Fui ordenada para falar de Jesus, não para falar do debate sobre o pastorado feminino

Como pastora, estou cansada dessa disputa política que tira a atenção do Evangelho

Christianity Today March 8, 2023
Illustration by Rick Szuecs / Source Images: Pearl / Lightstock / Nathan Dumlao / Taylor Hernandez / Alexis Brown / Unsplash / Wikimedia Commons

A igreja de Rick Warren, Saddleback Church, recentemente ganhou as manchetes por ter ordenado três líderes mulheres. Fiquei grata por ver essas três mulheres sendo reconhecidas e recebendo a autoridade pública e o respaldo institucional decorrentes da ordenação. Mas, quando li a notícia, também pensei, suspirando pesadamente: “Oh, não, lá vamos nós de novo”. Eu tinha certeza de que o debate sobre o papel da mulher na igreja dominaria a conversa durante a semana toda, e já podia antecipar os argumentos furados que eu ouviria serem recitados repetidamente.

Vou revelar um segredo: Você sabe quem odeia falar sobre ordenação de mulheres? Pastoras. Nem todas as pastoras, é claro. Algumas mulheres têm uma unção especial para debater esse tema e, honestamente, mais poder.

A realidade, porém, é que poucas de nós tornam-se pastoras para ficar falando do debate sobre o pastorado feminino. Fomos ordenadas porque o evangelho captou nossa imaginação. Fomos ordenadas para dar testemunho da beleza e da verdade de Jesus. Fomos ordenadas para servir à igreja ministrando a Palavra e os sacramentos. (E, para que fique aqui registrado, não seja ordenada por qualquer “causa” que não seja a de ministrar a Palavra e os sacramentos. Nenhuma outra causa vale a pena).

Eu nem sempre fui a favor da ordenação de mulheres. Até os meus 30 e poucos anos de idade, eu era o que se pode chamar de complementarista moderada. Mas eu também era uma mulher envolvida no ministério. As pessoas da minha igreja achavam que eu acabaria me casando com um pastor (como uma forma não oficial de uma leiga “entrar” no ministério vocacionado). Estagiei no grupo de jovens de uma igreja da Southern Baptist e nos “ministérios de misericórdia” de uma igreja da Presbyterian Church in America (PCA), onde trabalhei com imigrantes, pessoas sem-teto e população carente. Em seguida, fui para o seminário, descobri que eu amava e tinha jeito para o estudo da teologia e, por fim, trabalhei por anos como ministra em um campus universitário.

Passei um tempo estudando detidamente o debate sobre a ordenação e, com o passar dos anos, mudei meus pontos de vista. Mas, uma vez que concluí esse extenso labor teológico, minha decisão de ser ordenada foi bastante orgânica e prática. Eu não fui ordenada porque queria provar que mulheres deveriam ser pastoras nem para fazer alguma declaração sobre justiça. Eu não fui ordenada porque acho que mulheres (ou homens) tenham algum direito inalienável à ordenação. Eu fui ordenada porque já estava servindo como ministra leiga e tinha uma visão tão elevada da igreja e dos sacramentos que não conseguia mais entender meu ministério como algo separado da vida e da autoridade da igreja.

Eu já estava fazendo esse trabalho. Eu já estava ensinando pessoas e formando discípulos. E queria fazer isso sob o olhar e em nome do Corpo de Cristo.

Hoje, quando prego, quando ponho gentilmente minha mão sobre o ombro de uma mulher que chora e tomo sua confissão, quando escrevo um artigo, quando saio para uma caminhada com um aluno que me faz perguntas sobre a Bíblia, quando, diante de homens e mulheres exauridos, aponto para o Corpo de Cristo e proclamo no mais alto e bom som que consigo que esses são “os dons de Deus para o povo de Deus”, não faço isso pensando na ordenação de mulheres. Não faço isso pensando em verbos no grego ou na feminilidade bíblica. Quando faço essas coisas, estou orando silenciosamente para que o Espírito nos atraia para si, a fim de restaurar seu povo e nos ensinar a crer de novo.

É evidente que a ordenação de mulheres é uma questão que tem importância. Sou profundamente grata aos eruditos e aos teólogos que tomaram para si o trabalho de olhar mais de perto para os argumentos bíblicos sobre esse tema (como têm feito mais recentemente Beth Allison Barr e William Witt, ambos autores de grandes obras novas sobre o assunto). Nós precisamos ter essas discussões. E eu continuarei a participar delas.

Contudo, tanto on-line quanto na igreja, esse é um tema sobre o qual se cogita, na maioria das vezes, em abstrato. Para aquelas de nós que estão envolvidas no ministério, o trabalho que fazemos tem raízes no concreto — nas vidas de homens e mulheres reais, a quem amamos e servimos. E, muito embora esse tópico raramente seja levantado por paroquianos que precisam tão-somente de cuidados, existe muita gente no planeta que quer falar sobre ordenação a maior parte do tempo. Não conheço uma pastora ou uma sacerdotisa sequer que já não tenha se sentado em um avião, em um trem, em um ônibus, ao lado de alguém que, quando fica sabendo que ela é pastora, é tomado por um zelo carola e começa uma longa preleção sobre como a ordenação de mulheres é errada.

Enquanto metade da igreja tenta nos convencer a pedir demissão de nossos empregos, a outra metade, porém, quer nos apoiar como gladiadoras que destruirão o patriarcado.

Pouco depois da minha ordenação, sempre que estava aguardando alguma reunião, ainda usando meu colarinho clerical, eu ia a um café local bem moderno e recebia acenos e sorrisos entusiasmados de clientes que queriam me incentivar. Eu gostava daquela reação. De verdade. Mas eu sabia que aquelas pessoas estavam me vendo como um símbolo do triunfo feminista, e não com uma pregadora do evangelho. Além disso, às vezes uma garota quer simplesmente poder tomar um café e ler um livro, e não ser um “ponto de vista” teológico ambulante. Eu sou um teste de Rorschach. Querendo ou não, eu represento algo para as pessoas. (E é precisamente por isso que, via de regra, não uso mais meu colarinho clerical fora da igreja).

O simples fato de eu existir é algo problemático para alguns e encorajador para outros. E quase todo mundo presume muito sobre as coisas em que eu acredito e não acredito a respeito da Bíblia, de gênero e de Jesus.

Há ainda uma complexidade adicional para aquelas de nós que se dispõem a colaborar e até mesmo a aprender com os complementaristas. Nós amamos a igreja e não queremos “tacar fogo em tudo”. Os progressistas nos veem como alguém que está “comendo com o inimigo”, quando, no entanto, nunca nos encaixamos círculos complementaristas. Assim, acabamos nos sentindo como pessoas que não se encaixam nesse diálogo — agredidas por ambos os lados de uma igreja tremendamente polarizada, que muitas vezes considera o evangelho de Jesus como o segundo violino da orquestra nos debates do dia.

Em minha própria denominação, tenho irmãs pastoras que são verdadeiros para-raios, de uma forma que nunca pediram para ser. Elas servem suas igrejas. Elas se submetem ao seu bispo. Mas muitas vezes têm de enfrentar críticas sobre tudo, desde sua voz até sua teologia, e de maneiras que não acontecem com os homens. E, ainda assim, elas continuam a ser pastoras. Pois é isso que elas são: sacerdotisas, pastoras, mães, servas.

Ontem, uma irmã mais jovem que é pastora sentou-se no meu sofá e disse: “Estou fazendo isso para ver pessoas serem libertas”. Pois o que nos atrai para o ministério é Jesus e sua missão. Nossa motivação não é a segunda onda feminista nem os “impulsos desencadeados pela teologia da libertação”, como disse Al Mohler em sua recente resposta à notícia sobre Saddleback. Queremos servir à igreja com os dons que Deus nos deu.

Como pastora, em geral me sinto como um pândita ou uma especialista relutante, em meio a uma guerra cultural que francamente acho uma chatice. O que acho interessante no ministério pastoral não é convencer ninguém de que sou digna de ocupar uma determinada função. O que acho interessante no ministério é participar da obra que Jesus está fazendo na igreja.

No final, a obra do próprio Cristo é a única coisa que torna a ordenação de mulheres algo remotamente impactante. A seara é grande. Os trabalhadores são poucos. Sim, precisamos procurar ser fiéis às Escrituras. Sim, precisamos ter essas discussões sobre a ordenação de mulheres. Contudo, não precisamos gastar a maior parte do nosso tempo e de nossa energia batendo boca sobre como as mulheres trabalham na seara. Nossos olhos precisam estar postos no evangelho. Continuaremos a fazer o trabalho árduo do ministério porque estamos procurando seguir o próprio Senhor da seara.

Tish Harrison Warren é pastora da Igreja Anglicana na América do Norte e autora da obra Liturgy of the Ordinary and Prayer in the Night (IVP, 2021). Siga-a no Twitter @Tish_H_Warren.

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