Não se entristeçam como aqueles que não têm esperança

Decisões relativas a cuidados de fim de vida são dolorosas e cada vez mais complexas. Mas é possível honrar a Deus e a nossos entes queridos, à medida que a morte se aproxima.

Christianity Today June 12, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Unsplash / Getty

Quando Roger, um senhor de quase 80 anos, chegou à UTI, ele já estava sofrendo os efeitos terminais de várias doenças. Sua saúde havia piorado tanto que até mesmo ler a Bíblia era difícil para ele. Já desgastado pela doença, ele concordou com uma tentativa de uma cirurgia para a retirada do câncer, apenas para agradar a família, e pediu à esposa que não permitisse [o uso de] RCP [reanimação cardiopulmonar] ou ventilador, se o estado dele piorasse após a operação. “Quero que vocês me deixem estar com Deus, quando ele me chamar”, disse Roger a ela.

Tragicamente, após a cirurgia, seus pulmões falharam. Respeitando seu desejo, em vez de prosseguir com um ventilador, o foco de seu tratamento mudou para deixá-lo confortável. Sua esposa passou aquela noite ao lado dele, acariciando sua mão, orando por ele e cantando suavemente.

No entanto, mais tarde naquela noite, um filho do casal, que estava afastado da família, invadiu intempestivamente a UTI. “Vocês não vão matar meu pai!”, ele gritou para a equipe. “Eu conheço meu pai. Ele era um homem temente a Deus que até seis meses atrás ia à igreja todo domingo. Ele não concordaria com isso!”

O que aconteceu com a família de Roger é de cortar o coração, e é também assustadoramente comum. O aparato de tecnologia médica que cerca a morte confronta cada vez mais as famílias com dilemas desconcertantes sobre os cuidados de fim da vida, também chamados paliativos. Até 70% das pessoas não conseguem responder por si mesmas no fim da vida e, nesses casos, o fardo da tomada de decisões recai sobre os entes queridos, muitos dos quais já estão sofrendo com medo e tristeza. O preço pago pelas famílias é muito alto; os entes queridos geralmente sofrem de depressão, ansiedade e mesmo de TEPT [transtorno de estresse pós-traumático] pelo período de até um ano após tomarem tais decisões.

Como apenas um terço dos norte-americanos tem uma diretriz antecipada, a maioria das famílias transita por esses conflitos sem um rumo. Aqueles de nós que seguem a Cristo instintivamente se apoiam em nossa fé para nos guiar em meio a essas tempestades; contudo, esse cenário de morrer em um hospital é algo tão distante de nós que, como aconteceu com a família de Roger, podemos ter dificuldades para aplicar as verdades que proclamamos todos os domingos às duras realidades [encontradas] ao lado de um leito de morte.

Como podemos honrar a Deus e também a nossos entes queridos nessas decisões de fim da vida, quando todos os caminhos parecem estar repletos de dor?

Embora a Bíblia não mencione ventiladores ou RCP, ela continua sendo lâmpada para nossos pés e luz para nosso caminho (Salmos 119.105). Uma abordagem para os cuidados de fim de vida vista através de uma lente cristã exige reflexão sobre os seguintes princípios-chave:

1. A vida mortal é sagrada

Como seres criados à imagem de Deus, cada um de nós possui um valor inabalável; o Senhor nos confia a vida e nos ordena que a valorizemos (Gênesis 1.26-28; Êxodo 20.13; 1Coríntios 6.19-20). O caráter sagrado da vida mortal exige que o ser humano defenda os nascituros e os proteja contra o suicídio assistido por médico. Em razão dessa nossa preocupação com a vida, quando estivermos lutando com uma série de decisões sobre medidas de suporte à vida, devemos considerar tratamentos que tenham potencial de curar.

2. A autoridade de Deus sobre a vida e a morte

A morte continua a existir neste reino terrestre como o salário do nosso pecado (Romanos 6.23) e, até que Cristo volte, ela atingirá todos nós (Isaías 40.6-8; Romanos 5.12). Quando ficamos cegos para a nossa própria mortalidade, corremos o risco de rejeitar o poder de sua graça em nossas vidas por meio da ressurreição de Cristo. O caráter sagrado da vida mortal não refuta a inevitabilidade da morte, nem a obra de Deus por meio dela, nem a sua autoridade sobre ela.

3. Misericórdia e compaixão

Como cristãos que refletem sobre a graça de Deus para conosco em Cristo, devemos estender misericórdia aos oprimidos e aflitos (João 13.34; 1João 3.16-17; Lucas 6.36). Embora ventiladores e RCP possam socorrer pessoas com doenças reversíveis, no final da vida tais medidas correm o risco de trazer sofrimento, mas sem o benefício de salvar vidas. A misericórdia não justifica a eutanásia ativa nem o suicídio assistido por médico, mas ela certamente nos afasta de intervenções agressivas, invasivas e dolorosas, se tais medidas forem inúteis [ou seja, não tiverem potencial de curar].

4. Esperança em Cristo

O amor de Deus por nós é tão grande que, em Cristo, nada pode nos separar desse amor — nem mesmo a morte! Mesmo enquanto sofremos, saboreamos a promessa da ressurreição do corpo e a esperança da união eterna com Deus (João 11.25-26; 1Tessalonicenses 4.14). Em vez de ser o último inimigo a ser temido a todo custo, por meio de Cristo, a morte é um fim para nossos pecados e a entrada para a vida eterna. Ainda que morramos, estamos vivos em Cristo.

Em resumo, nos dilemas relacionados a questões sobre o fim da vida, a Bíblia nos orienta a:

  1. Buscar a cura, quando a recuperação for possível, mas também
  2. Aceitar a morte, quando ela chegar;
  3. Ter preocupação com o sofrimento e;
  4. Enquanto passarmos por tudo isso, devemos nos apegar à nossa esperança em Cristo, aquele que transforma a morte.

Esses princípios parecem claros no papel, mas ficam emaranhados e confusos ao lado de um leito de morte. Uma pergunta-chave pode nos ajudar a decifrá-los: o processo que ameaça a vida do meu ente querido é reversível? Em outras palavras, o tratamento promete preservar a vida dele ou prolongar a morte e o sofrimento?

É crucial esclarecer que as medidas de suporte à vida são de suporte, não são curativas. Ventiladores, RCP e intervenções semelhantes a essas não curam doenças, mas ganham tempo, ajudando o funcionamento dos órgãos, enquanto os médicos trabalham para tratar a doença principal. Para obter discernimento sobre se tais medidas prometem salvar a vida ou prolongar a morte, faça as seguintes perguntas à equipe médica:

  • Qual é a condição que ameaça a vida do meu ente querido?
  • Por que ela é uma ameaça à vida?
  • Qual é a probabilidade de recuperação?
  • Há algo nas condições médicas anteriores do meu ente querido que influencie a sua probabilidade de recuperação?
  • Os tratamentos disponíveis podem trazer a cura?
  • Os tratamentos disponíveis piorarão o sofrimento dele e têm pouca chance de trazer algum benefício?

Quando a recuperação é possível, deve-se buscar um tratamento. Em contraste, quando uma doença não puder ser curada nem mesmo alcançar alguma melhora, procedimentos agressivos e invasivos podem prolongar a morte e submeter o paciente a um sofrimento desnecessário.

Quando a eficácia do tratamento for ambígua, a tarefa fica ainda mais difícil. A pergunta-chave a ser feita é o que meu ente querido diria sobre essas opções? Tal abordagem requer que vejamos nosso ente querido como Deus o vê: como alguém que é amado, perdoado, maravilhosamente criado e único, como ninguém mais na face da Terra (Salmos 139.13-14; Efésios 1.7). À medida que a responsabilidade confundir nossa mente, outra série de perguntas pode nos guiar:

  • O que mais importa para meu ente querido? O que o motiva a viver?
  • Quais comentários ele fez no passado sobre cuidados de fim de vida [se é que fez algum comentário desse tipo alguma vez]?
  • Quais são seus objetivos a curto prazo? E para a sua vida em geral?
  • O que ele está disposto a suportar para atingir esses objetivos? O que ele não estaria disposto a enfrentar?
  • No passado, meu ente querido tolerou bem a dor? E a dependência? A incapacidade física? O medo?
  • Se ele pudesse falar por si mesmo, o que diria sobre a situação atual?

Essas perguntas visam trazer à tona a personalidade, as experiências e os valores de um ente querido, para que, ao tomar essas decisões tão devastadoras, você fale por ele ou ela, e não por si mesmo.

Mesmo enquanto você luta contra a tristeza e as incertezas, quando dá voz a um ente querido que está morrendo, você lhe oferece um presente de despedida. Você honra essa pessoa como alguém que é digno de amor e, ao fazê-lo, serve como um instrumento de Cristo (João 13.34-35). Lembre-se de que você serve Aquele que vitoriosamente já tragou a morte (1Coríntios 15.54). E embora até agora toda a criação ainda gema (Romanos 8.22), Cristo está fazendo novas todas as coisas (Apocalipse 21.4-5).

Kathryn Butler, médica formada pela Universidade de Columbia, afastou-se da profissão como cirurgiã de traumas para educar seus filhos em casa. É autora de vários livros, entre eles Between Life and Death: A Gospel-Centered Guide to End-of-Life Medical Care [Entre a vida e a morte: Um guia centrado no evangelho para os cuidados de fim da vida] e Glimmers of Grace: A Doctor’s Reflections on Faith, Suffering, and the Goodness of God [Vislumbres de graça: reflexões de uma médica sobre fé, sofrimento e a bondade de Deus].

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