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Batistas do Sul se recusaram a agir contra o abuso, apesar da lista secreta de pastores

Investigação: A equipe do Comitê Executivo da SBC, por ver os pedidos de ajuda dos denunciantes como algo que desviava a atenção do evangelismo e representava risco de processos legais, impediu seus relatórios e resistiu aos pedidos de reforma.

Uma investigação independente examinou as respostas dadas pelo Comitê Executivo da Convenção Batista do Sul às acusações de abuso.

Uma investigação independente examinou as respostas dadas pelo Comitê Executivo da Convenção Batista do Sul às acusações de abuso.

Christianity Today May 24, 2022
Courtesy of Baptist Press / Edits by Mallory Rentsch

Armados com uma lista secreta com mais de 700 pastores que cometeram abusos, os líderes da SBC (Southern Baptist Church) optaram por proteger a denominação de ações judiciais, em vez de proteger as pessoas em suas igrejas de sofrerem mais abusos.

Vítimas de abuso, seus defensores e alguns membros da própria SBC passaram mais de 15 anos pedindo por maneiras de impedir que predadores sexuais se deslocassem silenciosamente de um rebanho para outro. Os homens que controlavam o Comitê Executivo (CE) — que administra as operações diárias da Convenção Batista do Sul (SBC) — sabiam da extensão do problema. Contudo, trabalhando em estreita colaboração com seus advogados, difamaram as pessoas que queriam fazer algo contra o abuso e rejeitaram repetidamente os pedidos de ajuda e reforma.

“Nos bastidores, os advogados estavam aconselhando a não dizer nada e a não fazer nada, mesmo quando os interlocutores estavam identificando abusadores que ainda ocupavam os púlpitos da SBC”, de acordo com um enorme relatório de uma investigação conduzida por terceiros, que foi divulgado no domingo.

Essa investigação concentra a responsabilidade em membros do CE e seus advogados, e diz que as centenas de integrantes eleitos do CE foram amplamente mantidos no escuro. O conselheiro geral do CE, Augie Boto, e o advogado de longa data, Jim Guenther, aconselharam os três últimos presidentes do Comitê — Ronnie Floyd, Frank Page e Morris Chapman — no sentido de que tomar medidas contra os abusos representaria um risco jurídico e político para a SBC, o que levou os presidentes a contestarem as propostas de reforma contra os abusos.

À medida que novos apelos a uma ação surgiram com os movimentos #ChurchToo e #SBCToo, Boto se referiu à defesa das vítimas de abuso como “um esquema satânico para desviar completamente nossa atenção do evangelismo”.

As vítimas, por sua vez, descreveram os efeitos avassaladores não apenas dos abusos que sofreram, mas também da insultante obstaculização das respostas pelos líderes do CE por mais de 15 anos.

Christa Brown, uma defensora de longa data [de uma apuração], que sofreu abuso sexual por seu pastor aos 16 anos, disse que seus “incontáveis encontros com líderes batistas” que a evitavam e a desacreditavam “deixaram um legado de ódio” e uma mensagem que diz “você é uma criatura sem valor — você não importa.” Como resultado, ela disse, em vez de sua fé fornecer consolo, tornou-se “neurologicamente conectada com um pesadelo”. Ela se referiu a isso como um “assassinato de almas”.

Outra vítima, Debbie Vasquez, foi repetidamente abusada sexualmente por um pastor da SBC, a partir dos 14 anos. Quando uma agressão a levou à gravidez, ela foi forçada a se desculpar na frente da igreja, mas proibida de mencionar quem era o pai. O pastor passou a servir em outra igreja da Convenção Batista do Sul e, quando Vasquez entrou em contato com o CE, suas súplicas foram ignoradas e evitadas por anos, até uma investigação do Houston Chronicle, três anos atrás.

Nos últimos 20 anos, entretanto, uma série de presidentes da SBC falhou em responder adequadamente aos abusos cometidos em suas próprias igrejas e seminários. Em vários casos, os líderes ficaram do lado de indivíduos e igrejas que foram acusados de forma crível de abuso ou de acobertamento. Um ex-presidente — o pastor Johnny Hunt — abusou sexualmente da esposa de outro pastor, em 2010, descobriram os investigadores.

Na reunião anual em Anaheim, Califórnia, no próximo mês, um ano depois de terem votado para dar início à investigação, milhares de membros da SBC decidirão se estão prontos para fazerem as mudanças drásticas e dispendiosas que o relatório recomenda em favor das vítimas e da segurança da igreja.

“Em meio à minha dor, raiva e decepção com o grave pecado e as falhas que este relatório expõe, acredito sinceramente que os membros da SBC devem resolver mudar nossa cultura e implementar reformas que são desesperadoramente necessárias”, disse o presidente da SBC, Ed Litton, em comunicado à CT. “A hora é agora. Temos muito a lamentar, mas a dor genuína requer uma resposta piedosa.”

A Guidepost Solutions, uma empresa de investigação terceirizada, quer que a denominação de 13,7 milhões de membros crie um banco de dados on-line de abusadores, ofereça compensação para as vítimas, limite drasticamente os acordos de confidencialidade e crie uma nova entidade dedicada a responder aos abusos. As diretrizes do relatório de 288 páginas soarão familiares para vítimas e seus defensores, que sempre pediram essas medidas.

“Quantas crianças e fiéis poderiam ter sido poupados de danos horríveis, se o Comitê Executivo tão somente tivesse agido em 2006, quando escrevi pela primeira vez para eles, pedindo medidas concretas específicas? E quantas vítimas poderiam ter sido poupadas do inferno traumático de tentar denunciar abusos sexuais cometidos pelo clero em um sistema que sempre lhes dá as costas?”, perguntou Brown, em uma carta de 2021. “A resistência de longa data do Comitê Executivo da SBC às reformas para coibir o abuso agora rendeu uma nova safra de vítimas de abuso sexual cometido pelo clero e de pessoas que sobreviveram ao abuso, mas foram novamente traumatizadas em seus esforços para denunciá-lo”.

Antecipando a divulgação do relatório, o atual presidente interino do CE, Willie McLaurin, e o presidente do CE, Rolland Slade, citaram Eclesiastes: “Deus trará a julgamento todos os atos, inclusive todas as coisas ocultas, sejam boas, sejam más” (12.15, CSB).

Os líderes atuais exortaram os batistas do Sul a serem receptivos às más notícias.

“Este é um momento e uma época para sondarmos nossas deficiências, um momento para abraçar as descobertas do relatório”, escreveram eles na semana passada, “um momento para reconstruir a confiança dos batistas do sul e um momento para curar, enfrentando os desafios exigidos com as mudanças necessárias esperadas”.

Maior investigação da história da SBC

O relatório representa um empreendimento de US$ 2 milhões, envolvendo 330 entrevistas e cinco terabytes de documentos coletados ao longo de oito meses. O CE também comprometeu outros US$ 2 milhões em custas legais em torno da investigação, somando um investimento total de US$ 4 milhões, financiado por igrejas e convenções que doam ao Programa Cooperativo.

A advogada Rachael Denhollander, que assessorou a força-tarefa da SBC que coordenou a investigação, twittou que “o nível de transparência é […] incomparável”. É a maior investigação da história da SBC; já mudou a composição do CE e está para determinar a trajetória da denominação de 177 anos.

A investigação da Guidepost incluiu mensagens confidenciais de teor jurídico sobre casos de abuso, nos últimos 20 anos, cujo fornecimento levou o presidente do CE, Ronnie Floyd, a renunciar em outubro, e o escritório de advocacia Guenther, Jordan & Price a retirar seus serviços após 60 anos.

De acordo com o relatório, o escritório de advocacia aconselhou ativamente o CE a não assumir a responsabilidade por abusos. Guenther trabalhou ao lado de Boto, um advogado que esteve envolvido no Comitê Executivo dos anos 1990 a 2019, atuando como administrador, vice-presidente, conselheiro geral e presidente interino. Ele foi um aliado de Paige Patterson durante o Ressurgimento Conservador. (No ano passado, Boto foi impedido de ocupar qualquer cargo em entidades batistas do sul em decorrência de um acordo legal que envolveu movimentação financeira, depois que Patterson foi demitido de um seminário da SBC por condução indevida de uma alegação de estupro.)

Boto e Guenther transformaram toda discussão sobre os abusos em uma discussão sobre proteger o CE de ser responsabilizado legalmente, tornando isso a maior prioridade, disse o relatório.

“Quando as alegações de abuso eram trazidas ao Comitê, inclusive alegações que envolviam condenados por crimes sexuais que ainda estavam atuando no ministério, os líderes do CE geralmente não discutiam essas informações fora de seu círculo íntimo, muitas vezes não respondiam à vítima nem tomavam medidas para tratar dessas alegações, como medidas para evitar abusos que estavam acontecendo ou abusos futuros”, disse o relatório. “Quase sempre o foco interno era proteger a SBC da responsabilização legal, e não cuidar das vítimas nem criar qualquer plano para prevenir o abuso sexual dentro das igrejas da SBC.”

A Convenção Batista do Sul orgulhosamente diz que é um grupo de igrejas autônomas. Elas se reúnem para trabalho missionário, comunhão e treinamento, mas a convenção não tem uma hierarquia. Não ordena e não nomeia pastores, nem detém autoridade sobre as 47 mil igrejas que optaram por afirmar suas declarações de fé e doar ao seu Programa Cooperativo.

Essa falta de supervisão significa que, quando algo dá errado em uma igreja ou entidade da SBC, o CE pode alegar que não é culpado; afinal, as igrejas são independentes. A consultoria jurídica argumentou que, quanto mais os líderes da denominação orientassem as igrejas a lidarem com os abusos, mais o CE assumiria a responsabilidade por erros e má condução dos casos.

Em 2000, segundo o relatório, Patterson via o treinamento para prevenção de abusos como uma forma de se defender contra ações judiciais, dizendo a um pastor que as igrejas poderiam documentar “algum esforço para instruir aqueles que trabalhavam com crianças sobre como ficarem atentos e responderem aos perigos” para que, no futuro, não surgissem litígios contra eles.

Como presidente dos seminários do Sudeste e do Sudoeste, Patterson desencorajou duas mulheres de entrarem na justiça com acusações de estupro sobre as quais haviam compartilhado. Ele foi demitido do Seminário Teológico Batista do Sudoeste em 2018, por sua resposta, e foi processado, junto com o seminário, pela estudante.

O associado de Patterson, Paul Pressler, advogado e líder durante o Ressurgimento Conservador, também enfrenta litígios sobre alegações de que ele usou seu poder para abusar de meninos, e a própria SBC é nomeada no processo. (Nem Patterson nem Pressler, ex-vice-presidente executivo da SBC e ex-membro do CE, concordaram em ser entrevistados para a investigação, embora os advogados de Patterson tenham apresentado um documento de duas páginas.)

Patterson e o ex-presidente da SBC, Jerry Vines, estão sob escrutínio por seu apoio anterior a Darrell Gilyard, pastor que é alvo de uma série de alegações de má conduta sexual que remontam aos anos 90. O relatório cita um membro do CE que, em um e-mail, disse que 44 mulheres procuraram os dois líderes da SBC para falar sobre Gilyard, “e em quase todos os casos, elas foram envergonhadas por isso e saíram sentindo que não acreditaram nelas. Apesar de todos os relatos divulgados, parece que Gilyard mudava de igreja em igreja, deixando vidas arruinadas em seu rastro.”

Os advogados do CE, Guenther e Boto, discutiram a ideia de um banco de dados de abusadores já em 2004, em resposta a Brown. O assunto voltou à tona em 2007, após uma moção na reunião anual. A equipe do CE não avançou com a ideia na época. Guenther escreveu em um e-mail que se preocupava “que pudessem pensar que o dever de alertar um tribunal fosse uma obrigação da SBC”.

E, no entanto, com a ajuda do porta-voz e vice-presidente, Roger “Sing” Oldham, e de um membro anônimo da equipe do CE, eles mantiveram uma lista. A pedido de Boto, segundo o relatório, um funcionário coletou recortes de notícias e rastreou pastores abusivos em uma tabela que registrava nome, ano, estado e denominação. A primeira versão, em 2007, incluía 66 pessoas presas ou processadas por abuso. Em 2022, a lista cresceu para incluir 703, dos quais acredita-se que 409 pertençam a igrejas afiliadas à SBC.

O divisor de águas foi uma série do Houston Chronicle, em 2019, que encorajou renovada atenção em torno da resposta e da prevenção a abusos e trouxe à tona 380 pastores afiliados à SBC acusados de abuso sexual.

Mesmo com o crescimento da lista secreta de ministros abusivos, os líderes do Comitê Executivo concentravam suas críticas nas vítimas e nos que lutavam por uma providência. Eles reclamaram que as vítimas não entendiam a política da SBC e queriam prejudicar a denominação. Patterson chamou o grupo dos que lutam por uma providência, o SNAP (sigla em inglês que significa Rede de Vítimas Abusadas por Sacerdotes) de “tão repreensível quanto os que cometem crimes sexuais”. Um membro do CE disse que Brown — que administrava o StopBaptistPredators.org, onde apresentava histórias de vítimas e publicava relatórios públicos sobre ministros abusivos — era uma “pessoa sem integridade”.

Boto via o Diabo em ação nos seus esforços. Em um e-mail obtido pela Guidepost, ele escreveu:

Essa coisa toda deve ser vista pelo que é. É um esquema satânico para nos distrair completamente do evangelismo. Não é o evangelho. Não é nem mesmo uma parte do evangelho. É uma jogada para desorientar. Sim, Christa Brown e Rachael Denhollander sucumbiram a uma heurística da disponibilidade por causa de suas vitimizações. Elas foram à SBC em busca de abuso sexual e, claro, encontraram. Seus clamores certamente causaram uma cascata de disponibilidade. […] Mas elas não têm culpa. Isto é o Diabo sendo temporariamente bem-sucedido.

De acordo com um membro não identificado da equipe do CE, “em quase todos os casos, no passado, quando as vítimas chegavam àqueles que estavam no poder na SBC, elas eram evitadas, envergonhadas e difamadas. No CE, herdamos uma cultura de rejeitar aqueles que questionam o poder ou acusam os líderes.”

Os principais líderes batistas do sul não apenas desacreditaram e insultaram as vítimas. Em alguns casos, eles se alinharam com perpetradores condenados ou confessos e os ajudaram pessoalmente.

O relatório inclui vários exemplos:

  • Mike Stone, ex-presidente do CE e candidato na corrida de 2021 para presidente da SBC, ajudou a elaborar um pedido de desculpas para um pastor amigo dele, depois que o pastor foi pego trocando mensagens de texto explícitas com um membro de sua congregação, em 2019.
  • Augie Boto depôs como “testemunha de caráter” em favor do treinador de ginástica de Nashville, Marc Schiefelbein, que havia sido condenado em 2003 por molestar uma menina de 10 anos.
  • Jack Graham, presidente da SBC de 2002 a 2004, não denunciou um ministro de louvor que foi demitido, em 1989, depois que a Igreja Batista Prestonwood soube que ele molestou uma criança. O ministro passou por outra igreja e foi condenado por seus crimes em Prestonwood, mais de 20 anos depois. (A igreja “nega categoricamente a forma como o relatório caracteriza o incidente há 33 anos”, disse o atual pastor executivo Mike Buster em um comunicado. “Prestonwood nunca protegeu nem apoiou abusadores, seja em 1989 ou desde então.”)
  • Steve Gaines, presidente da SBC de 2016 a 2018, sabia que um ministro da equipe pastoral de sua igreja, a Bellevue Baptist Church, já havia abusado de uma criança, mas não divulgou tal fato até que a notícia surgiu em um blog.

O relatório investigativo também encontrou casos em que os próprios líderes do CE cruzaram os limites morais:

  • Frank Page, o presidente do CE, renunciou repentinamente em março de 2018. Um comunicado oficial disse que a renúncia foi por conta de um “relacionamento moralmente inadequado”. O CE não investigou se foi consensual, nem investigou “se a conduta dele se deu no local de trabalho”.
  • Johnny Hunt, presidente da SBC de 2008 a 2010, apalpou e beijou a esposa de um pastor mais jovem, um mês após o término de seu mandato presidencial, e disse ao casal para manter segredo.

O abuso sexual cometido por Hunt não havia sido relatado anteriormente. A mulher e seu marido, um pastor da SBC, apresentaram-se durante a investigação para compartilhar com a Guidepost o que aconteceu. Hunt, ex-pastor da Primeira Igreja Batista de Woodstock, na Geórgia, foi vice-presidente sênior do Conselho de Missões da América do Norte da SBC, até renunciar, em 13 de maio. O Seminário Teológico Batista do Sudeste tem uma cadeira nomeada em sua homenagem.

Pelo relato do casal, ambos são 24 anos mais novos do que Hunt, e este se ofereceu para ajudá-los em seu ministério. A certa altura, ele arranjou um lugar para a mulher ficar durante uma visita a Panama City Beach, onde Hunt estava passando seu ano sabático. Ele, então, entrou no condomínio onde a mulher estava sozinha e abusou sexualmente, dela, puxando suas roupas para baixo, prendendo-a no sofá, apalpando-a e beijando-a.

Após o incidente de julho de 2010, o casal se encontrou com Hunt em sua igreja. Ele alertou que, caso eles dissessem alguma coisa, isso “impactaria negativamente as mais de 40 mil igrejas que o Dr. Hunt representava” e os encaminhou para o conselheiro Roy Blankenship, do HopeQuest Ministry Group. Blankenship confirmou que algo aconteceu entre a esposa do pastor e Hunt, e disse aos investigadores que Hunt deveria ter interrompido o ato, mas “são precisos dois para dançar um tango”.

Em entrevista à Guidepost, Hunt negou ter abusado da mulher e disse que nunca entrou em seu condomínio. Os investigadores da Guidepost encontraram três testemunhas adicionais para corroborar partes do relato da mulher e de seu marido. Eles não acharam críveis as declarações de Hunt.

Hunt já foi associado com o apologista Ravi Zacharias e foi um convidado especial, em 2009, para a inauguração do spa no qual Zacharias abusou de massoterapeutas. No ano passado, Hunt condenou os abusos de Zacharias, descrevendo-os como “pecado […] contra tantas mulheres inocentes”.

Mensageiros apoiaram reformas

Após o movimento #MeToo, as vítimas de abuso da SBC chamaram a atenção da mídia.

Em 2018, Jules Woodson, que foi abusada sexualmente por seu pastor de jovens, disse ao The New York Times como foi ver uma igreja aplaudi-lo depois de ele ter confessado de forma vaga “um incidente sexual”. Naquele mesmo ano, Megan Lively disse ao The Washington Post como Paige Patterson dissera a ela para não denunciar seu estupro à polícia. Em 2019, a investigação do Chronicle perfilou mais vítimas.

Como resultado, os batistas do sul se manifestaram e agiram. Os mensageiros nas reuniões anuais adotaram resoluções que afirmavam a dignidade da mulher e condenavam o abuso. Eles votaram para alterar seus estatutos de modo a nomear explicitamente o abuso como motivo para demissão da SBC. Também encarregaram um comitê de fazer recomendações, caso uma igreja se enquadrasse em algum tipo de violação.

Em 2018, eles também elegeram um presidente que fez da resposta ao abuso uma parte central de sua agenda. Sob J.D. Greear, a SBC introduziu treinamento para prevenção e resposta ao abuso, a Iniciativa Caring Well, e realizou conferências para ouvir vítimas de abuso, especialistas e pastores.

Mas, de acordo com o relatório da Guidepost, quase todos esses esforços foram recebidos com críticas e resistência por parte de alguns líderes do CE, que disseram que priorizar a questão do abuso poderia levar a ações judiciais.

Às vezes, a divisão era clara para quem olha de fora: Greear, como presidente da SBC, fez referência a abusos 81 vezes durante seu discurso na reunião anual, enquanto Floyd, como presidente do EC, não o mencionou como prioridade em seu plano Visão 2025.

Nos bastidores, como mostra o relatório da Guidepost, o conselheiro jurídico do CE aconselhou as pessoas a minimizarem o problema. Eles pressionaram a Comissão de Ética e Liberdade Religiosa (ERLC) para não se referir a abuso sexual na SBC como uma crise e evitar o uso de “linguagem incitatória”, como dizer que a denominação tinha falhado com as vítimas. Os membros do CE tentaram censurar as críticas ao tratamento dos abusos por parte da SBC e condenaram qualquer esforço para permitir que vítimas e especialistas em abuso falassem em eventos da Convenção Batista do Sul.

“Pessoal, isso realmente não é nada bom”, escreveu Floyd em um e-mail que chegou às mãos dos investigadores. “Não podemos ter entidades da SBC colocando pessoas em plataformas para falar sobre como a SBC e alguns de seus líderes e ex-líderes [sic]. Todo o trabalho por unidade está sendo desafiado.”

Esses confrontos e ameaças intramuros na SBC tornaram-se públicos há um ano, em cartas e gravações vazadas que registravam a comunicação de ex-líderes da ERLC, Russell Moore (agora teólogo residente da CT) e Philip Bethancourt. Os documentos eram um alerta para os pastores, e sugeriam esforços por parte dos líderes do CE para intimidar vítimas de abuso e resistir à reforma. Eles incentivavam pedidos para uma investigação sobre o CE.

“Ficamos chocados”, disse à CT, no ano passado, Grant Gaines, um pastor do Tennessee que fez a moção para investigar o CE. “Nós não deveríamos ter ficado (chocados). Essas vítimas e suas histórias estão aí, para quem quiser ver.”

Uma história que se tornou pública é a de Jennifer Lyell. Ela foi abusada por um professor do seminário, mas um artigo de março de 2019, na Baptist Press, que é administrada pelo CE, caracterizou esse abuso como um caso extraconjugal. No momento da publicação, Lyell era uma executiva da Lifeway e a mulher de mais alto escalão da SBC. A validade de seu relato foi apoiada pelo presidente do Seminário do Sul, Al Mohler.

Lyell acabou deixando seu emprego e sofrendo estresse físico e mental em consequência da repercussão, bem como da saga de meses para corrigir a história e buscar restituição.

Em um tópico no Twitter, após a divulgação do relatório, Lyell descreveu ter de suportar as tensões entre o CE — que controlava a correção do artigo sobre ela e estava alerta na época sobre como outras figuras da SBC falavam sobre os abusos — e líderes de outras entidades, que defenderam sua história, mas poderiam ter enfrentado retaliação por se manifestar.

Ela recebeu um pedido de desculpas do CE em fevereiro de 2022, e um acordo não revelado. Os integrantes do EC, segunda a Guidepost, não sabiam que ela havia apresentado queixas por difamação e também já havia recebido uma proposta de acordo em maio de 2020.

Hannah Kate Williams também processou o CE por negligência em reagir aos abusos cometidos por seu pai, que trabalhava em entidades da SBC, bem como por supostos esforços para difamá-la, quando ela veio a público com seu caso.

Os advogados do CE criticaram Greear por repetir os nomes de 10 igrejas que foram citadas na investigação do Houston Chronicle por empregarem pastores abusivos e pedir a um subcomitê do CE para investigá-los. Guenther disse que eles seriam processados por difamação e trabalhariam para limpar os nomes das igrejas. Boto ligou para uma das igrejas para se desculpar.

Meses depois, Boto se opôs à criação do comitê de credenciais, que analisaria se uma igreja violou critérios sobre abuso ou outras questões que a tornariam “não mais uma igreja em cooperação amigável” com a SBC.

O comitê de credenciais, que foi reconfigurado para esse novo propósito em 2019, também frustrou as vítimas de abuso, porque era confuso e ineficiente, disse a Guidepost. Não fornecia orientações por escrito, nenhum treinamento e nenhuma equipe de apoio em tempo integral.

Por causa do escopo limitado, que foi autorizado com base na política da SBC, o comitê não foi capaz de abordar os erros das igrejas no passado, nem podia fazer investigações para determinar a culpa ou a inocência de um pastor, apenas a resposta da igreja. Como resultado, levava uma média de nove meses para chegar a uma decisão — e alguns casos nunca tiveram um retorno. Alguns dos pedidos submetidos não conseguiam chegar ao site tosco, como o comitê exigia, para desafiar a filiação de uma igreja.

Nos últimos três anos, o comitê processou 30 pedidos que lhe foram submetidos e desassociou apenas 3 igrejas por abuso. Em cada caso, a ofensa era óbvia e flagrante: a igreja havia conscientemente empregado um agressor sexual. O comitê não fez nenhum comentário público sobre os resultados dos outros 27 pedidos submetidos que foram contabilizados pelo relatório recente. Os investigadores da Guidepost descobriram que cinco igrejas renunciaram voluntariamente [à sua filiação] e outra foi dissolvida durante o processo de revisão pelo comitê de credenciais.

Nova entidade e outras recomendações

A força-tarefa que supervisionou e divulgou a investigação do CE vê o lamento público como o primeiro passo para responder à investigação. Eles também pediram que os batistas do sul votassem para estabelecer uma nova força-tarefa que possa avaliar como implementar as mudanças recomendadas de forma alinhada à política batista.

O relatório oferece 30 páginas de recomendações para o CE e o comitê de credenciais, entre elas:

  • Criar uma entidade permanente para supervisionar a resposta e a prevenção ao abuso sexual
  • Lançar um “sistema de informação sobre os infratores”, ou seja, um banco de dados on-line do qual as igrejas possam participar voluntariamente, para denunciar abusos ou casos comprovados de abuso acobertado
  • Publicar uma lista de igrejas desassociadas e de indivíduos cujas ordenações ou graus foram revogados
  • Facilitar programas de ajuda às vítimas de abuso e fornecer compensação da SBC, por meio de doações, para cobrir despesas com ajuda médica e psicológica
  • Emitir um pedido de desculpas às vítimas e erguer um memorial, acrescentando um Domingo do Sobrevivente de Abuso ao calendário da SBC
  • Proibição de acordos de confidencialidade, exceto quando solicitado pelas vítimas
  • Exigir um código de conduta para quem for trabalhar na entidade ou frequentar um de seus seminários
  • Contratar um diretor de compliance ou diretor de ética e compliance para a equipe do EC

“Devemos dedicar nosso tempo e recursos não apenas para cuidar bem dos sobreviventes de abuso sexual, mas também para prover uma cultura de responsabilidade, transparência e segurança à medida que avançamos”, disse a força-tarefa, em comunicado divulgado com o relatório.

“Reconhecemos que qualquer ato de arrependimento requer obediência e sacrifício contínuos, deliberados e dedicados. Este é o chamado de nosso Salvador para nos unirmos como um corpo e segui-lo”.

Christa Brown, sobrevivente de abuso e defensora [da apuração dos casos], disse em sua apresentação à Guidepost que não tinha esperança de uma mudança significativa, mas que ainda orava para que o relatório “trouxesse uma pequena dose de justiça”.

“A Convenção Batista do Sul tem a obrigação moral de proteger a vida, os corpos e a humanidade de crianças e dos congregantes em suas igrejas afiliadas, de fornecer cuidados e validação para TODOS que foram abusados sexualmente pelo clero da denominação batista do sul”, escreveu ela, “de garantir a responsabilização de abusadores e facilitadores, e de criar sistemas que garantam que esses absurdos desumanos e inconcebíveis não persistam nas gerações futuras”.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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