History

O contrário de abuso é cuidado

Nesta época de escândalos sobre abuso espiritual, a igreja primitiva nos oferece um modelo positivo de autoridade pastoral.

Christianity Today November 22, 2023
Illustration by Christianity Today / Source Images: WikiMedia Commons

Os americanos compram milhões de livros de autoajuda todos os anos, mas nós, filhos da (pós-)modernidade, não fomos os primeiros a apreciar esse gênero. Ele já era popular no mundo antigo. No mínimo desde o quarto século a.C. existem manuais militares prontos a aconselhar sobre como escolher o melhor cavalo de guerra e como conduzir um cerco de forma eficaz — ou o contrário, ou seja, como sobreviver sob cerco. Os antigos também davam conselhos sobre outros tópicos, que iam desde culinária até interpretação de sonhos, agricultura, oratória, amizade e como viver bem na velhice.

Mas há um tópico sobre o qual os pagãos não escreviam: cuidar dos outros. Notei essa ausência pela primeira vez ao pesquisar as atitudes populares em relação às mulheres — especialmente as mães — na Antiguidade e nos dias de hoje. Essa pesquisa, por sua vez, faz parte de um projeto de livro em andamento que examina as semelhanças entre as abordagens pagãs pré-cristãs em relação a questões da vida e as atitudes pós-cristãs modernas em relação a esses mesmos tópicos.

Essa ausência diz muito, assim como diz o surgimento do novo subgênero de escritos sobre cuidados pastorais e cuidados práticos, nos primeiros séculos da igreja. Os historiadores estudam, e com razão, o que está presente no registro documental; no entanto, considerar as ausências pode ser não menos esclarecedor, como é o caso aqui. Até que os primeiros líderes cristãos começassem a escrever cartas, tratados e manuais sobre o cuidado com as mulheres solteiras, os pobres, os enfermos e outras pessoas vulneráveis, esse tipo de escritos não existiam.

Nesses documentos, encontramos um cuidado pastoral de amplo alcance, que inclui não só o tipo de cuidado espiritual e relacional que o termo mais frequentemente abrange hoje, mas também a atenção a necessidades práticas. Esses textos dão testemunho, portanto, do papel dos ministérios de compaixão — e de como a igreja primitiva via esses ministérios como fundamentais para o uso saudável do poder pastoral.

Palavras de misericórdia ditas sobre obras de misericórdia incentivaram a criação de redes mais robustas de cuidado. Vale a pena revisitar essa história em uma época em que escândalos sobre abuso de autoridade pastoral, envolvendo pessoas de alto escalão, minaram a confiança de muitos cristãos na liderança da igreja.

A ênfase no cuidado contracultural com os outros é abundante no Novo Testamento; portanto, não é surpresa que esse tipo de texto tenha se espalhado, à medida que a igreja crescia. Em Atos 2.44-46, por exemplo, ouvimos falar de crentes erradicando a pobreza e as necessidades dentro da incipiente igreja de Jerusalém.

Ainda assim, o surgimento de tratados mais formais sobre cuidados pastorais, a partir do terceiro século d.C., é particularmente notável, pois essa foi, sem dúvida, a pior época para os cristãos viverem no Império Romano. O assassinato do imperador Severo Alexandre, em 235 d.C., desencadeou o período que os historiadores chamam de “crise do terceiro século”. Desse momento até a ascensão de Diocleciano ao poder, em 284 d.C., os imperadores ascendiam nas fileiras militares, assumiam o poder e, depois, eram assassinados, em rápida sucessão.

Enquanto isso, mais de 200 anos de desvalorização da moeda finalmente culminaram em uma inflação fora de controle. Uma pandemia misteriosa chegou, por volta de 250 d.C., e circulou por duas décadas, deixando um número terrível de mortos em seu rastro. Embora seja impossível calcular os números para todo o império, estima-se que a peste tenha matado 62% da população da cidade de Alexandria, segundo sugere o historiador Kyle Harper. E a primeira perseguição aos cristãos em todo o império começou em 251 d.C.

Em meio a todas essas crises, os pastores do terceiro século estavam ministrando a pessoas que viviam em uma época de turbulência que parece muito semelhante à nossa. Como eles lidaram com isso?

Algo revelador é que os sermões, tratados e cartas da época não demonstram muito interesse entre os cristãos no acúmulo de poder convencional. Eles não levam em consideração como os cristãos poderiam influenciar a política, o governo ou a economia, e não lutam contra a perseguição religiosa — algo que pessoas comuns tinham pouca chance de impactar, de qualquer forma. Em vez disso, esses primeiros pastores enfatizavam a obrigação dos cristãos de amar o próximo em palavras, atos e com dinheiro.

Um exemplo particularmente bem documentado é o do ministério de Cipriano de Cartago, datado de cerca de 248 d.C até seu martírio, em 258 d.C. No início de seu ministério, Cipriano escreveu On Works and Alms [Sobre as boas obras e a esmola], um tratado no qual ele chegou ao ponto drástico de deixar de fora da mesa da Ceia aqueles que não praticassem tais atos de amor. Seus corações, segundo Cipriano argumentava, visivelmente não eram convertidos.

Em outro tratado, On Mortality [Sobre a mortalidade], que pode ter começado como um sermão, Cipriano repreende aqueles que se recusavam a cuidar dos doentes e moribundos durante a peste. Sua descrição dos sintomas da pandemia sugere que seu conhecimento sobre ela veio da observação em primeira mão, cuidando de pessoas infectadas.

As cartas de Cipriano escritas nessa época também estão repletas de exortações em prol do cuidado pastoral. Certa vez, ele respondeu ao pedido de conselho de outro pastor sobre como lidar com um novo convertido, cujo trabalho como ator e professor de teatro era considerado escandaloso pela congregação local. (Essa era uma das profissões mais desonrosas do mundo romano e, devido à sua associação com a adoração pagã, era especialmente desonrosa para um cristão).

A resposta de Cipriano não aconselha a disciplina, mas o cuidado: O convertido tem algum outro meio de sustento? Se não tiver, a igreja deve cuidar dele, diz Cipriano — até mesmo oferecendo-se para apoiar financeiramente o próprio convertido, se necessário.

Palavras como essas não eram apenas fiéis [à Escritura]. As evidências históricas sugerem que elas também atraíam pessoas. O cristianismo no Império Romano cresceu de menos de 1% da população, em 200 d.C., para perto de 10%, um século depois.

Esse crescimento é particularmente notável e francamente surpreendente, considerando o aumento da perseguição nessa mesma época. Por que, quando sabiam que a conversão poderia significar a morte, mais pessoas do que nunca vieram para a igreja? O sociólogo Rodney Stark argumentou que foi devido ao trabalho de cuidado da igreja, tanto prático quanto pastoral, que atraiu os convertidos e levou a esse crescimento explosivo. O testemunho de boas palavras combinado com boas obras produziu frutos abundantes.

Será que o mesmo pode ser dito de nós, hoje? Se eu fosse um historiador que vivesse séculos depois, e estivesse estudando evidências documentais sobre as igrejas nos Estados Unidos, no início do século 21, provavelmente eu teria a impressão de que os cristãos de nossa época estão fazendo sobretudo duas coisas: sofrendo abusos de autoridade espiritual e lidando com as consequências desses abusos.

Afinal de contas, esses são os tópicos de tantos e tantos livros, artigos e relatórios. É importante esclarecer os abusos e trabalhar para evitá-los no futuro, principalmente porque a justiça é importante para um Deus justo. No entanto, o que estamos perdendo, se essas discussões engolirem muitas outras? Qual é a ausência marcante no registro documental da igreja contemporânea? Eu diria que é a ausência de discussões robustas sobre o uso saudável do poder pastoral para cuidar de nossas comunidades.

O exemplo da igreja primitiva nos lembra que, se falarmos apenas sobre o que a igreja deve erradicar — sobre o que não devemos ser nem fazer como cristãos —, podemos perder as discussões sobre quem e o que somos chamados a ser. E isso significa que perderemos oportunidades de transformar a cultura da igreja para melhor.

A autoridade e o cuidado pastoral saudáveis, nos dias de hoje, devem ser uma parte essencial das nossas discussões e esforços, assim como eram nos primeiros dias do cristianismo. Não podemos ignorar a importância de nossas palavras — o que os pastores e outros líderes da igreja falam e escrevem — para promover mudanças nas igrejas locais e em suas comunidades mais amplas.

Portanto, por um lado, sim, devemos condenar o “púlpito abusivo” e os apelos para que a igreja busque o poder político em um momento de crise. Ao mesmo tempo, mais apelos ainda para desmascarar o abuso e combatê-lo não são suficientes. Também precisamos de incentivo, vindo do púlpito e em escritos, que parta de líderes cristãos e fale sobre questões que sempre fizeram parte do testemunho contracultural da igreja em um mundo cruel: o cuidado prático e espiritual com os pobres, os enfermos, as viúvas, as mães solteiras, os órfãos e os imigrantes (Tiago 1.27).

Testemunhei o efeito desse tipo de incentivo em uma congregação da Igreja Presbiteriana da América em que meu marido e eu fomos membros por sete anos, antes de nossa recente mudança para outro país. Na época em que nos filiamos a essa congregação, o pastor decidiu enfatizar a adoção e o acolhimento familiar de crianças e adolescentes como ministérios essenciais para nossa igreja. Naquela época, havia pouquíssimos lares de acolhimento em nossa região, e a demanda excedia em muito a oferta.

A generosidade do pastor em fazer desse cuidado com a comunidade local uma prioridade deliberada da igreja teve efeitos significativos na congregação. O número de famílias adotivas e de lares de acolhimento na igreja cresceu. Um novo ministério criou um serviço de entrega de refeições durante todo o ano, bem como outras estruturas de apoio para ajudar os lares de acolhimento. A conscientização da igreja sobre necessidades relacionadas na comunidade local também aumentou, levando a outras oportunidades de ministério. Todo o caráter de nossa igreja mudou, devido ao foco do nosso pastor no cuidado pastoral e prático.

Os registros sobre o ministério de Cipriano também nos lembram que palavras e obras de cuidado têm o poder de provocar mudanças nas igrejas locais. Os cristãos da igreja primitiva não eram menos pecadores do que nós, nem menos propensos à fraqueza e ao cansaço espiritual. Mas com líderes que apontavam o rebanho para Jesus, falando, escrevendo e dando o exemplo do cuidado, eles transformaram toda a sua cultura. Nada poderia ser mais verdadeiro para nós, hoje.

Nadya Williams é autora de Cultural Christians in the Early Church [Cristãos Culturais na Igreja Primitiva, com lançamento previsto para novembro de 2023]. Seu próximo livro, Priceless, está sob contrato com a IVP Academic. Ela é editora de resenhas de livros da Current, onde também edita o blog The Arena.

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Books

Primeira mulher assume a liderança da Sociedade Teológica Evangélica dos EUA

Karen Jobes, professora do Wheaton College, torna-se presidente uma década depois de um estudo revelar a existência de uma atmosfera “hostil e pouco receptiva” às mulheres.

Karen Jobes

Karen Jobes

Christianity Today November 22, 2023
Zondervan / YouTube screen grab

A Sociedade Teológica Evangélica (ETS, em inglês) nomeou sua primeira mulher presidente em 75 anos. Karen Jobes, professora emérita de Novo Testamento e exegese no Wheaton College, liderará a sociedade profissional de estudiosos da Bíblia e teólogos evangélicos em 2024.

A sua eleição marca um passo importante para uma associação que tem enfrentado críticas, ao longo dos anos, por causa da marginalização de mulheres. Em 2014, um estudo qualitativo sobre as experiências das mulheres nas reuniões da ETS, encomendado pela organização Cristãos pela Igualdade Bíblica (CBE, em inglês), revelou “uma atmosfera que parece hostil e pouco receptiva” às mulheres.

Jobes, que ingressou na ETS em 1989, relembrou suas próprias experiências nada agradáveis ​​na sociedade.

“Minhas primeiras lembranças das vindas à ETS são de que havia pouquíssimas mulheres. E a maioria dos homens presentes perguntava: ‘Bem, você é esposa de quem?’”, disse Jobes à CT, no encontro anual da ETS, realizado este ano em San Antonio. “Muita coisa aconteceu na igreja e em nosso mundo desde a década de 1980.”

Outras mulheres compartilham histórias semelhantes.

“Em algumas sessões, eu era a única mulher presente. Muito poucas mulheres apresentavam papers”, disse Carmen Joy Imes, professora de Antigo Testamento na Biola University. “Os homens me perguntavam: ‘Onde seu marido dá aulas?’, presumindo que eu estava lá como esposa de alguém, e não como acadêmica.”

A conferência deste ano, realizada em San Antonio, em conjunto com a reunião anual da Academia Americana de Religião e da Sociedade de Literatura Bíblica, testemunhou alguns dos mais altos níveis de participação de mulheres na história da sociedade.

Dos três oradores das plenárias, dois eram mulheres, algo que só aconteceu uma única vez antes na ETS. A plenária sobre “Teoria da Identidade de Gênero e Antropologia Cristã”, de Abigale Favale, professora da Universidade de Notre Dame, estava cheia de mulheres e homens presentes. Uma sessão sobre o novo livro — Women and the Gender of God[Mulheres e o Gênero de Deus] — de Amy Peeler, professora de Novo Testamento do Wheaton College, estava lotada.

Setenta e cinco mulheres apresentaram papers, entre elas Nancy Reyes Frazier, do Dallas Theological Seminary; Holly Mulherin Farrow, do Southwestern Baptist Theological Seminary; Kaitlyn Schiess, da Duke University e Heather Joy Zimmerman, do Wheaton College.

Outras 22 mulheres atuaram como painelistas ou moderadoras, durante o encontro de dois dias.

Cerca de 100 acadêmicas participaram de um evento de networking para mulheres, que já existe há cerca de seis anos.

“Já vi muitas mulheres virem para a ETS durante o seminário ou a pós-graduação e decidirem que não valia a pena frequentar [as reuniões], por causa das repetidas mensagens, algumas sutis e outras não tão sutis assim, de que elas não pertencem àquele lugar”, disse Imes à CT. “Eu mesma estava pensando em deixar a ETS… mas percebi que eu nunca havia dedicado toda a minha atenção para torná-la um lugar mais hospitaleiro para as mulheres.”

Esse evento começou como um grupo no Facebook para ajudar as mulheres a encontrarem colegas de quarto, com o intuito de reduzir custos de hospedagem nas reuniões da ETS e de permanecerem conectadas depois. Mas Imes disse que havia também um objetivo maior: “dar às mulheres uma razão para ficar” e “reduzir o êxodo feminino” [da ETS].

O grupo, que atualmente é dirigido pela professora de teologia do Carey Baptist College, Christa McKirland, com uma equipe de liderança, tem agora quase 600 membros. Também se organizou ativamente para eleger pessoas para o comitê de nomeação para a presidência. Este ano, o grupo apoiou Imes, a catedrática em Novo Testamento da Trinity Evangelical Divinity School, Dana Harris, e o professor de estudos bíblicos do Midwestern Baptist Theological Seminary, Andrew King.

“Enquanto antes éramos estudiosas isoladas, hoje apoiamos uns aos outros, compartilhamos dicas, torcemos por ofertas de livros, empoderamos a próxima geração e compartilhamos oportunidades. Já se foram os dias em que estudiosos do sexo masculino perguntavam onde meu marido leciona”, disse Sandra Glahn, professora do Seminário Teológico de Dallas e autora de Nobody’s Mother: Artemis of the Ephesians in Antiquity and the New Testament [Mãe de Ninguém: Artemis dos Efésios na Antiguidade e o Novo Testamento]. “E convidamos mulheres para a reunião de negócios.”

O esforço para incluir mais mulheres na ETS não foi liderado apenas por mulheres, os envolvidos se apressam em destacar. E dizem que muitos homens, entre eles alguns que são complementaristas, trabalharam para tornar a sociedade mais hospitaleira para as mulheres.

Jobes, em particular, cita dois ex-presidentes que abriram o caminho para sua eleição: Craig Keener, professor do Seminário Teológico de Asbury, e Daniel B. Wallace, professor do Seminário Teológico de Dallas.

Wallace, que era o presidente eleito quando foi publicado o estudo sobre as experiências das mulheres nas reuniões anuais da ETS, reuniu-se com as mulheres da ETS para tratar de questões relativas a sexismo e para trabalhar em prol de uma mudança. Jobes o chamou de aliado consistente.

“Reconheço e aprecio meus colegas do sexo masculino que apoiaram essa iniciativa, para que isso acontecesse”, disse ela. “Não é como se tudo tivesse acontecido de repente, do dia para a noite, neste ano ou no ano passado.”

Muitas mulheres na ETS dizem ter notado uma mudança significativa nos últimos cinco anos. Mas elas também dizem que são necessárias mais mudanças.

Atualmente, as mulheres representam apenas 6% dos membros da ETS, de acordo com Mimi Haddad, presidente e CEO da organizaçao Cristãos pela Igualdade Bíblica (CBE). Esse número não aumentou na última década. E embora o envolvimento na conferência deste ano tenha aumentado, as mulheres representaram menos de 10% dos preletores. Jobes continua a ser a única mulher no comitê executivo.

“Sinto-me muito mais esperançosa quanto ao rumo que a ETS está tomando. No entanto, é uma esperança cautelosa”, disse McKirland, autora de God’s Provision, Humanity’s Need [Provisão divina, necessidade humana]. “Sou muito grata pelas mulheres e pelos homens que passaram 75 anos investindo nesses brotos verdes. Minha esperança é que não sejam necessários mais 75 anos para que o jardim chegue à plena floração.”

Jobes, recém-empossada como presidente, disse que analisou a longa lista de nomes masculinos antes dela. Ela substitui Timothy George, da Beeson Divinity School, da Samford University. Outros ex-presidentes incluem o cofundador da Gospel Coalition, D. A. Carson; o presidente do Southern Baptist Theological Seminary, Albert Mohler; teólogos como Bruce Ware e Norman Geisler; o cofundador do Council on Biblical Manhood and Womanhood, Wayne Grudem; e os ex-editores da CT, Kenneth Kantzer, Carl F. H. Henry e Harold Lindsell.

“Não quero ser a primeira e a última, ou seja, a única mulher presidente da ETS”, disse Jobes. “Desde que Deus me chamou para o seminário, em 1987, minha visão para as mulheres na teologia e nos estudos bíblicos é que nos tornaríamos algo normal.”

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Leituras devocionais do Advento 2023 da Christianity Today

Todas as leituras devocionais do Advento em um só lugar.

Christianity Today November 16, 2023

Dos editores e colaboradores da Christianity Today, A Chegada do Rei Eterno é um devocional de 4 semanas para ajudar pessoas, pequenos grupos e famílias durante a estação do Advento de 2023.

Proclamação Profética

Jubileu Eterno

Coroação Divina

Dia de Natal

Download gratuito: Leituras devocionais do Advento 2023

Dos editores e colaboradores da Christianity Today, A Chegada do Rei Eterno é um devocional de 4 semanas para ajudar pessoas, pequenos grupos e famílias durante a estação do Advento.

Christianity Today November 16, 2023

A Chegada do Rei Eterno

Caminhando pelo Advento com nosso humilde e poderoso Salvador.

Christianity Today November 16, 2023
Phil Schorr

Bem-vindo à estação do Advento. Este é um período especial no calendário cristão — um momento de significado profundo e duradouro ao qual todos queremos prestar atenção, mesmo em meio às exigências por vezes avassaladoras dessa época. À medida que você e sua família se aproximam de uma época de calendários lotados e cozinhas movimentadas, cultos voltados para os temas do período e salas de estar repletas de decoração natalina, convidamos você a caminhar por essa estação com este devocional do Advento.

Este devocional tem como objetivo ajudar você a mergulhar profundamente em verdades teológicas e em revelações pessoais, enquanto nos preparamos para celebrar a chegada do nosso humilde e glorioso Rei. Estruturamos o devocional de forma a nos ajudar a refletir sobre a glória e a ternura de Cristo, que veio na forma de um bebê vulnerável e demonstrou um amor gentil por sua criação, por meio de sua encarnação. Durante todo o mês de dezembro, proclamaremos tanto a soberania e o poder de sua realeza quanto sua bondade amorosa e abnegada.

O devocional apresenta algumas semanas com 6 leituras, pois visa oferecer consistência e flexibilidade e promover uma experiência comunitária que consiga acomodar as demandas desta bela época de comunhão, às vezes tão corrida. Primeiro, mergulharemos na proclamação profética de Cristo, com devocionais que falam dos anseios esperançosos de Israel pelo Rei prometido — e dos sinais que acompanhariam a sua chegada — os quais são tecidos por todo o Antigo Testamento. A seguir, celebraremos o jubileu eterno que a encarnação de Jesus anuncia: um tempo de liberdade, de alegria e de vida nova que ele agora oferece. Por fim, nós nos aproximaremos do dia de Natal contemplando com admiração a entronização real de Cristo e o estabelecimento do seu reino. Ele é o nosso tão esperado Salvador, e neste Advento, celebramos esta verdade transformadora: o nosso Rei eterno chegou.

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Um provocador? Não, ele é um pastor português

Tiago Cavaco, que também é escritor, músico e jornalista, explica como o humor e a surpresa são essenciais para a teologia.

Tiago Cavaco

Tiago Cavaco

Christianity Today November 15, 2023
Illustration by CT / Source Images: Courtesy of Tiago Cavaco

Tiago Cavaco gosta de uma provocação.

Basta ver os títulos de alguns dos livros desse pastor evangélico português: Férias de fornicação e outras murmurações de um moralista e Seis sermões contra a preguiça, por exemplo.

Ou os nomes de seus maiores sucessos como músico de punk rock: “Ó Judas Aperta o Laço” e “A Isabel é Intelectual (Porque Perdeu a Virgindade na Feira do Livro)”.

“Tudo o que faço é clickbait,” diz Cavaco, que já trabalhou em televisão durante uma década, antes de se tornar pastor na Segunda Igreja Evangélica Batista de Lisboa, mais conhecida como Igreja da Lapa. Mas ele insiste que não está apenas tentando entreter ou divertir as pessoas. “A provocação tem de ser lida com senso de humor, algo que muitas vezes falta aos cristãos evangélicos. Falta espaço para a surpresa.”

Cavaco, na verdade, incute uma cosmovisão cristã em tudo o que cria — sejam sermões, obras, canções ou artigos de jornal. “Construo quase que uma teoria teológica em torno da provocação,” diz ele. Cristo muitas vezes tenta provocar sua audiência através de seus ensinamentos. Em algumas passagens, ele dá como exemplo coisas que as pessoas consideram más […], a fim de que os que se acham muito santos não contem com a própria benevolência e [em vez disso] abram os olhos para aquilo que, à primeira vista, parece errado, mas talvez possa nos ensinar alguma coisa.”

Cavaco conversou recentemente com Marisa Lopes, diretora editorial da revista Christianity Today em português, sobre as dificuldades de ser evangélico num país tradicionalmente católico, sobre como manter as convicções cristãs sem rejeitar a cultura e o porquê do fatalismo português.

Como é a igreja evangélica em Portugal?

Hoje, quando alguém se apresenta como evangélico, as pessoas pensam em algo mais latino-americano ou mesmo africano. O movimento evangélico é associado a algo típico dos países pobres e há certo preconceito social para com os evangélicos. O evangélico português luta para fazer parte da cultura que não o aceita muito bem. Também procura uma afirmação portuguesa, pois as pessoas, quando pensam em igrejas evangélicas, pensam no Brasil, o que traz algumas dificuldades na expressão do evangélico propriamente português.

À semelhança de outros evangélicos da Europa, ele é uma criatura de resistência. O evangélico europeu está habituado a sentir o mundo contra ele. Por serem uma minoria, eles se unem mais e há um bom relacionamento entre evangélicos de diferentes denominações.

O evangélico em Portugal também é um pouco fatalista. Ele quer ver coisas boas acontecerem, mas é um pouco cético quanto a virem mesmo a acontecer.

Senti um pouco desse fatalismo lendo a obra Férias de fornicação.

Acho muito natural a estranheza com que o brasileiro ainda reage ao ceticismo português.

Não me surpreende que os brasileiros achem estranho esse ceticismo, embora eu ache uma certa graça nisso.

Nunca conseguimos mudar o que faz parte da nossa cultura. Quando me relaciono com outros europeus, percebo que esse peso do destino é uma coisa muito latina. Pela grande influência do catolicismo e pelas poucas marcas do protestantismo em nossa história, achamos que a vida só acontece quando é trágica. Se tudo corre bem, o português pensa: “isto não vai durar muito”.

Se chega alguém com uma visão mais otimista, o português olha essa pessoa com desconfiança. Como pastor e crente, tenho de lutar sempre para tentar abandonar essa postura.

Como você concilia suas convicções cristãs — por exemplo, a certeza que um dia Deus há de enxugar todas as lágrimas e não haverá morte, nem dor — com o seu ceticismo?

Esta convicção é para um futuro eterno, que ainda está por vir. O ceticismo nos faz focar mais no “ainda não” do que no “já”.

Na segunda carta a Timóteo, Paulo diz que foi abandonado por muita gente. Por ser a última carta que o apóstolo escreveu, dá vontade de dizer: “Ó Paulo, não escrevas uma coisa tão desanimadora como a tua última mensagem.”

Mas também é preciso haver espaço para exprimirmos tristeza e desencanto. Às vezes a cultura evangélica parece não dar espaço para isso. Portanto, é verdade que o português tem de se desprender mais da tristeza, do fatalismo, mas também diria, para uma cultura como a do Brasil, que muitas vezes cultiva um fascínio pela alegria, que isso pode redundar igualmente em idolatria.

Esse é o lado bom da multiculturalidade do corpo de Cristo. Quando conhecemos outras culturas, percebemos que entenderam algumas coisas melhor do que nós, e vice-versa.

Em seu livro mais recente, você diz: “Quando acreditamos em causas que não ameaçam nada nem ninguém não acreditamos realmente em causas”. Como perceber que estamos vivendo um cristianismo confortável?

No episódio em que Jesus acalma a tempestade, primeiro, os discípulos estão com medo da tempestade; depois, ficam com mais medo do homem que a acalmou.

A presença de Jesus não garante necessariamente paz. Quando Deus age na vida das pessoas, muitas vezes a primeira emoção sentida é medo, pânico, dor, pois, da mesma maneira que os demônios reconheceram Jesus, nossos medos reconhecem a presença de um poder superior.

Tendemos a achar que a expressão da nossa fé tem de ser uma espécie de calmante, de ansiolítico, mas nem sempre é, pois a conquista do reino de Deus é um motim contra as trevas.

Há um poder abençoadamente agressivo na santidade. Não é uma agressão má, e quem bate em retirada não são os crentes. O crente perdeu essa dinâmica desestabilizadora na afirmação da sua fé. É óbvio que nós, cristãos, somos a favor da paz — afinal, seguimos o evangelho da paz. Mas afirmar a verdade desestabiliza, assusta.

Estamos tão ansiosos em trazer paz que esquecemos que a luz contrasta quando os cristãos sofrem, quando são sinceros diante das trevas. Para alcançar quem está nas trevas, o cristão não precisa de uma coisa bonita, mas sim verdadeira, que seja realmente combativa em relação ao poder do mal, do pecado e das trevas.

Muitos afirmam que a sociedade portuguesa é uma mescla entre a tradição católica conservadora e uma mentalidade secular. Como você a vê? Enxerga nela algumas pontes para o evangelho?

Sendo o Papa um jesuíta, associar conservadorismo ao catolicismo ainda se confirma, porém, já não é tão linear assim. Hoje o catolicismo procura estar em paz com o mundo. Na sociedade portuguesa há um certo catolicismo conservador, mas também há um processo de secularização em curso.

Toda essa confusão torna o lugar do evangélico muito único. Uma das vantagens que ele tem é a de não temer a própria estranheza.

No começo do meu ministério, eu tentava fugir disso. Depois, compreendi que eu tinha de assumir essa estranheza como uma oportunidade para testemunho. Essa própria resistência pode ajudar a criar pontes. Às vezes, estar do lado de fora pode ser o ministério que Deus nos deu.

Você acha que a estranheza pode funcionar como uma ponte para o evangelho para o público português mais jovem, mais rebelde, mais inclinado a gostar do diferente?

Espero que sim. É uma tentação querer ser um pastor intelectualmente respeitado pela mídia portuguesa. No passado, isso atraiu jovens para a igreja mais por uma ênfase intelectual do que pelo evangelho. Alguns acabaram voltando para o catolicismo.

O pastor que busca o reconhecimento público atrairá pessoas não pelo evangelho que prega, mas pela aprovação que suscita na cultura. No passado, eu me afastava dos evangélicos considerados menos respeitados; queria ser um evangélico intelectualmente esclarecido. Depois compreendi que isso era vaidade. Hoje olho para essa diversidade louca do movimento evangélico não como um problema a ser resolvido, mas como uma virtude.

Várias coisas contribuíram para minha mudança de perspetiva,em especial um período mais difícil do meu ministério, quando me senti esgotado.Hoje prefiro a liberdade de ser estranho e fiel à Palavra, do que a prisão do respeito e a escravidão de ser aceito.

Você diz ter observado que algumas pessoas, antes de se tornarem cristãs, usavam seus talentos na música e no teatro, adoravam ler e assim por diante. Mas depois que se converteram, elas só se interessam pelas atividades da igreja e criticam tudo o que faz parte da cultura em geral. É possível alguém ser evangélico e aberto à cultura?

Já tive uma perspetiva mais pessimista acerca dos evangélicos. Hoje, sou um pouco menos fatalista. e tenho conversado sobre isso com grandes amigos pastores aí no Brasil.

As pessoas são tão sérias, dizem sempre tudo tão certinho, são tão santas que parece que nem precisam de um Salvador. Parece que já nasceram salvas.

Tenho pena de ver tantos pregadores e escritores evangélicos tão formais no Brasil. Acho que lhes faz falta um pouco de loucura no sentido da sinceridade, um pouco de caos santo, uma dose de humanidade. Às vezes se estabelece uma mediocridade, uma espécie de santidade postiça, de coisa edificante por inércia.

Não estou incentivando imoralidade nem má conduta. Essa mediocridade é medo de existir, de ser sincero. Quando falhamos, o melhor a fazer é mostrar arrependimento, e não uma perfeição precoce. Há excesso de perfeição precoce e é por isso que há tanta mediocridade entre os evangélicos.

Com a presença cristã na internet, às vezes somos tentados a dizer coisas para ganhar seguidores ou fama. Como lidar com a tentação de agradar as pessoas?

Essa é uma grande luta para mim. A internet nos oferece a possibilidade de usá-la bem, para trazer pessoas para o cristianismo por meio de nossas postagens e conteúdos; mas há também a possibilidade de ficarmos presos ao meio, e não ao Criador. A internet tanto pode ser uma bênção quanto uma maldição, se o influenciador cristão se tornar mais escravo do impacto que tem do que servo da mensagem que traz.

Como você explica esta sua afirmação: “se no passado o santo tinha medo do profano, no presente o profano tomou o santo como blasfêmia”?

A verdadeira santidade está na contramão do mundo atual, e, por isso, assusta. Por exemplo, hoje, pedidos de perdão nas mídias sociais se tornaram obrigatórios, se alguma postagem desagrada certos grupos, mas esse pedido não é motivado por um arrependimento verdadeiro. Isso é apenas o diabo imitando Deus.

Há um arrependimento bom e fundamental para a salvação, dado pelo Espírito Santo. E há essa imitação feita por Satanás, que é este novo pedido de perdão que não está relacionado com verdade ou arrependimento, mas sim com a necessidade que a pessoa tem de se submeter à multidão para não ser cancelada.

A nova santidade criada espalha uma falsa ideia de “ou eu peço perdão ou sou cancelado”.

De fato, a verdadeira santidade pode parecer errada, segundo esses padrões, pois também pode significar que, às vezes, o cristão terá que resistir e não pedir perdão, se não fez nada de errado. Essa dinâmica estranha fez com que as coisas ficassem ao contrário. E é assim que hoje a nossa cultura profana pega o que é santo — isto é, pedir perdão — e transforma isso em blasfêmia.

Marisa Lopes é diretora editorial da Christianity Today em português.

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O Advento e o abraço supremo de amor

Jesus usa a visão de Daniel para falar sobre sua própria volta e o nascimento da nova criação no Natal.

Christianity Today November 14, 2023
Creative Commons / Sedmak / Keith Lance / Getty

Nota da edição em português: este artigo foi escrito originalmente ainda no período da pandemia da COVID-19, mas acreditamos que ele tenha ensinamentos importantes para a nossa realidade atual.

A jornada do Advento, da escuridão para a luz, tem me tocado de forma tangível desde que comecei a morar na Escócia. No solstício de inverno, o sol nasce pouco antes das 9 horas da manhã e se põe pouco depois das 15h30. Depois disso, a luz do sol aumenta substancialmente a cada dia, lembrando-me da expectativa que temos como cristãos relacionada à luz e à vida que Cristo trará quando vier.

Essa jornada pessoal do Advento rumo à luz renova minha esperança neste ano sombrio. A pandemia forçou o cancelamento da viagem para os EUA, resultando no período mais longo que já fiquei sem ver minha família. Há vários meses já o governo escocês não permite que nos reunamos com outras pessoas em casa. Não só desejamos o fim da pandemia; mais do que qualquer outra coisa, desejamos ver, tocar e abraçar nossos amigos e familiares. Esperávamos ter uma pequena amostra desse paraíso durante o feriado de fim de ano, com a suspensão das restrições do Reino Unido por cinco dias, para permitir a reunião de oito pessoas, frente a frente, nas chamadas “bolhas natalinas”. Mas uma nova cepa do vírus acabou com a nossa esperança. De repente, cinco dias tornaram-se um. Famílias devastadas cancelaram seus planos de viagem. A maioria sabia que a reunião [de cinco dias] não seria perfeita nem duradoura, mas não esperava por essa notícia. Voltamos a um confinamento nacional no Boxing Day [feriado comemorado no dia 26 de dezembro] e ao desejo de nos reunirmos novamente, de uma vez por todas.

A esperança, vista como um bem precioso, levou-me à passagem do Advento em Marcos 13.24-37. Nela, Jesus promete voltar como o Filho do Homem e reunir os crentes desde os confins da Terra. Quão grande será esta suspensão de restrições!

A promessa de Jesus faz parte de um discurso mais extenso para seus discípulos (Marcos 13.1-37; veja também Mateus 24.1-25; Lucas 21.5-36). Saindo do complexo do templo em Jerusalém, os discípulos ficam maravilhados: “Veja, Mestre, que grandes pedras e que grandes edifícios!", ao que Jesus responde: “Não restará aqui pedra sobre pedra; todas serão derrubadas” (Marcos 13.2, NRSV). Isso os deixa confusos! Deve significar o fim do mundo. Jesus se senta no Monte das Oliveiras, em frente ao templo, e alguns de seus discípulos lhe perguntam ansiosos quando essas coisas (a destruição do templo) acontecerão e qual será o sinal de que todas essas coisas (o fim dos tempos) estão prestes a se cumprir (v. 4).

Jesus responde ampliando a visão deles para além da destruição do templo. O fim do templo não é o fim do mundo, mas sim parte das dores de parto que dão origem a uma nova era.

Onze ordens para “vigiar” e “ficar alerta” impedem os crentes de se deixarem desviar não só por falsos mestres, mas também por falsos sinais, devido a desastres naturais ou guerras — ou talvez até mesmo por uma nova pandemia de coronavírus.

Essas dores de parto ocasionam um período de crescente tribulação, marcado por sofrimento extraordinário e engano (v. 5-23). Jesus adverte contra os falsos messias que usarão falsos sinais para persuadir os crentes de um fim que ainda não aconteceu. Onze ordens para “vigiar” e “ficar alerta” impedem os crentes de se deixarem desviar não só por falsos mestres, mas também por falsos sinais, devido a desastres naturais ou guerras — ou talvez até mesmo por uma nova pandemia de coronavírus. Essas dores caóticas impulsionam o novo nascimento, durante o qual os crentes avançam, tomando suas cruzes para seguir a Jesus. Eles suportam o sofrimento e proclamam fielmente o evangelho a todas as nações pelo poder do Espírito (v. 9-13). A “profanação” que precede a destruição do templo culmina de forma devastadora nas contrações (v. 14-23). Os crentes não devem se deixar distrair, desanimar ou enganar, como se algo estranho estivesse acontecendo. “Fiquem atentos” contra os sinais enganosos do fim, diz Jesus, “Eu já contei tudo antes mesmo que acontecesse”.

Na segunda parte da resposta de Jesus, ele expõe o fim das dores de parto e a bem-vinda intervenção de Deus, que liberta seu povo para a nova era (v. 24-27). O discurso de Jesus muda a perspectiva no tempo e no espaço. “Naqueles dias, [em algum momento] depois daquele sofrimento”, o caos na terra ascende para um caos no céu. Os sinais genuínos da vinda do Messias fazem com que todo o universo entre em colapso: O sol e a lua escurecem, as estrelas caem, os corpos celestes tremem. Mais do que a convulsão cósmica, estrelas cadentes e céus tremulantes representam a derrota dos poderes demoníacos em conflito com Deus. Em glorioso triunfo, Jesus desce como o Filho do Homem, com seus santos anjos, para unir os eleitos da Terra em uma família completa, a família de Cristo.

A autodesignação de Jesus como “Filho do Homem” nos Evangelhos vem de Daniel 7.13-14, passagem em que Deus ordena “alguém semelhante a um filho de um homem” para governar um reino eterno para o povo sofredor de Deus (NVI). Ao longo de Marcos, Jesus é esse Filho do Homem com autoridade na Terra. Como Filho do Homem, Jesus sofre, morre, ressuscita e volta para julgar o mundo com justiça e fazer novas todas as coisas. Em Marcos 13, Jesus volta como Filho do Homem para finalmente esmagar todo o caos e trazer o reino para o bem de seu povo.

O discurso de Jesus pode nos confundir devido à grande profundidade de campo. Na fotografia, a profundidade de campo mede a distância entre o objeto mais próximo e o mais distante — uma profundidade de campo rasa faz com que nosso olho se concentre na pessoa da foto e não nas montanhas ao fundo. Em Marcos, porém, Jesus revela toda a paisagem das dores de parto e do parto em si em um único quadro, cuja profundidade de campo é ampla e coloca tudo em foco. Os leitores de hoje ainda enxergam a grande profundidade de campo no discurso de Jesus, mas reconhecem um intervalo de tempo muito maior entre o parto e o nascimento. Enquanto esperamos e trabalhamos com expectativa, a vinda de Cristo tem necessitado um trabalho de parto prolongado — não porque o Senhor seja lento, mas porque ele é paciente (2Pedro 3.9).

Embora confusa, essa ampla profundidade de campo é crucial para a esperança. Os escritos apocalípticos, como Daniel, primeiro, e Apocalipse, depois, revelam uma realidade além da que podemos ver a olho nu. Atualmente, percebemos o mal, o pecado e seus efeitos, a violência, a enfermidade e a separação física devido à pandemia; mas os escritos apocalípticos revelam que Deus está conosco agora e está vindo para consertar um mundo que já não funciona. Essa visão apocalíptica não nega a realidade atual de nossa dor, mas nos desafia a fazer uma reformulação fiel dela. Ao olhar para a paisagem toda, nossos olhos conseguem ver que o mal de nossa época não tem poder duradouro, porque Deus já determinou seu fim. É como Samwise diz em O Retorno do Rei, de Tolkien: “Será que tudo o que é triste vai se tornar falso?” Sim, o Rei está chegando!

Em Marcos 13.24-27, Jesus nos assegura que, nele, Deus endireitará tudo o que deu errado. O Filho do Homem vem para o seu povo. Em 1Tessalonicenses 4, Paulo também assegura à igreja que mantenha a esperança. No tempo de Deus, uma reunião pública superará qualquer coisa parecida com o que o fim da nossa pandemia pôde proporcionar:

Pois o próprio Senhor descerá do céu, com grande voz de comando, com voz de arcanjo e com o clamor da trombeta de Deus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois disso, nós, os que estivermos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para encontrar com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre. Portanto, encorajem-se uns aos outros com estas palavras. (v. 16-18)

Cristo virá, Deus sabe quando (Marcos 13.32). Para nós, o chamado é para permanecermos fortes e vigilantes, obedientes e incentivando-nos mutuamente. Qualquer isolamento que vivamos nos tempos de hoje intensifica nosso anseio pelo novo nascimento que ocorrerá em Cristo, e nada nos separará novamente. E, assim, dizemos neste Advento: “Vem, Senhor Jesus”.

Elizabeth Shively é professora sênior de estudos do Novo Testamento e diretora de ensino na School of Divinity, St. Mary's College, Universidade de St. Andrews, Escócia.

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Que os reformados do Senhor digam não ao cessacionismo

A descrença na obra miraculosa do Espírito está ganhando espaço em alguns círculos cristãos, mas está travando uma batalha perdida.

Christianity Today November 14, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Getty / Unsplash

O debate cessacionista está de volta, embora, de certa forma, nunca tenha de fato desaparecido.

O pastor John MacArthur e a Grace Community Church realizaram recentemente a Conferência Cessacionista, programada para coincidir com o lançamento do filme Cessacionista — trazendo um tópico antigo de volta à vanguarda das conversas sobre tendências, em especial entre os crentes reformados. Essas discussões se concentram em uma questão básica: “Os dons de milagres são para hoje?” Os cessacionistas responderiam que não.

Para mim, porém, aqui há questões ainda mais fundamentais que estão em jogo — como, por exemplo, por que há um interesse renovado nesse assunto nos dias de hoje, e por que tanto esforço está sendo despendido para argumentar contra a continuidade dos sinais e maravilhas sobrenaturais.

A resposta pode ser tão óbvia quanto simples. O movimento carismático pentecostal continua a crescer rapidamente em todo o mundo e, aos olhos de líderes cessacionistas como MacArthur, isso é motivo de alarme, não de comemoração. Na opinião deles, esse movimento global é marcado por desvios doutrinários e práticas que são aberrações tão extremas que alguns chegam a acreditar que a “grande maioria” dos pentecostais e carismáticos não seja cristã de fato.

Dale Coulter, professor de teologia histórica no Seminário Teológico Pentecostal, argumenta que a “pentecostalização do cristianismo americano” está atingindo a maioridade. Mas, na opinião desses líderes cessacionistas, essa não é uma tendência positiva — perigosas ervas daninhas doutrinárias estão crescendo muito rápido em nosso quintal, e é necessário ter diligência teológica.

Depois de dialogar pessoalmente com alguns desses líderes por horas, não duvido da sinceridade de sua fé cristã nem de suas preocupações pastorais sobre os abusos espirituais percebidos. Como líder pentecostal carismático, tenho abordado problemas em nosso movimento há mais de três décadas. Na verdade, eu disse ao The New York Times, há dois anos, que as profecias fracassadas sobre a reeleição de Trump, em 2020, representavam a “maior fraude” que eu já vi em meus cinquenta anos de caminhada com o Senhor.

Portanto, não tenho a menor intenção de minimizar o erro nem de negar o fato de que, com a expansão exponencial em todo o mundo do movimento carismático pentecostal — que cresceu de 58 milhões, em 1970, para 656 milhões, em 2021 — tem havido muito fogo estranho e até mesmo falso.

Mas se concentrar nas aberrações é perder a realidade maior: nos últimos 50 anos, centenas de milhares de pessoas chegaram à fé verdadeira e duradoura em Jesus por meio do miraculoso ministério do Espírito Santo em nossos dias.

Como um rabino muito sensato comentou certa vez, não devemos pegar o melhor de nossa religião e comparar com o pior da religião de outra pessoa. Como eu disse em outro lugar, “A existência de carismáticos excêntricos não refuta o continuísmo mais do que a existência de calvinistas espiritualmente mortos refutaria a doutrina reformada”.

O historiador Conrad Cherry observou que, durante o Primeiro Grande Despertamento, críticos como Charles Chauncy geralmente se concentravam no joio, enquanto líderes do avivamento como Jonathan Edwards se concentravam no trigo. É triste reconhecer que isso acontece com frequência entre aqueles que criticam o atual movimento pentecostal carismático mundial.

Tendo eu passado décadas de minha vida trabalhando com esse movimento no mundo inteiro e tendo ministrado no exterior em mais de 160 viagens, posso dar meu testemunho pessoal que há muito mais trigo que glorifica a Jesus e se baseia na Palavra do que se poderia contar. Além disso, essa colheita cresceu e permaneceu forte diante de grande sofrimento e perseguição.

Mas a melhor resposta para o cessacionismo encontra-se na própria Bíblia.

Embora eu respeite meus amigos cessacionistas, discordo que exista base bíblica para a posição deles de que os dons de milagre foram associados exclusivamente aos apóstolos e existiram apenas para o estabelecimento do evangelho. De fato, eu pessoalmente acredito que essa posição se torna indefensável pelo testemunho explícito da Palavra de Deus.

Em meu livro Authentic Fire [Fogo Autêntico], que escrevi em resposta ao livro e à conferência Strange Fire [Fogo Estranho] de MacArthur, explico que é justamente por eu ser adepto da sola Scriptura que sou carismático.

Por muitos anos, ouvi meus colegas cessacionistas dizerem: “Vocês carismáticos confiam na experiência. Nós confiamos na Palavra”. Mas, para ser bem sincero, muitas vezes descobri que o oposto é verdadeiro.

Conheço muitos que se tornaram cessacionistas por causa de experiências ruins com carismáticos ou com igrejas pentecostais, ao passo que (como você lerá em breve) eu permaneci carismático por causa do testemunho da Palavra de Deus. Quando minha experiência confirma a Palavra, ótimo. Mas quando minha experiência (ou a falta dela) é contrária à Palavra, eu não rejeito a Palavra. Eu rejeito a experiência.

Essa é uma lição que aprendi da maneira mais difícil, ao longo da minha própria jornada de fé.

Eu me converti em 1971, aos 16 anos de idade, em uma pequena igreja pentecostal italiana, quando era um baterista de rock hippie, judeu, usuário de LSD e heroína. Mas, 10 anos depois, enquanto fazia meu doutorado em línguas e literaturas do Oriente Próximo, na Universidade de Nova York, minha perspectiva mudou muito.

Eu não queria mais ser pentecostal. Queria ser espiritualmente sofisticado, como os acadêmicos reformados cujas obras eu agora estava estudando. Falar em línguas, algo que costumava ser uma parte importante de minha vida espiritual, não era mais uma prática que eu queria cultivar.

Lembre-se de que isso foi antes de eu conhecer qualquer estudioso bíblico e teólogo proeminente que fosse pentecostal ou carismático. Eu me refiro aqui a pessoas como Gordon Fee, Craig Keener, Ben Witherington, Peter Davids, Jeffrey Niehaus, J. P. Moreland, Wayne Grudem, R. T. Kendall, Sam Storms e outros. Em minha mente, naquela época, ser pentecostal ou carismático significava ter mentalidade tacanha e ser teologicamente retrógrado.

Quanto à cura sobrenatural, eu tinha ouvido falar de histórias passadas e era assegurado quanto à certeza de histórias futuras, mas tinha visto muito pouco com meus próprios olhos. Quanto ao fato de pessoas “caírem prostadas no Espírito” (algo que eu costumava ver, quando orava por pessoas), eu agora ensinava contra isso, dizendo que não provava nada e que não se encontrava na Bíblia. Cheguei a comprar livros como Counterfeit Miracles [Milagres falsos], de B. B. Warfield, e The Modern Tongues Movement [O movimento atual de línguas], de Robert Gromacki, para me convencer de que os dons de milagres não eram para hoje. Eu desejava com todas as minhas forças ser um cessacionista.

No final, não consegui me convencer. A Palavra era clara demais, e os argumentos cessacionistas eram fracos demais e facilmente refutados. Assim, concluí que os dons sobrenaturais de línguas, profecia e cura ainda são para hoje, mas que o que estávamos vendo no movimento carismático contemporâneo não era o que as Escrituras haviam prometido.

Então, em 1982, ao longo de um período de meses, Deus me levou ao arrependimento por ter deixado meu primeiro amor e me convenceu da minha arrogância teológica e intelectual — falando comigo por meio de alguns amigos meus que eram crentes carismáticos.

Dizer que isso abalou meu mundo seria minimizar o que vivi.

Ora, não estou dizendo que os cessacionistas não estejam caminhando em amor e devoção ao Senhor — estou simplesmente compartilhando minha experiência pessoal. Naquela época, eu estava servindo como presbítero em treinamento em uma congregação bastante não carismática, que era incrivelmente ativa em boas obras, mas carecia do poder do Espírito. No final daquele ano, minha vida mudou radicalmente — e o Senhor até me usou como um vaso para derramar seu Espírito em nossa igreja.

Por mais gloriosa e maravilhosa que tenha sido aquela época — pois eu estava mais uma vez testemunhando o agir dos dons do Espírito, e ainda mais do que já havia visto antes — agora eu tinha em minhas mãos um grande problema. Lá estava eu, com a teologia certa e a exegese precisa, mas não via ninguém ser curado, enquanto as pessoas com a teologia errada estavam vendo as curas acontecerem. Como eu poderia conciliar isso?

Naquela época, eu estava nos estágios iniciais da pesquisa para minha tese de doutorado, “Abbreviated Verbal Idioms in the Hebrew Bible: A Comparative Semitic Approach” [Expressões idiomáticas verbais abreviadas na Bíblia Hebraica: Uma abordagem semítica comparativa], mas decidi mudar meu tópico para “‘I Am the Lord Your Healer’: A Philological Study of the Root RP’ in the Hebrew Bible and the Ancient Near East” [“‘Eu sou o Senhor que os cura’: Um estudo filológico do radical RP’ na Bíblia Hebraica e no Antigo Oriente Próximo).

Eu tinha tantas perguntas que precisavam ser respondidas — exegéticas, linguísticas, práticas, teológicas e filosóficas — que queria me aprofundar no que a Palavra dizia sobre cura a partir do maior número de ângulos possível. Dez anos depois, a Zondervan publicou minha monografia, Israel's Divine Healer[O curador divino de Israel], como parte de sua série intitulada Studies in Old Testament Biblical Theology [Estudos na Teologia Bíblica do Antigo Testamento]. Nessa obra, expandi minha pesquisa de modo a incluir o Novo Testamento, o que apenas consolidou ainda mais minhas crenças sobre a cura ser para os dias de hoje.

Então, o que as Escrituras realmente dizem sobre cura milagrosa?

Em primeiro lugar, a Bíblia indica que os atos de cura milagrosa apontam para a bondade de Deus e são em geral uma extensão de sua compaixão (por exemplo, Mateus 14.14).

Como as Escrituras atestam, Jesus trouxe a plena revelação do Pai e inaugurou o reino de Deus — que incluía a cura dos enfermos e a libertação dos cativos (Lucas 4.18-21, João 14.8-11; 3). E, embora oremos para que o reino venha em sua plenitude com a volta de Jesus (Mateus 6.10), reconhecemos que, em sentido espiritual, o reino de Deus continua a crescer em todo o mundo.

Jesus ensinava claramente que quem cresse nele — uma fórmula universal no grego e no Evangelho de João (veja João 6.35; 7.38; 11.25; 12.44, 46, que se aplicam a todos os crentes) — faria as obras que ele fez e outras ainda maiores (João 14.12; o contexto imediato deixa claro que ele está falando de suas obras miraculosas).

Além disso, a Bíblia deixa claro que o derramamento do Espírito, que começou em Atos, veio acompanhado de línguas e promessas de profecia, sonhos e visões — e que seria para todas as pessoas e para toda esta era da igreja nestes “últimos dias” (Atos 2.14-21, 39).

Paulo nos ordena diretamente a buscar com sinceridade os dons espirituais, especialmente a profecia, e a não proibir as línguas (1Coríntios 12.31; 14.1, 39). Ele também deixa claro que esses dons continuarão até o eschaton (1Coríntios 1.7; 13.8-10). Além disso, a cura milagrosa de enfermos, em resposta à oração de fé dos presbíteros locais, deve ser a norma em nossas igrejas (Tiago 5.13-16).

É claro que cada um desses conceitos poderia ser analisado com muito mais profundidade, mas é minha convicção pessoal que a Bíblia em si não dá base para a posição cessacionista. Ou seja, acredito que seja impossível apresentar um argumento exegeticamente robusto em favor do cessacionismo usando apenas a Bíblia. E para crentes adeptos da sola Scriptura, isso deve importar.

Grande parte do testemunho da história da igreja também atesta a continuidade dos sinais e maravilhas sobrenaturais.

ampla evidência da continuação de milagres após a morte dos apóstolos. Há também inúmeras histórias de céticos cristãos que mudaram de opinião sobre os milagres — entre os quais está o pai da igreja primitiva, Agostinho, que disse: “O que esses milagres atestam senão a fé que proclama que Cristo ressuscitou em carne e ascendeu ao céu em carne?”

Há também um número imenso de testemunhos da operação de milagres do Espírito em tempos atuais, ao longo dos séculos, e alguns foram cuidadosamente documentados em décadas recentes.

Dito isso, em última análise, eu aceito de bom grado qualquer debate no corpo de Cristo sobre como o Espírito Santo atua nos dias de hoje. Vamos todos por na mesa nossos melhores argumentos, com respeito e graça, para a glória de Deus e para o bem de seu povo.

Michael Brown é o apresentador do podcast Line of Fire [Linha de Fogo] e autor de mais de 45 livros, entre eles Revival or We Die [Avivemos ou morreremos] e Why So Many Christians Have Left the Faith [Por que tantos cristãos abandonaram a fé].

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Culture

Morrendo para as nossas selfies

Nós jamais veremos a glória de Deus se nos enxergarmos apenas como uma marca.

Christianity Today November 9, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Getty / WikiMedia Commons

A mitologia grega pode não ser um guia para a vida cristã, mas eu aprecio as observações inteligentes que essas histórias antigas nos oferecem. Recentemente, lembrei-me de Narciso, o jovem que negligenciou todos os outros amores e necessidades físicas para poder ficar olhando incessantemente para o próprio reflexo. Na versão mais comum da história, Narciso acaba morrendo sentado à beira de uma fonte d'água — a conclusão trágica e irônica de seu amor egocêntrico.

A antiga comédia de humor negro ainda se aplica — talvez de modo especial — aos nossos ego e orgulho modernos. Se quisermos cultivar a humildade nos dias de hoje, teremos mais do que somente fontes e espelhos para enfrentar.

Somos portadores da imagem de Deus. No entanto, com a ajuda de nossos celulares e das mídias sociais, muitos de nós passamos tempo demais admirando nossos reflexos, mais tempo até do que Narciso passava, e certamente mais tempo do que as pessoas já passaram em qualquer outro momento da civilização. A esmagadora maioria dos adultos americanos de hoje possui smartphones. E com bilhões de dispositivos móveis em circulação por todo o mundo, a situação é igual em muitos outros países. Somos a sociedade das selfies, incentivados a nos ver e a postar sobre nós mesmos com frequência, na esperança de atrair mais curtidas e impulsionar nossa “marca” pessoal.

Nós nos esquecemos do perigo de Narciso. Mas também nos esquecemos da graça que se manifesta em sua história: depois que Narciso morre, ele é transformado em flor.

No final do verão passado, fiz um show em uma rústica fazenda de flores no estado de Washington, no período em que as dálias estavam em plena floração. Fileiras e mais fileiras de pompons espetaculares balançavam como fogos de artifício de veludo, brotando das robustas hastes verdes. Com violão, piano e bateria, cantamos ao pôr do sol sob uma tenda branca; comunidade e músicos se uniram para elevar nossas vozes por sobre aquele mar de flores. Partilhamos uma consciência palpável do acolhimento por Deus. Era como estar em uma igreja no campo.

Depois da apresentação, uma garotinha me trouxe um punhado de flores alvoroçadas e recém-cortadas: flores roxas em forma de globos, flores cor-de-rosa que pareciam uma profusão caótica de cravos, dálias anêmonas formando camadas de lavanda sobre o branco. Fiquei encantada com as flores e com a gentileza da garotinha. Conversamos um pouco sobre como cada uma delas é diferente e vibrante como nós, refletindo a arte de Deus.

Jesus disse a seus amigos: “Observem como crescem os lírios. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles” (Lucas 12.27).

As flores não pensam nada sobre si mesmas; elas simplesmente são. Tom Petty as apresentou como símbolo de uma existência sem preocupações, quando cantou: “You belong among the wildflowers” [Seu lugar é em meio às flores do campo]. Essas lindezas florescem e dançam ao vento e trazem deleite ao Senhor, a nós e às abelhas. Se isso é o que Deus faz com a grama do campo, sugere Lucas, quanto mais ele pode fazer conosco?

No mito, Narciso tem um triste fim. Mas talvez também seja misericórdia.

A graça é como uma lente que nos ajuda a saber para onde olhar — não para nossos reflexos, mas para a glória de Deus, que aparece até mesmo em nossa vida comum. Os céus dão testemunho dessa glória agora mesmo (Salmos 19), e vê-la pode nos ajudar a encontrar nosso lugar como parte importante da bela criação de Deus.

As flores frescas podem murchar, mas não são menos importantes por terem limites. Quando fecho os olhos, ainda consigo ver aquelas dálias em minha mente, e elas me fazem pensar: Que flores Deus tem para que eu me deleite neste momento? Que música devo cantar nesta estação? E quem é a Fonte celestial sobre a qual a autora de hinos Anne Steele fez estes versos?

Tu, Fonte adorável de verdadeiro deleite, A quem adoro sem ver! Revela tuas belezas para meus olhos, Para que ainda mais eu possa te amar.

Olhar apenas para nós mesmos e passar a vida cativados por nosso próprio brilho frágil é, na verdade, morrer. E a morte é sempre uma tragédia. Ver Deus, no entanto, é ver a ressurreição e a nova vida.

A vida de ressurreição floresce pela graça. E nos liberta para pensarmos menos em nós mesmos.

Quando olhamos para Jesus, buscando nos lembrar mais plenamente de nosso verdadeiro valor, nós nos libertamos do frívolo autorreflexo, sabendo, em vez disso, que pertencemos à única Fonte de verdadeiro deleite. Podemos nos doar, como canções em um campo de dálias. Podemos nos multiplicar lindamente, sem nenhuma necessidade de contemplar nossa própria beleza, pois somos lembrados e vistos por aquele que mais importa.

Sandra McCracken é cantora, compositora e autora em Nashville. Ela também é a apresentadora do podcast The Slow Work, produzido pela CT.

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Books

Evangélicos palestinos chamam a igreja ocidental ao arrependimento, mas são criticados

Os cristãos do Oriente Médio deixam claro que rejeitam a violência, mas expressam sua frustração com a falta de reconhecimento do Ocidente quanto à realidade da ocupação e aos danos colaterais resultantes dos bombardeios.

Esforços de busca e socorro na histórica igreja ortodoxa grega de São Porfírio, após ataque aéreo israelense ocorrido em Gaza.

Esforços de busca e socorro na histórica igreja ortodoxa grega de São Porfírio, após ataque aéreo israelense ocorrido em Gaza.

Christianity Today November 9, 2023
Ali Jadallah / Anadolu / Getty Images

Nota do editor: Este artigo está agora disponível em turco, além dos idiomas sublinhados acima em amarelo, como parte das mais de 3.000 traduções da CT Global.

Desde o início da guerra, após os ataques terroristas sem precedentes do Hamas contra Israel, igrejas, conselhos e líderes do Oriente Médio expressaram sua indignação com a morte de milhares de civis inocentes.

Muitos grupos cristãos árabes emitiram declarações públicas. A maioria enfatizou o chamado cristão para sermos pacificadores. Vários deles foram criticados por aquilo que alguns veem como apelos que não abordam especificamente o sofrimento dos civis judeus que foram alvo de terroristas.

Provenientes da Palestina, do Egito, da Jordânia e do Líbano — a maioria delas motivada pelo trágico bombardeio do hospital anglicano em Gaza — essas declarações públicas variam em foco e intensidade. Algumas afirmam que a comunidade internacional faz vistas grossas para o contexto da ocupação promovida pelo estado israelense; outras lembram a igreja global da presença cristã contínua naquela região.

A CT analisou textos de nove organizações árabes e de quatro ocidentais, a maioria de convicção evangélica, e procurou saber também a perspectiva de um israelense que é judeu messiânico e de um libanês da igreja evangélica armênia. A análise constatou que poucas declarações vindas do Oriente Médio apontaram o Hamas como o autor do terrorismo, enquanto muitas criticam especificamente Israel em si.

Uma das declarações mais recentes é a do ministério Musalaha, que faz menção às duas coisas.

Esse ministério de reconciliação, que tem sede em Jerusalém, trabalha com israelenses e palestinos de diversas origens religiosas, usando princípios bíblicos para abordar as questões que os dividem, na busca de promover a paz. Depois de duas semanas observando dolorosamente a carnificina generalizada, sua declaração pública se concentrou no “lamento” e pediu uma resposta reconciliadora.

“Lamentamos pelas pessoas que, em nome da justiça, permitiram que a raiva perpetuasse o ciclo de desumanização e desculpasse o derramamento de sangue, como temos visto nos ataques do Hamas e na resposta do exército israelense”, declarou o ministério Musalaha. “Convidamos palestinos e israelenses a enxergarem a dignidade e a humanidade um do outro, resistindo juntos e de forma não violenta por um futuro melhor."

O órgão cristão mais representativo da região, no entanto, foi direto e específico sobre o sofrimento que afirma que o Estado-nação judeu está impondo a Gaza.

“O povo palestino em Gaza não está exposto a uma reação militar em face de uma ação militar", declarou o Conselho de Igrejas do Oriente Médio (MECC, em inglês),” mas sim a um genocídio e a uma limpeza étnica, que têm como alvo pessoas que estão detidas na maior prisão da história da humanidade — e de forma premeditada”.

Essa declaração, a mais severa das nove declarações árabes analisadas, chamou a guerra de “guerra de extermínio” e conclamou a intervenção de “todas as pessoas honradas”.

Michel Abs, secretário-geral do MECC, disse à CT que reconheceu que Israel — a quem ele chama de “entidade sionista” — foi atacado e respondeu — e que deveria ter parado por aí.

O MECC concentrou-se em denunciar Israel pelo corte de água na faixa costeira densamente povoada; pela destruição da infraestrutura de atendimento médico e pelas mortes colaterais de cidadãos indefesos. O conselho pediu o fim da agressão, a suspensão do cerco a Gaza e a responsabilização do que Abs chamou de “forças de ocupação”.

Entre as igrejas-membros do MECC estão igrejas católicas, ortodoxas e muitas denominações protestantes — a maioria delas chamada de “evangélica”, conforme o costume local. No entanto, embora as diferenças das denominações “mainline”, conhecidas no cenário cristão americano, não sejam tão nítidas no mundo árabe, a Aliança Evangélica Mundial (WEA) incorpora entidades não representadas no MECC.

“De modo geral, concordamos [com a declaração do MECC], mas não necessariamente aderimos a cada palavra”, disse Paul Haidostian, presidente interino da União das Igrejas Evangélicas Armênias no Oriente Próximo, uma igreja reformada de expressão pietista e não filiada à WEA. “Mas pergunto: há elementos de extermínio na guerra atual? Eu diria que sim.”

Jack Sara, secretário-geral da aliança evangélica regional do Oriente Médio e da África Setentrional, ajudou a elaborar a resposta oficial da WEA ao “conflito na Terra Santa”. Mas ele também concordou com a declaração do MECC.

“Com milhares de palestinos morrendo sem parar, ela descreve claramente os fatos que estão acontecendo no local,” disse ele. “Na verdade, ela chega perto de implorar ao mundo que intervenha.”

Os analistas observaram que o Hamas se instala em áreas civis e que as Forças de Defesa Israelenses (IDF) geralmente emitem avisos, antes de atacar estruturas residenciais. Em preparação para uma prevista invasão terrestre, as IDF pediram que os não-combatentes evacuassem o norte de Gaza; o Hamas disse a eles que permanecessem no local.

As Nações Unidas, no entanto, declararam que Gaza já representa uma catástrofe humanitária, com mais de 6.500 mortos e um milhão de desabrigados até 26 de outubro, de acordo com o Ministério da Saúde palestino administrado pelo Hamas. Em resposta ao terrorismo do Hamas e à morte de 1.400 cidadãos, em sua maioria civis, o dilema de Israel é tremendo, pois a guerra urbana necessária para perseguir os líderes terroristas em Gaza deteriorará ainda mais as condições locais e inflamará cada vez mais a opinião pública mundial.

Mas, ao ver muitos nos Estados Unidos e no mundo evangélico em geral apoiando Israel, a Bethlehem Bible College (BBC), de Jack Sara, assinou uma declaração cristã palestina de significativo teor repreensivo, que convoca “líderes e teólogos da igreja ocidental” a se arrependerem.

A declaração começa com uma citação do profeta Isaías: Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão (1.17).

“As atitudes do Ocidente em relação à Palestina-Israel padecem de um gritante padrão de dois pesos e duas medidas, que humaniza os judeus israelenses, enquanto insiste em desumanizar os palestinos e encobrir seu sofrimento”, afirmou. “Com o coração partido, responsabilizamos [esses líderes] por sua cumplicidade teológica e política.”

Ao mesmo tempo em que lamenta o “ciclo renovado de violência” e condena “todos os ataques a civis”, repreende o fato de líderes cristãos não mencionarem o “contexto mais amplo e as causas de origem” da guerra — entre elas, a ocupação contínua e os 17 anos de bloqueio em Gaza. E lembra ainda que três quartos da população local são descendentes de palestinos deslocados pelo conflito que se seguiu ao estabelecimento do Estado de Israel, em 1948, que lhes nega o notório direito de regresso [de indenização].

Jack Sara reclamou que, nos meses anteriores à guerra, judeus e colonos israelenses de viés extremista intensificaram os ataques a igrejas locais, cuspindo em sacerdotes, enquanto os cristãos do restante do mundo pouco diziam [a respeito disso]. Os crentes, segundo ele, muitas vezes sentem que são um “incômodo” para os proponentes ocidentais da teologia do fim dos tempos, ou então para a narrativa desses governos sobre a região.

“Estamos orando para que a igreja seja igreja, e não um corpo político que toma partido”, disse Jack Sara em uma mensagem no YouTube. “Não é mais a origem étnica que importa para Deus — Jesus não é mais apenas um judeu, ele é tudo e está em todos.”

Um líder judeu messiânico chamou a declaração conjunta de “condenável”.

Os cristãos palestinos não só deixaram de denunciar ou de mencionar o Hamas ou o terrorismo, afirmou Michael Brown, apresentador do programa de rádio Line of Fire [Linha de Fogo], como também repetiram, em sua declaração, “alegações caluniosas” de que Israel bombardeou intencionalmente o hospital árabe al-Ahli, em 17 de outubro, e a igreja ortodoxa grega de São Porfírio, em 19 de outubro. (As forças de defesa de Israel determinaram que as mortes no hospital foram causadas por falha no disparo de um foguete por militantes da Jihad Islâmica, ao mesmo tempo em que reconheceram que as mortes na igreja foram causadas por um de seus mísseis, que tinham como alvo um prédio próximo).

Além disso, Brown criticou a declaração por se envolver em “discussões típicas da esquerda” que equiparam o colonialismo dos atuais colonos ao retorno dos judeus à sua antiga terra natal.

“Queremos mostrar solidariedade como irmãos e irmãs em Jesus”, disse Brown, que participou das conferências Christ at the Checkpoint [Cristo na Fronteira] da BBC. “[Mas] arrependam-se desse chamado ao arrependimento profundamente falho para que, juntos, possamos buscar a justiça, a bondade, a equidade e a misericórdia.”

O presidente da Aliança Evangélica de Israel comparou os signatários a uma esposa que é vítima de maus-tratos.

“A maioria dos cristãos do Oriente Médio não tem liberdade para falar e condenar a violência islâmica”, disse Danny Kopp. “O custo social, e muitas vezes físico, é alto demais para ser calculado.”

Em vez disso, eles ficam em silêncio, desviam o foco ou culpam os outros. O abuso traumático distorce sua capacidade de fazer um juízo moral consistente, segundo ele. Mas tendo testemunhado o “pior extermínio em massa de judeus em um único dia, desde o Holocausto”, os crentes árabes encontram-se em um ponto de inflexão crítico.

“No exato momento em que os cristãos poderiam ter ofertado um escasso raio da luz da verdade”, disse Kopp, “a igreja se rebaixou em grande parte a um estado de decadência moral e irrelevância”.

Os evangélicos egípcios — embora criticados — manifestaram-se desde o início.

A Presidência das Igrejas Protestantes do Egito (PCE, em inglês), membro do MECC e da WEA, foi um dos primeiros órgãos regionais a emitir uma declaração. Apenas um dia após o massacre do Hamas, em 7 de outubro, ela emitiu uma condenação generalizada de “todas as formas de violência e conflito armado entre palestinos e israelenses”, destacando os ataques a civis inocentes.

Uma segunda declaração, segundo a PCE, apoiou a política do governo egípcio de fornecer ajuda humanitária. Mas três declarações se seguiram em rápida sucessão, mudando o foco para os abusos israelenses. A PCE condenou o bombardeio ao hospital de Gaza e, em seguida, rechaçou tratar o caso palestino com meios militares. E, após o ataque que destruiu parcialmente a igreja de Gaza, expressou “profunda preocupação com a violência direcionada a áreas residenciais, desde o início da eclosão dos eventos”.

O Egito foi a primeira nação árabe a fazer um tratado de paz com Israel. As críticas a Israel em outras instâncias podem ter levado a uma mudança em certas declarações.

O que enfureceu muitos cristãos árabes foi o fato de o bombardeio do hospital ter ocorrido em um dia em que os Patriarcas e Chefes das Igrejas em Jerusalém (PHCJ, em inglês) convocaram as pessoas a se dedicarem a jejum e oração. E, dois dias antes, em resposta ao apelo de Israel para evacuarem o norte de Gaza, os Patriarcas e Chefes das Igrejas em Jerusalém demonstraram ter consciência da ira judaica, ao alertar sobre um “novo ciclo de violência” que começou “com um ataque injustificável contra civis em Israel”.

Os líderes cristãos de Jerusalém ainda não denunciaram nem mencionaram o Hamas, mas essa declaração mostra uma variação na linguagem usada desde sua primeira reação, no dia das atrocidades terroristas. Com Israel ainda se recuperando do dia mais letal para os judeus desde o Holocausto, os PHCJ haviam defendido que não fosse causado nenhum dano a “civis palestinos e israelenses”.

O enviado de Israel ao Vaticano ficou indignado com a “ambiguidade linguística imoral”.

Será que os evangélicos da Jordânia merecem a mesma resposta?

Em 14 de outubro, a Aliança Evangélica da Jordânia (JEC, em inglês), membro da WEA, mas não do MECC, emitiu uma declaração para endossar o convite à oração feito pelos PHCJ. Mas, refletindo a vontade de seu eleitorado de cinco igrejas, a assembleia geral da JEC votou por evitar menções específicas a Israel ou ao Hamas.

Uma forte minoria queria mencionar Israel.

O Hamas, segundo Nabeeh Abbassi, presidente da Convenção Batista da Jordânia, denominação que é membro da JEC, é visto como um “libertador” por muitos palestinos na Jordânia, que constituem uma porcentagem significativa, embora controversa, da população desse reinado. Desejando não ser vista como contrária a esse sentimento, a aliança evangélica optou por “não entrar em questões políticas” e, em vez disso, concentrar-se em uma humanidade comum.

A declaração da JEC condenou o atual “ciclo de violência e contraviolência”, embora tenha especificado “a agressão contra o povo palestino”. No entanto, o Sermão do monte conclama os fiéis a serem pacificadores, sendo o diálogo e a negociação os meios necessários para pôr fim a uma política israelense contínua, ainda que não nomeada, de expansão dos assentamentos.

“Violência gera violência”, declarou a JEC, “a ocupação cria resistência e o cerco resulta em explosão”.

Essa frase é uma explicação, esclareceu Abbassi, não uma justificativa.

“Quem começou o problema foi o Hamas”, continuou ele. “Israel tem o direito de se defender. Mas depois fez muito pior.”

Abbassi acredita que muitos cristãos ocidentais apoiam Israel devido a uma aplicação equivocada da teologia. Sendo ele próprio um dispensacionalista, o pastor jordaniano disse que não é função dos crentes apressar o cronograma escatológico de Deus.

Ele fez referência a Atos 1.6-8, passagem em que os discípulos perguntaram ao Jesus ressurreto se ele restauraria o reino em Israel. Abbassi apontou para a recusa de Jesus em responder à pergunta e, em vez disso, chamou os crentes a serem suas testemunhas.

“Se quisermos ajudar Deus, é isso que devemos fazer”, disse Abbassi. “Não tomar partido, mas amar a ambos os lados e compartilhar o evangelho com todos.”

Mas, depois do que ele chamou de um “ataque brutal” ao hospital anglicano, Abbassi disse que sua convenção se sentiu compelida a emitir uma declaração própria e, mais tarde, ficou entristecida com o ataque à igreja ortodoxa grega. A convenção culpou a política israelense de “máquina de guerra”, que tem como alvo muçulmanos e cristãos, sem diferenciar entre civis e militares.

“O Hamas é um grupo, Israel é um Estado”, disse Abbassi. “Espera-se qualquer coisa do Hamas, mas eu espero que Israel faça a coisa certa."

A declaração da denominação jordaniana, segundo ele, veio de um raro momento de apreço local. Quase toda a mídia jordaniana se referiu ao hospital de Gaza como “batista”, o que reflete o sentimento popular que ficou consolidado ao longo de sua identidade administrativa, na guerra de 1967.

Foi um momento para “mostrar nosso coração” ao jordaniano médio — Abbasi deu três entrevistas para a TV após a vigília — bem como a concordância cristã local com uma política governamental que defenda os direitos palestinos e, ao mesmo tempo, mantenha a paz com Israel, com o reino Hashemita do rei Abdullah como guardião histórico dos locais religiosos muçulmanos e cristãos em Jerusalém.

Os evangélicos libaneses tinham objetivos variados.

“Alguns queriam uma declaração para mostrar ao governo, outros para mostrar aos muçulmanos”, disse Joseph Kassab, presidente do Supremo Concílio da Comunidade Evangélica na Síria e no Líbano. “Mas eu queria que ela simplesmente refletisse nossa fé e nossa teologia.”

Incentivado por vários líderes locais a se manifestar após a explosão do hospital, o documento libanês fez referência à ética do “olho por olho” repudiada por Jesus, mas presente, segundo Kassab, entre judeus e muçulmanos. A declaração argumentou que, segundo essa lógica, o terrorismo do Hamas pode merecer uma resposta de igual proporção, mas não dobrada. No entanto, segundo ele, Israel aumentou sua escala em dez vezes.

Embora a dissuasão por meio de uma resposta desproporcional faça parte da estratégia militar básica israelense, Kassab acredita que os cristãos deveriam ter uma métrica diferente.

“Você não pode trabalhar pela paz e pela reconciliação”, disse ele, “e dar seu apoio incondicional a qualquer um”.

Em vez disso, ao procurar se concentrar na necessidade de uma solução justa para o conflito israelense-palestino como um todo, a declaração libanesa não identificou nem Israel nem o Hamas como adversários.

E se o Irã entrar na guerra, disse Kassab, ou os Estados Unidos?

Especulando que as “tristes e infelizes” ações do Hamas tiveram como objetivo interromper o padrão recente dos esforços de normalização árabe-israelense — conhecidos como Acordos de Abraão — Kassab afirmou claramente que nem a Palestina nem a região têm futuro, se a ideologia islâmica conseguir governar.

Israel, no entanto, multiplicou as atrocidades, disse ele. Kassab mencionou os milhares de prédios de apartamentos destruídos em Gaza e o apelo — posteriormente revisto — para que os refugiados “saiam” e fujam para o Egito pela fronteira sul da faixa. Os deslocamentos anteriores de palestinos, em 1948 e 1967, tornaram-se permanentes.

Mesmo assim, ele diz que a declaração do MECC não é totalmente justificada.

“Extermínio pode não ser a intenção de Israel, mas se eles continuarem a agir dessa forma, isso levará a esse fim”, disse Kassab. “Se você não gosta dessa palavra, sugiro que a substitua por outra — mas isso não mudará a escala da violência.”

Munir Kakish, presidente do Conselho de Igrejas Evangélicas Locais na Terra Santa (CLEC, em inglês), uma afiliada da WEA, distanciou-se completamente da declaração do MECC.

“Quando formos convidados para as reuniões do MECC”, disse ele, “então poderei dar minha opinião”.

Enfatizando o chamado para ser uma ponte de paz e de reconciliação, sua declaração de 18 de outubro foi inespecífica em todas as direções. Embora focada apenas em Gaza, ela não mencionou nem o Hamas nem Israel, e pleiteou ajuda humanitária imediata e um tratado de paz abrangente.

“O que aconteceu com hospitais e escolas em Gaza é inaceitável segundo todas as leis e costumes internacionais”, declarou o conselho, que então ecoou 1Timóteo 2.2. “Apelamos a todas as partes para que cessem imediatamente a guerra […] a fim de podermos viver uma vida pacífica com toda a piedade e dignidade."

Mas também a fim de pregar o evangelho. Kakish viu os eventos atuais como parte das “guerras e rumores de guerras” que Jesus previu antes do fim dos tempos. O mal aumentará, segundo ele, como nos tempos de Noé — e a porta da arca logo será fechada.

“É hora de a igreja acordar e cumprir a grande comissão”, disse ele, “em vez de se distrair com outras coisas”.

Mas os cristãos árabes não são os únicos a fazerem declarações.

Ao contrário de seus pares no Oriente Médio, a Comissão de Ética e Liberdade Religiosa (ERLC, em inglês) da Convenção Batista do Sul, a Associação Nacional de Evangélicos (NAE, em inglês) nos EUA e a WEA condenaram prontamente o Hamas, citando-o pelo nome.

A ERLC emitiu o pronunciamento mais forte pró-Israel.

Reconhecendo as diferentes posições teológicas sobre a relação entre Israel e a igreja, a declaração liderada pelos batistas do Sul reconheceu como o povo judeu “há muito tempo suporta tentativas genocidas de erradicá-lo e de destruir seu Estado”. Citando Israel como um “raro exemplo de democracia” na região, a ERLC fez referência a Romanos 13 para apoiar o governo israelense a “portar a espada” para enfrentar atos de maldade contra vidas inocentes.

Além disso, a declaração da ERLC reconheceu a “dignidade e o status de pessoa humana de todos os que vivem no Oriente Médio e orou pelo “difícil ministério dos crentes judeus e palestinos que trabalham pelo evangelho”.

[Nota do editor: O editor-chefe da CT, Russell Moore, ex-presidente da ERLC, assinou a declaração juntamente com outros 2.000 líderes].

Seus pares na Aliança Batista Mundial (BWA, em inglês) se concentraram na Palestina, mencionando o legado dos batistas do Sul no hospital al-Ahli, uma vez que “pleiteia a proteção de todos os cidadãos e o estabelecimento de uma paz genuína”.

Contando com 17 igrejas batistas em Israel e 13 nos territórios palestinos — entre elas, uma em Gaza — a BWA pediu por “caminhos de pacificação que rejeitem de forma inequívoca o terrorismo”. E “em meio à complexidade”, ela pediu a “busca da justiça restaurativa e da paz”.

O secretário-geral Elijah Brown ofereceu o guia de oração da BWA como exemplo.

“Acreditando que, como embaixadores da paz, não devemos enfatizar abordagens de antagonismo político”, disse ele à CT, “devemos trabalhar para modelar uma voz compartilhada de engajamento comum”.

A NAE também reconheceu o direito de Israel de se defender. Mas também advertiu Israel quanto a minar sua própria segurança ao ir além disso, para “se vingar” e infligir mais sofrimento a civis inocentes. A WEA expressou “perplexidade” com manifestações que pareciam se alegrar com as mortes iniciais, ao mesmo tempo em que incentivou todos os esforços para diminuir a violência.

Ambas as organizações clamaram por uma paz justa — expressão não usada pela ERLC — mas nenhuma delas emitiu uma declaração avaliativa desde então. Levando em conta a reiteração da NAE acerca do papel evangélico de “criticar construtivamente os líderes governamentais”, será que isso é necessário agora?

“A doutrina da guerra justa, por sua própria natureza, tem uma estrutura que estabelece limites para como uma guerra pode ser travada, e entre eles está a proibição de alvejar civis inocentes”, disse o presidente da ERLC, Brent Leatherwood, à CT. “Nossa preocupação com os vulneráveis não tem fronteiras, mas devemos manter uma visão clara sobre quem está errando neste conflito.”

O presidente da NAE, Walter Kim, também citou a tradição cristã.

“A maioria dos evangélicos se baseia nos princípios clássicos da guerra justa para buscar a justiça e, ao mesmo tempo, conter a violência. Israel tem o direito de se defender contra o Hamas, que continua seu ataque”, disse ele. “Outros princípios da guerra justa incluem a intenção justa, a retribuição limitada, a pacificação a longo prazo e a proteção de inocentes.”

Ele deixou que o leitor faça a sua própria avaliação.

Thomas Schirrmacher, secretário-geral da WEA, já decidiu sobre sua avaliação.

“Israel ainda está no parâmetro da autodefesa”, disse ele. “Como afirmam claramente aqueles que os atacam, eles querem matar todos os judeus e varrer Israel do mapa."

Levantando fortes dúvidas sobre a culpa de Israel pelo bombardeio ao hospital, Schirrmacher culpou líderes palestinos — tanto na Cisjordânia, governada pela Autoridade Palestina, quanto em Gaza, região controlada pelo Hamas — por não terem conseguido construir um Estado funcional. Com o Hamas comprometido com o terrorismo, em Gaza essas duas coisas são mutuamente excludentes.

Ele enfatizou, no entanto, que faz todos esses comentários como indivíduo. A WEA representa alianças e parcerias nacionais em 173 países, entre elas as lideradas por Kakish, Kopp e uma segunda afiliada voltada para os cidadãos árabes de Israel.

A aliança regional do Oriente Médio e da África Setentrional está em desacordo com a aliança regional europeia da WEA sobre as especificidades de uma definição de antissemitismo, disse ele, enquanto uma aliança no Azerbaijão é prejudicada pela condenação da WEA às violações dos direitos humanos da nação do Cáucaso contra os armênios em um enclave disputado.

Ele também tenta encontrar um equilíbrio entre os companheiros de fé na Ucrânia e na Rússia.

Equilibrada também é a ajuda fornecida. A WEA está trabalhando por meio de sua aliança em Israel para fornecer abrigos em Asdode e Ashqelon, perto da fronteira de Gaza. Em parceria com o afiliado Sínodo do Nilo, no Egito, a ajuda será fornecida na passagem de Rafah. E, por meio de sua aliança com palestinos, está sendo fornecido apoio em dinheiro para reconstruir o hospital anglicano em Gaza.

“Antes de falar, envolvemos todos os lados”, disse Schirrmacher. “Isso significa que somos lentos, embora mais capazes de contribuir para a paz e a mudança positiva do que de emitir uma declaração às pressas que mais tarde teria de ser revista.”

“Fazer declarações não é a tarefa mais importante da igreja”, disse Haidostian, cuja união evangélica armênia não fez comentários oficiais sobre a guerra. “Mais importante é a tarefa de educar a respeito de paz, justiça e questões históricas, não apenas sobre os assuntos atuais.”

Mas os cristãos árabes as fazem, segundo ele, a partir de preocupações nas duas direções.

Primeiro, segundo ele, eles apelam para uma relação de confiança com parceiros internacionais no Ocidente, para combater “a visão desequilibrada e incondicionalmente favorável” em relação a Israel, muitas vezes transmitida pela grande mídia.

E, em segundo lugar, para mostrar à região que eles não são meros espectadores. Haidostian concordou que eles podem enfrentar pressões locais por parte de muçulmanos ou de judeus, acrescentando que muitas vezes sentem uma desesperança existencial em relação ao estado de encolhimento da comunidade cristã.

Mas suas declarações afirmam que eles, assim como os palestinos, não são filhos ilegítimos da terra, nem estranhos a ela.

“Os cristãos árabes também são vítimas com frequência”, disse Haidostian. “Culpá-los de parcialidade é simplista.”

E embora ele tenha uma opinião forte sobre o conflito atual, o líder armênio suplicou aos cristãos que não tenham uma visão monolítica da região. Os crentes devem ter cuidado para não confundir o Israel bíblico com o atual Estado de Israel, disse ele, nem permitir que a retórica do governo e da mídia molde seus compromissos de fé.

O que Cristo deseja de nós agora?, perguntou ele. Sendo a Terra Santa o berço da fé cristã, em João 17 Jesus deixou claro que seu desejo vai muito além.

“A paz em qualquer parte do mundo depende da paz em outros lugares”, disse Haidostian. “E a vitalidade da igreja no Oriente Médio é fundamental para a unidade global do corpo de Cristo”.

Contribuição de Jeremy Weber para a reportagem.

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