É domingo de manhã e a casa está silenciosa. Os primeiros raios da manhã atravessam a persiana, e essa claridade já basta para meu marido ler a Bíblia e para eu escrever. A única coisa que ouço é o som do café coando. As manhãs de domingo são de longe o momento mais tranquilo em nossa agenda ruidosa e exigente.
Durante a pandemia, com as igrejas fechadas, aprendemos a saborear as manhãs de domingo como algo especialmente agradável e sereno. Depois de algumas horas de leitura tranquila, meu marido, Chris, preparava o café da manhã. Nossos três filhos saíam da cama por volta das 11 horas, para o café da manhã com panquecas ou waffles, ovos e bacon. Então, Chris e eu saíamos para uma caminhada pelo bairro, acenando para os vizinhos. Nos fins de semana mais audaciosos, fazíamos trilhas.
Quando fomos assaltados por convicções sobre a falta que faz a igreja, Chris e eu acordávamos as crianças um pouco mais cedo, por volta das 10h30. Embora estivessem perdendo apenas 30 minutos de sono, elas davam um pequeno show de mau humor. Nós entrávamos na sala de estar, sentávamos em nosso sofá verde e assistíamos a uma pregação mais animada de algum pastor de uma megaigreja local. As megaigrejas tiveram uma vantagem durante a pandemia, migrando facilmente para transmissões ao vivo sofisticadas, enquanto muitas igrejas menores lutavam para improvisar.
Depois que a pandemia passou, no entanto, achamos difícil deixar essa nova rotina. Comparecer ao culto presencialmente agora parece mais uma fila interminável de sacrifícios. Temos de acordar as crianças às 9h30 para lhes dar o café da manhã, vesti-las e sair de casa na hora certa. Toda essa agitação significa que Chris e eu temos menos paz, menos silêncio, menos tempo para leitura e nenhuma caminhada matinal tranquila. São 8h09 agora, enquanto escrevo este texto. Para ir à igreja esta manhã, terei que parar de escrever em 30 minutos.
E pode acreditar, caro leitor, não é o que eu quero fazer. Eu não quero fazer essa sucessão de pequenos sacrifícios. As manhãs de domingo têm um poder restaurador quando são calmas e tranquilas. Elas fazem bem a todos nós.
Ou assim eu pensava, embora não pense mais.
A pandemia trouxe consequências de longo alcance para nossa sociedade, especialmente para os jovens — entre os quais estão os meus filhos. Minha caçula teve seu ano de jardim de infância interrompido, de modo que, quando ela finalmente voltou para a escola presencialmente, teve dificuldade para fazer amigos. A escola primária online da minha filha do meio não a preparou para as demandas muito diferentes do ginásio. E meu filho, que está no ensino médio, passou tempo demais online, absorvendo geopolítica e notícias nacionais, de modo que ficou estressado e cínico.
Os domingos em casa renovavam nossa energia individual e a vida familiar. Mas também exacerbaram nosso senso de desconexão da vida comunitária. Ficar em casa significava que obtínhamos cada vez mais informação por meio de telas — o que, por sua vez, mostrava-nos o mundo como algo cada vez mais fragmentado.
Percebi que, ficando em casa aos domingos, em família, eu estava de forma sutil e involuntária dizendo a meus filhos que o mundo era um lugar muito cansativo e muito cheio de tensões para frequentarmos nos fins de semana. Eu estava encarnando a ideia de que poderíamos nos retirar do mundo, e até mesmo da vida em comunidade com outros cristãos.
Nossos filhos perceberam isso. No começo, eles reclamavam por verem menos nossos amigos, mas, depois, começaram a manifestar uma crescente angústia sobre a vida em público. Eles me falavam de suas preocupações com os tiroteios nas escolas, com a perspectiva do recrutamento militar, com a mudança de amigos e com os desentendimentos dentro de nossa família estendida por causa de política. Por uma série de razões, cada um dos meus filhos se tornou mais hesitante sobre relacionamentos, quer fosse em nossa família, na igreja e na escola. Nosso distanciamento da igreja alimentou outros tipos de distanciamento. Olhando para trás, essa trajetória parece talhada para produzir uma depressão coletiva.
Pensando bem, o momento mais espiritualmente formativo da minha vida guarda certas semelhanças com este.
Quando eu estava a poucos meses de completar doze anos de idade, minha irmã mais nova morreu, por causa de um problema cardíaco. Pouco depois que ela faleceu, meu pai construiu uma casa nova para nossa família. Mudar para esta casa significou que eu tive de deixar minha escola e minha igreja, pois ambas ficavam muito longe do novo bairro em que agora morávamos. Quando comecei a sétima série, apenas alguns meses depois, eu estava tomada pela tristeza e não tinha primos, nenhuma comunidade da igreja e nenhum amigo da escola por perto para me socorrer. Eu nunca tinha estado tão profundamente sozinha antes dessa experiência, e nunca mais estive, desde então.
Felizmente, passamos a frequentar Westover Hills, uma congregação vibrante de 400 pessoas que acolheu nossa família no ponto mais baixo de nossas vidas. Embora nossa tristeza parecesse nos isolar, ainda íamos à igreja todos os domingos, de manhã e à noite, e todas as quartas-feiras também. Logo, nossa vida familiar foi sendo estruturada por nossa participação na igreja. Meu pai se juntou à orquestra, minha mãe, ao coral. Eu me juntei ao grupo de jovens e a minha irmã mais nova, ao ministério infantil da igreja.
Hoje, quando olho para trás, vejo que minha família estava se arrastando [naquele período difícil], fazendo o melhor que podia naquelas circunstâncias. Mas também vejo os membros do coral com vestes cor de lilás e detalhes em vermelho, de braços erguidos e olhos fechados em adoração; vejo diáconos de ombros largos e rostos sorridentes; vejo amigos que vinham me buscar de carro para uma noite de jogos com os jovens, na sexta-feira. O povo da igreja de Westover nos carregou durante o momento mais difícil de nossas vidas com sua fidelidade, sua boa vontade espontânea, seus testemunhos e suas orações. Eles não eram apenas uma igreja que frequentávamos, mas sim a igreja, que nos ajudou a preservar nossa fé, quando estávamos com o coração partido. Continuo a ser muito grata a eles e sempre sinto que, bem lá no fundo, a Westover Hills da década de 1990 é a comunidade de onde realmente venho.
E foi a igreja de Westover que me veio à mente, quando meu marido anunciou, recentemente, que nós realmente precisamos voltar a frequentar a igreja presencialmente e de forma definitiva. Chega de domingos no sofá.
Assumimos o compromisso de frequentar a mesma igreja que estávamos acompanhando online, pelo menos por um tempo. Não podíamos arriscar de perder esse embalo, saindo à procura de outras igrejas. Precisávamos de estrutura, da regularidade de ir presencialmente à igreja todos os domingos. E aquela megaigreja [que estávamos acompanhando online] seria suficiente.
Ela tem 22.000 fiéis e, no culto que frequentamos, há cerca de 5.000 pessoas por semana. Este é um número imenso de pessoas. Sinto-me como uma formiguinha quando entramos na igreja, e mais ainda quando tentamos sair, momento que me traz à mente a palavra “debandada”. Duas semanas atrás, esperamos 30 minutos para conseguir sair do estacionamento.
Hoje, há tantos pequenos inconvenientes em nossas manhãs de domingo que, somados, podem ser resumidos à palavra trabalho. Dá trabalho o esforço para colocar todo mundo, inclusive eu mesma, dentro do carro, no banco da igreja e, depois, voltar para casa novamente.
Mas temos uma experiência totalmente diferente da igreja com a frequência presencial. Nosso pastor prega o mesmo sermão, ao vivo e online; portanto, a diferença não é o sermão. É a participação palpável da congregação que faz a maior diferença.
Presencialmente, você pode ouvir e ver como a pregação impacta os demais crentes. Três semanas atrás, ouvi um homem dizer: “É melhor você dizer isso de novo” — enfaticamente, em um staccato de barítono —, quando nosso pastor pregou um ponto importante.
Em outra ocasião, uma pessoa que estava bem na minha frente passou três minutos balançando a cabeça, de forma intermitente, em concordância com uma parte da pregação que falava sobre submissão. Ela estava sentada com a filha menor bem perto de si, quase no colo, e três meninos bem ao lado dela. Quando nosso pastor expunha um ponto, ela assentia. Quando ele repetia ou ampliava uma ideia, ela assentia novamente. Mais tarde, o pastor perguntou: “Quantas pessoas aqui já sentiram que não são dignas de um chamado que sentem que Deus colocou em suas vidas?” Mãos se levantaram ao nosso redor.
Algumas semanas atrás, mais de 200 pessoas foram batizadas. De onde estávamos sentados, podíamos ver seus corpos mergulhando na água, lá no palco principal. Observamos seus rostos em detalhes, nos telões da igreja, lado a lado com as palavras do cântico de adoração que todos estávamos cantando. Outra pessoa mergulhou na água; e voltou sorrindo. Ela levantou os braços em triunfo e a congregação explodiu em aplausos — em um rugido de celebração.
Eu não teria visto nada disso online: nem os acenos, nem as mãos levantadas, nem a vulnerabilidade de admitir: sim, eu luto contra um sentimento de que não sou digno. Na tela, eu poderia ter visto a mesma pessoa sendo batizada, mas não estaria lá para juntar minha alegria à da congregação.
Hoje, percebo que fazemos do fato um evento. Juntos, a congregação, os leigos reagem a ideias [pregadas], a batismos, à necessidade de orar e à oportunidade de louvar. Modelamos vulnerabilidade e fidelidade uns para os outros. Sem nossas vozes, nossas cabeças balançando em concordância com algo, nossos aplausos e nosso encorajamento, a igreja não acontece. Não ouvimos muito sobre liturgia em uma megaigreja como esta, mas a palavra vem de uma combinação dos termos em grego para povo e ofício, trabalho. E é verdade, dá trabalho ir à igreja aos domingos e participar do culto — mas é nosso trabalho fazer isso. Só nós podemos fazê-lo.
Desde que nos comprometemos novamente com a igreja de forma presencial, meus filhos parecem estar mais seguros em relação ao mundo. Eles ainda estão cientes de seus problemas, mas têm um conhecimento visceral de como é ser uma comunidade que dá vida e o que significa ter bom ânimo, juntos, pois Cristo venceu o mundo (João 16.33).
Este não é um conhecimento que eu, sozinha, possa dar a eles. Eu posso ensiná-los, e um pastor pode pregar isso para eles, mas somente uma comunidade de crentes pode criar em conjunto o contexto no qual esse ensino e essa pregação façam sentido de forma robusta e encarnada. Toda vez que meus filhos ouvem alguém encorajar o pastor, torcer por um irmão ou uma irmã da igreja ou levantar suas vozes em louvor sincero, eles veem que Deus tem sido fiel a pessoas reais, vivas, de carne e osso. Deus se torna cada vez mais visível, cada vez mais plausível, à medida que eles testemunham a adoração de forma presencial.
Ao relembrar o tempo em que ficamos afastados da igreja, sinto um novo senso de responsabilidade. As pessoas passam por provações, de forma individual e como família. Nós nos deparamos com pontos de ruptura. Às vezes, enfrentamos a dor e ficamos atolados na tristeza. É trabalho dos leigos se unirem, exaltarem o nome de Cristo, receberem a Palavra de Deus, carregarem os fardos uns dos outros (Gálatas 6.2) e incentivarem a fé uns dos outros, à medida que eles, ou melhor, que nós somos curados e nos aproximamos de Deus.
E eu quero fazer a minha parte [nesse trabalho].
Erica Bryand Ramirez é uma socióloga da religião que ensina História Cristã no Seminário Truett da Universidade Baylor. Ela mora em San Antonio, com Chris e seus três filhos.