Nós vivemos na Babilônia, não em Israel

A história bíblica lembra os cristãos de que devem servir e construir um reino que não é deste mundo

A torre de Babel, na Babilônia

A torre de Babel, na Babilônia

Christianity Today February 10, 2023
WikiMedia Commons / Edits by Christianity Today

No final do ano passado, perguntei no Twitter: “Vivemos no Israel antigo ou em uma Babilônia moderna?

Dito de outra forma, até que ponto as lições bíblicas sobre a vida na Terra Santa são normativas para os cristãos que vivem como minorias religiosas — isto é, que vivem em terras “profanas”, dominadas por não cristãos?

Quando olhamos para o Israel antigo, vemos que a ênfase estava na pureza, não no evangelismo — Deus enviou Ismael e Esaú ao deserto, disse a Josué para destruir os cananeus, e instruiu Esdras a insistir para que os israelitas se livrassem das esposas estrangeiras. Para tornar santa a Terra Santa, Deus ordenou uma política de tolerância zero: Não haverá abominações entre vocês.

A Terra Santa era a maior oportunidade que a humanidade tinha para viver em uma nova espécie de Éden, o local que Deus escolheu para que fosse habitado por uma nação em particular. Ele lhes deu mandamentos para que soubessem como agir e lhes prometeu (em Deuteronômio 28 e em outras passagens) que, se obedecessem, tudo correria bem.

Deus ergueu o Israel antigo como nação modelo para o mundo — um teste perfeito para saber se boas normas cultivariam um bom povo.

Os israelitas foram advertidos a não seguir os “caminhos detestáveis” de outras nações, enquanto viviam na terra (Deuteronômio 18.9). Mas as normas e os estatutos de Deus não eram apenas para os israelitas; eram também para qualquer estrangeiro que permanecesse na terra (Levítico 18.26, 28).

Desta forma, o Antigo Testamento é altamente específico quanto à localização — o estatuto dos antigos israelitas fora projetado para proteger a pureza da terra que Deus lhes havia dado. Eles deveriam limpar a terra das impurezas e depois preservá-la sagrada.

O evangelismo não era uma prioridade. Quando alguns israelitas casaram-se com mulheres estrangeiras, os líderes não celebraram tal fato como uma oportunidade para evangelizar os recém-chegados e aumentar os habitantes de Israel. Em vez disso, eles olharam com horror para tais casamentos.

Os profetas ficaram indignados quando os israelitas destruíram seu semiéden. Jeremias — o profeta cuja fúria piedosa levou à palavra jeremiada [lamentação] — escreveu: “Assim diz o Senhor: […] ‘Eu trouxe vocês a uma terra fértil, para que comessem dos seus frutos e dos seus bons produtos. Entretanto, vocês contaminaram a minha terra; tornaram a minha herança repugnante.” (Jeremias 2.7).

Ainda assim, Jeremias adotou um tom muito diferente, quando falou aos israelitas que viviam não só fora do semiéden, mas também na antiéden, na cidade da Babilônia:

Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os exilados, que deportei de Jerusalém para a Babilônia: “Construam casas e habitem nelas; plantem jardins e comam de seus frutos.”. […] “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela.” (Jeremias 29.4-5,7)

Outras partes do Antigo Testamento também indicam que, fora das fronteiras de Israel, os israelitas deveriam ter uma agenda política muito diferente daquela que tinham os que viviam em Israel. Por exemplo, Deus baniu os adivinhos do antigo Israel (Deuteronômio 18.10-12), mas Daniel foi designado para supervisionar os encantadores, os feiticeiros e os outros sábios da Babilônia (Daniel 2.48).

Daniel pensava e agia de forma independente daquelas pessoas ímpias, mas em nenhum lugar ele deu indicações de ter algum plano ou desejo de exterminá-las. Como forasteiro em uma terra estrangeira, ele teve de coexistir com elas — o que faz dele um modelo para nós. Durante pelo menos 66 anos, de 605 a 539 a.C., Daniel viveu e trabalhou sob a autoridade babilônica, sempre tentando servir a um público estrangeiro, enquanto permanecia fiel a Deus.

Ao longo desse processo, Daniel enfrentou ameaças de morte, assim como três de seus amigos. Quando Nabucodonosor fez uma estátua de ouro de 30 metros de altura e ordenou a todos os seus oficiais que se curvassem e a adorassem, Sadraque, Mesaque e Abednego não agrediram com palavras os pagãos ali reunidos. Eles simplesmente se recusaram a se curvar. Mas isso foi suficiente para que fossem presos e jogados em uma fornalha ardente, da qual Deus os preservou.

Os israelitas toleraram publicamente diferenças, enquanto seguiam as ordens de Deus em suas próprias vidas e dentro de suas próprias casas. Daniel orava em sua própria casa, mas não exigia que se fizesse oração pública nem leitura da Bíblia nas academias babilônicas. Os livros de Esdras, Neemias e Ester mostram como outros judeus que moraram na Pérsia — parte de um império com 127 províncias e um vasto número de grupos étnicos e línguas — viveram pacificamente sob leis que não eram suas.

No Antigo Testamento, todos os ídolos que estivessem na terra de Israel deveriam ser destruídos. E, no entanto, no Novo Testamento, o apóstolo Paulo nunca tentou remover altares e ídolos pagãos das ruas públicas da cidade de Atenas (Atos 17.17-31). Ele e os que escreveram o evangelho enfatizaram a proclamação da Boa Nova de Cristo em todas as oportunidades, sem exigir a imposição da lei bíblica.

Repito, a Bíblia é específica quanto à localização — a ação que é apropriada para um lugar não o era para outro.

Vemos isso até mesmo na obra de Jesus. Ele expulsou os cambistas judeus do templo, o lugar mais santo do mundo, mas não expulsou os romanos de nenhum outro lugar. Israel já havia se tornado uma terra muito profana em 70 d.C., quando os soldados romanos destruíram o templo. Depois disso, uma terra não foi considerada mais santa do que outras.

A grande tragédia do antigo Israel foi que o povo de Deus pecou em uma terra que, de todas as terras, deveria ter sido a menos propícia ao pecado. Se as leis do antigo Israel, dadas por Deus, não trouxeram justiça a este que era o mais hospitaleiro dos ambientes, qual era a probabilidade de que leis de santidade tivessem sucesso em ambientes menos favoráveis?

A história do Antigo Testamento nos ensina a não nos orgulharmos de pensar que podemos criar utopias terrenas ou mesmo sustentar as que nos são entregues. A lição é esta: O pecado vem de dentro, não do que está do lado de fora. Deus ensinou à humanidade que o pecado ronda à nossa porta, mesmo no melhor dos ambientes, seja ele o Éden original seja o semiéden de Israel. Ele nos mostrou nossa necessidade desesperada por Cristo e a exigência de não aceitarmos substitutos.

Quando os primeiros cristãos compreenderam o significado da história de Israel, eles estavam prontos para entender a ênfase do Novo Testamento no evangelismo. A resposta dos judeus à pergunta “quem é o meu próximo?” era, no máximo, “seu companheiro judeu”. Mas Jesus ampliou esse entendimento, ao dizer que qualquer pessoa necessitada é nosso próximo — e ao incluir mulheres, samaritanos e até mesmo soldados inimigos entre o povo de Deus.

A inclusão desses outros por Jesus fortaleceu os primeiros cristãos. Instruídos a levar o evangelho para todas as nações, e a não se concentrar na defesa de uma apenas, os cristãos ficaram livres para evangelizar e para acolher em suas igrejas qualquer pessoa que confessasse sua fé em Cristo, independentemente de classe social, dos pecados passados, de raça ou de etnia.

Sem uma terra a preservar, mas com um evangelho a proclamar, a diretriz principal para os primeiros crentes era para que trouxessem os feixes em vez de tentarem impor a lei bíblica.

À medida que o “nacionalismo cristão” hoje se espalha pelos Estados Unidos e também por alguns outros países, podemos aprender com nossos antecessores: Não temos uma terra santa nem um templo para defender; as igrejas, porém, devem ter a aspiração de serem cidades modelo no reino de Deus — nas quais, pela graça dele, indivíduos possam ser transformados de dentro para fora, e de fato serão.

Dr. Olasky, hoje filiado a dois institutos, Discovery e Acton, é um ancião da Presbiterian Church of America e autor ou co-autor de mais de 30 livros, entre eles The Story of Abortion in America [A história do aborto na América].

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