Esqueça tudo o que acha que sabe, é o que nos dizem. Lembre-se daquilo que esqueceu. Contudo, com o aumento da velocidade da tecnologia e a saturação excessiva de informações que ela gera pode ser difícil nos lembrarmos do que exatamente precisamos lembrar. E em momentos de estresse ou de recuperação de algum acontecimento traumático, até mesmo as tarefas mais simples ligadas à memória — como lembrar o nome de um ente querido ou daquele comentário engraçado que um amigo fez há poucas horas — podem parecer frustrantes e difíceis.
No que diz respeito ao funcionamento interno da mente, Deus se preocupa com nossos pensamentos, e não apenas com nossas almas. Ele quer trazer plenitude a nossas mentes e a nossas memórias. Quando sentimos estar no limite, do ponto de vista mental, o Senhor se lembra de nós. Não precisamos ficar inquietos quando nos esquecemos de algo, pois ele nos vê e cuida de nós. Ele tem nas mãos o tempo e a verdade; Deus não nos deixará escapar. Os pensamentos de Deus podem ser “maravilhosos demais” para nós e “elevados demais” para serem alcançados (Salmos 139.6), mas ele nos dá o entendimento de que precisamos, quando o reconhecemos em nossos caminhos e nos apoiamos nele para alcançar sabedoria (Provérbios 3.5-6).
Quando eu era mais jovem, ao fim de um longo dia, muitas vezes ficava ruminando sobre conversas ou palavras que gostaria de ter dito ou não ter dito. Muitos de nós, mesmo adultos, ainda fazemos isso. Deus não fica decepcionado com os pensamentos recorrentes de vergonha que temos. Nossa mente pode ficar presa a falhas que cometemos e a coisas de menor importância. Mas, quando voltamos nossa atenção para Deus e meditamos em sua Palavra, ele quebra esses ciclos egocêntricos (Salmos 119.37). Deus não se deixa abater por nossas ansiedades; ele entoa uma canção para acalmar nosso coração (1Pedro 5.7; Sofonias 3.17).
Deus também não fica surpreso nem é afastado pelo nosso ego. Quando somos arrogantes com nossas grandes respostas para problemas complicados, e fingimos saber mais do que de fato sabemos, ele não se deixa levar pelas correntes subterrâneas do nosso orgulho e da nossa insegurança. Em vez disso, o Senhor nos convida a edificar nossa vida sobre ele, a sólida Rocha da verdade.
Podemos orar com o salmista: “Desde os confins da terra eu clamo a ti… põe-me à salvo na rocha mais alta do que eu” (Salmos 61.2). E, uma vez humilhados pela altitude da perspectiva de Deus, seremos finalmente capazes de dar sentido às nossas memórias e padrões de pensamento.
A maioria de nós sente, na própria vida e na vida das pessoas ao nosso redor, que as pressões e as mudanças do cotidiano moderno aumentaram nossa ansiedade. Deus promete um remédio para curar nossas preocupações, ainda que este exija de nós paciência e empenho. As lembranças mais difíceis que temos e as que mais nos desfiguraram podem levar tempo para serem esquecidas. Em compensação, é preciso intencionalidade para apreciar os detalhes das experiências que nos trouxeram mais alegria.
Em minha própria vida, vejo evidências de que Deus curou memórias minhas ao longo de muitos anos, mas sinto ansiedades que não desapareceram por completo. Às vezes, ainda sinto que elas disparam, como se fossem alarmes internos. Aprendi a ouvir esse toque como um chamado santificador, que me alerta para que eu me lembre das coisas que mais importam. Assim, embora nossas ansiedades possam persistir, por meio da comunidade e da graça podemos nos tornar mais dependentes do Senhor para termos resiliência e paz.
Assim como Adão e Eva ficaram vulneráveis, quando comeram o fruto proibido, estamos vulneráveis a sermos enganados por histórias mentirosas que manipulam nossa memória. A Serpente gerou dúvida — “Foi isto mesmo que Deus disse: […]?” — e depois transformou desobediência em condenação (Gênesis 3.1-7). Ela ainda usa esses mesmos truques conosco.
Mas Deus veio em socorro no jardim, tirou Adão e Eva de seu esconderijo, esclareceu a verdade sobre a história em que um colocava a culpa no outro, fazendo-lhes perguntas amorosas, e cobriu-lhes a nudez com roupas. Nossos relatos pessoais sobre o que aconteceu conosco nem sempre são confiáveis. Mas Jesus esmagou a cabeça da Serpente, a grande manipuladora de nossas memórias, libertando-nos do engano e cobrindo nossa vulnerabilidade.
Deus nos criou para lembrar, porque somos feitos à semelhança dele. Ele se lembra de nós e compreende tanto nosso potencial quanto nossos limites (Salmos 103.14). Contudo, de forma contrária e misericordiosa, Deus também pode diminuir a intensidade ou a frequência de nossas lembranças de trauma ou de remorso. Ele pode amenizar o poder que elas exercem sobre nós, renovando nossa mente (Romanos 12.2).
A cura de Deus geralmente é um processo, e pode durar a vida inteira. Mas os flashbacks de medo que sentimos um dia serão substituídos por visões da glória. E, até que o encontremos face a face, nós o louvamos em meio a névoa de nossas memórias falíveis — de geração em geração desmemoriada.
Sandra McCracken é uma cantora, compositora e autora que vive em Nashville. Ela também é a apresentadora do podcast The Slow Work, produzido pela CT.