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A Bíblia nos mostra que parte de nosso papel profético como povo de Deus é denunciar o mal e alertar as pessoas sobre a justiça divina (2Samuel 12). À luz dessa instrução, você acha que a igreja deveria se aliar a algum candidato em particular?
Guilherme de Carvalho: Por seu caráter institucional e sua função política como “embaixadas do Reino”, segundo os termos de Jonathan Leeman em As Chaves do Reino, as igrejas não devem se aliar a nenhum candidato, pois tal aliança confunde sua missão com os reinos temporais. Mas isso não significa que cristãos não devam atuar organicamente em defesa de candidatos e de pautas importantes. Essa é a visão de Abraham Kuyper: institucionalmente, a igreja permanece separada do Estado; organicamente, porém, ela participa de tudo. Ou, como diz o sociólogo Paul Freston, “religião e política, sim; igreja e Estado, não”.
Quanto à função profética da igreja, o assunto é longo — acho mais adequado dizer que temos uma missão apostólica, e essa missão envolve muito mais do que apenas “profetizar”, no sentido de atuar como um observatório crítico da política secular.
Iza Vicente: Não acredito que a igreja deva dar apoio institucional a nenhum candidato, considerando que no seio das congregações e comunidades há uma pluralidade de opiniões e visões políticas sobre diversos fatores que fazem parte do debate político, como o papel do Estado, a economia, a educação. Essa forma de apoio contribui para que cristãos que não são alinhados ao candidato apoiado se sintam à margem, traídos. Alguns podem até mesmo ser excluídos ou deixar de congregar por causa das pressões.
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Ziel Machado: Não. A separação entre igreja e Estado é uma conquista, um avanço civilizacional. Qualquer regressão nesse processo é um desserviço à nação, ao país, à igreja e também à causa do evangelho. O compromisso do cristão é com Cristo, não é com a pauta a, b ou c. O cristão tem que, em obediência a Cristo, aprovar aquilo que é bom e reprovar aquilo que é mau, seja qual for o político de plantão.
Em geral a igreja se aproxima do poder seduzida pela ideia de que é capaz de convertê-lo. Mas a história nos mostra que todas as vezes a igreja acaba se tornando uma validadora do status quo e cúmplice de desmandos, comprometendo a pureza do evangelho, escandalizando os pequeninos e se aliando a um projeto de poder.
O poder de que a igreja precisa é o poder do Espírito Santo, o poder para ser testemunha da verdade. Portanto, essa tradição profética consiste em dizer a verdade em nome de Deus, em sofrer pela verdade em nome de Deus, e em nunca abrir mão da verdade em nome de Deus. Para agir assim, a igreja não pode estar comprometida com este ou aquele candidato.
Jacira Monteiro: De modo algum. A partir do momento em que a igreja se alia a algum candidato específico, há um comprometimento com relação a ser voz profética — a voz que denuncia o mal e prega o juízo do Senhor sobre os iníquos. É o que temos visto na igreja evangélica brasileira atual: líderes que silenciam a respeito de — ou tentam justificar — atos iníquos e repugnantes do atual gestor do poder executivo, pois se renderam e, assim, a denúncia com relação à maldade ficou comprometida.
Ricardo Barbosa: No Antigo Testamento, embora às vezes profetizassem contra outros reis e nações, normalmente os profetas falavam em nome de Deus para o povo de Deus, Israel. Durante o período do Novo Testamento, temos imperadores cruéis em relação a cristãos e não cristãos. Mas não encontramos praticamente nenhuma linha, em todo o Novo Testamento, denunciando a maldade dos imperadores romanos. Jesus denuncia a hipocrisia das lideranças judaicas, mas diz pouco, quase nada, em relação às autoridades civis. Por quê? Em compensação, encontramos não só exortações e advertências dirigidas ao povo de Deus, como também recomendação para que sejam submissos às autoridades civis.
Sendo assim, que conclusões devemos tirar dessas diferentes abordagens? A primeira é que precisamos, urgentemente, de profetas que denunciem o mal na igreja, no meio do povo de Deus, que exortem a igreja a ser o povo que Deus deseja e a cumprir sua vocação de ser sal e luz no mundo em que vivemos.
A segunda é que a palavra profética é voltada para dentro, para o povo de Deus. No entanto, nada impede que o mal social e político seja denunciado. Temos que ser cuidadosos, porém, para não querer tirar a “trave” que está no olho dos outros, particularmente dos políticos, sem antes limpar o cisco que está em nosso olho.
Outro risco é sermos parciais e reducionistas. Os males numa sociedade vêm de várias fontes. Os poderes (principados e potestades) atuam não só através da política, mas de todas as esferas: na política (envolvendo os três poderes, em nosso caso), no sistema financeiro, na propaganda e na mídia, na educação, apenas para citar alguns exemplos. Se pretendemos denunciar o mal, precisamos primeiro identificar os poderes que atuam para, então, denunciá-los.
Tudo isso toca na questão seguinte: A igreja deveria se aliar a algum candidato em particular? Pessoalmente, eu diria que não, pois isso fere o princípio histórico da separação entre igreja e Estado, e compromete, como tem comprometido, o testemunho da igreja, em especial quando ela precisa denunciar o mal. No entanto, é preciso reconhecer que as igrejas têm garantido, por lei, o direito de se posicionarem politicamente, caso queiram. Embora eu não concorde com essa decisão, ela cabe a cada comunidade local, ou mesmo à denominação.
Confira a biografia dos nossos entrevistados no artigo principal.
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