Adolescentes transgêneros, os pronomes e os nomes que preferem: pastores de jovens lidam com novas perguntas

Nas igrejas evangélicas, a Geração Z está forçando uma discussão sobre a hospitalidade aos LGBT.

Christianity Today July 5, 2023
Sushil Nash / Unsplash

Com a identidade transgênero em constante ascensão nos Estados Unidos, os pastores evangélicos são desafiados a pensar em como eles podem acolher uma pessoa trans que frequenta a sua igreja. Para muitos pastores conservadores, esse cenário ainda pode ser hipotético. Mas é bem provável que, para os jovens de sua congregação, a questão de como se relacionar com seus colegas transgêneros já seja uma realidade.

Quase 20% dos que se identificam como transgêneros nos Estados Unidos têm entre 13 e 17 anos, o que significa que a maioria dos adolescentes hoje vai à escola junto com alunos que se identificam como trans.

Alunos do ensino médio e da faculdade deram início a um fluxo de perguntas e cenários que os líderes e os mentores de suas igrejas não enfrentaram no tempo em que eram jovens. Eles estão refletindo sobre seu testemunho em contextos nos quais alguns podem ver como abominável ou discriminatório acreditar que o gênero permanece ligado ao sexo biológico.

A Northview Church, em Carmel, Indiana, tem uma visão biblicamente ortodoxa sobre gênero e sexualidade, e Jude Wright, pastor de jovens do ensino médio, sabe o quão delicado esse assunto pode ser. Ele incentiva os estudantes a começarem a se relacionar com seus amigos e colegas de classe, citando o exemplo de Jesus, que encontrava as pessoas onde quer que elas estivessem.

“Houve uma geração que apenas tentava socar a verdade e a Bíblia [nas pessoas] sem ter relacionamento”, disse Wright. “E essa não é a cultura em que vivemos hoje em dia.”

Entre o grupo de cerca de 150 jovens , os estudantes regularmente fazem perguntas sobre sexualidade e gênero. Em resposta, Wright primeiro aponta para o amor e a compaixão no caráter de Deus, enfatizando sua bondade em meio a lutas e confusão relativas à identidade.

“Eles estão perguntando […] se Deus é bom, você pode me provar? Como posso experimentar isso em minha vida?”, diz Wright. Ele acredita que as igrejas podem refletir a benignidade de Deus respondendo essas perguntas com empatia, amor e sensibilidade.

À medida que a identidade transgênero se torna mais prevalecente, mais pesquisas e testemunhos refletem os desafios enfrentados por quem é transgênero, entre os quais estão o assédio verbal, ataques físicos e agressão sexual. A Pesquisa Nacional de Saúde Mental da Juventude LGBTQ de 2022 relatou que a maioria dos adolescentes LGBT teve depressão e que os indivíduos trans cogitaram especificamente o suicídio a uma taxa mais alta do que os demais.

Muitos jovens transexuais são criados em famílias cristãs e se identificam como cristãos. Os dados de pesquisa mais abrangentes vêm do Centro Nacional pela Igualdade Transgênero, um grupo de defesa de direitos que descobriu que 19% dos transgêneros que já haviam feito parte de uma comunidade religiosa saíram “devido à rejeição”. Os pastores evangélicos defendem os ensinamentos cristãos sobre gênero e sexualidade, e se esforçam para serem sensíveis àqueles que lutam contra a disforia de gênero.

“Quando comecei no ministério de jovens, há seis anos, estudantes ainda perguntavam sobre evolução, milagres e o problema do mal”, disse Cris O’Brien, pastor de jovens da Primeira Igreja Batista Eau Gallie, em Melbourne, na Flórida. “Essas questões foram […] amplamente substituídas por questões sobre sexualidade e gênero.”

Como é sobre isso que os estudantes de hoje tanto pensam e falam, a igreja “não pode se dar ao luxo de ficar à margem dessa conversa”, disse ele. Aqueles que lutam para entender a identidade de gênero são “ovelhas sem pastor” e precisam ouvir a verdade em amor.

Shane Pruitt, diretor da Gen Send, tem observado a mesma tendência.

“Eu costumava receber perguntas o tempo todo sobre ‘Como posso evangelizar meu amigo muçulmano — ou adepto de alguma outra religião mundial?” disse Pruitt. “Agora estou recebendo mais perguntas sobre ‘Como posso evangelizar pessoas que se identificam como LGBTQIA?’”

Políticas da igreja

Mesmo as igrejas que acreditam que as pessoas são criadas por Deus como homens e mulheres adotam abordagens e políticas variadas em relação aos jovens transgêneros. Em um grupo privado do Facebook, que tem mais de 11 mil líderes de jovens com os mais variados backgrounds, uma postagem sobre pronomes de gênero gerou uma enxurrada de comentários.

Usar os pronomes que o jovem prefere pode ser uma “parte essencial de sua saúde mental”, disse uma pessoa. Outra pessoa escreveu que usar pronomes que não refletem a biologia vai contra “a Verdade da palavra de Deus”, colocando “almas em jogo”.

“Eles precisam da verdade, e não de uma continuação da agenda distorcida que está tentando abrir caminho para dentro da igreja”, escreveu outro pastor. Um membro do grupo disse que sua igreja se dirige a todos como “amigos”, para evitar problemas de comunicação com pronomes.

No site da 9Marks, no ano passado, o pastor Zach Carter escreveu que sua igreja anterior oferecia uma política por escrito, que incluía o que fazer se um estudante transgênero participasse das atividades do grupo de jovens. A política exigia que os estudantes que participassem dessas atividades “vivessem e se apresentassem de acordo com seu sexo biológico”. Isso incluía o uso biologicamente correto de pronomes, roupas, banheiros adequados, vestiários, bem como da designação de locais para dormir, de grupos e de salas de aula.

Algumas igrejas que não têm uma orientação ou políticas específicas sobre o assunto incorporaram diálogos sobre a identidade de gênero em séries de sermões, o que pode influenciar conversas no grupo de jovens.

Aaron Swain, pastor de jovens estudantes e atividades da Freedom Church, em Lincolnton, Carolina do Norte, disse que a igreja abordou a questão da identidade transgênero em um sermão intitulado “Beleza, queda e o gênero binário” que “retratou o plano de Deus para a sexualidade humana como algo bom e belo.”

“Não era nosso objetivo reclamar de pessoas com as quais discordamos”, disse ele. “Incentivamos nossos membros a verem seus próximos e colegas de trabalho que são transgêneros com cuidado e simpatia genuínos — não com desdém, piadas ou zombaria.”

Swain frequentemente se aprofunda nos sermões durante as reuniões com os jovens, tendo-os recentemente conduzido pelo estudo de 1Coríntios, abordando questões como a natureza do casamento, a sexualidade, o divórcio e os papéis de gênero.

“Também organizo uma noite de perguntas e respostas, uma vez por semestre, na qual os jovens estudantes podem me perguntar qualquer coisa. Recebo regularmente perguntas sobre questões LGBTQIA+”, disse Swain. “O objetivo é sempre o mesmo: manter o desígnio de Deus como algo bom e belo, amar seu próximo LGBTQIA+ com afeto genuíno e apontar a todos o evangelho de Jesus Cristo.”

Pruitt disse que os jovens estão ansiosos para falar abertamente sobre essas questões.

“São os líderes que ficam nervosos com essas discussões”, disse Pruitt à CT. “O silêncio não é uma opção, se quisermos alcançar uma geração com o evangelho.”

Seth Stewart, ex-líder de ministério estudantil, escreveu sobre a vez em que um estudante o abordou e anunciou que ele era transgênero. Stewart disse que orou em silêncio, enquanto o estudante falava, e depois agradeceu o jovem por sua vulnerabilidade.

“Então, eu disse a ele que sua história merecia ser ouvida em toda a sua complexidade, porque ele é uma pessoa única, criada à imagem de Deus”, escreveu Stewart. “Eu disse a ele que seria uma injustiça ter uma conversa como essa nos últimos 20 minutos restantes do grupo de jovens, quando ele merecia muito mais.”

Stewart disse que fez mais algumas perguntas e depois perguntou ao jovem se eles poderiam se encontrar em outro momento, para conversarem com mais profundidade.

“Antes de irmos embora, eu disse a ele que acreditava em uma ética sexual bíblica tradicional, que não queria que ele se surpreendesse em nossas futuras conversas, quando eu não apoiasse a atração pelo mesmo sexo ou a transição de gênero”, acrescentou Stewart. “Mesmo assim, eu estava interessado em ouvir sua história completa.”

A igreja de Stewart decidiu acrescentar detalhes aos seus estatutos sobre a identidade transgênero, entre os quais estavam detalhes sobre como comunicar a verdade a jovens estudantes e como compartilhar informações sobre eles e suas dúvidas dentro da igreja.

O debate sobre pronomes

Entre os cristãos, os pronomes são um dos elementos mais discutidos e controversos dessa questão da hospitalidade em relação a pessoas trans.

“Devemos respeitar a consciência do crente que não consegue usar os pronomes preferidos por alguém e as convicções do crente que sente que usar esses pronomes é uma mentira e é falta de amor”, disse David Sanchez, que trabalha com questões de gênero e sexualidade como diretor de ética e justiça para a Comissão de Vida Cristã dos Batistas do Texas.

“Também podemos admirar os esforços dos crentes que usam os pronomes preferidos por alguém, com a intenção de querer construir um relacionamento duradouro, no qual possam demonstrar o amor de Cristo”.

Mike McGarry, fundador e pastor do Youth Pastor Theologian, disse que sua visão sobre os pronomes mudou com o tempo.

“Pelo bem do evangelismo, eu simplesmente uso o gênero e o nome que o visitante me pede para usar”, disse McGarry à CT. “Mas para os jovens estudantes que cresceram na igreja ou que eu já conheço […] confesso a eles que usar o pronome que preferem é muito difícil para mim.”

McGarry disse que tenta usar os nomes que eles escolheram na maior parte do tempo, o que pode permitir que ele assuma uma postura mais graciosa em relação a um jovem descrente.

Quando orienta líderes de jovens envolvidos no ministério, McGarry recomenda manter grupos mistos, a fim de ajudar a evitar dificuldades para aqueles que lutam com a identidade de gênero. Pedir a eles que não se juntem a um grupo com pessoas do gênero que preferem pareceria “dissimulação”, disse ele.

McGarry disse que não permite que discussões sobre sexualidade ou gênero dominem as prioridades do ministério.

“Trato a questão LGBTQ de maneira semelhante à crise de saúde mental: ambas são frequentemente mencionadas de maneiras sutis, como pontos de aplicação, quando o texto bíblico aborda isso”, disse ele. “Mas, em geral, a equipe de liderança de jovens trabalha para cultivar uma atmosfera para o ministério em que os jovens estudantes que enfrentam dificuldades sejam bem-vindos e saibam que queremos apoiá-los, à medida que os lideramos de acordo com as Escrituras.”

Entidades mais conservadoras, como a Focus on the Family, também disponibilizaram recursos para pais e líderes de jovens. Embora não defendam o uso de pronomes que não reflitam a biologia, direcionam as pessoas para respostas baseadas na compaixão, que reconhecem os muitos fatores que cercam a disforia de gênero, entre eles o “espiritual, psicológico, social e possivelmente biológico”.

Pelo país afora

Líderes de igrejas em áreas urbanas e mais liberais do país, como a cidade de Nova York e o estado de Washington, que têm uma das populações mais densas de indivíduos LGBT, enfrentam regularmente essa questão, especialmente entre os jovens.

Em Seattle, Katy Faust, pastora de jovens, dá as boas-vindas a crianças que chama de “pré-cristãs” em um grupo de jovens. Acompanhada por uma mescla composta por frequentadores da igreja e recém-chegados, Faust disse que fundamenta seu ensino na compaixão e na realidade do corpo.

“Sempre voltamos à realidade de que somos uma unidade formada de corpo e alma e que nossos corpos não são um obstáculo para nosso verdadeiro eu”, disse Faust. “Nossos corpos nos dizem algo verdadeiro sobre como devemos viver.”

Faust disse que, pelo fato de ela “carregar” seus ensinamentos com uma “apologética robusta da pessoa humana” e uma visão de mundo cristã, tópicos como pronomes, gênero e sexualidade já estão ancorados na ideologia estabelecida a partir da qual ensina.

A ênfase na empatia e na compaixão foi unânime entre aqueles com quem a CT falou para escrever este artigo. Em um sermão transmitido online, o pastor Josh Howerton disse ao público que falaria sobre questões transgênero, solicitando que ninguém batesse palmas ou dissesse “amém”, durante sua pregação naquele dia, porque isso poderia ser “muito doloroso”, além de mal interpretado como “algo contra ” esses indivíduos.

Dado o rápido aumento da identificação transgênero nos Estados Unidos, não é de surpreender que as igrejas estejam tentando recuperar o atraso no assunto. Vários pastores evangélicos que trabalham com jovens disseram à CT que acreditam que é possível manter os padrões cristãos ortodoxos, enquanto amam jovens transgêneros com compaixão e verdade, no contexto de um relacionamento.

“A razão pela qual [Jesus] é capaz de abordar as pessoas, e não concordar com tudo o que elas fazem, e ainda assim levar a uma transformação”, disse Wright, um pastor de Northview, “é porque ele sempre constrói igualdade de relacionamento no início de seus encontros.”

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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