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O protagonismo do voto evangélico nas próximas eleições

Bolsonaro amplia vantagem, mas a disputa pelo voto evangélico continua.

Em uma igreja no Brasil, uma mulher se ajoelha em oração.

Em uma igreja no Brasil, uma mulher se ajoelha em oração.

Christianity Today August 29, 2022
Associated Press / Edits by Christianity Today

Este artigo faz parte da edição de setembro da revista impressa da CT e as informações registradas aqui podem não mais corresponder ao atual cenário.

Só Deus sabe como os evangélicos vão acabar votando nas próximas eleições no Brasil. Em maio, as pesquisas previam que estavam incrivelmente divididos: 39% dos evangélicos indicavam preferência em votar no presidente Jair Bolsonaro nas eleições de outubro e 36% diziam que pretendia votar no principal adversário da esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, uma pesquisa recente do Datafolha, realizada em agosto e divulgada no dia 18, mostra que a intenção de voto entre os evangélicos passou para 49% a favor de Bolsonaro e 32% a favor de Lula.

Na última eleição, cerca de 70% dos evangélicos votaram em Bolsonaro, o ex-capitão do Exército, conservador, que se empenhou com o lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Caroline Vidigal de Albuquerque, evangélica que trabalha como secretária executiva no Rio de Janeiro, é uma delas. Ela disse à CT que gostou da maneira como Bolsonaro defendeu o “pensamento cristão, contrário ao marxismo”. Ela acreditava que as vozes de esquerda haviam dominado por muito tempo e notou quando o político católico dividiu o palco com líderes evangélicos e pentecostais, durante a campanha para a última eleição.

Enquanto se prepara para voltar às urnas, porém, Caroline pretende olhar o histórico de governo do atual presidente e compará-lo com o tempo em que Lula esteve no mesmo cargo, de 2003 a 2010.

“Podemos comparar as ações com os discursos do período eleitoral”, disse. “Neste caso, assim como na vida, a realidade deve sempre se impor.”

Muitos dos colegas de Caroline, também eleitores evangélicos — que representam cerca de 30% da população brasileira — podem priorizar questões diferentes desta vez. Jorge Henrique Barro, pastor presbiteriano e professor de teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, diz acreditar que as preocupações econômicas podem superar as ideológicas em 2022. Os evangélicos tendem a estar mais pobres no Brasil e foram duramente atingidos pela inflação e pelo desemprego.

Entre a COVID-19 e o impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia, a inflação ultrapassou 11% em abril, a taxa mais alta em duas décadas. A taxa de desemprego caiu de 11,1% para 9,3% no segundo trimestre de 2022, segundo dados mais recentes do IBGE, mas ainda é bem alta, mesmo depois que a economia se recuperou ligeiramente da pandemia.

“Temos uma população excluída, pobre, negra, de baixa renda e com baixa escolaridade exposta a riscos habitacionais e de saúde”, disse Barro. “As maiores demandas desses eleitores têm a ver com suas necessidades básicas.”

A pergunta mais importante para eles, nas urnas, disse Barro, provavelmente será: “Quem é mais capaz de ajudar o Brasil a sair da situação dramática em que se encontra?”

Na esquerda: Atual presidente Jair Bolsonaro | Na direita: Ex-presidente Luiz Inácio Lula da SilvaGetty / Stringer
Na esquerda: Atual presidente Jair Bolsonaro | Na direita: Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Os evangélicos não são um bloco monolítico, no entanto. No congresso nacional, há 196 deputados e 7 senadores que pertencem à Frente Parlamentar Evangélica. Eles estão espalhados por 19 partidos políticos diferentes. O maior grupo, 42 deles, é integrante do Partido Liberal, o partido de direita do presidente Bolsonaro, ainda que isso não seja uma maioria.

Embora a maioria dos evangélicos apoie pontos-chaves da pauta do Partido Liberal — como a defesa da família tradicional, a liberdade religiosa e os nascituros — há questões em que divergem. O governo de Bolsonaro procurou afrouxar as regulamentações ambientais, por exemplo, enquanto 85% dos evangélicos do país dizem que atacar a natureza é um “pecado contra Deus”.

Alguns pastores evangélicos continuam apoiando Bolsonaro, mas, nesta eleição, são mais claros quanto a expressar certas reservas.

“Eu não uso camiseta com o rosto dele estampado”, disse Jaime Soares, pastor da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro, ao Los Angeles Times. Mas, acrescentou: “Ele é quem está defendendo nossos valores”.

Nas últimas eleições presidenciais, pesquisas mostraram que apenas 19% dos evangélicos receberam instruções políticas do púlpito. Bolsonaro, porém, claramente tentou se conectar visualmente a líderes cristãos. Ele apareceu ao lado de conhecidos televangelistas e pentecostais, entre eles Silas Malafaia, Marcos Feliciano e Edir Macedo, o bispo da maior denominação adepta da teologia da prosperidade no país. O presidente também participou da Marcha para Jesus, conferindo grande prestígio ao evento.

Ainda mais significativo é o fato de que, em 2021, Bolsonaro cumpriu uma promessa de campanha e nomeou um evangélico para o Supremo Tribunal Federal. Ele descreveu o ex-ministro da Justiça, que tem doutorado em Estado de Direito e mestrado em estratégias anticorrupção pela Universidade de Salamanca, na Espanha, como alguém “terrivelmente evangélico”.

Líderes pentecostais — especialmente aqueles que pregam a prosperidade — parecem ter se aproximado do presidente nos últimos quatro anos. Alguns líderes da Igreja Presbiteriana do Brasil também estão bastante próximos de Bolsanaro, e têm usado seus púlpitos para levar as pessoas a votarem nele, além de considerarem tomar medidas disciplinares contra cristãos que apoiarem candidatos progressistas ou de esquerda.

Outros cristãos no país, no entanto, têm criticado duramente essa proximidade de alguns líderes da igreja com Bolsonaro. É bom que os evangélicos participem da política, dizem eles, mas há perigo na devoção ao poder.

“Esta comunidade aspira ao poder político”, disse Peniel Pacheco, pastor da Assembleia de Deus e professor de teologia que serviu anteriormente no congresso. “Busca enriquecer-se com benesses do Estado, a fim de garantir vantagens econômicas e fiscais para seus redutos denominacionais.”

Recentemente, alguns evangélicos foram apanhados em escândalos de corrupção. Em março, os jornais obtiveram um áudio de Milton Ribeiro, pastor presbiteriano e o então ministro da educação, em que aparentemente confessava tráfico de influência. A Procuradoria Geral da República abriu uma investigação.

“A igreja estava muito longe do poder, e agora está muito perto”, disse William Douglas, juiz federal do Rio de Janeiro. “Precisamos ter uma vida política, mas não podemos deixar que a igreja vire uma presa [do poder].”

Alguns cristãos esperam que os últimos quatro anos levem os evangélicos a refletir sobre seu testemunho e seu chamado. Eles estão encorajando uma reavaliação antes das próximas eleições.

“Anseio e espero que a igreja evangélica faça seu dever de casa, para que possa atuar com mais eficiência na arena pública, com mais eficácia na disseminação dos valores da […] cidadania”, disse Ed René Kivitz, pastor de uma megaigreja batista em São Paulo. “A maior contribuição da igreja evangélica para a democracia brasileira é a preservação do meio ambiente e o espírito democrático de suas comunidades.”

Se Lula pode ou não tirar vantagem disso e atrair eleitores evangélicos, ainda não se sabe. Muitos simplesmente não acham que ele defenderá seus valores.

Em abril, antes do início da campanha, Lula defendeu a descriminalização do aborto no Brasil. Ele disse que o aborto faz parte dos cuidados com a saúde. Após críticas ferozes, o candidato falou sobre como se opõe pessoalmente ao aborto.

Na maioria das vezes, ele evita questões culturais e se concentra na economia.

“Não acho impossível que o [Partido dos Trabalhadores] abra caminhos para a negociação com os evangélicos”, disse o antropólogo Juliano Spyer, que escreveu Povo de Deus: quem são os evangélicos e porque eles importam?, um livro sobre os evangélicos e o Brasil contemporâneo.

Mas isso pode não acontecer até o segundo turno de votação estreitar a disputa de 12 candidatos para 2.

“Cinco meses é um período muito curto para essa abordagem mais eficaz”, disse Spyer. “O abismo é muito profundo.” O primeiro turno de votação será em 2 de outubro.

Mesmo que os eleitores evangélicos não sintam uma conexão orgânica e natural com Lula e o Partido dos Trabalhadores, mais de um terço está considerando apoiar o ex-presidente. Durante seus dois mandatos, ele introduziu com sucesso reformas sociais que tiraram milhões de pessoas da pobreza aguda e, ao mesmo tempo, reduziu a dívida nacional. Além disso, a classe média cresceu durante sua presidência.

O ex-presidente foi envolvido em uma ampla investigação sobre um escândalo de corrupção e foi condenado, em 2018, por aceitar subornos de uma empresa de engenharia que queria ganhar um contrato lucrativo com a Petrobrás, empresa estatal de petróleo. Ele foi condenado a 12 anos de prisão, mas a condenação foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal por motivos técnicos, que envolvem erros jurisdicionais e processuais.

A substância das acusações e seu significado, em 2022, dividem a nação; os evangélicos também estão divididos.

Rodrigo Cavalcanti Rabelo, um evangélico que votou no PT em 2018, diz que está cansado de cristãos que abraçam uma “bipolaridade hostil”.

Ele espera que, nesta eleição, os evangélicos lembrem-se de conversar uns com os outros como irmãos, irmãs, cidadãos e cidadãs.

“A capacidade de diálogo é essencial”, diz ele, “para superarmos a grave situação econômica e social que estamos enfrentando”.

Marcos Simas tem doutorado em estudos religiosos. Carlos Fernandes é um repórter no Brasil.

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