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Jesus liberta homens e mulheres para perguntarem ‘como posso servir’, e não ‘quem está na liderança’

Nossa visão dos papéis e das relações de gênero deve começar pelo padrão de humildade de Cristo.

O unguento de Madalena (Le parfum de Madeleine), por James Tissot, 1886-1894.

O unguento de Madalena (Le parfum de Madeleine), por James Tissot, 1886-1894.

Christianity Today August 26, 2022
Brooklyn Museum do Brooklyn / WikiMedia Commons

Os próprios discípulos de Jesus frequentemente não entendiam o que ele estava fazendo. Tiago e João almejavam cargos importantes em seu reino, e pleitearam posições de poder, prestígio e autoridade. A resposta de Jesus foi essencialmente lhes dizer que eles estavam se desviando do propósito. Seu reino não funcionava como os reinos das nações.

Jesus and Gender: Living as Sisters and Brothers in Christ

Jesus and Gender: Living as Sisters and Brothers in Christ

Lexham Press

288 pages

$22.28

Para Elyse Fitzpatrick e Eric Schumacher, os debates intraevangélicos em torno de gênero e papéis de gênero, nas últimas décadas, parecem repetir o foco equivocado de Tiago e João, pois se concentram em questões de quem ocupa a liderança e deixam de lado o padrão de humildade e modéstia com que Jesus exercia o poder. Em Jesus and gender: Living as sisters and brothers in Christ, Fitzpatrick e Schumacher tentam ir além da estrutura de décadas baseada em complementarismo versus igualitarismo, quando o assunto são as questões de gênero e seus respectivos papéis no casamento, na igreja e na sociedade.

Evitando a maioria dos termos normalmente usados, que caracterizam grande parte desse debate, eles se concentram em um paradigma “crístico”, argumentando que o evangelho e o estilo de vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus mostram que o verdadeiro poder se manifesta no serviço e que a verdadeira autoridade se valida por meio de humildade e autodoação. As boas novas de Jesus moldam tudo, inclusive o modo como mulheres e homens se relacionam.

Autoridade conjunta

Nos três primeiros capítulos, os autores fornecem os fundamentos teológicos para sua abordagem. Jesus deve estar no centro de nossa teoria e prática sobre gênero e papéis de gênero e, se não conseguirmos entender a maneira como ele reformula as questões de poder e autoridade, provavelmente traremos para nossa vida uma definição mundana desses assuntos. Esquecer a centralidade de Jesus, segundo eles apontam, terá impactos devastadores nos casamentos, nas famílias, na igreja e na sociedade como um todo.

Graças à nossa sede de poder, abusos e constantes batalhas por poder caracterizam aqueles que não conseguem entender o caminho de Jesus. O remédio para isso é fixar nossos olhos em Jesus, nosso irmão mais velho que nos chama de irmãos e irmãs no corpo de Cristo. Por causa de Jesus, as mulheres têm o status de filhas adotivas na família de Deus e os homens fazem parte da noiva de Cristo. Essas imagens bíblicas não pretendem minar nem descartar o gênero, mas mostrar que homens e mulheres são chamados e unidos por Jesus em sua nova família.

Nos quatro capítulos seguintes, Fitzpatrick e Schumacher articulam uma visão “crística” de gênero que eles resumem da seguinte forma: “Em Cristo, homens e mulheres crentes devem glorificar a Deus cooperando para o avanço do evangelho e imitando a Cristo em humilhação voluntária, benevolência recíproca e florescimento mútuo”. Como portadores da imagem de Deus, homens e mulheres recebem o mandato da criação. Como irmãos na casa de Deus, mulheres e homens recebem a Grande Comissão e são chamados para encorajar e equipar uns aos outros para os chamados que Deus nos deu. Como o subtítulo acima destaca, essas tarefas e chamados são dados a homens e mulheres em conjunto.

Os próximos três capítulos descrevem mais especificamente como essa visão crística de gênero molda o casamento, a maternidade/paternidade e a igreja. No casamento, marido e esposa são chamados a prestarem serviço e amor gratuitamente. Na maternidade/paternidade, os filhos devem ser criados e instruídos no discipulado cristão, não em papéis de gênero (os quais, em sua maioria, decorrem de expectativas culturais mais amplas, e não das Escrituras). E, na igreja, homens e mulheres são chamados a exercer autoridade conjunta, a qual flui não do gênero, mas da autoridade e do poder das Escrituras, um poder de persuasão, e não de força.

Finalmente, o livro conclui apresentando uma ampla gama de histórias de mulheres e homens que estão servindo suas igrejas e comunidades de variadas maneiras e conforme seus múltiplos chamados. Essas histórias ilustram de forma proveitosa o ponto-chave dos autores: seu foco não é quem fica no comando, mas sim como homens e mulheres são chamados a servir, todos usando seus dons para edificar a igreja e comunicar o amor de Cristo.

Uma prática de poder diferente

A obra Jesus and gender: Living as sisters and brothers in Chris tem vários pontos fortes. Ela se concentra no evangelho e na encarnação, tomando como base o que Jesus nos mostra sobre o que significa ser humano. Fitzpatrick e Schumacher incansavelmente, e com razão, nos apontam de volta para a vida, a morte, a ressurreição e a ascensão de Jesus como um modelo para nosso modo de pensar e de viver em relação à autoridade e ao poder.

Felizmente, eles evitam uma abordagem do tipo “Jesus versus a Bíblia”, a qual alguns adotam para se esquivar de todo o conselho das Escrituras. Em vez disso, os autores enfatizam que as Escrituras podem e devem vincular nossa consciência. No entanto, também apontam que algumas das estruturas supostamente “bíblicas” para gênero vão além das Escrituras, e importam estereótipos culturais de gênero para a discussão. Ambos repetidamente denunciam esse erro — e com razão, pois quando as pessoas ensinam, erroneamente, estereótipos culturais de gênero como [se fossem] bíblicos geram desorientação e desconfiança em relação a assuntos sobre os quais as Escrituras são firmes e claras.

Outro ponto forte do livro são seus exemplos concretos de ministério na vida real, que incluem testemunhos em primeira mão de homens e mulheres que servem de várias maneiras. Esses modelos são de grande ajuda, visto que algumas das terminologias usadas pelos autores podem ser bastante genéricas. Por exemplo, eles falam (como citamos acima) de nosso chamado como irmãos e irmãs para trilhar o caminho da “humilhação voluntária, benevolência recíproca e florescimento mútuo”. Essas são boas palavras, é claro, mas precisam assumir uma forma, e é precisamente por isso que exemplos encarnados de variadas caminhadas e fases da vida são tão úteis. Os santos que compartilham suas histórias são claramente irmãs e irmãos que não estão preocupados com quem está no comando. Em vez disso, eles estão perguntando: “Como posso servir?”.

Alguns leitores, no entanto, podem ficar frustrados com a falta de uma resposta firme dos autores sobre questões específicas de liderança masculina e feminina dentro da igreja. Para Fitzpatrick e Schumacher, no entanto, isso não é um descuido acidental, mas uma omissão intencional. Em vez disso, eles enfatizam que questões de ordenação e de liderança devem ser decididas “nos contextos da igreja local, onde os membros escolhem livremente seguir a Cristo conforme sua consciência e a luz das Escrituras lhes é dada a conhecer”.

Dessa forma, os autores se alinham com aqueles que veem questões de gênero e de liderança como questões de segunda linha, sobre as quais as igrejas podem concordar em discordar. (Nos meus círculos, isso inclui denominações e redes recém-formadas como a Aliança das Igrejas Reformadas e a Rede do Reino). É improvável que essa postura satisfaça os adeptos mais linha-dura, tanto complementaristas quanto igualitaristas. Mas se encaixa na estratégia dos autores, a qual prioriza o uso de nossos dons para servir ao corpo de Cristo acima de qualquer preocupação com poder e prestígio.

Embora o livro tenha muitas características louváveis, uma omissão parece um pouco gritante. Com um título como Jesus and gender, eu esperava encontrar algum nível de envolvimento não só com inúteis estereótipos bíblicos de gênero, que exageram na diferença entre homem e mulher, mas também com a tentativa inútil de nossa cultura mais ampla de apagar o gênero ou de reduzi-lo a nada mais do que um mero construto social. Este livro aborda questões suscitadas pelos debates de gênero intraevangélicos, que pressupõem as categorias básicas de masculino e feminino, mas não aborda questões suscitadas pela teoria de gênero contemporânea.

Entendo que o livro parece ser direcionado sobretudo a leitores provenientes de círculos eclesiásticos mais conservadores, os quais dificilmente negarão que Deus nos criou homem e mulher. Ainda assim, os autores poderiam ter se empenhado mais em abordar visões e práticas problemáticas da cultura mais ampla. Sem uma visão bem definida das diferenças de gênero, pode ser fácil fazer o pêndulo oscilar dos estereótipos culturais inflexíveis e antibíblicos dos conservadores para uma noção mais progressista de que o gênero em si é algo completamente maleável e inteiramente sujeito à escolha individual.

Apesar dessa omissão, no entanto, Jesus and gender continua sendo um recurso útil para nos levar mais além das batalhas de Tiago e João para o caminho de Jesus. A visão crística de Fitzpatrick e Schumacher nos aponta uma prática diferente de poder e autoridade, tanto dentro quanto fora dos muros da igreja. Em um mundo de antagonismos, a igreja precisa resgatar o que significa ser uma família de mulheres e homens unidos em humilhação voluntária, focados na benevolência recíproca e comprometidos com o florescimento mútuo. Em um mundo sedento de poder, esse caminho do serviço humilde seria um testemunho contundente da verdade daquele que veio para servir.

Branson Parler é diretor de educação teológica e professor de teologia na The Foundry. Ele é o autor de um livro a ser lançado, Every body’s story: 6 myths about sex and the Gospel truth about marriage and singleness.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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