Na semana passada, nossa família contraiu a doença mão-pé-boca. E lá estava eu, em uma quarentena forçada, durante uma forte onda de calor fora de época, suando, mesmo com febre, enquanto passava pomada nas bolhas do meu bebê.
Este era um momento oportuno para começar o novo livro de Nadya Williams, historiadora e colaboradora da Christianity Today: Mothers, Children, and the Body Politic: Ancient Christianity and the Recovery of Human Dignity [Mães, crianças e a política do corpo: o cristianismo primitivo e o resgate dos direitos humanos]. “A desvalorização das crianças”, escreve a autora de forma assertiva na introdução, “está indissociavelmente conectada ao desdém que nossa sociedade demonstra pelo trabalho das mães”.
Como alguém que se dedica a esse trabalho [de cuidar dos filhos ] — preparando banhos de aveia, dosando o Tylenol infantil — senti gratidão pela insistência de Williams de que meu bebê e eu importávamos, mesmo corados de febre e enfraquecidos, com tantas necessidades e não produzindo nada. “Se estimarmos o valor da maternidade e das crianças em termos econômicos”, escreve Williams, “ambas certamente deixarão a desejar”. Mas a doutrina da imago Dei significa que somos valiosos mesmo nesse estado: com feridas e tudo o mais.
Pela estimativa de Williams, nosso desrespeito social pela imagem de Deus em mães e filhos tem um impacto de longo alcance. Isso significa que vemos a gravidez como uma doença a ser prevenida, ou a ser resolvida, por meio do controle da natalidade e do aborto. Isso significa que reduzimos a existência de nossos filhos a uma “vida em uma linha de montagem”, obcecados com os sucessos na educação e resistindo à realidade de que “as crianças, como todas as pessoas, são indivíduos imprevisíveis e não são feitas para a conveniência de seus pais”. Isso significa que forçamos as novas mães a voltarem ao trabalho muito cedo, colocando o risco a suas carreiras acima de seus filhos.
Mothers, Children, and the Body Politic começa descrevendo problemas contemporâneos. Mas o desdém por mães e filhos, conforme Williams demonstra, também era característico da Antiguidade. Baseando-se em mitos, literatura e histórias de escritores gregos e romanos, ela descreve um passado em que as mulheres eram exploradas sexualmente, os bebês eram deixados “abandonados” em “montes de esterco das aldeias” e qualquer um que não conquistasse vitórias militares nos campos de batalha era, segundo os padrões aceitos, um cidadão de segunda classe.
Foi o cristianismo, como argumenta Williams, que mudou tudo isso — que nos deu os direitos humanos que hoje tomamos como algo garantido, que abençoou os mansos e humildes, em vez de se curvar aos poderosos. “É por causa de dois milênios de valorização cristã da vida humana”, ela escreve com firmeza, que “não nos deleitamos com o sofrimento dos fracos”. Tanto a vida de Cristo quanto os escritos dos pais da igreja demonstram que “a igreja é responsável por cuidar dos corpos e das almas dos negligenciados e dos abandonados de todas as idades e em todas as fases da vida, porque suas vidas não têm preço”.
É um argumento cativante, ainda que já conhecido. O que há de novo aqui são as linhas que Williams traça entre o passado e o presente, algumas delas tão ousadas que parecem ter sido destacadas com um marca-texto bem grosso. Assim como “a prática doabandono de bebês” enfatizava uma “mercantilização utilitária de bebês e crianças como coisas”, argumenta a autora, hoje “vemos […] a prática comum de abortar crianças com [condições como a] síndrome de Down”. Naquela época, concubinas e escravas eram troféus, despojos de guerra. Hoje, são bens opcionais. Nos dois sistemas, porém, as pessoas que de fato importam são as vencedoras — não o bebê com a infecção viral, não a mãe com papinha de bebê no cabelo. E Williams pergunta: será que realmente queremos retornar àquela brutal era pré-cristã?
Algumas das afirmações de Williams — por exemplo, a de que mandar as crianças para a escola é “cortar laços” [entre mãe e filho], e que isso lembra a separação da criança do útero materno — serão, para muitos leitores, típicas afirmações com as quais “concordamos em discordar”. (Ela própria reconhece isso). Algumas de suas evidências para fenômenos culturais — os pôsteres em seu consultório de obstetrícia e ginecologia, um novo programa para donas de casa ao qual ela não assistiu — são tênues, ainda que ela entenda os fenômenos corretamente.
Mas, mesmo os leitores que discordam das fortes posições de Williams sobre barriga de aluguel, contracepção ou mães que trabalham fora, apreciarão as conexões que ela faz, pois são convincentes, criativas e desafiadoras. E o ponto básico permanece: as pessoas importam porque são feitas à imagem de Deus. Quando nos esquecemos disso, muita coisa dá errado.
Gradualmente, Mothers, Children, and the Body Politic se torna menos um livro sobre mães e filhos e mais sobre esse “corpo político”, sobre todos aqueles “negligenciados e […] abandonados em todas as idades e fases da vida”. Aqui, Williams volta sua atenção para mulheres solteiras e viúvas, enfermos e coxos, vítimas da guerra e da eutanásia. Passando dos relatos do Evangelho sobre as curas de Jesus e de trechos do diário da mártir Perpétua para a ficção de Wendell Berry e o texto City on a Hill [Cidade sobre o monte, publicado em português com o título Sobre o Sermão do Senhor na Montanha], de Agostinho, ela desenvolve a “doutrina da imago Dei”. Parte do legado dessa doutrina, segundo ela, é uma disposição de encorajar “o amor por todo ser humano, ferido ou são — homem, mulher, criança — independentemente de idade, gênero, status social, estado civil, riqueza, habilidade ou deficiência”.
Concordamos com isso, claro. Mas eu gostaria que Mothers, Children, and the Body Politic não tivesse se tornado tão amplo, não tivesse se desviado de seu foco inicial em mães e filhos, esses dois subconjuntos dos “meus menores irmãos”. No final, essas linhas destacadas em negrito ficaram confusas, apequenando-se em um incentivo ao voluntariado na creche da igreja.
Talvez o foco em mães e filhos acabou parecendo [para a autora] muito estreito para sustentar um livro inteiro. Mas tenho a sensação de que Williams tem mais a dizer, se não por outro motivo, pelo simples fato de que esse assunto — o valor de mães e filhos em meio ao capitalismo tardio e às taxas de fertilidade em declínio — é algo muito caro para ela.
Williams chocou amigos e colegas ao abrir mão de ser titular de uma cátedra para educar seus três filhos em casa. Ela fez isso como um desafio consciente à visão predominante de que uma mulher instruída “jamais poderia ser verdadeiramente realizada ou feliz, se sua esfera de vida ficasse restrita à vida doméstica”. Mas, pela existência do próprio livro, fica claro que a maternidade pode coexistir com a vida intelectual. Mães escritoras não precisam se considerar “escritoras em primeiro lugar” para escrever bem; na verdade, “sua maternidade, sua escrita, sua fé e seu serviço fiel àqueles ao seu redor” estão “entrelaçados de tal maneira que não podem ser facilmente dissociados”.
E, mais uma vez, repito: Concordo com isso. Este longo aparte não leva em conta as mães cujo emprego, por necessidade econômica ou não, as tira de casa para trabalharem em hospitais, restaurantes e canteiros de obras. Mas ele repercute em pessoas que trabalham em sistema home office, como eu, e que passam o dia digitando a um cômodo de distância de um bebê dormindo. (Meu bebê está bem melhor agora). Williams me alerta de que escrevo e sou mãe em face do condicionamento social de “colocar [meu] trabalho — criativo ou meramente corporativo — à frente de [meus] filhos”.
Às vezes, esse condicionamento não importa nem um pouco. Às vezes, o bebê garante seu espaço como portador da imagem de Deus. Às vezes, eu não escrevo. Às vezes, a mão-pé-boca faz uma visita. Como Williams coloca, em sua análise do diário de Perpétua: “A maternidade é sempre um chamado para sofrer, nas coisas grandes e pequenas”. Nesse sentido, as mães não são apenas pessoas a quem a igreja deve proteger. Elas são pessoas com quem a igreja deve aprender.
Kate Lucky é editora sênior de cultura e engajamento na Christianity Today.