Do túmulo vazio aos abusos de hoje: acredite nas mulheres

Eu era uma apologista do Ministério Internacional Ravi Zacharias [RZIM]. Confiar em fontes femininas é crucial para o testemunho cristão.

Christianity Today April 3, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: WikiMedia Commons / Velizar Ivanov / Unsplash

Os fatos centrais da fé cristã foram todos testemunhados principalmente por mulheres.

Jesus foi “concebido pelo Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria”, como diz o Credo Apostólico, e a Encarnação foi testemunhada antes de todos por Maria, sua mãe. Jesus “sofreu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado”. A Expiação foi testemunhada, em todos os quatro Evangelhos, principalmente pelas seguidoras de Jesus. Então, ele “ressuscitou ao terceiro dia”. A ressurreição de Cristo também foi testemunhada em todos os quatro Evangelhos por mulheres.

Se não acreditarmos nas mulheres, então, teremos que dispensar os testemunhos oculares da Encarnação, da Expiação e da Ressurreição. Se não dermos ouvidos a elas, não teremos acesso às evidências para as verdades centrais da fé cristã.

“Acredite nas mulheres” tornou-se o polêmico slogan do movimento Me Too. Eu sei bem o que acontece quando não acreditamos nelas. Nos últimos meses, tenho vivido no centro de uma tempestade de traumas, consternação e profunda dor, pois novas alegações de abuso atingiram a organização dedicada à apologética, na qual servi anteriormente, o Ministério Internacional Ravi Zacharias. As revelações feitas por várias mulheres sobre abusos cometidos por Ravi Zacharias são horrendas, e as consequências catastróficas dessa sua lamentável duplicidade impactaram muitos.

Em 2017, porém, quando Lori Anne Thompson apresentou seu testemunho sobre o abuso sexual que sofreu nas mãos de Ravi, não acreditaram nela. Pude repassar em detalhes o que aconteceu internamente, na organização global, inclusive sobre como algumas mulheres na organização levantaram sérias questões sobre as explicações de Ravi e foram desacreditadas, pressionadas e persuadidas a aceitarem a narrativa oficial. Já pedi desculpas abertamente a Lori Anne e a seu marido, Brad, e o faço de novo aqui, publicamente.

Consequências devastadoras decorreram do fato de pessoas não ouvirem o testemunho de uma mulher — consequências que testemunhei e que sofri em primeira mão, mesmo quando tive de examinar e confessar minha própria cumplicidade. É nesse cenário que o slogan “acredite nas mulheres” ganhou força renovada para mim.

Como seguidora de Jesus, fico triste em saber que a igreja não parece ser melhor do que o mundo nesse aspecto. Com demasiada frequência, não acreditamos nas mulheres. Diane Langberg, renomada psicóloga e especialista em abuso, aponta que “ao longo dos estudos, as taxas de acusações falsas variam entre 3% e 9%”. No entanto, reiteradamente, as mulheres que apresentam testemunho não recebem credibilidade.

Quão profético e pungente, então, é o fato de, no coração da fé crista, estar o testemunho histórico de mulheres. O evangelho de Jesus Cristo exige que acreditemos na palavra das mulheres. A própria mensagem da Páscoa — “Cristo ressuscitou!” — é um testemunho de mulheres.

Sabemos que não era mais fácil acreditar nas mulheres nos dias de Jesus do que nos nossos. No mundo antigo, o testemunho das mulheres não tinha valor. Josefo, escritor judeu do primeiro século, escreveu: “Mas não seja admitido o testemunho das mulheres, por causa da leviandade e da ousadia de seu sexo”. Essa era a mentalidade da época. No entanto, no centro das proposições históricas da fé cristã, o testemunho das mulheres exige reconhecimento.

Isso importa. A fé em Cristo não é a realização de um desejo ou uma superstição cultural; está enraizada na história. Se é importante que essas coisas realmente tenham acontecido, também é extremamente significativo que as mulheres tenham desempenhado um papel tão relevante na observação e posterior testemunho desses eventos. Se acreditamos nos relatos do evangelho sobre Jesus de Nazaré, precisamos ouvir os testemunhos femininos dos quais esses relatos tanto dependem.

Mulheres como Maria Madalena, Joana, Suzana, entre outras, foram fundamentais para a vida e o ministério de Jesus. Elas o apoiaram com todas as suas posses (Lucas 8.2-3), estiveram perto dele em quase todos os momentos importantes de seu ministério, e invocaram detalhes de suas experiências para aqueles que quisessem ouvir.

É evidente que os quatro relatos do evangelho refletem intencionalmente as especificidades do testemunho das mulheres. O testemunho sobre o Cristo ressurreto, de fato, foi diferente porque veio de mulheres.

Primeiro, foi pessoal. Quando Maria Madalena diz: “Eu vi o Senhor!” (João 20.18), ela está declarando um fato a partir da verdade de sua própria experiência.

Em segundo lugar, o testemunho foi detalhado. As mulheres foram ao sepulcro de José de Arimateia, quando este estava sepultando Jesus, e viram “como o corpo de Jesus fora colocado nele” (Lucas 23.55).

Em terceiro lugar, seu testemunho foi autodepreciativo. Elas relataram aos escritores do evangelho que estavam “tremendo e assustadas” (Marcos 16.8).

Quarto, os testemunhos femininos sobre a ressurreição de Jesus também foram humildes e honestos. Elas disseram com toda franqueza o que não sabiam. “Tiraram o Senhor do sepulcro”, disse Maria Madalena a Pedro, “e não sabemos onde o colocaram” (João 20.2).

Quinto, seu testemunho foi firme diante do ceticismo. As mulheres que seguiam Jesus sabiam o que era contar sua história e ninguém acreditar, pois Lucas nos diz que os homens “não acreditaram nas mulheres” (Lucas 24.11).

Por fim, elas estavam genuinamente temerosas e, ao mesmo tempo, alegres. Quando testemunharam a evidência da Ressurreição, “as mulheres saíram depressa do sepulcro, amedrontadas e cheias de alegria” (Mateus 28.8).

Isso nos dá informações importantes em relação a como deveria ser o testemunho sobre o Cristo ressurreto hoje também. Talvez nosso testemunho cristão pudesse seguir mais conscientemente esse padrão demonstrado pelas seguidoras de Jesus. Não poderíamos ser também mais pessoais, detalhados, autodepreciativos e humildes em nossa apologética? Não podemos também aprender com as mulheres dos Evangelhos e prepararmos melhor, a nós mesmos e aos outros, para experiências comuns, como sermos rejeitados ou sentirmos medo, quando compartilhamos sobre Cristo neste mundo?

Parece claro que, como aprendemos nas Escrituras, “acredite nas mulheres” pode significar algo bastante profundo para um evangelismo e uma apologética humildes, pessoais e alegres nos dias de hoje.

Em seu ensaio “ The Human Not Quite Human”[O Humano-Não-Totalmente-Humano], escrito em 1938 e publicado em 1947, a escritora e poetisa Dorothy L. Sayers escreveu: “Talvez não seja de admirar que as mulheres tenham sido as primeiras na manjedoura e as últimas na Cruz. Elas nunca conheceram um homem como este Homem — nunca houve outro assim.” A atração magnética de Jesus de Nazaré é tão real hoje quanto foi no primeiro século e no século passado. Se pudermos acreditar naquelas mulheres, que foram as primeiras na manjedoura e as últimas na cruz, esse mesmo Jesus está vivo agora.

E, então, ficamos com esta pergunta: O que faremos em face da declaração e do testemunho das mulheres que nos transmitiram a história da encarnação de Deus, de sua morte expiatória e de sua ressurreição? Se Jesus morreu em uma cruz romana, como aquelas mulheres testemunharam, e se ele oferece perdão a todas as pessoas, por meio de seu sacrifício ali, nós receberemos isso? Se essas mesmas mulheres encontraram seu sepulcro vazio no terceiro dia, vale a pena considerarmos as implicações de seu triunfo sobre a morte em nossas próprias vidas e comunidades.

O que nós, homens e mulheres, faremos com o testemunho das mulheres sobre Jesus? Vamos acreditar nessas mulheres e pedir que outros também creiam?

“Acredite nas mulheres” é uma mensagem de Páscoa, sem sombra de dúvida.

Amy Orr-Ewing é presidente do The Oxford Centre for Christian Apologetics e autora de vários livros, entre eles, o mais recente, Where Is God in All the Suffering?

Tradução: Mariana Albuquerque

Edição: Marisa Lopes

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