Corrupção é um problema de discipulado

Seis formas de piorar o problema e cinco passos para encontrar uma solução.

Christianity Today July 5, 2024
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Getty / Unsplash

Liderados pelo chefe de polícia do Malawi, 19 agentes armados cercaram a casa de Martha Chizuma, na capital Lilongwe, às 4 da manhã do dia 6 de dezembro de 2022. Levada por eles ainda de pijama, na escuridão da madrugada, Chizuma, diretora-geral do Bureau Anticorrupção do Malawi, foi forçada a se ajoelhar no chão ao ser interrogada na delegacia de polícia, antes de ser liberada. Sua prisão foi uma represália por seus esforços para expor a corrupção no alto escalão do governo.

Advogada formada em Londres e ex-ombudsman do governo do Malawi, Chizuma foi a primeira líder anticorrupção do Malawi escolhida por meio de um processo puramente baseado no mérito. “As pessoas lutaram contra minha nomeação e agora queriam me minar”, explicou ela, especialmente porque estava liderando uma grande investigação sobre corrupção que era “um precedente do compromisso que o governo tem com a integridade”.

As pessoas que arquitetaram sua prisão presumivelmente esperavam silenciar uma autoridade pública temente a Deus que está determinada a “cuspir fogo em políticos corruptos”, como disse uma reportagem do Nyasa Times, vários dias depois. Mas não tiveram sucesso [em sua tentativa].

A luta contra a corrupção exige coragem como a de Martha, em parte, porque a corrupção oferece recompensas imensas. Seu impacto financeiro global é notoriamente difícil de estimar, mas o total pode exceder a cifra de 1 trilhão de dólares por ano. Todo ano, 25% dos adultos do mundo pagam pelo menos um tipo de suborno. As exigências de suborno vindas de autoridades públicas fazem com que muitas nações de maioria cristã sejam mal classificadas ​​no Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional.

Muitas vezes, os evangélicos fazem parte do problema da corrupção, que assume muitas formas: suborno, fraude, nepotismo, tráfico de pessoas, esquema para trocar sexo por notas na faculdade, lavagem de dinheiro, professores fantasmas em escolas e muito mais. Uma africana que estudou em um seminário evangélico dos EUA, depois de trocar dólares americanos por moeda local, me chocou, quando disse: “Eu só negocio com cambistas muçulmanos. Eu jamais confiaria em um cristão!”

“A Igreja precisa limpar seu estábulo de Augias”, disse o ex-presidente nigeriano Olusegun Obasanjo, em 2017, comparando as igrejas nigerianas aos estábulos cheios de esterco do mito grego. “Elas não só celebram, mas também veneram aqueles cujas fontes de riqueza são questionáveis. Elas aceitam presentes… de qualquer pessoa, sem fazer perguntas. Isso dá a impressão de que tudo é aceitável na casa de Deus.”

Por que os cristãos são tão insensíveis à corrupção e, muitas vezes, até participam dela de forma flagrante? Há pelo menos seis razões.

Primeira, alguns na igreja não estão dispostos a responsabilizar profissionais cristãos [que praticam esses atos]. Outros vivem em deliberada ignorância, como se não fosse possível que colegas crentes fossem corruptos; com isso, deixamos de atentar para os sinais de alerta ou de realizar as devidas investigações.

A segunda razão é que, em alguns casos, a mudança da religião popular tradicional para a afiliação cristã pode de fato exacerbar a corrupção. Um relatório recente, não publicado, baseado em entrevistas com 48 líderes cristãos na África, explicou que muitos seguidores da religião tradicional africana não ousam mentir, porque acreditam que seus ancestrais os observam lá do além e podem lhes aplicar uma punição certeira e rápida. Em contraste, alguns dos entrevistados disseram que os cristãos africanos parecem mais propensos a mentir — mesmo quando juram sobre a Bíblia —, porque acham que o Deus cristão é misericordioso e tardio para julgar.

Terceira razão: se os pastores fizerem “pregações contra a corrupção, eles perderão membros que dão grandes ofertas”, diz Orinya Agbaji Orinya da Palace of Priests Assembly [Assembleia Palácio dos Sacerdotes], uma igreja que fica em Abuja, na Nigéria. Em muitos casos, diz Orinya, a dependência das igrejas protestantes em relação a ofertas as leva a evitar ofender doadores que são corruptos, mas generosos.

Quarta razão: em muitos países, pastores ou profissionais cristãos nutrem uma expectativa de beneficiar suas famílias e suas comunidades étnicas, um fenômeno que a jornalista Michela Wrong chama de “chegou a nossa vez”. Também conhecido como demanda compartilhada, esse padrão gera intensas pressões sobre os líderes para saquear as finanças da organização em benefício de amigos e parentes.

Uma quinta razão pela qual os cristãos estão ausentes da luta contra a corrupção — diz Munkhjargal Tuvshin, pastor da Truth Community Church [Igreja Comunidade da Verdade], em Ulaanbaatar, na Mongólia — é por sua mentalidade dualista. “A maioria dos cristãos”, afirma Tuvshin, “diria que a corrupção é um problema do mundo, e não da igreja. Essa mentalidade dualista nos afasta de defender a verdade”.

Orinya, que está desenvolvendo uma grande campanha anticorrupção entre os pentecostais da Nigéria, propõe mais um fator que impulsiona a corrupção entre os cristãos: o evangelho da prosperidade. De acordo com Orinya, a mensagem herética desse movimento, que prega que “se você for pobre, não deve ser filho de Deus”, às vezes incentiva os ouvintes a roubarem, por acreditarem que até mesmo o ganho ilícito é uma bênção divina.

Como os cristãos podem fazer uma diferença substancial no combate a culturas de corrupção ao redor do mundo?

O primeiro passo é discipular as pessoas para que priorizem atos diários de integridade diante de normas culturais que favorecem a desonestidade. Citando Efésios 4.25 (“Portanto, cada um de vocês deve abandonar a mentira e falar a verdade ao seu próximo, pois todos somos membros de um mesmo corpo”), o pastor Taba Ebenezar, de Bamenda, Camarões, exorta sua congregação e os membros da comunidade a “fazer de cada dia um dia de integridade”.

Discípulos bem treinados sabem que Deus não é um espírito transacional que derrama favores sobre aqueles que pagam o suborno exigido, quer seja para um xamã ou para alguém que pregue a prosperidade. Ebenezar, cuja nação ocupa a 140ª posição entre 180 nações no Índice de Percepção de Corrupção, diz: “Não podemos falar apenas de salvação, quando o país está regredindo”.

Segundo, as igrejas devem se tornar sociedades modelo. Os líderes seculares serão mais capazes de vislumbrar nações que sejam livres de corrupção, quando as igrejas exemplificarem o que é uma vida livre de corrupção. Muitas igrejas e organizações missionárias disfarçam comportamentos antiéticos por meio de práticas de gestão falaciosas, como o uso de acordos de confidencialidade, minando assim a mensagem de esperança e honestidade que a igreja deveria estar encarnando.

A Global Trust Partners (GTP) [Parceiros de Confiança Global], uma subsidiária mundial do US Evangelical Council for Financial Accountability [Conselho Evangélico Estadunidense para Responsabilidade Financeira], está buscando remodelar o comportamento de igrejas e organizações cristãs, por meio de grupos de prestação de contas entre pares que promovem uma integridade fiscal e ética acompanhada de generosidade. Como observou o diretor financeiro da GTP, Matthew Gadsden, da Austrália: “Uma vez que a transparência na governança entra no cenário, as pessoas podem doar com a confiança de que a sua doação será usada para os propósitos aos quais se destina.”

Os líderes da igreja muitas vezes não percebem o quanto grupos seculares como a Transparency International [Transparência Internacional] precisam deles. Roberto Laver, ex-advogado do Banco Mundial que trabalha com questões ligadas à corrupção na América Latina, diz que os grupos seculares “têm todas as ferramentas de prestação de contas social”, mas não têm as redes sociais nem a ética universal que a igreja oferece.

Laver traça um contraste interessante entre católicos e evangélicos na América Latina, afirmando que a “Igreja Católica Romana falará sobre todas as questões, incluindo corrupção… mas sua verborragia faz pouca diferença [do ponto de vista pessoal]. Quanto aos evangélicos, são mais honestos do ponto de vista individual, mas publicamente são mais calados.” Laver pergunta: “Se a igreja não está exibindo mais honestidade em público, que esperança há no evangelho?”

A terceira parte da estratégia diz respeito à educação sobre aspectos da cosmovisão cristã que desencorajam o envolvimento em corrupção: a soberania de Deus, suas expectativas éticas para os crentes e o potencial transformador da fé em Cristo. O pastor Ebenezar, de Camarões, recebeu um convite aberto de funcionários de escolas públicas para ensinar integridade às crianças, uma peça-chave para romper com a cultura da corrupção. A militância pública e visível de Ebenezar inclui um programa de rádio semanal, bonés e camisetas pró-integridade e a entrega de prêmios de integridade no intervalo dos jogos de futebol juvenil.

Como diz o especialista britânico anticorrupção Martin Allaby, “Não há substituto para uma mudança cultural profunda”. Seja por meio de filmes ou de música, nas igrejas, escolas ou lares, e seja com adultos ou com crianças, ensinar uma cosmovisão cristã fornece uma base racional para os esforços destinados a conter a corrupção.

Em Jinja, Uganda, junto com a programação normal de rádio, o diretor da estação, Anyole Innocent, defende uma visão cristã de integridade no Busoga One, que tem 1 milhão de ouvintes diariamente. Esforços criativos como o de Innocent e iniciativas semelhantes na mídia social são maneiras persuasivas de reforçar uma cosmovisão cristã e de mobilizar os crentes a se oporem à corrupção.

Uma cosmovisão cristã também reconhece como são confusas as situações em que as tentações para se corromper estão profundamente entrelaçadas com a pobreza. Funcionários públicos que pedem subornos podem ser eles próprios vítimas de altos funcionários corruptos, que retêm seus salários — ou pode ser que só o salário que ganham seja insuficiente para alimentar sua família. Deus pode nos chamar para compartilhar dádivas com famílias empobrecidas — especialmente com aquelas que são da igreja —, para que elas não se sintam impelidas a considerar a hipótese de pedir subornos. Curiosamente, enquanto a Bíblia frequentemente condena receber subornos, em nenhum lugar ela condena dar subornos. Mas aqueles que se sentem compelidos a oferecer subornos devem considerar até que ponto, em sua própria situação, fazer isso perpetua um sistema maligno.

Uma quarta estratégia-chave, destacada pelo sociólogo James Davison Hunter, da Universidade da Virgínia, é o desenvolvimento de redes de líderes de alta performance que possam trabalhar juntos em todos os setores da sociedade. O grupo de Clapham, de William Wilberforce, no final do século 18 e início do século 19, reunia banqueiros, parlamentares, inventores, ativistas, pastores, escritores e educadores em torno de determinados esforços que, com o apoio do avivamento wesleyano, mudaram profundamente e para melhor a antiga Inglaterra corrupta. Redes de alto performance podem coordenar um planejamento geral anticorrupção, ao mesmo tempo em que vinculam o que acontece nas igrejas a diálogos e esforços de reforma de alcance nacional.

A Pathways for Integrity Network [Caminhos para uma rede de integridade], lançada recentemente em Uganda, exibe potencial para se tornar uma rede anticorrupção de alta performance. Innocent, diretor da estação de rádio, comentou: “Olhando para o futuro, imaginamos uma rede na qual as organizações confiem em nós para treinar seus funcionários, na qual os geradores de empregos e as pessoas que se candidatam a eles confiem em nossas recomendações, e na qual os investidores ocidentais busquem nossa assistência em projetos ugandenses, inclusive para iniciativas governamentais, como algo respeitável”.

A Faith and Public Integrity Network [Rede de Fé e Integridade Pública], fundada em conjunto por Allaby e Laver, reúne acadêmicos e líderes cristãos em prol de esforços compartilhados. Alguns evangélicos, como Martha Chizuma, no Malawi, participam de redes de alta performance, como as Chandler Sessions, que não são especificamente cristãs.

A quinta parte da estratégia envolve ter um porta-voz virtuoso e sacrificial como o rosto do movimento, alguém como Martin Luther King Jr., que legitimou o movimento pelos direitos civis dos EUA, nas décadas de 1950 e 1960. Os ativistas precisam de um líder que una suas vozes em prol da mudança. Ebenezar é uma dessas vozes em Camarões, e declara com esperança: “Se nós, pastores, nos envolvermos com essa questão, [nossa iniciativa] restaurará e libertará a nação!”

Talvez precisemos de um James Yen do século 21 para liderar a luta contra a corrupção global. Yen foi um renomado reformador agrário cristão, durante o embate titânico na China entre os nacionalistas (o governo que administrou a China de 1912 a 1949) e os comunistas. Tanto Mao Tsé-Tung quanto Chiang Kai-shek o recrutaram para participar de seus respectivos governos; ele recusou ambos os convites.

Certo dia, após essas recusas educadas, mas sinceras, um importante funcionário do governo que passava em uma limusine viu Yen cair de sua bicicleta, ao cruzar os trilhos do bonde. No dia seguinte, um automóvel novo apareceu misteriosamente no local em que Yen estava hospedado. Sem dizer uma palavra, ele guardou o carro na garagem de um amigo, optando pelo constrangimento e por calças enlameadas, em vez de trair sua integridade cristã ao aceitar presentes de um governo corrupto.

Nem todos os cristãos devem se recusar a servir em governos corruptos. Mas líderes virtuosos e sacrificiais como Yen podem apontar e expor corrupção de forma poderosa. Quando as “obras infrutíferas das trevas” (Efésios 5.11) são expostas, elas definham sob a luz resplandecente da verdade.

Em Tegucigalpa, capital de Honduras, a Associação para uma Sociedade Mais Justa (ASJ) tem se concentrado incansavelmente na questão da corrupção em escolas públicas, alcançando ganhos enormes para os 2 milhões de crianças em idade escolar do país. Os esforços da ASJ reduziram a porcentagem de professores fantasmas (que não aparecem para dar aulas, mas continuam recebendo salários) de 26% para 1% em dois anos.

Quando as escolas reabriram, após ficarem fechadas por 28 meses devido à COVID-19, a ASJ novamente mobilizou seus 20.000 voluntários para monitorar as escolas e detectar casos de professores fantasmas. Graças aos voluntários, diz o cofundador da ASJ, Kurt Ver Beek, os estudantes hondurenhos receberam seus 200 dias programados de aulas, no ano letivo de 2023–2024. A ASJ persistiu, apesar do assédio ocasional de alguns funcionários do governo.

No Malawi, Martha Chizuma também está persistindo, com o incentivo de alguns amigos. Três dias após sua prisão inesperada perto do amanhecer, ela estava esperando seu motorista, quando viu dez mulheres bem pobres se aproximando. “Elas me abraçaram, chorando, porque souberam o que tinha acontecido comigo”, lembrou Chizuma. “Uma delas disse: ‘Fiquei tão preocupada quando prenderam você, porque sabíamos que você era a única que está lutando por nós!’”

Embora o Malawi tenha um presidente evangélico, Lazarus Chakwera, a corrupção profundamente enraizada que assola o país ainda não foi eliminada. Em maio, quando as acusações de corrupção contra uma importante autoridade pública foram repentinamente retiradas, a decepção lembrou Chizuma de que seu caminho costuma ser solitário. Precisamos de mais evangélicos como aquelas dez mulheres que encorajaram Chizuma a continuar sua luta difícil, porém crucial.

Robert Osburn é membro sênior do Wilberforce International Institute e autor de Taming the Beast: Can We Bridle the Culture of Corruption? [Domando a fera: podemos conter a cultura da corrupção?].

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