há 20 anos, na época em que perdi todo o propósito e o sentido da vida. Hoje, porém, grávida do meu segundo filho, estou desistindo desse sonho para ser uma mãe que fica em casa em tempo integral, sabe-se lá por quanto tempo — e não estou nada bem com isso.

Eu sei o quanto sou incrivelmente privilegiada por ter a opção de não trabalhar. Também sei que é uma bênção ter filhos, quando tantas mulheres lutam contra questões como infertilidade e aborto espontâneo. Por isso, é com uma certa vergonha que confesso: estou apavorada com essa transição de mãe que trabalha fora para mãe que só fica em casa.

Acalentei por tanto tempo esse sonho de fazer o que faço hoje, e trabalhei tanto para chegar até aqui, que desistir disso agora me dá a impressão de que o tempo parou de repente, quando eu estava bem no meio de uma cambalhota da minha coreografia de ginástica, e fiquei congelada, como um corpo preso em uma espiral rígida no ar, sempre caindo, mas nunca aterrissando.

Quando compartilhei essa dificuldade que estou sentindo com meu grupo de discipulado, nossa líder — uma mulher com três filhos adultos, que desistiu de uma possível carreira de enfermeira para ser mãe em tempo integral — estalou a língua e disse: “Eu sei qual é o problema. Você é a típica mulher moderna.”

Ela está certa. Eu sou de fato um estereótipo da mulher moderna que se irrita com os estereótipos dos papéis de gênero. Eu professo meu apoio às mulheres que lutam por seus sonhos, quer seja como engenheira, piloto ou dona de casa — mas, verdade seja dita, até recentemente, eu não conseguia entender as mulheres que escolhiam a maternidade como vocação.

Ser mãe nunca foi meu sonho. Nunca me convenci com o dito popular de que as mulheres podem fazer tudo. A matemática não fazia sentido: você não pode dar 100% para sua carreira e outros 100% para a maternidade. Eu escolhi a carreira, obviamente; não achei que tinha um pingo sequer de instinto maternal. Mesmo o bebê mais gordinho e rosado nunca me fez pensar o contrário. Por que eu iria querer levar um desses para casa?

A conversa sobre feminilidade e maternidade muitas vezes parece acabar em cansativas guerras culturais em torno de metafóras, e não de mulheres de verdade: um dos lados declara que a mulher é livre para fazer o que quiser, para seguir o próprio coração (mesmo sabendo que temos corações tão voláteis, imprevisíveis e inconsistentes quanto o do meu filho pequeno).

O outro lado diz que mulheres como eu engoliram as “mentiras diabólicas” sobre a feminilidade. Diz que a vocação mais elevada ou maior de uma mulher é ser esposa e mãe. Diz que o movimento feminista enganou as mulheres, fazendo-as acreditar que uma carreira pode nos realizar e que ser dona de casa é algo sem graça e sufocante.

É bem verdade que a sociedade não valoriza o suficiente as donas de casa, o que pode fazer com que as mulheres que optam por ficar em casa se sintam menosprezadas e diminuídas. Isso explica a ascensão das “esposas tradicionais”, um fenômeno de mídia social em que as mulheres se recusam a se desculpar por seus aventais e, em vez disso, reivindicam para si, com orgulho, os valores “tradicionais” da feminilidade, que elas interpretam como ficar em casa para cozinhar, limpar e cuidar da família, algo que muitas vezes é retratado por meio de filtros vintage, usados para uma estética atraente.

Nenhum dos dois lados me convence. E esse não é o tipo de conversa que tenho com outras mulheres que lutam para se sentirem realizadas na maternidade ou na carreira.

Sim, suponho que sou essa “típica mulher moderna”. Mas há algo mais. Há aquelas horas deliciosas que passei, na infância, enchendo meu diário com ideias e histórias não eram brados feministas, mas sim uma expressão inata de um Deus criativo, que abençoou homens e mulheres para criarem e cultivarem. Eu não ia trabalhar animada com a perspectiva de derrubar o patriarcado ou conquistar riqueza ou status social. Eu trabalhava porque amava meu trabalho.

Mas, então, isso mudou. Nosso filho, que já estava crescendo em meu útero por meses antes que eu finalmente o notasse, começou a chutar. E antes que eu me sentisse pronta para ser mãe, dois anos atrás, ele nasceu com seu choro indignado.

Graças aos benefícios da licença-maternidade remunerada do estado da Califórnia, pude tirar quatro meses de licença. Os 122 dias cuidando do meu filho em tempo integral se transformaram em um torpor confuso, marcado por poucas horas de sono e impregnado dos aromas enjoativos do adocicado leite materno e de arrotos azedos. Eu não sabia mais dizer quando o sol nascia e quando se punha.

Mas eu também nunca senti tamanha ternura na vida. O amor que floresceu dentro de mim não era como uma flor de lua de mel, fresca e cheia de vida em uma estação, murcha e desbotada na próxima. Ele simplesmente continuou crescendo, como uma hera encantada em uma dança perene e exuberante. Observei esse amor que brotava com admiração e curiosidade jornalística: meu corpo realmente tinha gerado essa criaturinha mágica? Como um bebê tão enrugado e amassado podia parecer tão doce e encantador aos meus olhos?

Eu não conseguia mais imaginar minha vida sem nosso filho, não conseguia imaginar como um dia eu pude desejar uma vida sem ele. E, ainda assim, eu também ficava tremendamente entediada. Mal podia esperar para voltar ao trabalho. No meu primeiro dia de volta da licença-maternidade, tirei o pó da minha mesa e me sentei, com uma xícara de café fumegante — morna jamais —, e senti como se tivesse ganhado umas férias de presente. Eu me sentia como alguém que tinha sido libertado, de muitas maneiras. Meu intelecto, fora de forma pelos tempos de negligência, agora podia voltar a explorar outras coisas além de momentos segurando o bebê de barriga para baixo e os intervalos entre uma soneca e outra dele.

Mas também voltei uma pessoa diferente. Eu me sentia mais velha, mais irritada, mais lenta. Minha criatividade estava pesada e congestionada como um resfriado persistente. Eu estava sem foco, com todos os meus sentidos superestimulados por uma criança ávida por comida, toque, atenção — ávida por tudo e muito mais do que eu tinha para dar.

Viagens para fazer alguma reportagem se tornaram uma correria logística para tirar e etiquetar um freezer de leite materno, preparar duas semanas de refeições saudáveis, pagar a babá pelas horas extras e, às vezes, trazer os avós de avião do outro lado do país para me ajudar com o bebê.

Descobrir uma maneira de administrar meu estoque de leite materno era estressante. Certa vez, fiquei presa no banco de trás, entre dois homens adultos, em um caminhão à prova de balas, durante uma viagem de 10 horas pelos campos da Ucrânia devastada pela guerra. Paramos para um almoço rápido e corri para o banheiro, tentando freneticamente tirar leite manualmente na pia.

Isso afetou meu casamento. Ver o rosto exausto e abatido do meu marido, durante nossas videochamadas, quando eu estava trabalhando no exterior, me fez sentir culpada e irritada. Quando voltava para casa, cansada da viagem, meu marido me recebia com o alívio de alguém que está se afogando e avista uma jangada e, então, rema loucamente para escapar do afogamento, me deixando nas águas turbulentas para compensar a minha folga da maternidade.

Eu amo nosso filho intensamente, profundamente. Mas não acho a maternidade gratificante; ainda assim, o trabalho também não me parece mais gratificante. Talvez nunca tenha sido, porque, mesmo antes de me tornar mãe, lembro que eu passava cada aniversário me sentindo ansiosa por mais um ano que passara, meus 20 anos caminhando para os 30 e tantos, enquanto eu me sentia tão faminta quanto tinha estado na época da anorexia, com um buraco de insatisfação por eu não estar tão realizada ou ter tanta influência quanto queria.

Essa preocupação com a realização pessoal é um problema tão de primeiro mundo, tão típico do século 21! É algo que ouvimos com frequência: Meu casamento é gratificante? Minha carreira é gratificante? Minhas amizades são gratificantes? Na época [em que lutava contra a anorexia] em que eu não tinha nada além de ossos, o que faço hoje me parecia o céu, as estrelas, a galáxia, o universo inteiro.

Hoje, tenho as estrelas e a galáxia — além do presente inesperado e não solicitado da maternidade —, e ainda não me parece o suficiente.

Se a resposta para isso é que o feminismo contemporâneo fez uma lavagem cerebral em mim e que só o que eu preciso é recuperar o “verdadeiro” significado da feminilidade, então, isso é apenas amontoar vergonha sobre vergonha e me enganar, ao me levar de uma falsa ilusão para outra. Já vi muitas mães que ficam em casa em tempo integral compararem seus filhos e sua criação com os de outras pessoas, e depois afundarem em uma crise de identidade, quando seus filhos não estão bem ou quando vão para a faculdade.

Este não é um problema da mulher, é um problema do ser humano.

A maioria dos homens parece ter os dois mundos: a paternidade e a carreira. Ninguém os critica por perseguirem suas ambições, e todos os elogiam por levarem os filhos para brincar no parque. Também não ouvimos tantos homens falando sobre sacrificar a carreira pela família, e isso é uma pena. Conheço um homem que estava sempre ocupado demais construindo sua empresa que nem pensava em se casar, e agora, quase na casa dos 50 anos, já rico e bem-sucedido, ele está namorando mulheres de 20 e poucos anos porque quer muito ter filhos. Teria sido bom se ele tivesse pensado mais cedo sobre os sacrifícios que faria para perseguir suas ambições.

Muito do que desejo é bom. Fui feita à imagem de um Criador. Fui feita para criar, o que inclui gerar filhos, mas não apenas filhos; além disso, o trabalho e a maternidade nunca tiveram o papel de me satisfazer. Antes mesmo que os seres humanos começassem a procriar ou a cultivar coisas, Deus já se comprazia neles e dizia que eram “muito bons”, simplesmente por serem [quem são]. Deus criou uma humanidade que já se satifaz nele. A fecundidade e o domínio são uma bênção, um bônus adicional.

É assim que a Bíblia começa, em Gênesis 1 e 2. O problema é que eu estou presa na repetição da história de Gênesis 3, como num círculo vicioso.

Eu estava me sentindo insegura, exausta e insatisfeita quando reli Gênesis 3 recentemente. Deus abriu meus olhos e eu me enxerguei. Vi a Serpente distorcer a Palavra de Deus, distorcer o caráter de Deus e plantar dúvida e tentação em minha mente: Deus é realmente bom? Estou realmente contente? Eu me vi em pé, cercada de todos os frutos que eu poderia comer no jardim, mas, no entanto, fixando meu olhar no único fruto que Deus proibira. O jardim, com toda a sua abundância transbordante e que se reabastece, não era suficiente para mim. Deus não era suficiente. Eu queria aquele fruto.

É o pecado do orgulho. É o orgulho que gera essas expectativas cada vez maiores em mim, orgulho que mede meu valor por aquilo que produzo. Mas nunca estarei satisfeita, porque sei muito bem o quanto estou aquém, quantas pessoas são melhores do que eu, e, então, sinto a vergonha e o medo de ser exposta, descoberta. Posso não estar mais me matando de fome [por causa da anorexia], mas a mesma mistura tóxica de orgulho e vergonha que se transformou em um transtorno alimentar ainda corre em minhas veias.

Gênesis 3 não é uma história de muito tempo atrás. É a realidade atual. É o motor que move este mundo, que me move.

Quando meu segundo filho nascer, vou me concentrar na maternidade por um tempo indefinido, porque Deus me chamou para ser fiel a esta fase da minha vida. Vou repetir os ciclos de amamentar, balançar e fazer arrotar, e isso vai me parecer maçante e monótono.

Vou tentar ser fiel, mas provavelmente vou me sentir ressentida. Minhas costas vão doer e meu cérebro vai ranger. Lutarei contra todo desejo de não ficar impaciente com meu filho pequeno e meu marido, e às vezes vou perder essa luta. Ficarei entediada. Não sentirei que é o suficiente e desejarei buscar realização em algo mais — até eu me lembrar do jardim, e me lebrar que Gênesis 3 não é o fim da história.

Há uma graça cheia de frescor neste tempo que se aproxima. Talvez eu não devesse achar injusto que as mulheres tenham a tendência de lutar mais com os sacrifícios da carreira e da maternidade. Talvez isso seja uma bênção, porque essa transição de mãe que trabalha fora para mãe que fica em casa em tempo integral vai me cutucar e me esticar em pontos sensíveis e doloridos, me tirando do meu sistema habitual de funcionamento, para que eu reflita e troque velhos padrões de pensamento por novos.

E não há nada de maçante nem de monótono nisso.

Sophia Lee é redatora global da Christianity Today.

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Corrupção é um problema de discipulado

Seis formas de piorar o problema e cinco passos para encontrar uma solução.

Christianity Today July 5, 2024
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Getty / Unsplash

Liderados pelo chefe de polícia do Malawi, 19 agentes armados cercaram a casa de Martha Chizuma, na capital Lilongwe, às 4 da manhã do dia 6 de dezembro de 2022. Levada por eles ainda de pijama, na escuridão da madrugada, Chizuma, diretora-geral do Bureau Anticorrupção do Malawi, foi forçada a se ajoelhar no chão ao ser interrogada na delegacia de polícia, antes de ser liberada. Sua prisão foi uma represália por seus esforços para expor a corrupção no alto escalão do governo.

Advogada formada em Londres e ex-ombudsman do governo do Malawi, Chizuma foi a primeira líder anticorrupção do Malawi escolhida por meio de um processo puramente baseado no mérito. “As pessoas lutaram contra minha nomeação e agora queriam me minar”, explicou ela, especialmente porque estava liderando uma grande investigação sobre corrupção que era “um precedente do compromisso que o governo tem com a integridade”.

As pessoas que arquitetaram sua prisão presumivelmente esperavam silenciar uma autoridade pública temente a Deus que está determinada a “cuspir fogo em políticos corruptos”, como disse uma reportagem do Nyasa Times, vários dias depois. Mas não tiveram sucesso [em sua tentativa].

A luta contra a corrupção exige coragem como a de Martha, em parte, porque a corrupção oferece recompensas imensas. Seu impacto financeiro global é notoriamente difícil de estimar, mas o total pode exceder a cifra de 1 trilhão de dólares por ano. Todo ano, 25% dos adultos do mundo pagam pelo menos um tipo de suborno. As exigências de suborno vindas de autoridades públicas fazem com que muitas nações de maioria cristã sejam mal classificadas ​​no Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional.

Muitas vezes, os evangélicos fazem parte do problema da corrupção, que assume muitas formas: suborno, fraude, nepotismo, tráfico de pessoas, esquema para trocar sexo por notas na faculdade, lavagem de dinheiro, professores fantasmas em escolas e muito mais. Uma africana que estudou em um seminário evangélico dos EUA, depois de trocar dólares americanos por moeda local, me chocou, quando disse: “Eu só negocio com cambistas muçulmanos. Eu jamais confiaria em um cristão!”

“A Igreja precisa limpar seu estábulo de Augias”, disse o ex-presidente nigeriano Olusegun Obasanjo, em 2017, comparando as igrejas nigerianas aos estábulos cheios de esterco do mito grego. “Elas não só celebram, mas também veneram aqueles cujas fontes de riqueza são questionáveis. Elas aceitam presentes… de qualquer pessoa, sem fazer perguntas. Isso dá a impressão de que tudo é aceitável na casa de Deus.”

Por que os cristãos são tão insensíveis à corrupção e, muitas vezes, até participam dela de forma flagrante? Há pelo menos seis razões.

Primeira, alguns na igreja não estão dispostos a responsabilizar profissionais cristãos [que praticam esses atos]. Outros vivem em deliberada ignorância, como se não fosse possível que colegas crentes fossem corruptos; com isso, deixamos de atentar para os sinais de alerta ou de realizar as devidas investigações.

A segunda razão é que, em alguns casos, a mudança da religião popular tradicional para a afiliação cristã pode de fato exacerbar a corrupção. Um relatório recente, não publicado, baseado em entrevistas com 48 líderes cristãos na África, explicou que muitos seguidores da religião tradicional africana não ousam mentir, porque acreditam que seus ancestrais os observam lá do além e podem lhes aplicar uma punição certeira e rápida. Em contraste, alguns dos entrevistados disseram que os cristãos africanos parecem mais propensos a mentir — mesmo quando juram sobre a Bíblia —, porque acham que o Deus cristão é misericordioso e tardio para julgar.

Terceira razão: se os pastores fizerem “pregações contra a corrupção, eles perderão membros que dão grandes ofertas”, diz Orinya Agbaji Orinya da Palace of Priests Assembly [Assembleia Palácio dos Sacerdotes], uma igreja que fica em Abuja, na Nigéria. Em muitos casos, diz Orinya, a dependência das igrejas protestantes em relação a ofertas as leva a evitar ofender doadores que são corruptos, mas generosos.

Quarta razão: em muitos países, pastores ou profissionais cristãos nutrem uma expectativa de beneficiar suas famílias e suas comunidades étnicas, um fenômeno que a jornalista Michela Wrong chama de “chegou a nossa vez”. Também conhecido como demanda compartilhada, esse padrão gera intensas pressões sobre os líderes para saquear as finanças da organização em benefício de amigos e parentes.

Uma quinta razão pela qual os cristãos estão ausentes da luta contra a corrupção — diz Munkhjargal Tuvshin, pastor da Truth Community Church [Igreja Comunidade da Verdade], em Ulaanbaatar, na Mongólia — é por sua mentalidade dualista. “A maioria dos cristãos”, afirma Tuvshin, “diria que a corrupção é um problema do mundo, e não da igreja. Essa mentalidade dualista nos afasta de defender a verdade”.

Orinya, que está desenvolvendo uma grande campanha anticorrupção entre os pentecostais da Nigéria, propõe mais um fator que impulsiona a corrupção entre os cristãos: o evangelho da prosperidade. De acordo com Orinya, a mensagem herética desse movimento, que prega que “se você for pobre, não deve ser filho de Deus”, às vezes incentiva os ouvintes a roubarem, por acreditarem que até mesmo o ganho ilícito é uma bênção divina.

Como os cristãos podem fazer uma diferença substancial no combate a culturas de corrupção ao redor do mundo?

O primeiro passo é discipular as pessoas para que priorizem atos diários de integridade diante de normas culturais que favorecem a desonestidade. Citando Efésios 4.25 (“Portanto, cada um de vocês deve abandonar a mentira e falar a verdade ao seu próximo, pois todos somos membros de um mesmo corpo”), o pastor Taba Ebenezar, de Bamenda, Camarões, exorta sua congregação e os membros da comunidade a “fazer de cada dia um dia de integridade”.

Discípulos bem treinados sabem que Deus não é um espírito transacional que derrama favores sobre aqueles que pagam o suborno exigido, quer seja para um xamã ou para alguém que pregue a prosperidade. Ebenezar, cuja nação ocupa a 140ª posição entre 180 nações no Índice de Percepção de Corrupção, diz: “Não podemos falar apenas de salvação, quando o país está regredindo”.

Segundo, as igrejas devem se tornar sociedades modelo. Os líderes seculares serão mais capazes de vislumbrar nações que sejam livres de corrupção, quando as igrejas exemplificarem o que é uma vida livre de corrupção. Muitas igrejas e organizações missionárias disfarçam comportamentos antiéticos por meio de práticas de gestão falaciosas, como o uso de acordos de confidencialidade, minando assim a mensagem de esperança e honestidade que a igreja deveria estar encarnando.

A Global Trust Partners (GTP) [Parceiros de Confiança Global], uma subsidiária mundial do US Evangelical Council for Financial Accountability [Conselho Evangélico Estadunidense para Responsabilidade Financeira], está buscando remodelar o comportamento de igrejas e organizações cristãs, por meio de grupos de prestação de contas entre pares que promovem uma integridade fiscal e ética acompanhada de generosidade. Como observou o diretor financeiro da GTP, Matthew Gadsden, da Austrália: “Uma vez que a transparência na governança entra no cenário, as pessoas podem doar com a confiança de que a sua doação será usada para os propósitos aos quais se destina.”

Os líderes da igreja muitas vezes não percebem o quanto grupos seculares como a Transparency International [Transparência Internacional] precisam deles. Roberto Laver, ex-advogado do Banco Mundial que trabalha com questões ligadas à corrupção na América Latina, diz que os grupos seculares “têm todas as ferramentas de prestação de contas social”, mas não têm as redes sociais nem a ética universal que a igreja oferece.

Laver traça um contraste interessante entre católicos e evangélicos na América Latina, afirmando que a “Igreja Católica Romana falará sobre todas as questões, incluindo corrupção… mas sua verborragia faz pouca diferença [do ponto de vista pessoal]. Quanto aos evangélicos, são mais honestos do ponto de vista individual, mas publicamente são mais calados.” Laver pergunta: “Se a igreja não está exibindo mais honestidade em público, que esperança há no evangelho?”

A terceira parte da estratégia diz respeito à educação sobre aspectos da cosmovisão cristã que desencorajam o envolvimento em corrupção: a soberania de Deus, suas expectativas éticas para os crentes e o potencial transformador da fé em Cristo. O pastor Ebenezar, de Camarões, recebeu um convite aberto de funcionários de escolas públicas para ensinar integridade às crianças, uma peça-chave para romper com a cultura da corrupção. A militância pública e visível de Ebenezar inclui um programa de rádio semanal, bonés e camisetas pró-integridade e a entrega de prêmios de integridade no intervalo dos jogos de futebol juvenil.

Como diz o especialista britânico anticorrupção Martin Allaby, “Não há substituto para uma mudança cultural profunda”. Seja por meio de filmes ou de música, nas igrejas, escolas ou lares, e seja com adultos ou com crianças, ensinar uma cosmovisão cristã fornece uma base racional para os esforços destinados a conter a corrupção.

Em Jinja, Uganda, junto com a programação normal de rádio, o diretor da estação, Anyole Innocent, defende uma visão cristã de integridade no Busoga One, que tem 1 milhão de ouvintes diariamente. Esforços criativos como o de Innocent e iniciativas semelhantes na mídia social são maneiras persuasivas de reforçar uma cosmovisão cristã e de mobilizar os crentes a se oporem à corrupção.

Uma cosmovisão cristã também reconhece como são confusas as situações em que as tentações para se corromper estão profundamente entrelaçadas com a pobreza. Funcionários públicos que pedem subornos podem ser eles próprios vítimas de altos funcionários corruptos, que retêm seus salários — ou pode ser que só o salário que ganham seja insuficiente para alimentar sua família. Deus pode nos chamar para compartilhar dádivas com famílias empobrecidas — especialmente com aquelas que são da igreja —, para que elas não se sintam impelidas a considerar a hipótese de pedir subornos. Curiosamente, enquanto a Bíblia frequentemente condena receber subornos, em nenhum lugar ela condena dar subornos. Mas aqueles que se sentem compelidos a oferecer subornos devem considerar até que ponto, em sua própria situação, fazer isso perpetua um sistema maligno.

Uma quarta estratégia-chave, destacada pelo sociólogo James Davison Hunter, da Universidade da Virgínia, é o desenvolvimento de redes de líderes de alta performance que possam trabalhar juntos em todos os setores da sociedade. O grupo de Clapham, de William Wilberforce, no final do século 18 e início do século 19, reunia banqueiros, parlamentares, inventores, ativistas, pastores, escritores e educadores em torno de determinados esforços que, com o apoio do avivamento wesleyano, mudaram profundamente e para melhor a antiga Inglaterra corrupta. Redes de alto performance podem coordenar um planejamento geral anticorrupção, ao mesmo tempo em que vinculam o que acontece nas igrejas a diálogos e esforços de reforma de alcance nacional.

A Pathways for Integrity Network [Caminhos para uma rede de integridade], lançada recentemente em Uganda, exibe potencial para se tornar uma rede anticorrupção de alta performance. Innocent, diretor da estação de rádio, comentou: “Olhando para o futuro, imaginamos uma rede na qual as organizações confiem em nós para treinar seus funcionários, na qual os geradores de empregos e as pessoas que se candidatam a eles confiem em nossas recomendações, e na qual os investidores ocidentais busquem nossa assistência em projetos ugandenses, inclusive para iniciativas governamentais, como algo respeitável”.

A Faith and Public Integrity Network [Rede de Fé e Integridade Pública], fundada em conjunto por Allaby e Laver, reúne acadêmicos e líderes cristãos em prol de esforços compartilhados. Alguns evangélicos, como Martha Chizuma, no Malawi, participam de redes de alta performance, como as Chandler Sessions, que não são especificamente cristãs.

A quinta parte da estratégia envolve ter um porta-voz virtuoso e sacrificial como o rosto do movimento, alguém como Martin Luther King Jr., que legitimou o movimento pelos direitos civis dos EUA, nas décadas de 1950 e 1960. Os ativistas precisam de um líder que una suas vozes em prol da mudança. Ebenezar é uma dessas vozes em Camarões, e declara com esperança: “Se nós, pastores, nos envolvermos com essa questão, [nossa iniciativa] restaurará e libertará a nação!”

Talvez precisemos de um James Yen do século 21 para liderar a luta contra a corrupção global. Yen foi um renomado reformador agrário cristão, durante o embate titânico na China entre os nacionalistas (o governo que administrou a China de 1912 a 1949) e os comunistas. Tanto Mao Tsé-Tung quanto Chiang Kai-shek o recrutaram para participar de seus respectivos governos; ele recusou ambos os convites.

Certo dia, após essas recusas educadas, mas sinceras, um importante funcionário do governo que passava em uma limusine viu Yen cair de sua bicicleta, ao cruzar os trilhos do bonde. No dia seguinte, um automóvel novo apareceu misteriosamente no local em que Yen estava hospedado. Sem dizer uma palavra, ele guardou o carro na garagem de um amigo, optando pelo constrangimento e por calças enlameadas, em vez de trair sua integridade cristã ao aceitar presentes de um governo corrupto.

Nem todos os cristãos devem se recusar a servir em governos corruptos. Mas líderes virtuosos e sacrificiais como Yen podem apontar e expor corrupção de forma poderosa. Quando as “obras infrutíferas das trevas” (Efésios 5.11) são expostas, elas definham sob a luz resplandecente da verdade.

Em Tegucigalpa, capital de Honduras, a Associação para uma Sociedade Mais Justa (ASJ) tem se concentrado incansavelmente na questão da corrupção em escolas públicas, alcançando ganhos enormes para os 2 milhões de crianças em idade escolar do país. Os esforços da ASJ reduziram a porcentagem de professores fantasmas (que não aparecem para dar aulas, mas continuam recebendo salários) de 26% para 1% em dois anos.

Quando as escolas reabriram, após ficarem fechadas por 28 meses devido à COVID-19, a ASJ novamente mobilizou seus 20.000 voluntários para monitorar as escolas e detectar casos de professores fantasmas. Graças aos voluntários, diz o cofundador da ASJ, Kurt Ver Beek, os estudantes hondurenhos receberam seus 200 dias programados de aulas, no ano letivo de 2023–2024. A ASJ persistiu, apesar do assédio ocasional de alguns funcionários do governo.

No Malawi, Martha Chizuma também está persistindo, com o incentivo de alguns amigos. Três dias após sua prisão inesperada perto do amanhecer, ela estava esperando seu motorista, quando viu dez mulheres bem pobres se aproximando. “Elas me abraçaram, chorando, porque souberam o que tinha acontecido comigo”, lembrou Chizuma. “Uma delas disse: ‘Fiquei tão preocupada quando prenderam você, porque sabíamos que você era a única que está lutando por nós!’”

Embora o Malawi tenha um presidente evangélico, Lazarus Chakwera, a corrupção profundamente enraizada que assola o país ainda não foi eliminada. Em maio, quando as acusações de corrupção contra uma importante autoridade pública foram repentinamente retiradas, a decepção lembrou Chizuma de que seu caminho costuma ser solitário. Precisamos de mais evangélicos como aquelas dez mulheres que encorajaram Chizuma a continuar sua luta difícil, porém crucial.

Robert Osburn é membro sênior do Wilberforce International Institute e autor de Taming the Beast: Can We Bridle the Culture of Corruption? [Domando a fera: podemos conter a cultura da corrupção?].

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“Divertida Mente 2” põe a ansiedade em seu devido lugar

Veja o que o filme pode ensinar a jovens cristãos preocupados com o futuro.

Christianity Today July 4, 2024
©Disney

“Sabe, eu não sinto a presença de Deus como costumava sentir. O que há de errado comigo?”

“Não tenho sequer certeza se realmente acredito em Jesus. Será que posso dizer isso?”

“Minha escola cristã nunca me ensinou sobre o racismo nos Estados Unidos. O que faço com tudo isso que estou aprendendo [sobre o racismo]? Como posso voltar para esse tipo de cristianismo [que negligencia o racismo]? Será que devo [voltar para esse cristianismo]?”

Tenho o privilégio de me sentar com jovens cristãos, enquanto eles fazem perguntas como essas — perguntas sobre identidade e desenvolvimento, mudança e crescimento. Quem estou me tornando? Eles querem saber. E como isso se relaciona com quem eu fui até agora?

Esse questionamento está no cerne do filme Divertida Mente 2, a sequência de sucesso lançada nas férias do meio do ano. Os fãs da Pixar conheceram Riley, de 11 anos, no primeiro filme (em 2015), quando Alegria, Medo, Tristeza, Raiva e Nojinho trabalharam em conjunto para ajudá-la a enfrentar [o desafio de] uma nova escola.

Agora, Riley está prestes a começar o ensino médio, e está tentando encontrar seu lugar no time de hóquei e atravessar as complexidades da puberdade. Sua adolescência apresenta às cinco emoções originais companhias novas e perturbadoras: Vergonha, Inveja, Tédio e — a mais notável entre elas — Ansiedade.

A ansiedade desempenha um papel complicado em nossa vida — por um lado, é paralisante; por outro, é prudente. Por ser orientada para o futuro, ela nos ajuda a identificar resultados negativos e a trabalhar para torná-los menos prováveis. A ansiedade nos mantém longe da beira do abismo; a ansiedade nos impede de tirar selfies com ursos.

Com a ansiedade no comando, vemos Riley transitar com algum sucesso pelos perigos da vida adolescente. Ela faz novos amigos, mais velhos do que ela, ao adivinhar os tipos de coisas sobre as quais as garotas do ensino médio falam, e até mesmo arriscando uma conversa com a capitã do time de hóquei, Val, para compensar o começo difícil que teve com algumas das outras companheiras de equipe.

Mas Divertida Mente 2 também deixa claro que a ansiedade — mesmo quando “bem-sucedida” — tem seu custo. Riley fica imaginando freneticamente o que os outros podem pensar dela, e em como as coisas podem dar errado na sua vida esportiva e social. Ela desenvolve uma “intolerância a incertezas”; vê perigo onde não existe, sempre atormentada porque não consegue saber tudo o que suas companheiras de time e seus treinadores pensam dela. Em uma cena que retrata particularmente sua ansiedade, ela imagina que se sairá tão mal que será ridicularizada pelo time; um minuto depois, ela se preocupa quanto a ser boa demais e vir a causar inveja em suas companheiras de equipe. Desesperada por algum conhecimento objetivo de onde se encontra, ela trai seus valores, ao dar uma espiada na caderneta com anotações pessoais da treinadora.

À medida que a Ansiedade trabalha cada vez mais freneticamente para conduzir Riley por situações estressantes, as outras emoções percebem algo crucial: a Ansiedade também está apenas tentando fazer o seu melhor. Elas param de travar batalhas do tipo o vencedor leva tudo e, em vez disso, ajudam a Ansiedade a encontrar seu lugar na complexa vida emocional de Riley. As contribuições positivas da Ansiedade podem fazer parte [da vida de Riley] sem permitir que o desespero compulsivo assuma o controle.

Muitos jovens evangélicos ansiosos, entre os quais estão alguns dos alunos com quem trabalho, lutam para ter o mesmo sucesso que Riley na integração da sua ansiedade. A maioria deles entende que não é pecado sentir ansiedade; eles sabem que terapia, aconselhamento bíblico e medicamentos podem ser benéficos, quando suas preocupações saem do controle. Mas qual é exatamente o ponto de conexão entre nossa ansiedade e nossa fé cristã? Se somos encorajados a não andar ansiosos por coisa alguma (Filipenses 4.6), como nossa ansiedade pode ser outra coisa que não problemática?

Esse versículo “não andem ansiosos” é bem conhecido. Menos conhecido é o uso que Paulo faz da mesma palavra no grego (merimna) em 2Coríntios 11.28, quando escreve sobre sua “pressão diária por causa da minha ansiedade por todas as igrejas” (NRSV). Paulo junta essa ansiedade a muitas outras dificuldades — prisão, naufrágio, fome, sede, perigo — que ele enfrentou em seu papel apostólico, encarando tudo por compaixão pelas igrejas que plantou e por seu desejo de vê-las florescer.

A palavra merimna também é traduzida às vezes por cuidado. Paulo usa o termo em 1Coríntios 12.25 para falar sobre o tipo de “cuidado” ou “preocupação” que os membros da igreja devem ter uns pelos outros, dentro do corpo de Cristo. Quando nos importamos com o bem-estar dos outros, isso nos lembra do quão frágeis e preciosos eles são; e às vezes, naturalmente, nos sentimos ansiosos por eles.

Não quero que os jovens adultos cristãos com quem trabalho sejam calmos a ponto de serem complacentes. Quero que eles se importem em servir a Jesus: quero que façam perguntas difíceis sobre o que estão se tornando e no que acreditam. Quero que apreciem a seriedade da responsabilidade que acompanha o fato de terem sido criados à imagem de Deus e de terem recebido a responsabilidade da mordomia do mundo. Quero que saibam que suas ações podem melhorar ou piorar a vida de seu próximo.

Mas também quero que experimentem essa “ansiedade” em relação à vocação, à missão e a esse viver por Cristo no contexto da certeza do evangelho. Quero que descansem no amor de Deus por todas as pessoas e por cada uma delas. Quero que não andem ansiosos por nada, no sentido positivo com que Paulo fala, sabendo que, em última análise, eles podem confiar suas lutas àquele que mais se importa com todos, lançando suas preocupações sobre ele, por meio de uma vida de oração humilde (1Pedro 5.6-7).

Em Divertida Mente 2, vemos não só os sintomas da ansiedade de Riley — as noites sem dormir, o coração batendo acelerado — mas também os anseios saudáveis ​​que sua ansiedade esconde e distorce. Riley quer crescer. Ela quer ser amada e respeitada. Ela quer dar sua contribuição, fazer parte de um time, ser boa no que faz e ser assim reconhecida.

O mesmo acontece com meus alunos, cuja ansiedade geralmente revela muito sobre quem eles são. A ansiedade sobre as notas revela um desejo de aprender e de crescer. A ansiedade sobre a aceitação dos pais revela uma apreciação pela modo que suas famílias os abençoaram. A ansiedade sobre nossa cultura online é um reconhecimento do poder e do potencial da mídia social. Por baixo desse nosso medo repleto de ansiedade de que tudo desmorone, há um anseio para que tudo se faça novo.

Em The Anxiety Opportunity [A oportunidade na ansiedade], obra de Curtis Chang, ele observa que Jesus regularmente encontrava pessoas ansiosas nos Evangelhos: ele ouvia viúvas e tocava em leprosos, ia ao encontro das pessoas onde elas estavam, em vez de encorajá-las a deixarem de lado seus sentimentos ou a se acalmarem. Jesus amava esses seres ansiosos, e entendia que sua agitação, fosse ela apropriada ou não, era algo normal de se sentir nas próprias situações que levavam as pessoas a encontrá-lo.

Quando olhamos para esse nosso ser ansioso com a mesma graça com que Jesus nos vê, a ansiedade assume seu lugar legítimo e subserviente em nossa vida cristã. E, então, podemos começar a trabalhar por este mundo que Jesus tanto ama.

J. Michael Jordan é professor associado de teologia na Houghton University, onde atuou como reitor da capela de 2013 a 2024. Ele é o autor de Worship in an Age of Anxiety: How Churches Can Create Space for Healing [Adoração na era da ansiedade: como as igrejas podem criar espaço para cura].

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Culture

As festas juninas no Brasil são idolatria ou diversão inofensiva? Evangélicos debatem o assunto

Pastores debatem se as festividades são apenas uma celebração cultural ou uma adoração a ídolos.

Quadrilheiros dançando.

Quadrilheiros dançando.

Christianity Today June 29, 2024
Marcelo Casal Jr / Agência Brasil

O carnaval com certeza é a festividade brasileira mais conhecida ao redor do mundo. No entanto, muitos brasileiros preferem as festividades juninas.

Originadas pelos pagãos europeus, para comemorar a chegada do verão e pedir uma colheita abundante (daí o fato de caírem durante o verão do Hemisfério Norte), essas festas foram mais tarde cooptadas pela igreja católica sob o nome de Festa Junina, ou um conjunto de datas que celebram os santos Antônio, João Batista e Pedro. Posteriormente, Portugal exportou essa tradição para o Brasil colonial, que, desde então, transformou as festividades em uma comemoração de várias semanas, marcada por pratos típicos como a canjica (também conhecida como cural em alguns locais do país) e a pamonha, a decoração das ruas com bandeirinhas coloridas e danças ao som de forró e baião.

Tradicionalmente, essas festas de rua faziam parte de celebrações católicas mais amplas que incluíam missas e procissões acompanhadas de imagens dos santos.

Assim como o carnaval — que também é uma data importante e tem fundamentos católicos —, a festa de São João é alvo de questionamentos e críticas por parte de alguns evangélicos, que afirmam que a festividade é marcada pela idolatria aos santos. Enquanto alguns dizem que a palavra junina vem simplesmente do nome do mês, junho, outros dizem que ela deriva de joanina e é uma referência a São João Batista, tornando-a, portanto, uma forma de hagiolatria (adoração de santos). De fato, a festa mais celebrada leva seu nome, em 24 de junho.

Os cristãos que celebram essas festas dizem que os costumes mudaram há muito tempo e hoje refletem uma apreciação da música, da comida, da dança e do modo de vida nordestino e sertanejo.

É bem verdade que as festas juninas estão presentes em todo o país, mas são mais fortes e tradicionais no Nordeste, região propensa a secas severas, onde a chegada de junho traz também as chuvas e a promessa de colheitas mais prósperas.

A CT convidou cinco pastores e líderes evangélicos brasileiros e nordestinos para opinar se os evangélicos deveriam se sentir à vontade para participar das festividades juninas. As respostas foram editadas para fins de extensão e clareza.

Marcos Fróes, pastor da Igreja Casa da Bênção, igreja pentecostal em Maranguape, Paulista, Pernambuco:

Estas festas com fundo religioso em celebração aos santos católicos coincidem com o período das colheitas. Agradecer a Deus pelas colheitas não é algo novo, o povo judeu já celebrava a festa das semanas ou da colheita, o Pentecostes (shavuote em hebraico), celebrada entre maio e junho. Nesse período, todo Israel ia para Jerusalém celebrar e trazer oferendas, eles comiam produtos lácteos e lembravam da promessa divina de uma terra rica em leite e mel.

Celebrar a colheita como bondade e misericórdia de Deus não é pecado, quando o fazemos com um coração grato ao Senhor. Assim como no Natal, em dezembro, ao nos alegrarmos pela vinda de Jesus, nosso Salvador, em junho nos alegramos pelo suprimento dado, lembrando da nossa origem rural, indiferentes se, na ocasião, celebram-se os santos de junho ou juninos.

Ricardo Leite, pastor de jovens da Primeira Igreja Batista de Juazeiro do Norte, Ceará:

[As festas juninas têm] apelo popular, e costumam ser comemorações que envolvem quadrilhas, homenagem aos santos da igreja Católica e muita comida, geralmente feita à base de milho.

Em décadas passadas, a presença de evangélicos nestas festividades era praticamente inexistente. E, geralmente, os que delas participavam eram vistos de forma negativa pela comunidade a qual pertenciam. Contudo, em anos mais recentes, a participação de evangélicos tem sido mais comum. Algumas igrejas estão incorporando elementos desses festivais em seus próprios eventos (comidas tradicionais e fogueiras, por exemplo), e muitos convertidos não veem motivo para deixar de participar das festas que costumavam frequentar.

Quando Paulo escreveu [sua primeira carta] aos Coríntios, ele tratou de uma situação semelhante. No capítulo 10, ele nos deixa três princípios importantes que devem ser aplicados. Primeiro, se convém ou não fazer parte de festividades idólatras (1Coríntios 10.23). Não se trata de licitude, mas de conveniência. Que mensagem receberá quem ali está para adorar? Segundo, se essa participação é algo edificante. O povo de Deus sairá mais forte e mais parecido com Cristo? E terceiro, se essa participação glorifica a Deus (10.31). A presença do evangélico servirá para exaltar a Deus acima de tudo?

Eu aconselharia os cristãos que, se sua resposta a qualquer uma das três perguntas for negativa, sua consciência já está declarando fortemente que eles não devem participar.

Pedro Pamplona, pastor da Igreja Batista Filadélfia, Fortaleza, Ceará:

Minha resposta depende do que se quer dizer por “festividade junina”. Há uma diversidade de manifestações culturais dessa festividade nos dias de hoje e muitas delas não possuem mais ligação com elementos religiosos. Esse é um processo natural, que acontece ao longo da história com várias festas e tradições. A igreja cristianizou algumas datas e festivais que, por sua vez, já sofreram um processo de secularização. O que quero dizer com isso é que, por exemplo, no Nordeste, é muito comum o uso de decoração, músicas e comidas típicas nesse período do ano, com ou sem o aspecto religioso.

Portanto, se a festividade específica tiver teor religioso, com crenças e práticas católicas, ou tiver aspectos mundanos e imorais, vejo como não recomendável a participação dos evangélicos. Temos discordâncias importantes que precisam ser levadas em consideração. Mas se a festividade se limita apenas a comidas, bandeirinhas e camisas com estampa xadrez, não vejo impedimento para os evangélicos participarem. Algumas famílias, condomínios, empresas e escolas promovem encontros assim, e não os considero pecaminosos. Avaliando bem o propósito e o ambiente desses encontros, é possível participar de alguns deles.

Thiago Italo Rocha, pastor auxiliar na Igreja da Familia, uma igreja reformada em Santo Antônio de Jesus, Bahia:

Essa festa tão aguardada é, resumidamente, uma homenagem aos santos católicos. Nesse sentido, é inegável que toda a festa se originou da tradição católica, mas, com o tempo, foi ganhando certos ares de sincretismo. Devido à forte cultura anticatólica que predomina nas igrejas pentecostais, neopentecostais e comunidades (independentes), a resposta parece ser um sonoro “não”, mas, talvez, à luz da bíblia, essa resposta não seja algo tão simples.

O apóstolo Paulo, ao tratar de diversas controvérsias na igreja dos Coríntios, parece apelar para a consciência e para o amor. Na maioria das vezes, a proibição apela para argumentos emocionais de preservação da consciência do irmão e para a ideia de não gerar escândalo (1Coríntios 10.32). Porém, com isso, podemos criar uma “ditadura” daqueles a quem Paulo chamou de “fracos” (1Coríntios 8.9). O apóstolo Paulo, no entanto, parece também querer advertir aqueles que são fortes na fé para que não façam de sua liberdade uma razão de tropeço. Nesse contexto, segundo argumenta Paulo, melhor seria abster-se em amor de fazer algo, para que o irmão não veja a liberdade que você tem como modelo e cometa pecado, agindo contra a própria consciência. Entendo que a festa de São João se tornou um ambiente comercial; em muitos lugares sequer vemos resquícios da tradição junina. Dentro dessa realidade, onde a música e o ambiente forem extremamente sexualizados, a orientação seria “evite tais lugares”. Tratando-se, porém, de feirinhas de artesanato, com ambientes de comidas típicas, não teria grande problema a participação para aqueles que são maduros na fé. O cuidado seria exercer essa liberdade de modo a não militar por ela, fazendo com que “o fraco” venha a pecar contra a consciência.

Olhando para tais situações à luz do evangelho, a verdade é que temos um só Deus e tudo precisa ser feito para a sua glória, “quer comais quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei para a glória de Deus (1Coríntios 10.31). Precisamos, como cristãos, fugir dos extremos. Primeiro, do legalismo impositivo e, segundo, de uma liberdade tóxica, orgulhosa e incapaz de pensar no outro.

Sávio Vinícius, pastor da Primeira Igreja Batista de Valença, Bahia:

Se você considera as festas juninas como algo relacionado a São João, fogueiras, arraiás e festas, biblicamente é inegável a ordem de não se misturar (1Coríntios 10.14-22).

Na minha opinião, enquanto líder, partindo do princípio de 1Coríntios 6.12-13 (você pode fazer qualquer coisa, mais nem tudo lhe convém) e de 1Coríntios 8.13 (você deve evitar comportamentos que façam seu irmão e sua irmã caírem em pecado), não considero conveniente ou adequado o envolvimento, porque confunde a mente das pessoas.

No entanto, não vejo problema em celebrar a vida com comidas típicas, roupas e um forró que glorifique a Deus, em outras épocas do ano ou em outros lugares. O principal objetivo é vivermos para a glória dEle em todas as coisas (Colossenses 3.23-24).

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Como encarar as manchetes dos jornais com esperança

As tragédias nos noticiários nos lembram que o mundo não é como deveria ser. Mas tenham bom ânimo! Cristo venceu o mundo.

Pessoas escavam escombros no local onde ocorreu um deslizamento de terra, em Papua Nova Guiné.

Pessoas escavam escombros no local onde ocorreu um deslizamento de terra, em Papua Nova Guiné.

Christianity Today June 29, 2024
Emmanuel Eralia / Getty

Membros da família sentam-se nas pedras, cansados ​​de levantá-las para procurar corpos. Os homens que estão com as pás se curvam sob o peso da tristeza e do esforço, enquanto trabalham para não deixar literalmente pedra sobre pedra. O desastre aconteceu novamente: um enorme deslizamento de terra ocorreu em Papua Nova Guiné, na manhã do dia 24 de maio, e soterrou vivas cerca de 2.000 pessoas, cobriu dezenas de casas e uma escola primária.

No dia em que este artigo foi publicado, em 29 de maio, já era seguro assumir que qualquer pessoa que ainda não tinha sido resgatada — e estivesse soterrada a cerca de 8 metros da superfície — acabara morrendo. Eu passo de história em história, procurando por mais informações, mas eventualmente tenho que parar. Estou começando a me sentir claustrofóbica, imaginando o estrondo de lama e pedra me acordando do meu sono matinal.

Tive uma experiência muito semelhante com o vídeo do desabamento da ponte em Baltimore, no início deste ano. Enquanto assistia, lembro-me de ter percebido que estava prendendo a respiração. As luzes noturnas de Baltimore brilhavam ao fundo. Foi quase cinematográfico — eu poderia ter confundido a cena com o começo de uma comédia romântica dos anos 1980, com a vista da cidade logo antes de os créditos aparecerem na tela —, se não fosse pela silhueta escura do navio batendo na ponte, e me lembrando da verdade: havia caminhões e trabalhadores passando por aquela ponte, enquanto ela caía. Eu não conseguia ver seus rostos, mas estava vendo pessoas morrerem.

E não foi só Baltimore e Papua Nova Guiné. No ano passado, como produtora do podcast de notícias da CT, The Bulletin, fui exposta a muitas tragédias que aconteceram longe de mim. Vi reportagens com fotos sobre ucranianos que resgataram corpos de russos que foram mortos no campo de batalha, acompanhando o texto pela tela para entender a essência, mas tentando não me demorar nas imagens gráficas. Li relatos de tiroteios em escolas e de crimes motivados por racismo, e tive de parar para respirar fundo. Manuseei relatos sobre personalidades famosas que morreram e senti aquela pontada distante e familiar de tristeza. E a morte não me é estranha.

No entanto, com tudo isso, às vezes, quando me deparo com tragédias como essas, um pensamento passa pela minha mente: poderia ter sido pior. E me contenho, envergonhada. Será que fiquei indiferente e insensível? Ou simplesmente já vi tragédias demais?

Não sou a única a fazer esses questionamentos. Já na década de 1970, pesquisadores começaram a alertar sobre como representações visuais de violência poderiam ser prejudiciais aos espectadores, especialmente crianças. Depois de ver imagens violentas dos ataques de 11 de setembro ou de tiroteios em escolas, por exemplo, os participantes da pesquisa relataram maior angústia do que aqueles que apenas ouviram ou leram sobre os mesmos fatos.

Esses resultados não foram nenhuma surpresa. Participar, mesmo que indiretamente, do sofrimento de outros pode nos trazer muita dor, ansiedade e, às vezes, traumas duradouros. Se uma morte na própria família pode destruir um universo pequeno e conhecido, como a mente humana pode compreender a perda em uma escala muito maior?

O fato de estarmos separados [dessa violência] por pixels não faz tanta diferença assim. Não precisamos ser testemunhas em carne e osso para que o sofrimento deixe em nós uma marca permanente, e nosso ambiente de mídia digital é concebido para nos transformar em testemunhas de tragédias diariamente. Passar por uma manchete preocupante após a outra pode levar a sentimentos crescentes de frustração, preocupação e desespero. É de se admirar que três em cada quatro americanos digam que estão “sobrecarregados com o número de crises que o mundo enfrenta hoje”?

O fluxo constante de sofrimento local e global que vemos em nossas telas pode nos deixar exaustos, entorpecidos ou desiludidos. Podemos perder a noção do tipo de presença e de cuidado para o qual Deus nos chama. Insensibilizados, aprendemos a ignorar tragédias “menores”, deixando apenas as tragédias com mortes em massa provocarem nossa tristeza, como se instituíssemos uma hierarquia entre perdas e esquecêssemos da gravidade de cada sinal do pecado e da morte neste mundo caído.

Tanto a ciência quanto as Escrituras confirmam que Deus nunca nos criou para sermos como Atlas, alguém que carrega o sofrimento do mundo inteiro nos ombros. Jesus veio para carregar esse fardo por nós (1Pedro 2.24). No entanto, Deus de fato nos criou para “levar as cargas uns dos outros, e assim […] cumprir a lei de Cristo” (Gálatas 6.2). Ele formou neurônios-espelho em nossos cérebros para que, mesmo no nível celular, pudéssemos entender a dor uns dos outros. Ele ordenou que consolássemos uns aos outros com a mesma fonte de consolo que nós recebemos (2Coríntios 1.4) — uma tarefa que, reconhecidamente, pode parecer quase impossível em meio a esse contínuo massacre de más notícias.

Então, como cumprirmos o mandamento de amar o próximo como a nós mesmos, quando não temos certeza de que podemos suportar suas histórias de dor e tristeza?

No meu trabalho no The Bulletin, e para além dele, eu me beneficiei dos conselhos da autora e terapeuta Aundi Kolber, que nos encoraja a nos proteger contra esse entorpecimento nada caridoso cuidando primeiro de nós mesmos. Kolber me disse em uma entrevista: “Quando Jesus diz: ‘Ame o próximo como a si mesmo’, temos de reconhecer a sabedoria desse ‘a si mesmo’ que está incluído aí”.

Na prática, isso significa avaliar meu consumo de mídia, e criar limites de tempo para engajamento e resistir à tendência de consumir mídia isoladamente. Kolber recomendou ler ou ouvir as notícias como uma atividade que requer “foco único”, não como parte de nossas rotinas regulares de multitarefas [fazendo várias coisas ao mesmo tempo]. Isso nos permite lidar com as respostas de ansiedade ou de desconforto do nosso corpo, enquanto “testemunhamos a partir de um lugar de dignidade e integridade”.

Para outros, diferentes limites podem ser mais úteis, de acordo com nossas personalidades, nossas feridas e as capacidades que Deus concedeu a cada um de nós. Em um episódio recente do The Bulletin, o apresentador e editor-chefe da CT, Russell Moore, observou que alguns cristãos podem precisar se afastar do consumo de mídia por uma temporada para, em vez disso, se envolverem profundamente com as Escrituras. Para outros, como disse o coapresentador Mike Cosper, uma diferenciação consciente entre vida pública e vida pessoal pode ser proveitosa.

Quaisquer que sejam as mudanças práticas que façamos em nossos hábitos de mídia, no entanto, ainda será difícil testemunhar o sofrimento do mundo, entrar em contato com estatísticas sobre a guerra em Gaza, com histórias de violência com armas ou com testemunhos de injustiça racial. Nossa sensibilidade diante da tragédia será mais durável se estiver ancorada no lamento da comunidade.

No lamento, “sensibilizamos e fortalecemos nossos corações”, escreve a cantora e compositora Sandra McCracken. Seja em um culto, no domingo de manhã, com as orações das pessoas, seja em um culto de oração na quarta-feira à noite ou uma reunião especial por causa de uma tragédia específica, o lamento coletivo nos oferece um canal para extravasar emoções que, de outra forma, poderiam nos sobrecarregar.

Juntos, damos nome à injustiça e à tragédia e as inserimos no arco da grande narrativa da fidelidade redentora de Deus. Somos lembrados de que Deus se importa com as manchetes, de que ele reina sobre todos os líderes do mundo (Daniel 2.21), de que nem mesmo a “menor” das tragédias escapa à sua atenção (Mateus 10.29). É aqui, diz a autora Sheila Wise Rowe, ao lamentar e ao crescer com os outros, que descobrimos que “nossa dor e nossa raiva são transformadas e canalizadas de expressões de desespero para sinais de esperança”.

Em tudo isso, uma coisa é certa: Deus nos chama a responder ao sofrimento. Enquanto leio as manchetes a cada semana, quando preparo um novo episódio do The Bulletin, tento me livrar dos calos de insensibilidade que tomaram conta do meu coração.

Quando meus olhos se deparam com uma história que detalha uma grande dor, muitas vezes eu oro: Vem depressa, Senhor Jesus (Apocalipse 22.20). Quando leio estatísticas sobre desastres, paro para me lembrar que cada número representa um nome, uma pessoa por quem Cristo morreu. Quando olho para rostos desconhecidos nas fotos de jornais, lembro-me daqueles rostos que conheço — de familiares e amigos necessitados, de pessoas que apoio em grupos de assistência ao luto. Estamos todos unidos em nosso anseio por redenção, em meio a um mundo caído, e peço a Deus que possa “partir meu coração por aquelas coisas que partem o coração de Deus”.

Por fim, busco maneiras de agir, seja por meio de uma doação para uma causa distante, seja por meio de assistência direta em minha comunidade. Posso não ser capaz de oferecer um copo de água fresca a uma viúva ucraniana, mas posso enviar fundos para o exterior e cuidar de viúvas em minha igreja. Posso não ser capaz de resolver o conflito no Oriente Médio, mas posso buscar ser uma pacificadora em meu local de trabalho e em minha vizinhança. Mesmo diante das piores notícias, eu não sou impotente — e Deus também não é.

Jesus disse a seus discípulos. “Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo” (João 16.33).

Ao longo de milênios oferecemos um amém de coração partido. Este mundo não é como deveria ser, como deixam repetidamente claro as manchetes de cada dia. Mas essas manchetes não precisam nos levar ao desespero nem nos fazer encolher numa indiferença defensiva. Embora o pecado, a morte e o diabo sejam notícia, Cristo venceu todos eles.

Clarissa Moll é a produtora do podcast semanal de notícias da Christianity Today, The Bulletin.

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Os policiais estão esgotados. Como os capelães podem ajudar?

Com o aumento das causas de estresse na atividade policial, o cuidado espiritual é essencial

Christianity Today June 28, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Getty

Sentado na primeira fila de um treinamento de supervisores, em 2016, Sean Boeger, sargento da polícia de Stamford, levantava a mão toda vez que o instrutor perguntava quem havia lidado com determinadas experiências específicas, entre as quais estavam homicídios, acidentes fatais e mortes de crianças.

Durante seus quase 30 anos como policial, Boeger, de 48 anos, ajudou na operação de resgate de corpos no Marco Zero [de Nova York], após o 11 de setembro. Quando 20 crianças foram mortas por um atirador solitário em 2012, na Escola Elementar Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, a apenas 65 quilômetros de Stamford, Boeger se voluntariou para ajudar o pequeno departamento de polícia daquela cidade. Ele cobria os turnos da meia-noite, enquanto os policiais aproveitavam para recuperar as forças.

O instrutor do treinamento desencadeou algo em Boeger. Até aquela aula, ele nunca havia parado para pensar no efeito de testemunhar tantos traumas. Enquanto dirigia para casa naquela noite, ele também se lembrou de outro incidente, quando atendeu a um caso de uma criança pequena que caiu de uma janela do oitavo andar.

“Eu me senti sobrecarregado, meio em pânico”, ele lembrou. “Acho que fiquei mais em choque com as coisas que nunca havia analisado de forma mais atenta, e também com o impacto traumático que isso teve em mim. Porque a gente não para para pensar sobre isso.”

Então, Boeger fez algo que nunca havia cogitado antes: ele procurou a ajuda de John Revell, um capelão que recentemente estava frequentando com regularidade seu departamento.

“Não sei o que está acontecendo comigo, mas sinto que preciso falar com você”, Boeger lembra de ter dito a Revell, a quem ele chama de “Rev”. Revell o convidou para vir até a casa dele, interrompendo seu jantar com a família, e os dois passaram uma hora ou mais conversando. Isso abriu a porta para um relacionamento de longo prazo e uma eventual apreciação pela presença consistente do Rev no departamento.

Dado o aumento do estresse que a polícia vem enfrentando em todo o país, os capelães são mais necessários do que nunca para auxiliar os policiais em seu trabalho. Eles estão servindo departamentos de polícia não apenas comparecendo a cerimônias e a funerais do departamento, mas também construindo relacionamentos com os policiais e oferecendo aconselhamento para os incidentes traumáticos que eles enfrentam com tanta frequência.

Após a morte de George Floyd, em 2020, as crescentes tensões raciais e os pedidos de reforma [da polícia] têm aumentado a pressão em torno do comportamento e do desempenho dos responsáveis pela aplicação da lei, nos últimos quatro anos. Uma pesquisa do Police Executive Research Forum [Fórum Executivo de Pesquisa da Polícia] descobriu que, de 2020 a 2021, os departamentos de polícia em todo o país viram um aumento de 45% na taxa de aposentadoria e um aumento de quase 20% nas demissões, em comparação com o ano anterior.

Devido à exposição recorrente a incidentes marcados por alto nível de estresse, que envolvem até mesmo risco de morte, os policiais dos EUA em particular sofrem com problemas como altas taxas de depressão, suicídio (e ideação suicida), uso de álcool, divórcio e violência doméstica, de acordo com um estudo de 2023, publicado no Journal of Police and Criminal Psychology. Os policiais morrem mais de suicídio do que qualquer outra causa, incluindo armas de fogo ou acidentes de trânsito.

Mas muitas pesquisas, inclusive um estudo de 2023, sugerem que o acesso a capelães beneficia a saúde mental dos policiais e que a espiritualidade contribui para a resiliência diante dos sintomas de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático).

Nas décadas passadas, a maioria dos capelães eram pastores locais. Mas, nos últimos anos, houve um aumento significativo no uso de capelães treinados especificamente para atender policiais ou que têm experiência na aplicação da lei, tanto em agências de polícia grandes quanto pequenas nos Estados Unidos e em vários outros países.

Uma das maiores redes, The International Conference of Police Chaplains [Conferência Internacional de Capelães Policiais], representa cerca de 2.500 capelães policiais em 15 países. O North American Mission Board [Conselho de Missão da América do Norte], uma organização da Convenção Batista do Sul, patrocina mais de 500 capelães que atuam nas áreas de segurança pública e primeiros socorros.

Embora Boeger, como muitos policiais, não se considere particularmente um homem religioso, sua experiência com o Rev e o programa de capelania local o convenceram do valor da capelania. O encontro com Rev propiciou a ele um apoio externo muito necessário — simplesmente ter alguém que o ouvisse e o ajudasse a não se sentir sozinho, segundo palavras dele mesmo.

“Não que [o Rev] tivesse poderes mágicos ou alguma técnica especial; a questão é ter alguém que nos entende”, disse Boeger. “A maioria das pessoas quer falar [sobre seu trauma] e expressar [o que sente], só que elas nem sempre percebem que só o que precisam é falar sobre isso e ter alguém para ouvi-las que não fique julgando. É meio simplista, mas não é um trabalho fácil.”

Revell também não vê seu papel como uma solução mágica. É sobre construir relacionamentos. “Em situações desse tipo, o que eu mais faço é ouvir”, disse ele. “Eu faço perguntas e dou [aos policiais] uma chance de se aliviarem do fardo que carregam.”

Em algumas jurisdições, capelães da polícia são contratados para celebrar cerimônias ou para atender a grandes episódios de crise, como algum evento com muitas vítimas. Mas Revell e sua equipe seguem o que eles chamam de “capelania de implantação”, que imita a capelania militar, enviando ministros para as linhas de frente domésticas. A ideia cristã por trás disso, segundo Revell, é o ministério encarnacional.

Revell, que tem 68 anos, dirige a Life Line Chaplaincy [Capenalania Linha da Vida] e é acolhido como capelão oficial de quatro departamentos de Connecticut, incluindo o departamento estadual, e como capelão de plantão, não oficial, de vários outros.

Nessas funções, os capelães da polícia não aparecem apenas depois que um policial morre no cumprimento do dever ou para dar suporte a policiais que participaram de cenas terríveis. Eles também cuidam da vida pessoal dos policiais: o nascimento de um filho natimorto, a morte de um dos pais, o apoio contínuo ao cônjuge e, às vezes, dizer algumas palavras no funeral de um policial.

“Especialmente no caso de policiais, não se pode simplesmente escolher uma pessoa aleatória e desabafar todas essas coisas”, disse Boeger. “Quando a pessoa se abre com alguém, está colocando um fardo sobre [quem a ouve].”

Para o tenente da polícia de Stamford, Doug Deiso, um capelão como o Rev propicia um aspecto espiritual reconfortante ao trabalho dos policiais. “As pessoas que trabalham com a aplicação da lei são personalidades do tipo A e acham que podem lidar com os problemas sozinhas”, disse Deiso. “Mas com ele [Rev], as coisas nem sempre são levadas de forma séria ou severa. Você pode dar um abraço nele. E quando ele chega e vê que estou ocupado, não tenta me encurralar num canto [me pressionar].”

Certamente, o papel de um capelão também envolve auxiliar os policiais em seu campo de atuação, sujeito a altíssimo nível de estresse. Revell, por exemplo, se faz presente pegando “carona” nas viaturas e acompanhando os policiais em serviço, agendando bate-papos no café da manhã e comparecendo regularmente à sede do departamento. Ele também responde a incidentes de emergência para atender policiais, quando algum chefe de polícia solicita.

“Com o passar do tempo, há um acúmulo de traumas e de estresse na carreira de quem presta os primeiros socorros e atendimentos”, disse Boeger. “Se você trabalha em uma área de muita turbulência, vai acumular microtraumas ao longo dos anos.”

Embora a capelania seja um sólido recurso para os departamentos de polícia, não é o único fator que pode ajudar os policiais a lidar com a situação. Hoje, as academias de polícia estão ensinando os policiais sobre como reagir bem e lidar melhor com os fatores de estresse do trabalho. Mas, como duas décadas atrás isso não estava disponível, a cultura policial ainda está passando por uma mudança. Expressar sentimentos é visto como um sinal de fraqueza, já disseram vários policiais. Sobretudo as policiais sentem essa pressão de serem vistas como profissionais fortes e que não expressam emoção.

Os departamentos de polícia sempre se preocuparam com a saúde física, mas, nos últimos anos, têm tratado cada vez mais da saúde mental e dos traumas, disse Rodney Valdes, policial estadual de Connecticut e coordenador de programas de apoio entre pares e capelania do estado.

“Somos feitos de mente, corpo e espírito/alma”, disse Valdes. “Estamos cuidando do corpo e da mente, mas frequentemente negligenciamos a terceira parte — o espírito. Como podemos introduzir a espiritualidade em uma cultura policial, que é bastante anti[religião]?”

Esse tipo de lesão ao espírito, que ocorre após participar ou testemunhar algum episódio que fere a consciência — como algum comportamento cruel ou crime — é hoje conhecido nos círculos de capelania como lesão moral. Pode acarretar profunda vergonha, culpa ou até mesmo desespero. Os capelães têm um papel único a desempenhar no tratamento dessas feridas, de maneiras que um médico ou um terapeuta pode não ser capaz de fazer.

Os departamentos de polícia nem sempre recebem bem os capelães. Mesmo com a conscientização crescente em torno do apoio emocional, é difícil ganhar confiança, e os policiais têm dificuldade para perceberem que precisam receber cuidados espirituais ou holísticos. Revell passou anos com vários chefes de polícia consecutivos, conquistando a confiança deles para si mesmo e para seu trabalho fazendo-se presente e passando tempo nos departamentos de polícia.

Hoje, além da capelania, recursos complementares — como programas de suporte peer-to-peer [uma rede de apoio mútuo entre policiais e compartilhamento de experiências] e de assistência a funcionários — também oferecem aconselhamento. Nesta primavera, Revell organizou uma conferência inaugural de bem-estar para prestadores de primeiros socorros, com cerca de 300 participantes.

Revell e muitos outros veem sua liderança espiritual meramente como humilde obediência ao comando bíblico de “carregar os fardos uns dos outros” (Gálatas 6.2).

“Eles [os policiais] são forçados a enfrentar toda essa escuridão. É fácil ficar sobrecarregado em meio a tantas trevas”, disse Revell. “Meu objetivo é ser uma fonte de luz para eles. O alvo é que vejam a luz de Cristo, de forma tangível, em minha capacidade de caminhar com eles.”

Não é apenas a persistência de Revell que causa impacto, acrescentou Deiso, mas também sua política de portas abertas — e o chili e os cookies que a esposa dele faz.

Para Boeger e Deiso, essa vocação do capelão de estar presente já é apoio suficiente.

“A coisa mais importante para mim é que [o Rev] ficou ao meu lado, quando tivemos pessoas perdendo suas vidas”, disse Deiso. “Ele ficou ao meu lado na chuva, no frio, e em nenhum momento reclamou disso. Ele chorou por nós e conosco. Eu já o vi enfrentar um clima de cinco graus durante funerais. E ele fez isso por muitas horas. Isso é impactante.”

Kara Bettis Carvalho é editora de ideias da Christianity Today. Este artigo recebeu apoio de uma bolsa do Chaplaincy Innovation Lab [Laboratório de Inovação da Capelania], da Brandeis University, em parceria com o Templeton Religion Trust.

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