A igreja deveria se aliar a um candidato específico?

3ª pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022.

Christianity Today September 19, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source Images: José Cruz / Fábio Rodrigues Pozzebom / Agencia Brasil / Buda Mendes / Staff / Getty

A Bíblia nos mostra que parte de nosso papel profético como povo de Deus é denunciar o mal e alertar as pessoas sobre a justiça divina (2Samuel 12). À luz dessa instrução, você acha que a igreja deveria se aliar a algum candidato em particular?

Guilherme de Carvalho: Por seu caráter institucional e sua função política como “embaixadas do Reino”, segundo os termos de Jonathan Leeman em As Chaves do Reino, as igrejas não devem se aliar a nenhum candidato, pois tal aliança confunde sua missão com os reinos temporais. Mas isso não significa que cristãos não devam atuar organicamente em defesa de candidatos e de pautas importantes. Essa é a visão de Abraham Kuyper: institucionalmente, a igreja permanece separada do Estado; organicamente, porém, ela participa de tudo. Ou, como diz o sociólogo Paul Freston, “religião e política, sim; igreja e Estado, não”.

Quanto à função profética da igreja, o assunto é longo — acho mais adequado dizer que temos uma missão apostólica, e essa missão envolve muito mais do que apenas “profetizar”, no sentido de atuar como um observatório crítico da política secular.

Iza Vicente: Não acredito que a igreja deva dar apoio institucional a nenhum candidato, considerando que no seio das congregações e comunidades há uma pluralidade de opiniões e visões políticas sobre diversos fatores que fazem parte do debate político, como o papel do Estado, a economia, a educação. Essa forma de apoio contribui para que cristãos que não são alinhados ao candidato apoiado se sintam à margem, traídos. Alguns podem até mesmo ser excluídos ou deixar de congregar por causa das pressões.

Clique aqui para voltar para o artigo principal.

Ziel Machado: Não. A separação entre igreja e Estado é uma conquista, um avanço civilizacional. Qualquer regressão nesse processo é um desserviço à nação, ao país, à igreja e também à causa do evangelho. O compromisso do cristão é com Cristo, não é com a pauta a, b ou c. O cristão tem que, em obediência a Cristo, aprovar aquilo que é bom e reprovar aquilo que é mau, seja qual for o político de plantão.

Em geral a igreja se aproxima do poder seduzida pela ideia de que é capaz de convertê-lo. Mas a história nos mostra que todas as vezes a igreja acaba se tornando uma validadora do status quo e cúmplice de desmandos, comprometendo a pureza do evangelho, escandalizando os pequeninos e se aliando a um projeto de poder.

O poder de que a igreja precisa é o poder do Espírito Santo, o poder para ser testemunha da verdade. Portanto, essa tradição profética consiste em dizer a verdade em nome de Deus, em sofrer pela verdade em nome de Deus, e em nunca abrir mão da verdade em nome de Deus. Para agir assim, a igreja não pode estar comprometida com este ou aquele candidato.

Jacira Monteiro: De modo algum. A partir do momento em que a igreja se alia a algum candidato específico, há um comprometimento com relação a ser voz profética — a voz que denuncia o mal e prega o juízo do Senhor sobre os iníquos. É o que temos visto na igreja evangélica brasileira atual: líderes que silenciam a respeito de — ou tentam justificar — atos iníquos e repugnantes do atual gestor do poder executivo, pois se renderam e, assim, a denúncia com relação à maldade ficou comprometida.

Ricardo Barbosa: No Antigo Testamento, embora às vezes profetizassem contra outros reis e nações, normalmente os profetas falavam em nome de Deus para o povo de Deus, Israel. Durante o período do Novo Testamento, temos imperadores cruéis em relação a cristãos e não cristãos. Mas não encontramos praticamente nenhuma linha, em todo o Novo Testamento, denunciando a maldade dos imperadores romanos. Jesus denuncia a hipocrisia das lideranças judaicas, mas diz pouco, quase nada, em relação às autoridades civis. Por quê? Em compensação, encontramos não só exortações e advertências dirigidas ao povo de Deus, como também recomendação para que sejam submissos às autoridades civis.

Sendo assim, que conclusões devemos tirar dessas diferentes abordagens? A primeira é que precisamos, urgentemente, de profetas que denunciem o mal na igreja, no meio do povo de Deus, que exortem a igreja a ser o povo que Deus deseja e a cumprir sua vocação de ser sal e luz no mundo em que vivemos.

A segunda é que a palavra profética é voltada para dentro, para o povo de Deus. No entanto, nada impede que o mal social e político seja denunciado. Temos que ser cuidadosos, porém, para não querer tirar a “trave” que está no olho dos outros, particularmente dos políticos, sem antes limpar o cisco que está em nosso olho.

Outro risco é sermos parciais e reducionistas. Os males numa sociedade vêm de várias fontes. Os poderes (principados e potestades) atuam não só através da política, mas de todas as esferas: na política (envolvendo os três poderes, em nosso caso), no sistema financeiro, na propaganda e na mídia, na educação, apenas para citar alguns exemplos. Se pretendemos denunciar o mal, precisamos primeiro identificar os poderes que atuam para, então, denunciá-los.

Tudo isso toca na questão seguinte: A igreja deveria se aliar a algum candidato em particular? Pessoalmente, eu diria que não, pois isso fere o princípio histórico da separação entre igreja e Estado, e compromete, como tem comprometido, o testemunho da igreja, em especial quando ela precisa denunciar o mal. No entanto, é preciso reconhecer que as igrejas têm garantido, por lei, o direito de se posicionarem politicamente, caso queiram. Embora eu não concorde com essa decisão, ela cabe a cada comunidade local, ou mesmo à denominação.

Confira a biografia dos nossos entrevistados no artigo principal.

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no Facebook, Twitter ou Instagram.

Also in this series

Our Latest

News

Rina Seixas: Um pouco da vida e da obra do icônico pastor fundador da Bola de Neve

A igreja atraiu celebridades e fundou 500 congregações em seis continentes. Nos últimos tempos, Rina enfrentou acusações feitas por familiares e uma ex-funcionária.

Chamado e trabalho são coisas diferentes

Frequentemente confundimos nossa vocação com o propósito de Deus para nossa vida. Isso é bíblico?

Esperança radical em uma era de apocalipse climático

A atual crise ambiental está avançando rápida e furiosamente. Como evitarmos o desespero?

O que é (e o que não é) perseguição de cristãos

Nove verdades que os crentes precisam entender para saber orar pelos que sofrem no corpo de Cristo.

News

As deportações em massa prometidas por Trump colocam igrejas de imigrantes em alerta

Algumas das propostas do presidente eleito parecem improváveis, mas ele ameaçou retirar do país milhões de imigrantes, ilegais e legais.

Public Theology Project

A Bíblia é uma história, e não informação

Os algoritmos nos roubam o mistério. Os Evangelhos nos devolvem a capacidade de sermos surpreendidos pela verdade.

Apple PodcastsDown ArrowDown ArrowDown Arrowarrow_left_altLeft ArrowLeft ArrowRight ArrowRight ArrowRight Arrowarrow_up_altUp ArrowUp ArrowAvailable at Amazoncaret-downCloseCloseEmailEmailExpandExpandExternalExternalFacebookfacebook-squareGiftGiftGooglegoogleGoogle KeephamburgerInstagraminstagram-squareLinkLinklinkedin-squareListenListenListenChristianity TodayCT Creative Studio Logologo_orgMegaphoneMenuMenupausePinterestPlayPlayPocketPodcastRSSRSSSaveSaveSaveSearchSearchsearchSpotifyStitcherTelegramTable of ContentsTable of Contentstwitter-squareWhatsAppXYouTubeYouTube