Culture

A música de adoração manipula nossas emoções. Você confia em quem está ministrando o louvor?

O Espírito está operando, mas os mecanismos em torno de sets de adoração hiperproduzidos também estão.

Christianity Today June 6, 2023
Linda Xu / Unsplash

“Mais intensidade!” disse a voz no meu ponto.

Eu estava no palco, em uma sala escura, quase cega pelos holofotes. Era a primeira vez que eu conduzia a adoração em uma grande conferência regional para estudantes universitários, e um dos gerentes de produção na cabine de som me incentivava a levantar mais as mãos, a me movimentar mais no palco, a bater mais palmas, a pular, a dar mais demonstrações físicas.

Eu sempre soube que os sets de adoração da conferência eram orquestrados, mas esta foi a primeira vez que pude ver as minúcias. A certa altura, disseram-me para imaginar meus braços presos àquelas boias de piscina do tipo espaguete, para mantê-los retos e erguê-los bem alto. Cada música era classificada de 1 a 5, pelo seu “nível de energia”, e certas sessões só podiam ter músicas acima do nível 3.

Lembro de me perguntar: Estou manipulando as pessoas que assistem, que cantam e ouvem? Estou usando a música para gerar uma resposta emocional na multidão?

A resposta curta é sim, estou. A música de adoração pode comover e manipular emoções, e até mesmo moldar crenças. A adoração coletiva é neurológica e fisiológica. Martinho Lutero insistia no fato de que a capacidade de comover e manipular fazia da música um dom divino singular. “Depois da Palavra de Deus”, escreveu Lutero, “somente a música merece ser exaltada como senhora e governanta dos sentimentos do coração humano. […] Até o Espírito Santo honra a música como uma ferramenta de trabalho.”

Compositores e líderes de adoração usam mudanças de ritmo e de dinâmica, modulação e instrumentação variada para deixar a música de adoração contemporânea envolvente, imersiva e, sim, emocionalmente comovente.

Como adoradores, podemos sentir isso. Músicas com longos interlúdios lentamente constróem uma expectativa rumo a um refrão familiar. Ou a banda sai para que as vozes cantem, quando o refrão toca. Além disso, as próprias letras podem ser uma deixa para nosso comportamento (“I’ll stand with arms high and heart abandoned” [“Ficarei em pé com os braços levantados e o coração abandonado”]) [Trecho da música “The Stand”, Hillsong United].

Existem questões válidas e interessantes sobre as particularidades que dão repercussão à música de adoração contemporânea — convenções emprestadas de canções de amor seculares e de baladas pop ou associações com a estética de shows de rock de artistas como U2 e Coldplay, feitos em arenas gigantes com milhares de pessoas, por exemplo. Mas as preocupações atuais sobre o poder manipulador da música de adoração parecem ter menos a ver com estilo e gosto musical do que com as pessoas e as instituições envolvidas na produção e na execução dela.

Então, talvez a pergunta que eu deveria estar me fazendo no palco não é se a música era manipuladora, mas se nós, responsáveis pelo contexto da adoração, éramos mordomos e pastores confiáveis daquela experiência.

A adoração coletiva nos convida a nos abrirmos à direção espiritual e emocional. Essa abertura parece vulnerável, e de fato é. E à medida que a adoração se torna uma produção maior em igrejas e eventos ministeriais, um coro crescente tem questionado se nossas emoções estão em boas mãos.

“Essa é a parte complicada sobre as emoções. [Na adoração com música] algo acontece dentro de você que é voluntário e involuntário ao mesmo tempo”, disse a etnomusicóloga Monique Ingalls, que dirige programas de pós-graduação e pesquisa em música sacra, na Baylor University.

Os adoradores têm participação; eles decidem o quanto se abrem à direção das emoções. Mesmo exemplos extremos de propaganda musical requerem receptividade por parte do ouvinte. A propaganda musical é mais eficaz quando a música é usada para aumentar a devoção — para edificar nossa fé — e não para mudar ou alterar crenças. Contudo, uma vez que haja confiança e aceitação, uma manipulação emocional perigosa e exploradora é possível.

“A manipulação emocional em um culto de adoração é como um pastor que conduz as pessoas a certos pastos sem saber o porquê”, escreveu Zac Hicks, autor de The Worship Pastor, sobre a questão da “manipulação versus pastoreio”.

“A manipulação, na melhor das hipóteses, é um ‘pastoreio sem propósito’ ou um ‘pastoreio parcial’”, escreveu Hicks. “Uma pessoa-ovelha que desperta da névoa da manipulação geralmente exclama primeiro: ‘Espere aí, por que estou aqui?‘”

Em vez de um líder de adoração ver a resposta emocional da multidão — mãos levantadas, olhos fechados ou lágrimas — como um sinal de sucesso, Hicks argumentou que um pastor sério usará o que ele chama de “contornos emocionais do evangelho” (“a glória de Deus”, “a gravidade do pecado” e “a grandeza da graça”) para moldar a adoração musical e evitar a manipulação.

Mas quando os adoradores suspeitam que a atenção aos contornos do evangelho foi substituída por outras influências, a confiança começa a se desgastar. O líder de louvor à frente da igreja parece estar mais preocupado em cultivar uma imagem em particular do que em servir em um papel pastoral? Os momentos emocionais muito intensos parecem se tornar aberturas para levantar dinheiro? Os adoradores temem a manipulação quando têm motivos para duvidar das intenções de um líder ou de uma instituição.

“É fácil confundir manipulação emocional com um mover de Deus, certo?”, disse a jornalista e autora Kelsey McKinney, no documentário de 2022 Hillsong: A Megachurch Exposed. “Você está chorando porque o Senhor está operando algum tipo de intervenção em sua vida ou está chorando porque a estrutura de acordes foi feita para fazer você chorar?”

A suspeita de que uma estrutura de acordes possa ser “feita para fazer você chorar” é uma simplificação exagerada da relação entre música e emoção. A música não atua simplesmente sobre o ouvinte; há uma dialética entre indivíduo e música pela qual cada parte influencia e reage à outra.

Mas o medo de ser levado a perceber uma música cuidadosamente elaborada como um encontro espiritual é compreensível, quando parece que pessoas poderosas, que estão no comando de megaigrejas, estão usando música impactante para cultivar lealdade e devoção — não apenas a Deus, mas também à marca delas.

Escândalos como os que atormentaram a Hillsong nos últimos anos, bem como sinais de que a música de adoração contemporânea está cada vez mais moldada por interesses financeiros estão alimentando o ceticismo. Uma parcela crescente da música de adoração tocada nas igrejas vem de um pequeno mas poderoso grupo de compositores e intérpretes que a maioria de nós nunca verá pessoalmente.

Quando se trata de pastoreio emocional, Ingalls vê a confiança e a autenticidade como primordiais — duas coisas difíceis de manter em um relacionamento entre fãs e celebridades.

“Acho que o medo da manipulação, a pergunta ‘Posso confiar nessa pessoa?’ está totalmente envolvida no debate da autenticidade”, disse Ingalls.

Mas as preocupações com a manipulação emocional são muito anteriores à Hillsong e aos mega-artistas de adoração dos últimos 20 anos. Uma capa da Christianity Today de 1977, intitulada “A música deve manipular nossa adoração?”, questionava novas expressões marcadas por “uma batida forte e um tom emocional alto”, de bandas de “rock gospel” com ritmo musical acelerado.

Os estilos musicais mudaram, mas a condução oferecida continua relevante para hoje:

Se a igreja evangélica deve responder com maturidade aos padrões de expressão musical em rápida mudança, precisamos de ministros de louvor treinados e preocupados, que possam nos guiar para além das armadilhas tanto do esteticismo (a adoração da beleza) quanto do hedonismo (a adoração do prazer).

Precisamos de músicos que sejam primeiramente ministros. Eles devem entender as necessidades espirituais, emocionais e estéticas das pessoas comuns e ajudar a liderar uma igreja em sua busca pela verdadeira Palavra e por uma expressão criativa, autêntica e plena de sua fé. Este tipo de ministério está mais preocupado em treinar participantes do que em entreter espectadores.

Meio imperfeito, pastores imperfeitos

C. S. Lewis, embora não fosse músico, professava a crença de que a música poderia ser “uma preparação ou mesmo um meio para encontrar Deus”, fazendo a ressalva de que poderia facilmente se transformar em distração ou ídolo.

O musicólogo John MacInnis observou que a exposição de Lewis à música de Beethoven e de Richard Wagner foi um portal espiritual. Lewis considerava momentos musicais transcendentes em sua vida como sinais, e olharia em retrospectiva, após sua conversão ao cristianismo, e os veria como encontros que lhe moveram o coração e a mente em direção a Deus.

Mas Lewis reconhecia a imperfeição da música como modo de adoração ou meditação devocional. “O efeito emocional da música pode ser não apenas uma distração (para algumas pessoas, em alguns momentos), mas uma ilusão: por exemplo, ao sentir certas emoções na igreja, eles as confundem com emoções religiosas, quando podem ser totalmente naturais.”

Lewis não entendia sua reação ao ciclo do Anel de Wagner como adoração, mas sentia que ele o levou a alguma forma de transcendência, a um encontro sublime e avassalador.

Os ouvintes impressionados com o espetáculo visual e sonoro de um show da Taylor Swift podem sentir uma euforia que, de fato, supera o escopo usual de suas emoções. A música e seus contextos podem nos levar ao ápice de nossas capacidades emocionais. Podemos ficar impressionados com sua beleza ou seu poder, com a mídia visual que a acompanha, com uma lembrança que só ela pode ativar com precisão e potência.

Como Lewis, talvez todos possamos nos beneficiar ao nos deixarmos dominar pela música fora do santuário, de vez em quando. Pode ser que entender nossa capacidade de sermos tocados pela música nos ajude a transitar pela nossa abertura emocional na adoração.

A exata atuação da música sobre as emoções é algo inescrutável, mesmo com as novas pesquisas neurológicas que exploram ainda mais os efeitos da música no cérebro. Por trás do medo de sermos manipulados emocionalmente, para a maioria de nós, existe um medo de estarmos sendo coagidos a fazer ou a crer. Tememos que nossas emoções estejam apenas respondendo à música, e não ao Espírito Santo; tememos que aquilo que percebemos como um encontro espiritual seja falso, fabricado por músicos habilidosos, uma equipe de produção e um refrão bem escrito.

A transparência pode ser um antídoto. Para músicos e líderes de adoração, pode ser útil simplesmente serem mais abertos sobre as maneiras como programam música ou sobre qual pode ser o propósito de uma seleção musical específica. Um líder pode prefaciar uma música meditativa com letra comovente, encorajando a congregação a refletir sobre uma passagem das Escrituras. O simples fato de reconhecer o peso emocional do momento indica autoconsciência e cuidado por parte do líder.

Ingalls sugere avaliar as experiências emocionais de adoração musical em uma igreja ou em ministério específico pela observação do fruto dessa adoração fora do santuário. “Quando estivermos avaliando as emoções na adoração, podemos perguntar: ‘O que os adoradores que têm essas intensas experiências emocionais estão fazendo lá fora?’”

Se aceitarmos que nossos momentos comoventes, às vezes lacrimosos, em uma congregação que louva são quase sempre causados por uma espécie de cooperação entre Deus em nós e a música ao redor de nós, podemos ficar de olho no trabalho de nossos pastores contemplando o pasto em que nos encontramos do outro lado.

“O que está sendo feito no solo” — Ingalls sugere que perguntemos — “para trazer a paz de Deus a este mundo? Para restaurar relacionamentos quebrados com Deus, com os outros e com a terra?”

Kelsey Kramer McGinnis é correspondente de música de adoração da CT. Ela é musicóloga, educadora e escritora, e pesquisa música em comunidades cristãs.

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Os cristãos estão fazendo perguntas sobre Deus para o ChatGPT. Isso é diferente de perguntar para o Google?

Especialistas de todo o mundo explicam as consequências para os crentes dessa revolução da IA (Inteligência Artificial), dentro e fora da Internet.

Christianity Today June 6, 2023
Ilustração de Abigail Erickson / Fonte Imagens: Getty, Unsplash

Desde seu lançamento em novembro passado, centenas de milhões de pessoas já usaram o ChatGPT para planejar itinerários de férias, obter ajuda para codificar melhor, criar mashups [junção] de músicas da cultura pop e aprender detalhes mais sutis de suas crenças.

Durante anos, os cristãos pesquisaram no Google suas questões teológicas, em busca de artigos escritos por seres humanos que respondessem a perguntas sobre Deus e sua Palavra. Agora, as pessoas podem fazer essas perguntas para chatbots de IA. De que modo essas ferramentas para processamento de linguagem natural, como o ChatGPT, mudarão a forma como interpretamos a Bíblia?

Oito especialistas em IA de todo o mundo — e o próprio ChatGPT — opinaram sobre essa questão.

Pablo A. Ruz Salmones, CEO, X eleva Group, Cidade do México, México

João 17.17 diz: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (ESV). Assim, interpretar a Bíblia é, em grande medida, a busca da Verdade. Modelos de linguagem grande (LLMs) como o ChatGPT não têm, por definição, uma fonte de verdade; simplesmente este fator não está no modelo — daí porque, às vezes, eles inventam coisas e extrapolam. Eles são incapazes de encontrar a verdade, de modo que, mesmo quando tropeçam nela, são incapazes de reconhecê-la como tal.

Assim, ao ler o que é produzido sobre a Bíblia a partir de um LLM, devemos entender que tal resposta não vem de sua busca pela verdade dentro da Palavra de Deus, mas sim de uma mistura de “regurgitação” e extrapolação — também conhecida como algoritmos — do que outros disseram. Como resultado, o ChatGPT não pode, por si mesmo, oferecer uma nova interpretação da Bíblia; em vez disso, uma pessoa que consulta o ChatGPT pode encontrar na resposta do chatbot uma nova maneira de interpretar a Bíblia, do mesmo modo como pode encontrá-la em uma resposta proferida por um papagaio. Por repetir o que outros dizem, o papagaio acaba falando a verdade, mesmo que não saiba que o fez.

Suman Kumar Polepaka, fundador da BibleMate, atualmente com sede em Munique, Alemanha

Modelos de texto generativo de IA, como o ChatGPT, estão transformando a forma que buscamos respostas para questões teológicas. Os dias de pesquisa no Google e leitura de artigos intermináveis estão contados. Em vez disso, os chatbots de IA oferecem respostas instantâneas, claras e confiáveis, compiladas a partir de uma vasta gama de textos, livros e artigos. Características como conveniência, agilidade e natureza interativa fazem dessas ferramentas um recurso obrigatório.

Elas podem até mesmo aprimorar o estudo bíblico individual, fornecendo interpretações instantâneas e diversificadas, bem como o contexto de qualquer passagem. Mas aqui está o problema: o ChatGPT, sendo um modelo para uso geral, pode carecer de precisão teológica ou bíblica. Seu objetivo não é promover um relacionamento pessoal com Deus nem nutrir o crescimento espiritual.

Isso me levou a criar o BibleMate, uma alternativa baseada no ChatGPT. A missão do BibleMate é fornecer respostas biblicamente precisas e guiar os usuários em sua caminhada de fé. Trata-se de garantir que a IA não ofereça informações apenas, mas contribua de forma significativa para o crescimento espiritual. Este projeto ainda está em seus estágios iniciais e estou animado para acompanhar a sua evolução.

Ang Wie Hay, profissional de TI e pregador, Singapura

A velocidade com que o ChatGPT coleta e filtra informações, integra e classifica dados e fornece resumos em vários idiomas confere a ele uma inteligência que nenhum ser humano normal possui.

Essa tecnologia significa que os cristãos que procuram conselhos bíblicos podem pedir que o ChatGPT aplique passagens das Escrituras a vários contextos. Os muitos recursos do ChatGPT na área de idiomas podem facilitar o estudo exegético de versículos da Bíblia, desde o idioma original do texto bíblico até vários idiomas locais.

O ChatGPT não é um ser humano capaz de distinguir a vontade de Deus ou de determinar a verdade da Bíblia. Portanto, a percepção bíblica do ser humano é fundamental para decidir se a resposta do ChatGPT está de acordo com sua fé.

Como pregador, sou grato pelo fato de que o ChatGPT ajudará muito a acelerar o preparo de esboços de sermão. E, ao mesmo tempo, o pastor ainda precisa ter um relacionamento íntimo com Deus, para ser sensível em captar a sabedoria e a orientação divinas. Minha esperança é que, com a rapidez do ChatGPT em responder ao que lhe pedirmos, o pastor possa passar mais tempo cultivando um relacionamento íntimo com Deus.

Sharath Chandra Kogila, gerente de linha de produtos que trabalha em iniciativas de IA na Dell Technologies, Bangalore, Índia

Precisamos imediatamente lidar com a sobrecarga de informações. Devido à quantidade de informações a que estamos expostos, nossa cognição fica prejudicada e nossa capacidade de resumir, entender e extrair valor da informação é desafiada. A partir desta geração, contaremos com sistemas de IA, como o ChatGPT, que são baseados em modelos de linguagem grande, para interpretar e resumir as informações para nós. O problema que vejo aqui é que os modelos podem ser treinados para refletir uma visão de mundo ou uma ideologia específica, quando lerem informações (incluindo a Bíblia). Isso afetaria especialmente alguém novo na fé que estivesse em busca de recursos e informações.

Qualquer tipo de conteúdo, inclusive áudios, pode ser produzido de modo a parecer real usando sistemas GPT. Isso é um risco sério, já que não podemos perceber a diferença entre o que é verdadeiro, o que é falsificado ou o que é modificado a partir de um conteúdo original. Além disso, com esses sistemas, as informações não podem ser rastreadas até uma fonte — ao contrário do acesso às informações pela web, no qual as informações devem estar vinculadas a um site cuja autenticidade pode ser verificada com mais facilidade. Nesses casos, ou as informações todas são confiáveis ou nenhuma delas é. Quando tais metodologias são usadas, os sistemas de IA têm ou um ponto de vista neutro ou um ponto de vista politicamente tendencioso, ambos indesejáveis quando se interpretam situações de uma perspectiva bíblica.

Batseba Kassahun, consultora de recursos humanos, já assessorou empresas nas áreas de saúde digital, e-learning e telecomunicações, Addis Abeba, Etiópia

Com demasiada frequência, a igreja global valoriza a cultura ocidental, independentemente de essa cultura ter alguma conexão histórica que seja cristã. Embora atualmente não tenhamos o ChatGPT disponível na Etiópia, temo que se torne apenas outra ferramenta que levará os cristãos a glorificarem ainda mais a cultura ocidental. Também me preocupo que suas respostas e aplicações para nós, etíopes, sejam limitadas, já que o ChatGPT foi projetado para funcionar em um contexto muito diferente.

Os cristãos que têm acesso ao ChatGPT precisam lutar com o fato de que essa IA produz sermões e ensinamentos com desenvoltura. Se esta ferramenta pode fazer isso, quanto mais não pode também replicar nosso estudo pessoal da Bíblia? Nossa transformação pessoal acontece por meio do estudo e da pesquisa que nós mesmos fazemos na Bíblia. O que acontecerá se nos alimentarmos apenas de resumos e conclusões?

Um profissional de TI e líder de pensamento em IA, cujo trabalho no setor público não o autoriza a emitir uma opinião pública, devido à natureza de sua função, Índia

Ao interagir com um usuário, ferramentas de processamento natural, como o ChatGPT usam um processo conhecido como incorporação de palavras. Cada incorporação de palavra tem suas próprias regras matemáticas internas para associar palavras diferentes, de modo a construir uma frase para responder a uma consulta.

Atribui-se uma probabilidade a cada palavra em uma lista de palavras potencialmente próximas para construir uma frase, e uma palavra final é escolhida, com base na probabilidade máxima ou no resultado da preferência (viés), introduzido através do aprendizado por reforço com feedback humano.

Como resultado, qualquer consulta que o ChatGPT responda depende dos dados de treinamento usados no pré-treinamento e do feedback humano fornecido ao ajustar o modelo. Os dados de treinamento da Internet usados pelo ChatGPT têm [coletâneas escritas] pró-cristãs, bem como [coletâneas] críticas ou anticristãs.

Além disso, chatbots como o ChatGPT podem ser deliberadamente envenenados por dados falsos ou sintéticos, e podem alucinar respostas (ou seja, gerar respostas convincentes, mas falsas). Portanto, qualquer resposta do ChatGPT precisaria passar por uma avaliação crítica de sua validade teológica e de sua precisão histórica.

Mesmo com essas sérias limitações, o ChatGPT é uma ótima ferramenta para estudar a Palavra de Deus, pois fornece prontamente referência concisa e gratuita a uma vasta quantidade de ensinos bíblicos de qualidade, por meio de inúmeros blogs, discussões, discursos, comentários, mapas, gráficos, manuais, livros de teologia sistemática, livros cristãos em geral e Bíblias de estudo.

Para os cristãos indianos que desejam usar o ChatGPT, para o bem ou para o mal, essa vasta quantidade de conhecimento está disponível principalmente em inglês, e não há muitas opções nos idiomas indianos locais, como o hindi ou outras 21 línguas oficiais.

Marcelo Cabral, gerente editorial e educacional da ABC2 (Associação Brasileira de Cristãos na Ciência), São Paulo, Brasil

Por um lado, o ChatGPT pode fornecer estrutura, sugestões de intérpretes e resumos acessíveis de tradições teológicas que podem melhorar muito as práticas de leitura e o planejamento de estudos bíblicos de cristãos (tanto leigos quanto ordenados).

Por outro lado, o ChatGPT se tornará mais um obstáculo (somando-se à mídia social) para os cristãos que buscam uma reflexão profunda em torno dos textos bíblicos. Ele desencoraja os cristãos a lerem o texto bíblico por si mesmos e a permitirem que o texto os “leia” em troca. Esse trabalho intelectual e espiritual pode ser superautomatizado, atrofiando mentes e corações no processo formativo de pensar e criar.

Benjamin Bimanywaruhanga, profissional da área de IA, Uganda

Os ugandenses são espirituais e gostariam de aprender quais são os ensinamentos da Bíblia que se relacionam com suas situações da vida real. Muitos usariam o ChatGPT, se este fosse criado pensando neles.

No entanto, embora o mundo desenvolvido tenha se beneficiado da Internet como fonte de conhecimento, ela frustrou a maioria da população nos países em desenvolvimento. A maioria das pessoas não fala os idiomas internacionais que circulam pela Internet, de modo que apenas a elite a utilizou anteriormente como fonte de informação.

Com o aumento da penetração da Internet e com o número crescente de aplicativos de Internet baseados em bate-papo, que usam vias [de comunicação especializada], há uma oportunidade para que muitos do mundo desenvolvido voltem-se para esses lugares em busca de conhecimento. No entanto, isso depende de que ferramentas como o ChatGPT operem nos idiomas locais. Quando isso ocorrer, veremos a adoção de aplicativos do tipo do ChatGPT suplantar o número de usuários no Ocidente, algo semelhante ao fato de esta parte do mundo estar ultrapassando o mundo desenvolvido na revolução do dinheiro móvel.

ChatGPT

Ferramentas para processamento de linguagem natural, como o ChatGPT, mudarão a forma como interpretamos a Bíblia ao aumentarem a acessibilidade a interpretações e explicações bíblicas, fornecerem diversas perspectivas, permitirem a compreensão contextual e oferecerem orientação personalizada.

Elas permitem acesso imediato à informação teológica, tornando-a mais inclusiva. O ChatGPT pode processar uma ampla variedade de fontes, promovendo uma compreensão diversificada da Bíblia. Ele pode analisar contexto, antecedentes históricos e referências culturais, ajudando a fazer interpretações precisas. A ferramenta se envolve em interações de conversação, ajudando os usuários a transitarem por conceitos complexos e a aplicarem ensinamentos a circunstâncias pessoais.

No entanto, os chatbots de IA são ferramentas, e não substituem a interpretação humana. A complexidade da Bíblia requer expertise, discernimento e compreensão teológica. Embora os chatbots de IA forneçam informações valiosas, o envolvimento com teólogos e estudiosos experientes continua sendo essencial para uma interpretação abrangente da Bíblia.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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Books

Morre Paul Eshleman, que levou o filme ‘Jesus’ até os confins da terra

O estrategista de evangelismo da Cru queria que todos no mundo ouvissem as boas novas de que Deus os amava.

Christianity Today June 6, 2023
Image: Paul Eshleman / edits by Rick Szuecs

Paul Eshleman, um estrategista de evangelismo que organizou um dos maiores esforços de evangelização do século 20, para que todos no mundo pudessem ouvir pelo menos uma vez que Deus os amava, morreu em 24 de maio, aos 80 anos.

Eshleman foi o diretor do Jesus Film Project, tendo produzido o longa de 1979 para a Campus Crusade for Christ (atualmente Cru) em parceria com a Warner Bros., e tendo supervisionado sua tradução para mais de 2 mil idiomas. Eshleman providenciou para que o filme fosse exibido em todo o mundo, desde lugares nas áreas rurais da Ásia e da África, nos quais as pessoas nunca tinham visto luz elétrica antes, até transmissões em rede nacional de televisão em lugares como Peru, Chipre e Líbano. De acordo com a Cru, quase 500 milhões de pessoas disseram que tomaram a decisão de aceitar Jesus como seu Senhor e Salvador depois de ter visto o filme.

“Sou levado todos os dias a me perguntar: ‘Quem ainda não teve a chance de ouvir [as boas novas], e como posso tornar isso possível?’”, explicou Eshleman, certa vez. “Somos estrategistas para Cristo, e pensamos em novas maneiras de alcançar as pessoas com a mensagem de vida.”

O fundador da Saddleback Church, Rick Warren, chamou Eshleman de “querido amigo” e o elogiou por seu “impacto global”. O evangelista Franklin Graham disse: “Deus usou grandemente a vida de Paul Eshleman”.

De acordo com Steve Sellers, atual presidente da Cru, “Paul foi um defensor da causa de Cristo e desafiou a Igreja a considerar formas inovadoras de evangelizar”.

Eshleman nasceu em 23 de outubro de 1942, e era o filho mais velho de Viola e Ira Eshleman. Seu pai era um ministro evangélico que se mudou com a família de Michigan para a Flórida, em 1950, para lançar um resort cristão. Ele comprou 30 acres de uma base militar que estava fechada, em Boca Raton, por 50.000 dólares, dando início a uma igreja e a uma comunidade de veraneio que o evangelista Billy Graham apelidou de “Bibletown” [cidade da Bíblia].

Eshleman entregou sua vida a Cristo quando menino; porém, quando cresceu, ele estava mais interessado no mundo dos negócios do que no ministério. Ele decidiu que queria se tornar diretor de uma empresa de petróleo ou talvez um fabricante de automóveis.

Eshleman foi para a Michigan State University, onde estudou administração de empresas, marketing e finanças. Ele se juntou a um grupo da Campus Crusade, mas não levava muito a sério sua fé. Mais tarde, ele disse que só continuou frequentando os encontros para poder dizer à mãe que fazia parte de um grupo cristão, mas não precisar ir à igreja nas manhãs de domingo.

As coisas mudaram quando uma garota com quem ele namorou disse que ele só estava “brincando com Deus”, e que era hora de levar a sério ou acabar com isso. Eshleman ficou bravo e contou a ela sobre todo o tempo que passou na igreja enquanto crescia; mais tarde, porém, naquela mesma noite, ele não conseguia parar de pensar no que ela dissera. E começou a se preocupar que Deus estivesse endurecendo seu coração, como havia endurecido o do faraó, em Êxodo 7—11.

“Eu não conseguia dormir”, disse Eshleman. “Eu me aproximei da minha cama e disse: ‘Senhor, eis aqui a minha vida.’”

Na manhã seguinte, ele ligou para um líder da Campus Crusade: “Estou do seu lado agora. O que quer que eu faça?"

Eshleman foi ensinado a compartilhar o evangelho por meio das quatro leis espirituais e enviado para falar aos alunos nas fraternidades. A segunda pessoa para quem ele falou entregou sua vida a Cristo, e Eshleman foi convencido de que esse era um trabalho mais importante do que administrar uma grande empresa.

Ele ingressou na Campus Crusade em 1966 e foi para a Universidade de Wisconsin, em Madison. A escola estava conturbada por protestos estudantis antiguerra voltados contra a Dow Chemical Company, que fabricara o gel inflamável que os militares dos EUA estavam usando nas selvas do Vietnã. Em 1967, o campus se tornou palco do que alguns historiadores dizem ter sido o primeiro protesto universitário do país a se tornar violento. Eshleman descobriu que este era “um ambiente maravilhoso para ministrar”, disse ele. Em um ano, ele organizou 72 reuniões evangelísticas em dormitórios, fraternidades e irmandades por todo o campus.

“No meio de todo aquele caos”, disse ele, “tínhamos uma onde contínua de pessoas vindo para Cristo”.

Alguns anos depois, ele foi escolhido para organizar um evento em massa para jovens, o qual Billy Graham disse aos repórteres que seria a resposta cristã a Woodstock. Seria um grande evento para Jesus, uma “explosão espiritual” ou “Explo” realizada em Dallas, em 1972.

O evento foi idealizado pelo fundador da Campus Crusade, Bill Bright. Ele disse que tivera uma visão: haveria multidões de jovens e música, e eles poderiam treinar 100 mil estudantes universitários para evangelizar seus colegas. Os principais integrantes da equipe de Bright, no entanto, não gostaram da ideia e habilmente se esquivaram da tarefa, de acordo com o historiador John G. Turner, que escreveu a história da fundação da Cru.

“Era um truque antigo”, disse um integrante da equipe. “Ele teria tido uma visão e, então, nós teríamos que colocar braços e pernas nela.”

Ofereceram a tarefa a Eshleman. Este, ingênuo e passional, abraçou a oportunidade. Ele recebeu um orçamento generoso, mas pouco apoio da equipe. Conseguiu ter sucesso em sua missão, no entanto. Agendou a participação de nomes como Johnny Cash, Andraé Crouch e outros “loucos por Jesus” mais novos, como Larry Norman e o Armageddon Experience. Conseguiu permissão para usar o Cotton Bowl por quatro noites, reservou quartos de hotel em 65 locais de Dallas a Fort Worth, e até conseguiu que três horas de música e pregação fossem transmitidas pela televisão para todo o país.

O evento atraiu apenas 30 mil estudantes universitários, mas Eshleman também convidou estudantes do ensino médio e conseguiu recrutar outros 35 mil, totalizando 75 mil jovens que, entre as apresentações musicais, aprenderam a compartilhar sua fé. Outros 10 mil vieram como convidados e o Explo '72 foi considerado um sucesso.

O filme Jesus começou a ser produzido da mesma forma, como uma visão de Bill Bright que seria difícil, senão impossível, de realizar. A ideia obteve apoio financeiro, no entanto, do magnata do petróleo Nelson Bunker Hunt e atraiu o interesse de John Heyman, um produtor de cinema judeu na Grã-Bretanha que queria produzir algo relacionado à Bíblia. O projeto recebeu aprovação para prosseguir e, embora Eshleman nunca tivesse trabalhado com cinema antes, foi encarregado do trabalho de assistente de produção e solucionador de todo tipo de problemas durante as filmagens.

O filme, que segue de perto o texto do Evangelho de Lucas, foi lançado em 1980 e exibido em cerca de 300 cinemas. Os críticos não acharam que se comparasse com Ben-Hur, de William Wyler, ou com Os Dez Mandamentos, de Cecil B. DeMille, mas grupos de igrejas e escolas cristãs gostaram, e não foi um desastre financeiro para a Warner Bros.

Em seguida, o filme foi entregue a Eshleman para uma distribuição mais ampla, criativa e inovadora. Ele trabalhou com a equipe da Campus Crusade para traduzir o filme para 21 idiomas, em 18 meses, e se conectou com grupos missionários ao redor do mundo inteiro, para exibi-lo em lugares onde as pessoas nunca tinham visto a vida de Jesus na telona — nem qualquer outro filme que fosse.

Por cerca de 25 mil dólares, Eshleman conseguiu fazer a dublagem do filme em outro idioma, produzir uma nova cópia, enviar o filme e o equipamento de projeção para um campo missionário — lidando com autoridades da alfândega e da censura ao longo desse processo — e ainda organizar uma exibição para o maior número de pessoas possível no campo. Dez das primeiras exibições foram na Índia. As pessoas caminhavam mais de cinco quilômetros para assistir ao filme.

Em 1985, a equipe de Eshleman traduziu o filme para 100 idiomas diferentes. Eles fizeram um planejamento para produzir o filme em todos os idiomas, com mais de 100 mil falantes. Simplificaram e aceleraram o processo de dublagem com novas tecnologias, e logo enviaram o filme Jesus para todos os recantos do mundo, da Estônia ao Equador.

Em todos os lugares, o filme parecia ter um efeito poderoso.

“Você podia ouvir adultos chorando, na cena em que os soldados açoitam Jesus”, disse Brian Helstrom, um evangelista da Igreja do Nazareno que exibiu o filme na África. “'Você podia vê-los literalmente pular para trás, ao verem a serpente tentando Jesus.”

Eshleman, que supervisionava uma equipe de 300 pessoas, ocasionalmente assistia a uma exibição do filme. A experiência, segundo ele, era inesquecível.

“Você … se senta em um tronco sob as estrelas”, ele recordava, “e observa pessoas que nunca viram um filme antes na vida — é a primeira vez que estão vendo luz elétrica — e a figura de Jesus aparece na tela do cinema. Você vê os olhos dessa pessoas brilharem.”

Um executivo de cinema cínico certa vez brincou com Eshleman, dizendo que se ele passasse o filme Dirty Harry [Perseguidor Implacável] em vez de Jesus para pessoas nunca antes expostas à tecnologia do século 20, elas cairiam de joelhos e adorariam o inspetor de polícia interpretado por Clint Eastwood como se fosse o Filho de Deus. Mas Eshleman rejeitava a ideia de que o poder do filme Jesus estivesse em sua mídia, e não em sua mensagem. Um guerreiro Maasai no Quênia poderia gostar do filme Dirty Harry, disse Eshleman, mas para entender que Deus o amava e tinha um plano maravilhoso para sua vida, ele tinha que ver a Palavra que se fez carne em celulóide.

Até o ano 2000, a equipe de Eshleman havia traduzido o filme Jesus para 600 idiomas e podia produzir uma nova tradução em nove dias. O Guinness Book de Recordes Mundiais reconheceu o filme Jesus como o mais traduzido de todos os tempos.

Ao mesmo tempo, Eshleman começou a rastrear todos os grupos étnicos que não tinham nenhum obreiro cristão para ajudar nas traduções. O número variava, dependendo de como os grupos eram contados, mas ele calculou que centenas de milhões de pessoas nunca haviam tido contato com a mensagem do evangelho.

Em uma reunião de nove dias com 10 mil evangelistas, em Amsterdã, Eshleman e vários outros organizaram uma sessão de estratégia, a fim de coordenar os esforços para alcançar esses povos “não alcançados”. Dessa sessão surgiu a Finishing the Task [Completando a Tarefa], uma rede de organizações cristãs comprometidas em completar a Grande Comissão, alcançando todas as nações. O objetivo, disse Eshleman, era garantir que todos no mundo tivessem a chance de ouvir, ao menos uma vez, que Jesus os ama.

“Eles já tinham esperado o suficiente”, disse Eshleman. “É hora de completarmos [a tarefa].”

Eshleman tornou-se diretor e, em 2017, disse que a Finishing the Task mobilizou missionários para 2 mil novos grupos étnicos e plantou 101 mil igrejas. Alcançar todas as nações da Terra parecia uma possibilidade real.

“Se eu pudesse escolher um tempo para estar vivo”, disse Eshleman, “este seria o tempo.”

Sua esposa Kathy faleceu antes dele. Paul deixa a segunda esposa, Rena, e dois filhos adultos, Jennifer e Jonathan.

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Como aumentar suas chances de ter um casamento bem-sucedido

Se você está namorando sério, não passe sem pensar para um compromisso vitalício. Decida dar esse passo.

Christianity Today May 31, 2023
Illustration by Rick Szuecs / Source images: Envato

Um número substancial de cristãos praticantes acredita que morar junto antes do casamento é uma boa ideia pelo menos 41%, segundo uma estimativa. Embora muito mais pessoas não religiosas acreditem na mesma coisa (88%), 41% não é um grupo pequeno, e é provável que esteja crescendo com o passar do tempo.

Um relatório recente do Institute for Family Studies [Instituto para Estudos sobre Família] fez uma pesquisa com pessoas que se casaram pela primeira vez entre os anos de 2010 a 2019. Minha colega, Galena Rhoades, e eu chegamos a conclusões semelhantes às de estudos anteriores: padrões de coabitação antes do casamento continuam associados a maiores chances de divórcio.

O que muitas vezes as pessoas não percebem é a inércia que vem, quando passam a morar juntos. Em essência, os casais que coabitam antes de firmar seu compromisso estão dificultando a separação. Muitos deles ficam presos em um relacionamento do qual poderiam ter saído.

Consistente com a nossa teoria da inércia é a nossa descoberta de que os casais que passaram a morar juntos antes do noivado tinham 48% mais chances de terminar o casamento do que aqueles que passaram a coabitar apenas depois de casados ou, pelo menos, depois de ficarem noivos. Também demonstramos que morar juntos para “testar o relacionamento” ou por conveniência financeira está associado a maiores riscos de divórcio.

À luz dessa pesquisa, os cristãos que pretendem se casar podem estar se perguntando o que podem fazer para melhorar suas chances de permanecerem casados. Conselhos sobre relacionamento não custam nada e são fáceis de encontrar. Mas esta pesquisa mais recente sugere que certas medidas e precauções aumentarão a probabilidade de os casais permanecerem juntos “até que a morte os separe”.

Primeiro, não acredite no lema de que morar junto é bom para o relacionamento.

Embora os cristãos conservadores tenham uma probabilidade menor do que a maioria de coabitar antes do casamento, muitos o fazem. Levando em conta que a maioria dos homens e das mulheres acredita que morar junto pode aumentar as chances de sucesso no casamento, a prática é altamente tentadora. Mas há pouquíssima evidência de que morar junto antes de casar melhore as chances de um casamento duradouro. Em contrapartida, há muitas evidências de que fazer isso dificulta esse objetivo.

Desafiando as tendências culturais, os casais devem considerar o caminho tradicional: noivar primeiro, depois casar e só depois morar juntos. Essas etapas ajudam a garantir clareza sobre o compromisso que você está assumindo, à medida que avança para uma vida a dois. Elas também fornecem uma linha de decisão mais clara que separa sua vida em antes e depois do casamento.

Desacelere. O tempo e a ordem dos acontecimentos podem colocar você no caminho certo do relacionamento.

Há benefícios em ir devagar à medida que um relacionamento se desenvolve. Mas não tão devagar assim! Alguns casais esperam anos e anos para se casarem, [e se casam] muito depois de já saberem como querem que seja o futuro. Essa abordagem pode trazer seus próprios problemas — por exemplo, o fato de a pessoa se casar sem sentir a alegria e a energia de um compromisso compartilhado.

Mas por que é importante não apressar as coisas? Duas pessoas precisam de tempo para aprenderem mais uma sobre a outra, esclarecerem expectativas e crenças e fazerem com que seu relacionamento evolua para uma comunhão de família e fé. Em muitos relacionamentos, ambos os parceiros acreditam que estão de acordo sobre questões do casamento, quando, na verdade, não estão. Leva tempo para se ter clareza sobre as coisas. Alguns cristãos evoluem rápido demais rumo ao casamento porque estão se abstendo de sexo e querem poder fazer tudo. No entanto, ao fazerem isso, eles deixam de notar muito daquilo que precisam ver.

Quão devagar se deve ir? Depende. Costumo dizer às pessoas que elas devem conviver com a outra pessoa por, pelo menos, quatro estações. Para a maioria, porém, um ano é o tempo mais curto. Da mesma forma, um longo noivado pode ter seu valor. Ele dá ao casal a chance de praticar um alto nível de compromisso e “experimentar” a devoção pública de um ao outro, tendo como objetivo o casamento. E isso, muitas vezes, traz desafios que podem fazer o relacionamento dar certo ou terminar.

Decida; não dê automaticamente esse passo sem pensar.

Um compromisso envolve fazer a escolha de desistir de outras escolhas. É uma decisão — a qual deve se basear em boas informações. Mas, surpreendentemente, poucos relacionamentos seguem essa fórmula básica. Um importante estudo sobre coabitação mostrou que as pessoas tendem a passar automaticamente a morar juntas, sem discutir o assunto e sem tomar nenhuma decisão que reflita um compromisso.

Vemos uma falta de intencionalidade semelhante na forma como homens e mulheres se comunicam. Vivemos na era da ambiguidade. Os parceiros geralmente evitam ser sinceros um com o outro, talvez pela crença ingênua de que, se não expressarem seus desejos, se machucarão menos se o relacionamento não der certo. Mas isso, é claro, raramente funciona. Embora não seja uma boa ideia ter esse tipo de “conversa” no primeiro ou no segundo encontro, não evite discussões mais profundas, quando as coisas mudarem e ficarem sérias.

A franqueza é especialmente importante porque, no namoro, os parceiros em geral têm níveis muito diferentes de compromisso. E você não vai querer descobrir isso só depois de ter dito o “sim”. Ao conversar sobre as coisas com um cônjuge em potencial, você deixa menos espaço para mal-entendidos, e é mais provável que traga para o relacionamento intenções mútuas no sentido de uma promessa vitalícia.

Essa abordagem de “tomar a decisão” não garante o sucesso de um relacionamento, assim como passar automaticamente sem pensar de uma coisa para outra não significa que o relacionamento esteja condenado. Mas, no geral, mais casamentos durariam se os parceiros tivessem clareza sobre certos sinais muito antes de fazerem as transições que alteram suas vidas.

Não é preciso morar junto para testar o relacionamento.

Se você quiser descobrir se a pessoa com quem está namorando é um bom partido, pode saber isso sem ter que morar junto. Façam um curso sobre relacionamento. Conversem sobre como seria um futuro juntos. Testem a sua compatibilidade com um tempo de namoro mais prolongado. Reserve tempo para avaliar seu parceiro ou sua parceira em diferentes contextos sociais. Preste atenção em como você se sente ao lado dessa pessoa e em como ela trata os outros. E pergunte a amigos de confiança, familiares e pastores o que eles acham.

Se você atualmente mora com seu parceiro ou sua parceira, dedique seu tempo ao árduo trabalho de descobrir para onde está caminhando seu relacionamento. Analise o relacionamento e seus desafios. Converse aberta e claramente sobre as expectativas. Não evite fazer perguntas difíceis. A ambiguidade não ajuda ninguém. Peça a opinião de outras pessoas em quem você confia, como pastores, líderes leigos e amigos sábios. Procure obter informações, apoio e sabedoria onde quer que você possa encontrá-los. E, por fim, use todos os recursos disponíveis.

Qualquer casal que estiver em um compromisso sério pode explorar os muitos livros, recursos online, workshops e serviços de terapia que foram criados para apoiá-los. Aqui estão algumas sugestões:

Livros:

Considere a leitura das seguintes obras: The five love languages: the secret to love that lasts [publicado no Brasil sob o título As cinco linguagens do amor], de Gary Chapman; Reconnected: moving from roommates to soulmates in your marriage, de Greg e Erin Smalley; ou A lasting promise: the christian guide to fighting for your marriage, um livro escrito por mim e meu colegas — Daniel Trathen, Savanna McCain, Milt Bryan —, bem como outros livros sobre relacionamentos e preparação para o casamento.

Nota da edição em português: No Brasil, entre os livros cristãos sobre casamento, temos: O significado do casamento, de Timothy Keller; As quatro estações do casamento, de Gary Chapman; Você e eu para sempre: O casamento à luz da eternidade, de Francis e Lisa Chan; Perdão total no casamento, de Maurício Zágari.

Aconselhamento ou curso para noivos:

As evidências sugerem que aconselhamento e curso para noivos podem ajudar a prevenir problemas conjugais; então, procure esses recursos para noivos em sua região. Sua igreja local também pode ser um grande recurso. Os pastores e líderes leigos em sua comunidade de fé podem lhe oferecer orientação valiosa.

Para casais que enfrentam problemas, procurem ajuda antes que seja tarde. Muitas pessoas esperam tempo demais antes de procurar ajuda profissional. E se você estiver em um relacionamento sobre o qual não tem certeza, consulte um conselheiro que possa ajudar você a refletir sobre o assunto.

Workshops para casais:

Embora ainda sejam raras, mais e mais igrejas têm oferecido workshops sobre casamento e relacionamento (assim como várias agências comunitárias). Esses workshops educativos podem ajudar os casais a fortalecer sua conexão e seu compromisso. Você também pode encontrar programas online rigorosamente testados para casais. Eles não partem de uma perspectiva cristã, mas mesmo assim são programas sólidos.

OurRelationship é um programa online educativo sobre relacionamentos, baseado em uma abordagem de terapia de casais popular e eficaz. Está disponível em ourrelationship . com.

O ePREP é um programa online alicerçado em décadas de trabalho no Programa de Prevenção e Educação Relacional. Está disponível em lovetakeslearning . com.

Procure outros recursos online também.

A equipe da PREP Inc. — da qual sou coproprietário, só para deixar claro — produz uma variedade de recursos para ajudar as pessoas a terem sucesso em seus relacionamentos mais importantes, entre eles um vídeo de quatro minutos, baseado em nossa pesquisa, que está disponível no YouTube: “Relationship DUI Tem certeza de que está apaixonado ?” Esse vídeo explica os riscos de ir muito rápido e se comprometer com muita pressa. É um vídeo fantástico para compartilhar com amigos.

The Institute for Family Studies também oferece recursos relevantes. Alguns anos atrás, minha colega Galena Rhoades e eu escrevemos um relatório público intitulado Before “I Do” [Antes do “sim”] sobre como as experiências antes do casamento estão associadas à qualidade do relacionamento após o casamento.

Comunidade religiosa:

Fala-se muito hoje em dia sobre solidão e isolamento. É um problema sério. Pesquisas sugerem que os casais também têm cada vez menos probabilidade de estarem envolvidos em uma comunidade com outras pessoas e são mais propensos a ficarem “sozinhos a dois”. Esse não é o melhor caminho para o seu casamento.

Mas há boas notícias. Se você não estiver envolvido em uma comunidade religiosa, pode vir a estar. Uma das melhores maneiras de proteger seu casamento — e seu próprio bem-estar — é se conectando com outras pessoas que possam torcer por você e por seu casamento, orar com você e estar ao seu lado, enquanto você caminha por essa estrada. Você também pode apoiar e encorajar outras pessoas que estão na mesma situação.

Se vocês são um casal que está “sozinho a dois”, encontrem um lugar onde você e seu cônjuge (ou futuro cônjuge) possam se desenvolver em comunidade e começar a buscar uma vida mais plena e significativa. Esta é uma das muitas maneiras pelas quais vocês dois podem decidir por um futuro juntos, e não apenas dar automaticamente esse passo sem pensar.

Scott Stanley é professor pesquisador do departamento de psicologia da Universidade de Denver e membro sênior do National Marriage Project, da Universidade da Virgínia e do Institute for Family Studies.

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Tim Keller mudou a plantação de igrejas, de cidade em cidade

De Beirute a Barcelona, pastores refletem sobre sua influência.

Christianity Today May 30, 2023
Illustration by Christianity Today / Source Images: Unsplash / Photo of Keller by Nathan Troester / Courtesy of Redeemer City to City

“Os cristãos são chamados a ser uma cidade alternativa dentro de cada cidade terrena”, escreveu Tim Keller para a CT, em 2006. “Devemos viver na cidade para servir a todas as pessoas nela, não apenas à nossa própria tribo. Devemos perder nosso poder para encontrar nosso (verdadeiro) poder.”

Keller, que morreu na sexta-feira, 19 de maio, aos 72 anos, lançou a Redeemer City to City, organização sem fins lucrativos voltada para o treinamento e o desenvolvimento de líderes para movimentos liderados pelo evangelho em contextos urbanos. Suas décadas de experiência neste campo resultaram da plantação da Igreja Presbiteriana Redeemer em Manhattan, distrito conhecido como “deserto espiritual” na cidade de Nova York. Quando a igreja foi fundada em 1989, havia apenas umas poucas igrejas evangélicas na área. Vinte anos depois, o número de igrejas evangélicas aumentou para 197.

Entre os muitos ensinamentos de Keller sobre plantação de igreja em centros urbanos está a noção de que há um “ponto de inflexão em toda a cidade”, o qual ocorre quando 10 a 20% da população se torna seguidora de Jesus e começa a causar um impacto visível e tangível na cultura local. Esse “movimento evangélico por toda a cidade” é orgânico, cheio de energia e guiado pelo Espírito, enfatizava ele.

“Tim Keller nos ensinou que, para ser uma igreja que está na cidade, que é pela cidade e com a cidade, precisamos ser uma igreja presente, uma igreja que serve seus próximos e seus arredores, e uma igreja que esteja disposta a dialogar com a cidade e esteja atenta às suas carências, males, necessidades e demandas. Só assim podemos ser Luz para a cidade”, disse Digo Karagulian, pastor brasileiro cuja congregação ministra diariamente para pessoas que vivem na Comunidade do Pilar, próxima à igreja.

A CT entrevistou plantadores de igreja em Barcelona, Beirute, Chennai, Hanói, Melbourne, Quezon City, Recife, Xangai e Viena sobre os encantos e desafios distintos de suas respectivas cidades e como eles estão contextualizando o evangelho por lá, tudo isso tendo em mente esta pergunta: até que ponto a abordagem de Keller para a plantação de igreja influenciou seu ministério?

ORIENTE MÉDIO

Marwan Aboul-Zelof, de Beirute, no Líbano

  • Pastor da Igreja Bíblica da Cidade
  • A igreja batista reformada tem uma congregação de 70 pessoas e realiza cultos em inglês.
  • Sessenta por cento da congregação é composto por pessoas do lugar e o restante abrange pessoas de todos os continentes.

Beirute é uma cidade bonita e cosmopolita, com uma história incrivelmente rica. É muito menor do que a cidade de Nova York, mas tem o dobro da densidade populacional. Tim Keller nunca visitou o Oriente Médio, embora esperássemos que ele viesse. Mas ele teve um grande impacto sobre nós por meio de seus escritos, sermões e postagens nas redes sociais.

Beirute e nossa igreja passaram por desafios significativos nos últimos anos: a revolução; a pandemia; os colapsos econômico e governamental; e a explosão de 2020. No entanto, o Senhor permanece fiel e misericordioso conosco.

Lembro-me de estar em uma ligação com Tim, em que me falou sobre o mover de Deus na história e como, muitas vezes, houve uma grande crise que serviu como catalisador para esses momentos. Ele me disse que as múltiplas grandes crises que o Líbano enfrentava poderiam promover uma maior abertura para o evangelho, reconheceu as dificuldades que enfrento como plantador de igreja aqui e me encorajou a permanecer fiel.

AMÉRICA DO SUL

Digo Karagulian, de Recife, no Brasil

  • Pastor da Igreja A Ponte, plantada em 2014.
  • A igreja cristã reformada está em dois bairros: Recife Antigo (região artística e histórica onde o carnaval é realizado) e Boa Viagem (uma das regiões mais ricas e densamente povoadas da cidade).

Recife é uma das cidades mais populosas do Brasil, com cerca de 1,6 milhão de habitantes. É uma cidade rica em música, dança, literatura e artesanato.

O conceito de embelezamento da cultura, forjado por Keller, refere-se a fazer uso da riqueza de áreas como a arte, a música e as marcas expressivas de uma cidade para espalhar o amor de Deus de forma mais acessível e estratégica. Ver a cultura de forma positiva é ser sal na cultura: evitamos que ela apodreça e a transformamos em ferramenta geradora de vida, e não de morte.

A principal força cultural do Recife é o Carnaval, que tem muita riqueza artística, mas também carrega consigo certas distorções. Os ídolos culturais da cidade são a embriaguez, a libertinagem, a luxúria e o fascínio pela estética e pela autoimagem. Durante o Carnaval, realizamos anualmente o evento “A Praça”, com palestras sobre arte e espiritualidade, diálogos com artistas locais, exposições, apresentações musicais e outras vivências, como forma de trazer pessoas do bairro para nossa igreja para que tenham um encontro genuíno com Jesus.

Um erro comum, cometido por muitas igrejas da minha cidade e do meu país, é querer replicar o que os norte-americanos fazem. Essa “réplica” pode apresentar uma estética, uma liturgia e uma música que parecem descoladas, mas não impactam nem dialogam com a cidade, e se tornam um “corpo estranho” dentro dela. Os escritos de Keller nos inspiraram a ser uma igreja que a cidade deve ter, uma igreja que pisa o chão da cidade e busca se conectar com ela.

ÁSIA

Christopher P. David, de Chennai, na Índia

  • Pastor da Igreja Presbiteriana Trinity, que é parte da Igreja Presbiteriana conservadora na Índia.
  • A igreja foi plantada há menos de um ano e tem uma frequência dominical média de 35 pessoas.

Chennai é um caldeirão em que se mesclam a cultura ocidental pós-moderna e a cultura indiana tradicional. É o lar de quase 12 milhões de pessoas e é muito diferente de Nova York, pois é uma cidade mais conservadora cuja cultura é permeada pelo hinduísmo. No entanto, como Nova York, as pessoas são bastante ambiciosas e geralmente encontram seu valor e sua identidade na educação, na carreira e na riqueza.

Os maiores desafios para a plantação de igrejas aqui têm sido a popularidade do evangelho da prosperidade, a crescente influência do secularismo e as normas hindus arraigadas na cultura tradicional indiana.

A ênfase de Keller na comunidade é importante em Chennai, onde muitos vêm de famílias disfuncionais e lutam para transitar pelo paradigma vergonha-honra. Para essas pessoas, a mensagem que fala da plena aceitação e do amor genuíno de Deus no evangelho é revolucionária.

Uma lição crucial que aprendi com Keller é a importância de recrutar uma equipe de implantação formada por líderes-servos firmados no evangelho e investir neles. O envolvimento dos leigos é essencial para uma igreja saudável; os homens e as mulheres desta equipe se reúnem semanalmente para orar e planejar.

O tipo de contextualização de Keller, que busca um grau elevado de relevância cultural, é funcional em um mundo secular ocidental que ainda incorpora muitos de seus antigos elementos cristãos. No entanto, tal contextualização é difícil em uma cultura completamente pagã como a da Índia, na qual a fé cristã permanece totalmente alienada e é antitética em praticamente todos os pontos. Assim, falar em “terceira via” torna-se algo quase impossível. Embora Keller certamente tenha influenciado nossa abordagem de plantação de igrejas, muito de nossa filosofia ministerial vem da prática reformada da velha escola, focada na Palavra pregada e nos Sacramentos.

John Hu, de Xangai, na China (por motivos de segurança, ele usa um pseudônimo)

• Pastor de uma igreja reformada plantada em meio à pandemia. • Em menos de quatro anos, a igreja abriu três locais. • Cerca de 260 fiéis, em sua maioria composta por jovens profissionais de classe média, frequentam os cultos semanais.

Xangai tem uma densidade populacional semelhante à de Nova York, embora tenhamos uma população maior, uma porcentagem menor de cristãos e um ambiente mais hostil à fé.

Eu ministro na cidade não por ser eficaz, mas por ser bíblico. Após o lockdown de dois meses por causa da COVID-19, no ano passado, incentivamos os membros da igreja a refletirem sobre seu relacionamento com Xangai: eles estavam procurando maneiras de sair de uma cidade cada vez mais hostil e com dificuldades econômicas? Ou eles poderiam ser uma bênção para a cidade, permanecendo nela e vivendo como pessoas que refletem o Cristo encarnado e andam em seus caminhos?

Compreender o conceito de visão teológica (DNA) de Keller me impediu de copiar modelos de plantação de igrejas bem-sucedidos. Keller também me encorajou a buscar a paz e a prosperidade da cidade (Jeremias 29.7) e me ajudou a conciliar a enorme tensão que enfrentava entre minha formação como empresário e minha experiência em uma igreja fundamentalista.

Empregar a razão e debater é, em geral, o modo como nos comunicamos no mundo dos negócios. Mas, na igreja fundamentalista, muitas vezes ouvimos: “Isso é o que a Bíblia ensina, e devemos segui-la”. A obra Reason for God abriu meus olhos sobre como podemos argumentar, debater e comunicar o evangelho para não cristãos e amigos que estão em busca de Deus.

Joseph Bonifacio, de Quezon City, nas Filipinas

  • Pastor da Igreja No Other Name, uma igreja não denominacional ali plantada.
  • Seu foco é alcançar jovens online e offline, com o objetivo de desenvolver futuros líderes nos campi.

Quezon City é uma das cidades mais densamente povoadas das Filipinas. É um centro cultural, empresarial e educacional do nosso país. Nela, é fácil encontrar multidões, engarrafamentos, poluição e os efeitos do pecado. Mas também é o lar de 12 milhões de pessoas que precisam ouvir o evangelho.

Aqui, é possível sentir a intersecção de diferentes correntes de pensamento de todo o mundo. As mentalidades religiosa e conservadora se chocam com a ascensão de uma geração inclinada a questionar e a desafiar as instituições.

O ministério e os escritos de Tim Keller me mostraram uma maneira de trilhar o “caminho do evangelho” entre essas duas perspectivas. Ajudaram-me a preparar jovens ministros de uma forma que fosse fiel e envolvente, menos ideológica e mais semelhante a Cristo. A descrição que Keller faz do evangelho como uma terceira via não apenas mostrava que a entrega irrestrita ao pecado era errada, mas que também o eram as tentativas religiosas de refrear o pecado por meio da coerção.

Sua obra O Deus Pródigo também me ajudou a ministrar a muitos filhos que estavam perdidos, mais novos e mais velhos, que se afastaram da fé e da igreja por acharem que já sabiam o que ela tinha a dizer. Ouvir sobre um Pai que apenas os queria de volta e do Filho que abriu o caminho foi algo revigorante e convincente para eles. Mas foi mais útil para alcançar os filhos mais velhos: pessoas de alta performance, prontamente complacentes e esgotadas, que são ativas e servem na igreja, mas estão longe do Pai. Por meio do livro, fui preparado para reconhecer a “perdição do filho mais velho” e ministrar-lhes com gentileza.

Jacob Bloemberg, de Hanói, Vietnã

  • Pastor líder da Hanoi International Fellowship, uma igreja não denominacional fundada em 1995.
  • Seiscentos crentes — incluindo habitantes do local e expatriados de países como Filipinas, Coreia do Sul e Nigéria — frequentam os cultos em dois locais.

Como “dragão em ascensão” da Ásia, a capital milenar do Vietnã, Hanói, transformou-se de uma pitoresca relíquia histórica em uma movimentada megacidade em apenas três décadas.

Keller estava certo em dizer : “É preciso um movimento para alcançar uma cidade”. Os cristãos evangélicos protestantes daqui perfazem 0,1 por cento da população. Apesar do crescimento da igreja desde a minha chegada, em 1997, ela apenas acompanhou o crescimento populacional da cidade, que hoje é estimado em 10 milhões de habitantes.

Para uma plantação de igrejas eficaz no contexto urbano do Vietnã, a proclamação e a demonstração do amor de Deus devem andar de mãos dadas, como afirmava Keller. Minha igreja iniciou o movimento Love Hanoi em 2012; as igrejas locais lideraram projetos de serviço comunitário com mais de 3.600 participantes. Participamos da organização de um festival em 2017, que atraiu mais de 30.000 pessoas de todo o Vietnã do Norte. Mais de 4.500 responderam à mensagem do evangelho.

Abordagens ocidentais ao ministério urbano, no entanto, precisam ser contextualizadas para o a realidade urbana do Vietnã. Meu livro, Love [Your City]: 5 Steps to Citywide Movements, fala sobre a importância da nossa postura. Ter uma postura aberta, calorosa e acolhedora para com a polícia e o governo tem mudado o jogo para a nossa igreja. As relações positivas que estabelecemos com eles nos permitiram participar de grandes atividades e eventos em Hanói.

OCEANIA

Stephen Tan, de Melbourne, na Austrália

  • Pastor da Igreja Regeneração, que faz parte da União Batista de Vitória.
  • A igreja fica ao lado da Monash, a maior universidade da Austrália.
  • Suas duas congregações, com cerca de 100 pessoas cada, são compostas predominantemente por jovens adultos altamente instruídos de origens culturalmente diversificadas.

Melbourne é a capital cultural e do café da Austrália, com projeções para ultrapassar Sidney como a cidade mais populosa da Austrália até 2031. A cidade é o lar de muitos estudantes internacionais e trabalhadores migrantes, principalmente vindos da Ásia. É também a cidade mais progressista e secular da Austrália. Da mudança climática ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, refugiados e justiça racial, as visões de Melbourne são mais esquerdistas do que no restante da Austrália. Não é o lugar mais fácil para se plantar uma igreja.

Parte de mim se perguntava por que qualquer australiano daria ouvidos a um pastor malaio. A obra de Keller Igreja Centrada e o treinamento “Incubator” do City to City me incutiram a confiança de que eu poderia ser pastor, pregador e plantador de igrejas tanto para australianos seculares quanto para imigrantes asiáticos conservadores.

O foco de Keller na idolatria parece fazer sentido, dos pontos de vista emocional e cultural, para muitas pessoas de hoje. Como ele dizia: “Um ídolo é algo tão central e essencial para sua vida que, se você o perder, dificilmente sentirá que sua vida vale a pena ser vivida.”

Uma maneira de contextualizar o evangelho para ambos os grupos de pessoas [com quem trabalho], no mesmo sermão, é comparando e contrastando suas idolatrias. Estudantes internacionais idolatram o sucesso acadêmico e a aprovação dos pais, mas isso os deixa com a sensação de que nunca são bons o suficiente. O evangelho diz que Deus os aprova não por causa de seu sucesso, mas por causa do sucesso de Cristo em favor deles. Os australianos seculares idolatram a liberdade de perseguir seus sonhos, mas isso os deixa escravizados, pois descobrem que o sonho é inatingível e que eles não são tão livres quanto imaginavam. O evangelho diz que a verdadeira liberdade encontra-se nas restrições adequadas.

EUROPA

Christian Hofreiter, de Viena, na Áustria

  • Pastor da CityKirche, uma igreja anglicana de língua alemã que é fruto de plantação e tem uma frequência dominical média de 70 a 100 adultos e mais de uma dúzia de crianças.
  • Os congregantes são em sua maioria profissionais ou estudantes na faixa entre 20 e 55 anos.
  • Eles se concentram em alcançar pessoas que têm ressalvas existenciais e intelectuais sobre a fé cristã.

Viena é a velha Europa em sua roupagem mais gloriosa, e regularmente lidera as pesquisas globais de “cidade mais habitável”. Tem uma população de aproximadamente dois milhões de habitantes (um quarto da população da Áustria), arte de classe mundial, arquitetura esplêndida e abundantes espaços verdes.

Comparada a Nova York, Viena é muito menor e menos multicultural. A vida aqui tem um ritmo mais lento, a moradia é mais acessível e o Estado oferece mais serviços. A cidade é em grande parte pós-cristã, o que em Viena significa principalmente pós-católica. O cristianismo é tido como irrelevante e cada vez mais visto como algo que sufoca o desenvolvimento pessoal e a diversidade cultural.

Sem o exemplo de Keller de um ministério cativante, culturalmente inteligente e biblicamente ortodoxo, eu não teria plantado a CityKirche de forma alguma. Sua abordagem intencional, equilibrada e bíblica da contextualização tem fornecido uma estrutura imensamente útil e frutífera. Sua prontidão para ouvir atentamente a perguntas e objeções daqueles que estão à margem ou fora da igreja, bem como sua prontidão para observar e analisar a cultura, e para fazer isso com evidente respeito por aqueles de quem discorda é algo inspirador.

No primeiro domingo de cada mês, abrimos mão de liturgia, orações e leituras da Bíblia. Em vez disso, realizamos o Domingo das Grandes Perguntas, no qual exploramos tópicos a partir do ponto de vista cristão, como: O que significa ser humano em uma era de ciborgues e IA? Qual é a relação entre religião e violência?

Dedicamos metade do culto a perguntas e respostas para o público e a apresentações musicais intercaladas. Esse formato dialógico tem se mostrado muito atrativo para pessoas que estão à margem ou fora da igreja. Os membros da audiência podem fazer qualquer pergunta ou objeção que desejarem, e procuramos lhes dar uma resposta honesta e respeitosa.

Xavier Memba, de Barcelona, na Espanha

  • Co-fundador da igreja Ciutat Nova, uma igreja não denominacional plantada em 2011.
  • Os cultos são realizados em catalão.
  • A congregação tem 60 pessoas de origens culturais diversificadas.

Barcelona é semelhante a Manhattan em densidade populacional, tem uma história rica, arquitetura deslumbrante, culinária requintada, vida noturna agitada e esportes de alto nível. A Ciutat Nova é uma igreja que espelha a diversidade, o cosmopolitismo, a modernidade e o legado cultural e histórico de Barcelona.

O treinamento com Tim Keller, como parte do Redeemer Church Planting Fellows Program, em 2007, descortinou para mim uma nova perspectiva sobre a igreja no mundo moderno e como ela deve se adaptar ao seu contexto cultural e urbano, porém sem se esquecer da mensagem do evangelho. Isso transformou minha visão da igreja para algo como uma entidade dinâmica que interage constantemente com seu entorno, inspirando a criação da Ciutat Nova. Passei a entender mais profundamente que a igreja não apenas serve a seus membros, mas também desempenha um papel crucial na transformação social e no bem-estar da comunidade.

Em vez de impor um método específico, Keller enfatizava a importância essencial do evangelho na vida do crente, na estrutura da igreja e em qualquer ministério ou movimento que a igreja possa promover em um contexto particular.

No entanto, o contexto europeu — e o sul da Europa em particular — exige que o processo de plantação de igrejas seja constantemente revisado, pois esses esforços tendem a ser mais rápidos nos Estados Unidos ou em países anglo-saxões. Muitos plantadores de igrejas baseados na Europa não podem negligenciar tarefas administrativas ou logísticas para focar apenas em aspectos estratégicos como missão, visão, comunidade e proclamação.

Contribuição adicional de Jayson Casper e Surinder Kaur para a reportagem.

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Tim Keller queria aprender com a igreja global, inclusive com a Europa secularizada.

O que o pastor reformado viu nos cristãos do velho continente — e por que isso lhe rendeu o respeito dos plantadores de igreja europeus.

Christianity Today May 30, 2023
Illustration by Christianity Today / Source Images: Redeember City to City / Unsplash

Quando Timothy Keller visitou Roma, em 2014, ele falou para os pastores da cidade, fez uma palestra apologética no Senado italiano e respondeu a perguntas de alunos da Universidade Sapienza de Roma, a maior universidade da Europa.

Como pastor que plantou uma igreja perto de Sapienza, fiquei impressionado ao ver Keller ministrar em meu próprio contexto. Naquele campus, minha esposa e eu já tínhamos distribuído panfletos, feito piqueniques, interagido com os alunos e ajudado alguns deles a orar pela primeira vez. Dois anos antes, uma multidão de estudantes havia se reunido no gramado central da universidade para um debate sobre a existência de Deus, no qual tentei ao máximo interagir com um professor ateu e promover a fé cristã.

Enquanto Keller participava de uma extensa sessão de perguntas e respostas, respondendo aos questionamentos mais difíceis feitos pelos alunos, admirei a ponderação de suas falas. E fiquei impressionado com sua postura de servo. Keller arregaçava as mangas, servia ao lado de obreiros locais e recebia com contentamento as perguntas dos jovens italianos seculares.

Aquele momento sintetizava o espírito generoso e humilde que conquistou o respeito de muitos líderes cristãos europeus. Em Keller, eles encontraram robustez teológica em uma era de pragmatismo e técnica, um espírito reconciliador em uma era de divisões e uma redescoberta do evangelho em uma época em que os pregadores são tentados a reduzi-lo a meros conselhos práticos e histórias inspiradoras.

“Ele foi o principal líder evangélico norte-americano de sua geração”, disse Lindsay Brown, ex-secretário-geral da International Fellowship of Evangelical Students [Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos]. A morte de Keller lhe trouxe à mente palavras ditas no funeral de John Stott: Em 2011, o teólogo Chris Wright prestou homenagem a Stott descrevendo-o “como o maior e o mais humilde do Ocidente”.

“Eu diria o mesmo sobre Tim Keller”, disse Brown. “Ele exemplificou o espírito de parceria. Era um homem de convicção no que se refere à verdade bíblica, mas a aplicava de forma graciosa e compassiva.”

Os europeus atentos podiam ver as camadas do cristianismo europeu que moldaram Keller, desde os reformadores e puritanos até a pregação comovente de George Whitefield, a espiritualidade evangélica de John Newton, a teologia holandesa de Herman Bavinck e Abraham Kuyper e os escritores de Oxford, de meados do século 20, como C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien.

Quando Keller se sentiu intimidado pelo desafio de plantar uma igreja em Nova York, na década de 1980, ele se inspirou na geração anterior de pastores londrinos que demonstraram que igrejas no coração da cidade nutridas com pregação expositiva podiam alcançar profissionais urbanos.

A Igreja All Souls, de John Stott; a Capela de Westminster, de Martyn Lloyd-Jones; e a St. Helen's Bishopsgate, de Dick Lucas inspiraram Keller do mesmo modo que a Igreja Presbiteriana Redeemer [pastoreada por Keller durante muitos anos] ajudaria os europeus, nas gerações seguintes, a se sentirem esperançosos quanto à possibilidade de suas cidades serem alcançadas pelo evangelho.

Para Pangiotis Kantartzis, pastor da Primeira Igreja Evangélica Grega em Atenas, na Grécia, a plantação de igrejas missionárias era um novo conceito. “Eu nunca tinha visto, em minha vida e em meu ministério, uma nova igreja crescer de forma intencional, e não por divisão ou por conveniência”, disse ele. Ele confessou ter ficado ansioso com a ideia de promover um movimento evangélico que plantasse várias igrejas, criasse um ecossistema que treinasse líderes e atendesse às necessidades da capital grega e ao afluxo de imigrantes.

Desde então, a Primeira Igreja Evangélica Grega ajudou a plantar igrejas para profissionais gregos, imigrantes iranianos e jovens ativistas que vivem em Exarcheia, bairro de espírito anarquista de Atenas.

“Ver o que Deus estava fazendo em Nova York e acompanhar a análise disso, por meio dos vários artigos que Keller escreveu, tiveram um papel decisivo em me inspirar e me moldar no sentido de como desenvolvo uma visão para um movimento evangélico na cidade”, disse Kantartzis.

Para Tiago Cavaco, pastor batista e cantor punk-rock que vive em Lisboa, a visão e os escritos de Keller ajudaram a desenvolver sua abordagem em relação ao engajamento cultural. A essa altura, Cavaco já promovia eventos e diálogos com pensadores não cristãos. “Quando comecei a acompanhar o Keller, percebi que ele tinha uma abordagem muito mais madura e experiente que, apesar de ser feita em Nova York, poderia ser aplicada em Portugal, para nós.”

Cavaco enfatizou a postura de escuta de Keller como a chave para engajar os europeus. “Keller foi um raro exemplo de um pregador americano [bem-sucedido] — acessível para as experiências de frustração comuns ao nosso cristianismo europeu — [que] foi inteiramente receptivo ao que significa ser cristão em um lugar diferente do dele”, disse Cavaco. “Zero superioridade, atenção total.”

Keller encorajou colegas americanos a adotarem a mesma postura e a aprenderem com a igreja global, mesmo com a Europa secularizada e com sua igreja numericamente menor. Em Movements of the Gospel , uma obra de ensaios de plantadores de igreja europeus, lançada em 2018, ele declarou: “Devemos observar a igreja europeia e aprender com seus sucessos e fracassos, pois nossas próprias culturas são cada vez mais moldadas pelo mesmo secularismo e pelo mesmo materialismo”.

“Keller acreditava que nós, europeus, estamos ‘na linha de frente’ de uma nova era muito mais secular e multirreligiosa. Essa não é apenas uma perspectiva realista, mas também muito encorajadora”, disse Tim Vreugdenhil, pastor de Amsterdã que foi pioneiro de um método de evangelismo interativo para alcançar profissionais seculares da cidade.

“Ele me ajudou a acreditar que nossa geração de teólogos e plantadores de igreja não são ‘os últimos homens e mulheres que restaram’, mas sim os pioneiros de um tipo diferente de cristianismo: muito menor em tamanho e número, mas, se Deus quiser, mais influente na pregação do evangelho.”

A experiência e a humildade de Keller levaram líderes europeus a aprenderem com ele em conferências organizadas pela City to City, a organização que Keller fundou para preparar a próxima geração de igrejas em cidades globais do mundo todo. Ele parecia igualmente à vontade em uma catedral de Paris ou em um cinema de Cracóvia.

Vários outros líderes europeus também se lembraram das visitas de Keller ao continente.

Em uma homenagem ao homem a quem ele se referiu como “um ponto de referência global para o arquipélago evangélico”, Leonardo de Chirico, pastor da Igreja Evangélica Breccia di Roma, lembrou aos leitores sobre a herança italiana de Keller.

“Quando veio a Roma, entre os barulhos da cidade e os sabores que provou, ele confidenciou ter sentido uma sensação estranha: como se estivesse reativando sons e sensações que experimentara na infância, quando participava do barulhento e saboroso ‘ritual’ dos almoços de domingo [com sua] família imigrante”, escreveu Chirico.

Outros sentiram que Keller os ajudou a apreciar seus próprios contextos de forma mais plena.

“Tim Keller me ensinou a amar Dublin”, disse Seán Mullan, plantador de igreja em Dublin. “Ele conhecia as terras do evangelho de maneira diferente em diferentes culturas e respeitava isso.”

Xavier Memba, que ajudou a plantar a Igreja Ciutat Nova, diz que Keller o ajudou a ver seu ministério em Barcelona sob uma luz diferente.

“O treinamento com Tim Keller me ofereceu uma nova perspectiva da igreja no mundo moderno, destacando como ela deve se adaptar ao seu contexto cultural e urbano sem se esquecer da mensagem do evangelho”, disse ele.

Líderes do norte da Europa concordaram.

“Muitos de nós aqui, na Noruega, somos profundamente gratos pelo rico legado de Tim Keller — um legado que nos envolve e nos desafia”, acrescentou Lars Dahle, professor associado da NLA University College Kristiansand. “Ele foi um pregador centrado no evangelho, um líder unificador e um missionário estratégico.”

A morte de Keller, em 19 de maio, foi uma perda profundamente sentida por muitos na Europa. Seu papel de comando como missiólogo urbano, teólogo evangélico e ponto de referência para líderes globais da igreja é algo dificilmente substituível. Mas a rede de líderes formada por Keller aprendeu que são necessárias muitas igrejas para alcançar uma cidade e muitas vozes para repercutir o sempre fascinante evangelho de Jesus.

“Nossas equipes que tocam ações evangelísticas e projetos de discipulado em mais de 100 cidades se beneficiaram do material de Keller”, disse Luke Greenwood, diretor da Steiger na Europa, uma organização de missões que alcança jovens europeus de maneiras criativas. “O coração de Tim pelos perdidos e [sua] disposição de se envolver pessoalmente em diálogos difíceis têm sido uma fonte de ensinamento e de estrutura teológica sólidos para o que fazemos.”

Nos últimos anos, Keller procurou garantir que o trabalho continuaria após sua morte, disse Tim Coomar, plantador de igrejas em Atenas e líder da City to City Europe.

“Enquanto choramos a perda de Tim e nos perguntamos como continuaremos a seguir em frente, acho que ele se preparou para sua partida garantindo que, embora não haja uma pessoa que sozinha pudesse fazer o que ele fez, todos nós juntos podemos desenvolver mais e mais profundamente o que ele começou. ”

René Breuel é o pastor fundador da Igreja Hopera, em Roma, e autor da obra The Paradox of Happiness [O Paradoxo da Felicidade].

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Sim, você pode pôr fim em um casamento abusivo

Como os cristãos podem diferenciar o sofrer em um relacionamento destrutivo do agir sacrificialmente em uma parceria entre duas pessoas que temem a Deus.

Christianity Today May 24, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash / Getty

Cerca de dez anos atrás, fui ao funeral de uma mulher de fé que minha família e eu conhecíamos há décadas. Esta amiga de longa data faleceu após lutar contra um câncer, e a despedida foi dolorosa. Ela era o tipo de pessoa cuja partida significava que o mundo havia perdido um pouco de sua ternura.

Em seu funeral, em minha cidade natal, situada na região Centro-Oeste, ouvi pessoas comentarem que “ela ficou doente por causa de sua tristeza” e que “agora ela finalmente descansaria”, e eu, por fim, entendi algo que eu fora jovem demais para compreender antes: ela havia suportado um relacionamento abusivo até o dia em que morreu.

O que fez essa amiga querida permanecer em um relacionamento tão frio e tóxico? Sua fé de que o marido um dia mudaria e sua convicção de que o divórcio poderia fazer com que ela perdesse sua salvação.

De uma forma devastadora, ela acreditava ser desejo de Deus que permanecesse fielmente casada, a despeito dos abusos cometidos pelo marido, posicionamento esse que somente foi reforçado por seus pastores. Eles a aconselhavam a continuar jejuando, orando e dando tudo de si no casamento — práticas que ela continuou seguindo até o dia de sua morte.

Exigir que alguém se submeta a um fardo conjugal de violência é uma sentença de morte lenta e sádica, cujas origens remontam a anos de pecaminoso abuso de poder. Certamente, nosso chamado para morrermos para nós mesmos todos os dias se estende aos nossos relacionamentos pessoais, pois todos eles envolvem uma dose de autossacrifício. Mas isso é completamente diferente de distorcer as Escrituras a ponto de equiparar sacrifício espiritual com violência conjugal continuada. Existe uma diferença crucial entre esses tipos de morte: a primeira está enraizada no amor perfeito, enquanto a última está enraizada no pecado destrutivo.

O fardo conjugal

Para justificar a manutenção de um fardo conjugal tão violento e letal, já ouvi muitos pastores e líderes cristãos citarem 1Pedro 3.1-2: “Do mesmo modo, mulheres, sujeitem-se a seus maridos, a fim de que, se alguns deles não obedecem à palavra, sejam ganhos sem palavras, pelo procedimento de sua mulher, observando a conduta honesta e respeitosa de vocês”.

Nesses versículos, Pedro se dirige a mulheres que creem em Deus, mas são casadas com homens descrentes, e ele está lhes explicando que elas têm a oportunidade de darem testemunho de sua fé para os maridos incrédulos. Em nenhum momento que seja Pedro está dizendo para as mulheres se submeterem a maridos violentos, muitas vezes até cristãos, para que “sejam ganhos sem palavras” pelo comportamento de suas esposas — um argumento que tenho ouvido com frequência.

Pelo contrário, a Bíblia condena essa violência, como mostra Malaquias 2.16: “‘Porque eu odeio o divórcio’, diz o Senhor, o Deus de Israel, ‘e aquele que cobre as suas vestes de violência’, diz o Senhor dos exércitos.” (NASB). Vale a pena destacar que, no mesmo versículo em que Deus diz “eu odeio o divórcio”, o Senhor também diz claramente que odeia a violência.

Portanto, um casamento fundamentado na submissão a comportamentos abusivos nada tem a ver com piedade, nem é baseado na Palavra de Deus. Não é um vínculo de amor, antes se parece mais com uma flecha que prende à parede um animal por ela morto. Quando o predador finge amor, por meio de apelos emotivos de perdão e de promessas de mudança, esses gestos não são nada mais do que borrifar perfume para mascarar a putrefação de seus pecados na presa em decomposição.

Mas como diferenciar o sofrer em um relacionamento abusivo do agir sacrificialmente em uma parceria entre duas pessoas que temem a Deus? Nesse último caso, ambos os cônjuges seguem as palavras de Jesus para que neguem a si mesmos e tomem suas cruzes. Cada um deles nega seus próprios impulsos e desejos por amor ao outro. Através desta morte de sua própria carne individual surge uma nova vida, uma ressurreição encarnada através deste casamento.

De quem é a responsabilidade?

Apesar da mensagem das Escrituras em contrário, raramente vi líderes de igreja responsabilizarem os agressores pelo estado do casamento. Alguns pastores sustentam que o divórcio é uma tragédia a ser evitada a todo custo, pois é um pecado muito grande.

Líderes de igreja podem enaltecer uma mulher que permanece em um casamento abusivo por ela agir como uma “boa esposa”, e por perseverar em uma situação difícil. Como os cristãos acreditam que Deus muda as pessoas, alguns pensam que a esposa é responsável por mudar o marido e que sua persistência será compensada mais tarde, quando ele finalmente mudar — algo que para eles parece muito mais virtuoso do que “simplesmente se divorciar”.

Com extrema frequência, os cristãos acreditam que uma esposa precisa encarar essa situação como uma oportunidade para ser virtuosa. e que ela não está sendo uma mulher temente a Deus se pedir o divórcio. Culpar a mulher pelo divórcio, em casos de violência doméstica, inverte a culpa e implica que ela é a responsável final pelas ações do marido. Colocar sobre as esposas a responsabilidade espiritual da redenção masculina é pedir-lhes que transformem no melhor o que há de pior nos homens — em outras palavras, é pedir-lhes que façam a obra de Jesus. Além do mais, essa obra geralmente significa que as mulheres carregarão as feridas da mudança.

A ideia de que a mulher deva carregar esse fardo conjugal, enquanto suporta viver em um lar violento, como se esse fosse um papel intrinsecamente feminino, não só é imoral, como também é antibíblica. Isso colide com o ideal de casamento ensinado por Paulo em Efésios 5.25-28, o qual coloca o homem como um redentor semelhante a Cristo, como alguém que dá a vida por sua noiva. Nesse sentido, muitos têm invertido os padrões bíblicos, segundo os quais o amor sacrificial é primordial e especificamente exigido do homem. A aliança matrimonial bíblica é uma aliança não de morte predatória, mas de ressurreição, na qual o sacrifício de amor é inspirado pelo sacrifício de Cristo.

Deus pode restaurar todo mundo, até mesmo um homem violento ou adúltero. Mas esse homem deve arcar com as consequências de suas ações, e essa restauração não deve ocorrer onde ele ainda tenha acesso àqueles que feriu. Jesus já carregou sobre si nossas feridas, e a transformação interior é obra do Espírito Santo. Portanto, nenhuma mulher precisa arriscar obrigatoriamente sua vida por amor à alma de qualquer ser humano que seja, nem mesmo por amor à alma do próprio marido.

Uma mudança bem-vinda

No início deste ano, a CT publicou um artigo sobre uma igreja americana cujos líderes haviam aconselhado vítimas de violência doméstica a permanecerem casadas. A história é dolorosa, mas a recepção que ela teve revelou que muitos cristãos hoje veem as ações desses líderes como inadequadas, e entendem que, ainda que esse comportamento tenha sido considerado “normal” ou aceitável no passado, ele é errado. Talvez a pergunta a ser feita agora não seja apenas “Como chegamos a esse ponto?”, mas sim “Como pudemos ficar assim por tanto tempo?” ou “Como podemos mudar essa situação de uma vez para sempre?”

Em 2019, em meio a uma discussão explosiva entre os evangélicos a respeito do enfrentamento da violência contra mulheres, o teólogo complementarista Wayne Grudem compartilhou com a CT sua reinterpretação de 1Coríntios 7.15. Após quase 40 anos de ministério, Grudem compartilhou uma mudança em sua hermenêutica, que lhe permitiu reconhecer a violência e o abuso como causas para o divórcio (além do adultério e do abandono). Como alguém que aconselha vítimas de violência doméstica há anos, recebi com satisfação essa importante mudança.

Aconselhar mulheres a permanecerem casadas, quando elas não sabem se ainda estarão vivas amanhã, certamente não contribuirá para preservar a instituição do casamento. Aconselhar mulheres desesperadas de que existem argumentos bíblicos para esse tipo de submissão é perverter a Palavra para manter uma imagem conjugal falsa e superficial, quando a própria aliança do casamento já foi quebrada.

Como o editor-chefe da CT, Russell Moore, escreveu no ano passado: “Se um dos cônjuges abandona o lar, segundo revela a Bíblia, não é culpa da parte inocente. E se um dos cônjuges torna o lar um lugar perigoso para o outro cônjuge (ou para seus filhos), isso também não é culpa da parte inocente. Nesses casos, o divórcio não é pecado, mas é, acima de tudo, um reconhecimento de algo que já é realidade — o fato que a aliança dessa união de uma só carne foi dissolvida —, e o cônjuge que sofre abusos não deve sentir nenhuma condenação que seja por se divorciar.

Minha oração mais fervorosa é que as mulheres que sofrem abuso no casamento possam encontrar o consolo e o apoio de seus pastores e que, sempre que as pessoas lhes falharem, elas possam testemunhar a proteção do Pai. Existe um Deus que as vê (Gênesis 16), e ele não está exigindo que elas continuem em uma aliança de morte. Em vez disso, ele veio para que elas tenham vida e a tenham em abundância (João 10.10). Deus não precisa que uma mulher morra ou seja espancada como sacrifício pela vida de homem nenhum. Cristo já fez o sacrifício supremo e definitivo (Hebreus 10.12-14).

Bruna Santini trabalhou na área de direito de família e aconselhou vítimas de violência doméstica no Brasil e nos Estados Unidos, onde vive hoje com sua família. Ela atualmente está cursando seu mestrado em estudos teológicos no Reformed Theological Seminary, em Atlanta.

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É possível “nascer de novo” e não se sentir salvo?

Assim como Francis Wayland, alguns podem duvidar de sua experiência de conversão.

Christianity Today May 24, 2023
Illustration by Abigail Erickson / Source Images: Unsplash

O evangelicalismo sempre enfatizou a necessidade da conversão pessoal por meio da experiência de nascer de novo, na qual o Espírito Santo muda o coração de uma pessoa de forma sobrenatural.

Do século 18 até o presente, muitas igrejas evangélicas exigiram um testemunho pessoal de conversão como pré-requisito para ser membro da igreja. E, na maioria das vezes, isso envolve uma experiência pessoal de transformação divina.

Mas o que acontece se alguém não tiver esse tipo de experiência transformadora? E se uma pessoa acreditar [que nasceu de novo] não por causa de algum experiência religiosa perceptível, mas simplesmente por causa de uma convicção racional sobre a verdade das declarações de Deus? Indivíduos que se sentem assim são realmente salvos? E, mesmo que sejam, eles podem se considerar cristãos evangélicos?

Esse foi o dilema enfrentado por Francis Wayland (1796—1865), um ministro batista ordenado e presidente da Brown University no início do século 19. Ele nunca teve o que considerava ser essa experiência de nascer de novo — e para o presidente de uma importante faculdade batista no século 19, isso era um problema.

Tive um breve encontro com Wayland quando estudava o ativismo antiescravagista americano do início do século 19; porém, só recentemente percebi que esse oponente da escravidão e professor de “evidências cristãs” também lutou com a certeza de sua salvação, por não ter tido o que considerava uma experiência autêntica de nascer de novo.

Durante grande parte de sua juventude, Wayland acreditou que tal experiência era necessária para se tornar cristão. Afinal, ele cresceu imerso na teologia evangélica de Jonathan Edwards em um lar batista calvinista. Ele acreditava que a verdadeira conversão exigia uma mudança de ordem sobrenatural das afeições e da vontade de alguém. E, como muitos evangélicos de sua época, ele acreditava que essa mudança se manifestava na convicção de pecado seguida por uma súbita sensação de bem-aventurança.

Wayland teve essa convicção — mas não a experiência de êxtase.

Ele cresceu indo à igreja e aprendendo as verdades teológicas, e nunca foi um pecador desmedido, segundo os padrões mundanos convencionais. Ele continuou a frequentar a igreja depois que saiu de casa, e viveu o que seus contemporâneos evangélicos teriam considerado uma vida moral íntegra. Segundo seu próprio relato, ele também acreditava plenamente nas alegações de Jesus e nas doutrinas teológicas do cristianismo.

E, no entanto, em seu último ano de faculdade de medicina, ele percebeu que estava vivendo para si mesmo, e não para Deus. “Quando meus propósitos eram contrariados, meu espírito, como bem me lembro, levantava-se contra o domínio de Deus”, escreveu ele. “Eu sabia que, se houvesse algum universo para o qual eu pudesse fugir, no qual Deus não reinasse, eu teria ido sem demora para lá.”

Em outras palavras, ele descobriu que não tinha amor verdadeiro por Deus. Em sua busca por sucesso em seus estudos da medicina, ele descobriu que estava vivendo para seus próprios interesses, e não para as prioridades de Deus.

Quando refletiu sobre isso, ele de repente percebeu o quão perigosa espiritualmente era a sua inimizade secreta com Deus. “Eu acreditava em tudo o que a Bíblia dizia sobre minha condição e meu perigo”, escreveu Wayland. “Jesus Cristo veio para salvar pecadores; no entanto, nunca busquei seu perdão".

Ele, portanto, resolveu buscar a Deus da maneira que havia sido ensinado a fazer, como todo calvinista evangélico dos anos 1800 — ou seja, passando horas em oração conjunta até que Deus, em sua graça soberana, decidisse salvá-lo.

Wayland, portanto, abriu sua Bíblia e passou o dia inteiro sem fazer nada além de ler as Escrituras e orar. Nada aconteceu. Então, ele tentou novamente no dia seguinte. E, no entanto, ele ainda não sentia nenhuma mudança perceptível em si mesmo — nenhuma sensação de segurança, nenhum sentimento de uma visitação sobrenatural do Espírito Santo em seu coração. Ele tentou novamente pelo terceiro dia, mas ainda não viu resultados.

Por fim, ele teve de retornar às suas atividades diárias e aos estudos da faculdade de medicina, mas decidiu que em seu tempo livre leria apenas a Bíblia e livros cristãos. Ele frequentava a igreja com mais entusiasmo. Até foi a um encontro de avivamento. Ele agora sentia pelos outros crentes um amor que nunca havia sentido antes, bem como uma preocupação renovada pelos perdidos e um desejo de que outros cressem em Jesus. Ele “amava as doutrinas do evangelho” de uma forma que nunca havia amado antes. E sentia uma tristeza por sua vida anterior de rebelião secreta contra Deus.

Mas Wayland não considerava nenhum desses novos anseios e emoções como um indicativo da experiência de conversão que ele esperava. Em vez disso, quando refletia sobre sua fé, sentia que ela se baseava inteiramente na razão e, portanto, não poderia ser resultado da obra direta do Espírito Santo.

“Eu não podia acreditar que a luz que gradualmente iluminava minha alma fosse algo mais do que aquilo que era ensinado pelos preceitos dos homens”, escreveu Wayland. “Tudo na religião me parecia tão racional, que tudo o que eu sentia me parecia brotar de meras deduções lógicas do intelecto, das quais o coração, o mais íntimo da alma, não fazia parte.”

Ele acreditava na existência de Deus com base na evidência do design da natureza. Ele acreditava que a Bíblia viera de Deus e que Jesus realmente ressuscitou dos mortos, depois de ser crucificado — com base em evidências históricas e deduções lógicas. E com base na evidência da profecia bíblica e no testemunho dos escritores do evangelho, ele acreditava que Jesus era de fato o divino Filho de Deus que havia dado sua vida pelos pecadores.

Dadas essas crenças, Wayland considerava que era lógico que ele devesse confiar em Jesus para a salvação e viver sua vida para Deus, e não para seus próprios desejos egoístas. A partir disso, era simplesmente lógico que ele agora “desejasse com fervor” a salvação de outros que estavam perdidos. Era lógico que ele procurasse a companhia de outros crentes e se dedicasse a adorar o Senhor e a encontrar contentamento nessa atividade.

Entretanto, como tudo isso era tão lógico, seria possível que ele tivesse chegado a tais crenças apenas por meio de seu próprio intelecto — o que significa que não tinha uma fé realmente salvadora, já que, segundo ele, não fora gerada pelo Espírito Santo?

“Eu não podia negar que houve uma mudança em mim, mas a mudança foi tão racional [isto é, gerada por meio de reflexão racional] e de grau tão leve, que eu não poderia ser um filho de Deus”, pensava ele.

E como ele nunca havia experimentado a transformação divina do coração que buscava, Wayland estava convencido de que ainda estava perdido — um pensamento que o aterrorizava.

Foi preciso que outro ministro batista convencesse Wayland de que ele realmente havia experimentado uma regeneração gerada por Deus. Wayland cria e fora mudado, argumentou o ministro. E, se era assim, então ele realmente havia se convertido e recebido o Espírito Santo — independentemente de ter vindo à fé salvadora por meio de reflexão racional ou de uma experiência dramática.

Wayland acabou admitindo que o ministro estava certo. Ele teria preferido uma experiência mais direta, que lhe daria maior segurança, mas Deus “em sua misericórdia me decepcionou e me tornou disposto a aceitar sua graça da maneira que ele escolhesse concedê-la”.

No entanto, em sua velhice, Wayland continuou a lutar com dúvidas recorrentes sobre sua própria salvação, pois não conseguia apontar honestamente um único momento em que o Espírito Santo tivesse entrado em seu coração e mudado sua vida.

Mesmo em seu suposto momento de conversão, quando era um jovem estudante de medicina, dizia ele, “tudo foi gradual e parecia ter decorrido de uma linha de dedução lógica. Não consigo determinar o momento exato em que ocorreu uma transformação moral em meu caráter”.

Desde aquela época, ele escrevia: “Tive muitas temporadas de declínio e de avivamento religioso; tenho sido atormentado por muitas dúvidas sobre meu estado diante de Deus e raramente alcancei a plena certeza da fé, um privilégio de tantos discípulos de Cristo”. Ele orava reiteradamente por essa certeza, mas ela nunca veio.

Em vez disso, Wayland resolveu viver uma vida de obediência e submissão ao Senhor. Por décadas, ele deu aulas na Brown University sobre “evidências cristãs” (isso, é claro, foi em uma época em que essa instituição, como várias outras escolas da Ivy League, ainda era uma faculdade cristã). Se ele não podia encontrar segurança em sua própria experiência, ele podia, no entanto, encontrar bases objetivas, e não provenientes da experiência, para saber que Deus era real e se revelara em Jesus Cristo — e que aqueles que confiassem em Jesus podiam ter certeza das promessas de Deus.

Conversando com seus alunos e conhecidos, ele também veio a perceber que havia muito mais pessoas como ele do que antes havia imaginado — isto é, pessoas que cresceram em lares evangélicos e queriam servir ao Senhor, mas que achavam que nunca tinham tido uma experiência de salvação. Frequentemente, seus conselheiros espirituais as encorajavam a buscar o Senhor por meio da oração e da contrição, do mesmo modo que Wayland fazia, na esperança de que tal encontro acontecesse.

Mas Wayland dava um conselho diferente. Em vez de continuar buscando uma experiência que pode nunca acontecer, as pessoas simplesmente precisavam acreditar no evangelho e fazer as coisas que Deus disse para fazer — não para ganhar um senso de segurança por meio de boas obras, mas para servir ao reino com a confiança de que Deus as aceitou e de que isso é o que Ele quer que elas façam.

Wayland veio a perceber que Deus podia operar tanto por meio da razão quanto por meio da experiência, e que, em sua graça soberana, nem todos receberiam esse senso de milagre em suas vidas. Algumas pessoas são abençoadas com uma conversão dramática ou um sentimento de paz. Outras, como ele, podem nunca ter tido tal experiência e, por isso, lutam constantemente contra a tentação de acreditar que sua fé pode não ser genuína.

Wayland não podia apontar uma data exata para sua conversão. Ele não podia dizer com confiança que sentia o Espírito Santo vivendo dentro dele de alguma forma experiencial. Ele não podia dizer que sua própria fé em Cristo transcendia a razão. Mas ele podia dizer que amava o Senhor e queria desistir de tudo para seguir a Jesus. Como Wayland dizia: “Se conheço meu próprio coração, eu, com prazer, submeto a mim e a tudo o que tenho a Deus”.

Então, decidiu que, se isso era verdade, deveria significar que ele realmente havia nascido de novo.

Pessoalmente, achei reconfortante encontrar alguém como Wayland em minha pesquisa, pois também enfrentei lutas semelhantes. Embora eu possa dar algum tipo de testemunho de salvação, em meus momentos de honestidade sou forçado a admitir que nem sempre considero minha experiência muito convincente.

Como Wayland, minha conexão com Deus geralmente me parece tão lógica que é tentador imaginar se foi gerada pelo Espírito Santo ou se foi uma fé simulada, gerada por meus próprios esforços racionais. E se minha fé em Cristo ou a confiança em minha salvação dependesse inteiramente de minha própria experiência, eu me sentiria tão perdido quanto Wayland — especialmente depois de buscar o Senhor e não sentir nenhuma sensação de segurança.

Mas o testemunho de Wayland é um lembrete de que os cristãos evangélicos que amam sinceramente o Senhor e se rendem humildemente a Deus nem sempre terão as experiências religiosas que sua teologia pode prever. A promessa de salvação e de regeneração que Deus nos faz não se baseia em nossa experiência, mas sim em algo muito mais objetivo, como Wayland descobriu.

Wayland escolheu acreditar nas promessas de Deus presentes nas Escrituras — e no final, isso foi o suficiente. Não tenho dúvidas de que ele realmente “nasceu de novo”, mesmo que não tenha percebido isso na época.

Daniel K. Williams é professor de história na University of West Georgia e autor de Defenders of the Unborn: The Pro-Life Movement Before Roe v. Wade.

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Books

Wayne Grudem muda de ideia sobre o divórcio em casos de abuso

Um importante teólogo complementarista diz que não acredita mais que a Bíblia oferece apenas duas razões justificáveis para terminar um casamento.

Christianity Today May 23, 2023
Courtesy of Wayne Grudem

Wayne Grudem, um importante teólogo calvinista e proeminente complementarista, mudou seu posicionamento e passou a afirmar que há base bíblica para o divórcio em casos de abuso, e compartilhou essa mudança em um grande encontro de estudiosos evangélicos, em novembro de 2019.

Depois de ouvir casos de casais da vida real, cujas crenças cristãs os levaram a suportar o abuso em vez de se separar, Grudem disse que olhou mais de perto as Escrituras e concluiu que o abuso pode ser motivo para o divórcio, desde que pastores e presbíteros busquem discernimento de Deus ao orientar um casal a se separar.

Isso é uma revisão da perspectiva que ele sustentou por longo tempo, publicada até pouco tempo antes, em 2018, em seu livro Christian Ethics: An Introduction to Biblical Moral Reasoning [Ética Cristã: Uma Introdução à Argumentação Moral Bíblica]. A visão histórica da maioria dos evangélicos fornece duas razões para o divórcio: adultério (Mateus 19.9) ou ser abandonado por conjuge descrente (1Coríntios 7.15).

“Minha esposa Margaret e eu tomamos conhecimento de alguns casos comoventes de questões como grave humilhação sexual e degradação, que se estenderam por décadas, e outro caso de espancamento físico praticado por décadas”, disse ele à CT. “Em todas essas situações, o cônjuge abusado permaneceu calado, acreditando que o dever de um cristão era preservar o casamento, a menos que houvesse adultério ou abandono, o que não havia acontecido.”

Grudem, cofundador do Conselho sobre Masculinidade e Feminilidade Bíblica, apresentou seu novo trabalho sobre o assunto na reunião anual da Sociedade Teológica Evangélica, em novembro de 2019, em uma palestra intitulada “Bases para o divórcio: por que agora acredito que há mais de duas.”

Os proponentes anteriores que eram favoráveis a aceitar o abuso como motivo para o divórcio apontavam para o uso que Paulo faz do verbo “separar” em 1Coríntios 7.15, argumentando que o versículo se aplica a um cônjuge que foge de casa em busca de proteção. Mas, anteriormente, Grudem não estava convencido.

O versículo diz: “Todavia, se o descrente separar-se, que se separe. Em tais casos, o irmão ou a irmã não fica debaixo de servidão; Deus nos chamou para vivermos em paz (1Coríntios 7.15, grifo nosso).

“A maioria dos comentários parte do pressuposto que ‘Em tais casos’ se refere apenas a casos de abandono por parte do cônjuge descrente”, disse Grudem. Mas, após um exame mais aprofundado, ele percebeu que a expressão não aparece em nenhum outro lugar da Bíblia. Grudem analisou 52 usos da expressão na literatura grega antiga e descobriu que “em tais casos” geralmente não se refere apenas ao cenário específico que o escritor já mencionou (ou seja, um cônjuge descrente), mas a cenários semelhantes a esse.

“Esses exemplos me levaram a concluir que, em 1Coríntios 7.15, a expressão “Em tais casos” deve ser entendida como algo que abrange quaisquer casos que, da mesma forma, destruam um casamento”, disse Grudem. Portanto, ele concluiu que o abuso é um caso desses.

No entanto, ele esclareceu que a restauração ainda é o primeiro objetivo, quando a questão do divórcio surge. Se o cônjuge agressor for cristão, então, devem-se buscar aconselhamento e disciplina na igreja; porém, se o abuso não parar, a liderança da igreja deve considerar que esse pode ser um caso em que a vítima está liberada para buscar o divórcio.

Pouco mais da metade dos pastores evangélicos (55%) acredita que o divórcio pode ser a melhor opção em casos de violência doméstica, enquanto apenas 4% dizem que um casal nunca deve se divorciar, mesmo quando a violência estiver presente, de acordo com uma pesquisa da LifeWay Reseach.

A resposta do público presente na reunião anual da Sociedade Teológica Evangélica foi “extremamente positiva e favorável”, disse Grudem, e ele recebeu poucas objeções. “Uma mulher, mais tarde, me disse que aconselha mulheres vítimas de abuso e que foi às lágrimas quando leu minha apresentação. Mais de uma pessoa me disse depois: ‘Vim preparado para discordar de você, mas você me persuadiu’”.

Ariel Bovat, conselheira clínica que trabalha em reabilitação de vítimas de violência doméstica, twittou que Grudem fez a melhor apresentação da reunião anual da Sociedade Teológica Evangélica. “Esta informação libertará tantas mulheres de seus agressores!”, escreveu ela.

A questão do divórcio em caso de abuso tem sido assunto de discussão entre os evangélicos na era do #MeToo e do #ChurchToo.

A controvérsia de 2018 em torno de Paige Patterson, líder da denominação Batista do Sul, começou quando uma gravação dele aconselhando uma mulher a se submeter ao marido abusivo circulou de novo on-line. A CT relatou, na época, que Patterson disse que havia aconselhado e ajudado mulheres a deixarem maridos abusivos, mas manteve seu compromisso de nunca recomendar o divórcio: “Como eu poderia [recomendar], como ministro do evangelho? A Bíblia deixa clara a maneira como Deus vê o divórcio”.

Alguns anos antes, Grudem e outros teólogos complementaristas participaram de um debate teológico em torno da natureza da Trindade, que teve implicações para seus ensinamentos sobre os papéis de gênero e a submissão feminina. Mulheres complementaristas, em particular, manifestaram-se contra uma ênfase exagerada na submissão, que levaria mulheres casadas a acreditarem que devem se submeter a maridos abusivos.

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Books

Morre Tim Keller, o pastor do Evangelho para as grandes cidades

Um modelo de testemunho cristão “cativante”, ele disse às elites culturais da nação que elas adoravam deuses falsos

Christianity Today May 19, 2023
Courtesy of Redeemer Presbyterian Church / Edits by Rick Szuecs

Tim Keller, conhecido pastor da cidade de Nova York que ministrou a jovens profissionais urbanos e, no processo, tornou-se um dos maiores exemplos de como um testemunho cristão cativante pode conquistar audiência para o evangelho, até mesmo nos lugares mais improváveis, morreu nesta sexta, aos 72 anos de idade.

Keller plantou e fez florescer uma congregação evangélica reformada em Manhattan; lançou uma rede de plantação de igrejas; foi um dos fundadores do ministério The Gospel Coalition; e escreveu vários livros sobre Deus, o evangelho e a vida cristã que são best-sellers.

Aonde quer que fosse, ele pregava sobre o pecado e a graça.

“O evangelho é isso”, Keller disse várias vezes: “Somos mais pecadores e imperfeitos do que ousaríamos acreditar; ao mesmo tempo, porém, somos mais amados e aceitos em Jesus Cristo do que jamais ousaríamos esperar.”

Foi frequentemente acusado — em especial nos últimos anos — de acomodação cultural. Sua abordagem ao evangelismo rejeitava o antagonismo da guerra cultural e o conflito com pessoas de visão política mais progressista, e alguns o acusaram de colocar demasiada ênfase na questão da relevância e de diluir ou mesmo de trair a verdade do cristianismo, motivado por um desejo equivocado de aceitação social.

No entanto, um tema frequente em toda a sua pregação e ensino era a idolatria. Keller sustentava a ideia de que as pessoas encontram-se fragmentadas, em uma condição caída, e sabem perfeitamente disso. Mas não entenderam que somente Jesus pode realmente consertá-las. Somente a graça de Deus pode satisfazer seus anseios mais profundos.

Em sua igreja em Manhattan, Keller disse às elites culturais do país que elas adoravam deuses falsos.

“Queremos nos sentir belos. Queremos nos sentir amados. Queremos nos sentir importantes”, pregou Keller, em 2009, “é por isso que trabalhamos tão duro, e essa é a fonte do mal”.

Keller explicou à New York Magazine que esta era, de certa forma, uma mensagem à moda antiga sobre o pecado. Quando muitas pessoas ouvem falar de “pecado”, porém, só pensam em coisas como sexo, drogas e talvez roubo. A classe criativa dos nossos dias, que ele estava tentando alcançar, no entanto, era assediada por muitos pecados mais perniciosos, que se acotovelavam para tomar o lugar do amor de Deus em suas vidas.

O trabalho da “relevância” era identificar os ídolos que dominavam a alma das pessoas. E, depois, dizer-lhes que podem se libertar deles.

O que é um ídolo? É qualquer coisa que absorve mais o seu coração e a sua imaginação do que Deus, algo que você busca para lhe dar aquilo que só Deus pode dar.

As pessoas de Manhattan “viveram a vida inteira com pais, professores de música, treinadores, professores e chefes dizendo-lhes que façam o melhor, que sejam melhores, que se esforçem mais”, refletiu Keller, em 2021. “Ouvir que Ele mesmo havia atendido a essas demandas por justiça, por meio da vida e morte de Jesus, e que agora não havia mais condenação para qualquer um que confiasse nessa justiça — era uma mensagem surpreendentemente libertadora”.

O próprio Keller ouviu essa mensagem quando era estudante universitário na Bucknell University. Ele nasceu em setembro de 1950, em Allentown, Pensilvânia; era filho de William e Louise Clemente Keller. A família frequentava uma igreja luterana. O jovem Keller frequentou dois anos de aulas de confirmação, mas seu principal aprendizado foi que religião era sobre ser alguém bom.

Ele foi para a faculdade em 1968 e se engajou na InterVarsity Christian Fellowship, em parte porque os cristãos de lá pareciam se importar com o movimento dos direitos civis. Ele logo se convenceu de que o cristianismo era verdadeiro e devorou ​​as obras de evangélicos britânicos, especialmente John Stott, F. F. Bruce e C. S. Lewis.

Nos últimos anos, ele gostava de chamar Lewis de seu santo padroeiro e de citá-lo sobre a razão para crer.

Depois de se formar em 1972, Keller foi para o Seminário Teológico Gordon-Conwell. Lá ele conheceu uma estudante chamada Kathy Kristy, que havia se convertido ao ler Lewis e trocou correspondências com ele até a morte de Lewis, quando ela tinha 13 anos. Keller e Kathy se apaixonaram e se casaram pouco antes da formatura, em 1975.

Keller foi ordenado pela Igreja Presbiteriana da América (PCA), uma denominação com cerca de 300 congregações que havia sido fundada dois anos antes, em Birmingham, Alabama. Ele aceitou um convite para pastorear uma igreja em Hopewell, Virgínia, uma cidade ao sul de Richmond, situada entre uma prisão federal e o rio James, que fora contaminado pelo inseticida Kepone, fabricado em Hopewell.

Como jovem pastor, que começava sua carreira com apenas 24 anos de idade, Keller aprendeu cometendo erros.

“Como todo mundo”, disse ele à revista World. “Meus sermões eram muito longos, minhas abordagens pastorais não funcionavam para algumas pessoas — às vezes eu era direto demais e outras vezes não era [direto] o suficiente. Comecei novos programas que ninguém realmente queria. Mas, por ser uma congregação tão solidária e amorosa, pude cometer esses erros sem que ninguém me atacasse por eles.”

Keller aprendeu a encurtar seus sermões e a não começar programas indesejados. E o que é mais importante, ele descobriu como fundamentar seu trabalho pastoral na confiança.

“Eu […] aprendi a não construir um ministério baseado no carisma da liderança (algo que eu não tinha de qualquer maneira!) ou na habilidade em pregar (que eu não tinha muito no início), mas sim baseado em amar as pessoas pastoralmente e a me arrepender, quando eu estivesse errado”, dizia ele. “Em uma cidade pequena, as pessoas o seguirão se confiarem pessoalmente em você — em seu caráter —, e essa confiança deve ser construída com relacionamentos pessoais.”

Nove anos depois, Keller deixou a Virgínia e voltou para a Pensilvânia. Ele deu aulas de teologia prática no Seminário Teológico de Westminster, e concentrou-se especialmente no tema de sua tese de doutorado: o ministério dos diáconos.

Ele também começou a trabalhar para a PCA, ajudando nos esforços de plantação de igrejas da denominação. Porém, não alcançou êxito, quando tentou recrutar alguém para iniciar uma igreja na cidade de Nova York, em 1989.

Todos a quem ele procurou lhe disseram não. Disseram que era uma má ideia.

“Quase todo mundo me disse que era uma missão tola”, lembrou Keller mais tarde. “Manhattan era uma terra de céticos, críticos e cínicos. A classe média, o público convencional para uma igreja, estava deixando a cidade por causa da criminalidade e do aumento do custo de vida”.

É claro que nem todos podiam se dar ao luxo de mudar. O êxodo dos brancos deixou muitas igrejas urbanas vibrantes para trás, que serviam comunidades afro-americanas, asiático-americanas e latinas. A cidade também atraía jovens brancos — ambiciosos, altamente instruídos e aspirantes a líderes mundiais — que eram menos propensos do que qualquer outra pessoa a irem a uma igreja ou a acreditarem que o cristianismo tinha algo a oferecer.

Keller e sua esposa plantaram a Redeemer Presbyterian Church, em Manhattan, e começaram a visar esses jovens.

Keller refletiu sobre como foi para ele se mudar para Nova York, aos 40 anos, e pensou em quantos jovens vindos do país inteiro tiveram essa mesma experiência.

“Primeiro de tudo, você é bombardeado com pessoas que são como você, só que melhores”, dizia ele. “Você pode ser o melhor violinista de Hot Coffee, no Texas, mas quando desce do trem, na Penn Station, para seu horror encontra alguém lá tocando violino por alguns trocados. E ele é melhor do que você! Isso faz você buscar mais fundo e praticar, praticar, praticar.”

A segunda coisa que acontece com os recém-chegados a Nova York, dizia Keller, é que eles são atingidos por um tipo de diversidade que jamais poderiam encontrar fora de uma grande metrópole. Os recém-chegados são cercados todos os dias por pessoas que não pensam como eles.

“Isso ou faz com que você realmente arrume uma justificativa melhor para o que deseja fazer do que jamais teria arrumado antes”, disse ele, “ou faz com que você incorpore novas ideias”.

Na igreja, Keller fez as duas coisas. O núcleo da missão e de sua mensagem eram os mesmos de Hopewell, mas ele e sua equipe também trabalharam para traduzir tudo isso para um contexto diferente. Sua principal diretriz era “A igreja de sempre não funcionará” e eles repetiam várias vezes que “precedentes não significam nada”.

A igreja obteve algum sucesso em sua primeira década. No final de 1989, havia uma frequência regular de cerca de 250 pessoas. No outono de 1990, a igreja estava atraindo 600 pessoas, entre elas mais do que uns poucos não crentes que estavam interessados apenas ​​no que Keller tinha a dizer.

O momento dramático que trouxe a Redeemer à atenção nacional aconteceu depois que os ataques terroristas de 2001 destruíram o World Trade Center.

No domingo seguinte, mais de 5 mil pessoas compareceram à igreja. Não couberam todos no espaço, então, Keller prometeu realizar um segundo culto. Centenas voltaram. Quando a cidade voltou a algo próximo do seu normal, a frequência semanal da Redeemer havia crescido para cerca de 800 pessoas.

Keller e a equipe da Redeemer começaram a ajudar outras pessoas que queriam plantar igrejas em contextos urbanos. Em 2006, a Redeemer tinha 16 congregações-filhas dentro da PCA, e ajudou a plantar cerca de 50 outras igrejas de várias denominações na cidade de Nova York.

Keller também treinou pastores de centros urbanos, de Boston e Washington, D.C., a Londres e Amsterdã, sobre como contextualizar o evangelho em suas cidades.

Alguns anos depois, Keller publicou uma obra apologética: A fé na era do ceticismo: como a razão explica Deus. O livro leva a sério as dúvidas sobre Deus, mas procura mostrar aos céticos seus próprios “saltos de fé” e expor os caminhos que os cristãos, historicamente, percorreram para chegar ao outro lado da dúvida.

Keller dialogou com os críticos da fé mais populares da época, os “novos ateus”, e se baseou em uma ampla gama de pensadores para defender a existência de motivos racionais para a fé, entre eles C. S. Lewis e o teólogo N. T. Wright, bem como o filósofo Søren Kierkegaard, o sociólogo Rodney Stark e os escritores Flannery O'Connor e Anne Rice.

A fé na era do ceticismo alcançou o 7º. lugar na lista de best-sellers do The New York Times e conquistou para Keller uma audiência em alguns dos espaços culturais mais elitizados do momento. Ele deu uma palestra sobre fé no Google e foi entrevistado no Big Think, um novo site cuja proposta era promover conversas com “as mentes mais brilhantes e as ideias mais ousadas de nossos tempos”.

Keller tornou-se, na época, um modelo de engajamento cultural para muitos evangélicos. Sua abordagem era especialmente popular entre aqueles que sentiam que as guerras culturais — incluindo uma forte identificação com os subúrbios, a mobilização política das igrejas e uma forte corrente de anti-intelectualismo — haviam prejudicado seu testemunho cristão.

“Daqui a cinquenta anos”, escreveu um editor da CT, “se os cristãos evangélicos forem amplamente conhecidos por seu amor pelas cidades, seu compromisso com a misericórdia e a justiça e seu amor ao próximo, Tim Keller será lembrado como um pioneiro desses novos cristãos urbanos”.

Nem todos concordavam com essa visão, no entanto. Carl Trueman, professor do Grove City College, por exemplo, discordava do amor de Keller pelas cidades e de seu otimismo de que poderia alcançar as pessoas que nelas viviam.

“Para mim, as cidades são um mal necessário, cujo único propósito é fornecer a jovens vindos do campo, como eu, um lugar para ir ao teatro de vez em quando”, escreveu Trueman. “Eu definitivamente não sou um transformacionalista otimista como ele — confie em mim, as coisas vão piorar antes, bem, antes de elas ficarem ainda piores do que isso.”

Keller também enfrentou críticas menos amigáveis. Alguns o chamaram de marxista. E até mesmo de um “marxista de projeção, que é particularmente eficaz em dar ao marxismo uma nova roupagem para um público cristão”.

Quando Keller defendeu que os cristãos ortodoxos não deveriam abraçar um partido político no sistema bipartidário dos Estados Unidos, alguns disseram que ele estava profundamente equivocado sobre a forma como a cultura havia mudado. Sua abordagem “cativante” não funcionaria em um mundo que já era profundamente hostil à verdade cristã, argumentavam essas pessoas.

James R. Wood, editor da revista First Things, estava tão comprometido com Keller que deu a seus padrinhos de casamento um exemplar do último livro de Keller. E quando ele e a esposa ganharam um cachorro, deram-lhe o nome do pastor de Nova York.

Mas algo mudou para ele na eleição de 2016.

https://www.youtube.com/watch?v=-A8b877Jvn0&t=3s

“À medida que observei a mudança de atitude da cultura à nossa volta”, escreveu Wood, “eu já não estava mais tão confiante de que a estrutura evangelística que aprendi com Keller forneceria orientação suficiente para o momento cultural e político. Muitos ex-fãs como eu estão chegando a conclusões semelhantes. O desejo evangelístico de minimizar as ofensas para ganhar audiência para o evangelho pode obscurecer o que nosso momento político exige”.

Keller respondeu a algumas das críticas ao longo dos anos, mas na maioria das vezes elas pareciam não incomodá-lo. Ele continuou a pastorear sua congregação em Manhattan, até deixar o cargo, aos 66 anos de idade.

Ele continuou a trabalhar com sua rede de plantação de igrejas, City to City, a pregar e a escrever.

Em 2020, Keller revelou que tinha câncer de pâncreas. Enquanto passava por extensos tratamentos, Keller, sempre pastor, continuou a pregar e a escrever sobre Deus, o evangelho e a vida cristã. Sempre que tinha chance, ele apontava as pessoas novamente para o pecado e a graça.

Ele pedia às pessoas que reconsiderassem como seus anseios mais profundos, na vida e na morte, pareciam apontá-las para Cristo.

“Se a ressurreição de Jesus Cristo realmente aconteceu”, disse Keller ao The New York Times, “então, ao final, Deus vai consertar tudo. O sofrimento vai acabar. O mal vai acabar. A morte vai acabar. O envelhecimento vai acabar. O câncer de pâncreas vai acabar. Agora, se a ressurreição de Jesus Cristo não aconteceu, então, acho que todas as apostas estão perdidas. Mas se ela realmente aconteceu, então, há toda a esperança do mundo.”

Keller deixa sua esposa, Kathy, e três filhos, David, Michael e Jonathan.

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