Wayne Grudem, um importante teólogo calvinista e proeminente complementarista, mudou seu posicionamento e passou a afirmar que há base bíblica para o divórcio em casos de abuso, e compartilhou essa mudança em um grande encontro de estudiosos evangélicos, em novembro de 2019.
Depois de ouvir casos de casais da vida real, cujas crenças cristãs os levaram a suportar o abuso em vez de se separar, Grudem disse que olhou mais de perto as Escrituras e concluiu que o abuso pode ser motivo para o divórcio, desde que pastores e presbíteros busquem discernimento de Deus ao orientar um casal a se separar.
Isso é uma revisão da perspectiva que ele sustentou por longo tempo, publicada até pouco tempo antes, em 2018, em seu livro Christian Ethics: An Introduction to Biblical Moral Reasoning [Ética Cristã: Uma Introdução à Argumentação Moral Bíblica]. A visão histórica da maioria dos evangélicos fornece duas razões para o divórcio: adultério (Mateus 19.9) ou ser abandonado por conjuge descrente (1Coríntios 7.15).
“Minha esposa Margaret e eu tomamos conhecimento de alguns casos comoventes de questões como grave humilhação sexual e degradação, que se estenderam por décadas, e outro caso de espancamento físico praticado por décadas”, disse ele à CT. “Em todas essas situações, o cônjuge abusado permaneceu calado, acreditando que o dever de um cristão era preservar o casamento, a menos que houvesse adultério ou abandono, o que não havia acontecido.”
Grudem, cofundador do Conselho sobre Masculinidade e Feminilidade Bíblica, apresentou seu novo trabalho sobre o assunto na reunião anual da Sociedade Teológica Evangélica, em novembro de 2019, em uma palestra intitulada “Bases para o divórcio: por que agora acredito que há mais de duas.”
Os proponentes anteriores que eram favoráveis a aceitar o abuso como motivo para o divórcio apontavam para o uso que Paulo faz do verbo “separar” em 1Coríntios 7.15, argumentando que o versículo se aplica a um cônjuge que foge de casa em busca de proteção. Mas, anteriormente, Grudem não estava convencido.
O versículo diz: “Todavia, se o descrente separar-se, que se separe. Em tais casos, o irmão ou a irmã não fica debaixo de servidão; Deus nos chamou para vivermos em paz (1Coríntios 7.15, grifo nosso).
“A maioria dos comentários parte do pressuposto que ‘Em tais casos’ se refere apenas a casos de abandono por parte do cônjuge descrente”, disse Grudem. Mas, após um exame mais aprofundado, ele percebeu que a expressão não aparece em nenhum outro lugar da Bíblia. Grudem analisou 52 usos da expressão na literatura grega antiga e descobriu que “em tais casos” geralmente não se refere apenas ao cenário específico que o escritor já mencionou (ou seja, um cônjuge descrente), mas a cenários semelhantes a esse.
“Esses exemplos me levaram a concluir que, em 1Coríntios 7.15, a expressão “Em tais casos” deve ser entendida como algo que abrange quaisquer casos que, da mesma forma, destruam um casamento”, disse Grudem. Portanto, ele concluiu que o abuso é um caso desses.
No entanto, ele esclareceu que a restauração ainda é o primeiro objetivo, quando a questão do divórcio surge. Se o cônjuge agressor for cristão, então, devem-se buscar aconselhamento e disciplina na igreja; porém, se o abuso não parar, a liderança da igreja deve considerar que esse pode ser um caso em que a vítima está liberada para buscar o divórcio.
Pouco mais da metade dos pastores evangélicos (55%) acredita que o divórcio pode ser a melhor opção em casos de violência doméstica, enquanto apenas 4% dizem que um casal nunca deve se divorciar, mesmo quando a violência estiver presente, de acordo com uma pesquisa da LifeWay Reseach.
A resposta do público presente na reunião anual da Sociedade Teológica Evangélica foi “extremamente positiva e favorável”, disse Grudem, e ele recebeu poucas objeções. “Uma mulher, mais tarde, me disse que aconselha mulheres vítimas de abuso e que foi às lágrimas quando leu minha apresentação. Mais de uma pessoa me disse depois: ‘Vim preparado para discordar de você, mas você me persuadiu’”.
Ariel Bovat, conselheira clínica que trabalha em reabilitação de vítimas de violência doméstica, twittou que Grudem fez a melhor apresentação da reunião anual da Sociedade Teológica Evangélica. “Esta informação libertará tantas mulheres de seus agressores!”, escreveu ela.
A questão do divórcio em caso de abuso tem sido assunto de discussão entre os evangélicos na era do #MeToo e do #ChurchToo.
A controvérsia de 2018 em torno de Paige Patterson, líder da denominação Batista do Sul, começou quando uma gravação dele aconselhando uma mulher a se submeter ao marido abusivo circulou de novo on-line. A CT relatou, na época, que Patterson disse que havia aconselhado e ajudado mulheres a deixarem maridos abusivos, mas manteve seu compromisso de nunca recomendar o divórcio: “Como eu poderia [recomendar], como ministro do evangelho? A Bíblia deixa clara a maneira como Deus vê o divórcio”.
Alguns anos antes, Grudem e outros teólogos complementaristas participaram de um debate teológico em torno da natureza da Trindade, que teve implicações para seus ensinamentos sobre os papéis de gênero e a submissão feminina. Mulheres complementaristas, em particular, manifestaram-se contra uma ênfase exagerada na submissão, que levaria mulheres casadas a acreditarem que devem se submeter a maridos abusivos.
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