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Igrejas ouvem o chamado da criação

Como uma congregação em Baltimore começou a cuidar de uma floresta urbana, enquanto outra em Grand Rapids começou a contar libélulas, libelinhas e mexilhões brancos.

Christianity Today July 15, 2022
Courtesy of The Refuge

Chamado é uma coisa engraçada.

Quando Michael Martin aceitou a função de pastor, na Stillmeadow Community Fellowship, ele esperava pregar, orar, aconselhar, casar, enterrar, batizar e pastorear o rebanho na Evangelical Free Church, em Baltimore.

Ele não planejava se tornar guardião de uma floresta urbana.

“Demorou um pouco” disse ele, rindo da evolução de seu ministério.

Gary Koning sabe como isso acontece. O que começou como um esforço típico de limpeza de córregos alterou completamente sua congregação, a Trinity Christian Reformed Church, em Grand Rapids, Michigan.

“De uma coisa cresceu para outra e, depois, outra”, disse Koning, agora especialista em macroinvertebrados de bacias hidrográficas.

Os dois homens não se conhecem e não têm conexões em comum. Mas em suas respectivas igrejas e em seus respectivos chamados, ambos descobriram que ser fiel no ministério significava cuidar da natureza. O chamado de Cristo para “apascentar minhas ovelhas” exigia que cuidassem do pedaço de terra onde suas igrejas estavam. Embora nem toda congregação ou nem todo cristão tenha um jardim de verdade para cuidar, os ministérios de Martin e de Koning oferecem exemplos de como o conceito às vezes abstrato de “cuidado com a criação” pode parecer, quando levado a sério.

Em meio a pandemia, agitação social e mudanças geracionais na membresia da igreja, ambos os pastores viram como o relacionamento especial entre Deus e a natureza, uma comunhão que é refletida por toda a Escritura, deu nova vida às suas congregações.

Martin não conseguia sequer notar os 10 acres de floresta ao lado da Evangelical Free Church, quando chegou em Baltimore. Bem, é claro que ele era capaz de vê-los. Mas o mais importante é que ele não conseguia enxergá-los.

”Para mim era apenas ‘a floresta’”, disse ele.

Certa vez, ele caminhou até a beirada da floresta e olhou para dentro, mas estava escuro e agourento, e ele não cruzou essa linha. Além disso, ele tinha outras preocupações.

Décadas de migração branca [de uma área que estava se tornando mais etnicamente diversificada] e uma divisão na igreja deixaram a congregação de Stillmeadow com feridas profundas.

”Os relacionamentos dos membros uns com os outros sofreram uma fratura“, disse ele. “Eles careciam de cura”.

As feridas não curadas, segundo ele, levaram a um “problema na questão da mordomia”. Martin conta que, quando chegou, em 2017, ninguém tinha energia para pensar além das tarefas diárias dentro do prédio da igreja. Aqueles 10 acres de floresta eram invisíveis para eles.

A igreja também queria se conectar ao bairro. Quando Martin começou a tentar aprender sobre a comunidade ao redor da igreja, porém, um vizinho o levou de volta para a beirada impenetrável da floresta.

“Quando cheguei, ele empunhava um facão”, lembrou Martin.

Seguindo alguém que conhecia o lugar, desta vez Martin entrou. A serenidade o comoveu. Era tranquilo, cheio de trilhas de veados, cursos d’água e até trilhas por onde as crianças locais passavam. Os planejadores urbanos têm um nome para as linhas deixadas pelo repetido tráfego de pedestres fora da estrada: caminhos de desejo. Eles mostram onde o projeto paisagístico não atende às necessidades reais das pessoas — algo que Martin esperava que a igreja pudesse fazer.

Ele olhou ao redor da floresta e viu uma resposta de oração. O bairro precisava de espaço verde. A igreja precisava servir ao bairro. A floresta era um local em que essas duas necessidades se encontravam.

Isso é incrível, ele pensou consigo mesmo. Você simplesmente não consegue perceber do lado de fora.

Martin, em uma ação coordenada com o ministério Campus Crusade for Christ, recrutou centenas de estudantes universitários para limpar os detritos. Eles retiraram seis toneladas de vegetação rasteira e lixo da floresta. A igreja, então, fez parceria com o gabinete do prefeito de Baltimore e com o Departamento de Agricultura dos EUA. Eles removeram espécies invasoras e freixos derrubados pela broca esmeralda; também plantaram mais de 2 mil árvores adicionais.

No início, os membros da igreja pensavam no projeto como a “loucura do pastor Michael”, disse Martin. Mas ninguém o impediu. E como ele continuou a trabalhar nisso, recrutando voluntários e exortando a igreja a aprofundar seus cuidados uns com os outros e com seus vizinhos, a congregação começou a pensar mais na floresta como sendo a sua floresta.

Eles começaram a fazer jardinagem e a criar abelhas. Um ornitólogo da Universidade Johns Hopkins avaliou a população de aves. Martin reuniu um grupo de adolescentes para acompanhá-lo na avaliação. Ele observava, enquanto o cientista segurava um pássaro e permitia que os adolescentes se aproximassem.

“De repente, um garoto de 15 anos voltava a ter 7. Ele captava todo esse fascínio”, maravilhava-se o pastor. “Ele não é indiferente.”

Era um processo que ele viu se repetir várias vezes, à medida que as pessoas encontravam a floresta, que a igreja batizou de “Stillmeadow Community PeacePark and Forest” [Parque e Floresta da Paz da Comunidade Stillmesdow].

Pesquisas mostram que o tempo gasto na natureza melhora a saúde mental e física, mas os mesmos padrões da migração dos brancos, que deixaram Stillmeadow marcada e frustrada, também levaram a uma “lacuna de natureza” entre famílias brancas e famílias negras.

A crescente preocupação com esta e outras questões ambientais, incluindo ilhas de calor urbanas e a qualidade do ar, aumentou o interesse pela floresta de Stillmeadow, disse Martin. É a conexão das preocupações de sua comunidade predominantemente negra e do movimento ambientalista, em grande parte liderado por brancos, preenchendo o que ele vê como uma divisão artificial entre as duas causas. “Todos nós deveríamos estar falando sobre as coisas que são úteis e saudáveis”, disse ele.

Reabilitar uma área arborizada em um bairro negro não foi apenas uma benfeitoria ambiental, mas também um investimento no bem-estar daquele bairro. Ao mesmo tempo, aqueles motivados pela justiça social para os negros exigiam que estes se preocupassem com a saúde desses 10 acres de árvores, disse Martin.

Agora, quando está no parque e fecha os olhos, Martin disse que sente a alegria e a magnificência de uma brisa de primavera, a magnitude do farfalhar das árvores.

“São coisas que nos apontam para Deus”, disse ele.

Em Michigan, Koning sente o mesmo. Quanto mais vai até o divisor de águas de Rush Creek, perto de sua igreja, mais ele se convence de que a natureza não é apenas um bem, mas sim uma necessidade crítica para as pessoas que buscam a Deus.

Ele tem notado cada vez mais o quanto das Escrituras se passam em ambientes ao ar livre: desde Deus falando a Abraão, os salmos considerando os céus, até as andanças de Jesus para todos os lados, falando sobre o reino de Deus.

É um contraste gritante com os estudos da Bíblia que fazemos no ar condicionado, cercados de livros, que é como a maioria dos sermões modernos são escritos, disse Koning.

“Nós transformamos o cristianismo em uma religião entre quatro paredes.”

Certa vez, ele se lembra de pedir à sua congregação cristã reformada para dizer onde eles sentiram poderosamente a presença de Deus, destacando os lugares onde as pessoas passam a maior parte do tempo. No escritório? No lar? Sim, para poucas pessoas. Na igreja? Claro, às vezes.

Quando Koning disse “natureza”, pelo menos 80% das pessoas de sua congregação levantaram as mãos. Ele então se perguntou se o ministério deveria ser uma atividade tão estritamente interna, que acontece entre quatro paredes.

A igreja diminuiu muito nos anos 2.000, passando de cerca de 300 membros para 50, durante a pandemia. Esses 50, no entanto, são missionários, disse Koning, e comprometidos em cuidar de sua comunidade. Eles têm programas para pessoas com necessidades especiais, pessoas em situação de rua e pessoas que lutam para conseguir comida suficiente para viver.

Uma equipe também começou a limpar um pequeno córrego na propriedade da igreja, que deságua em um riacho próximo. Eles a chamavam de “equipe do córrego”. Foi apenas um pequeno esforço, no início, mas depois chamou a atenção dos conservacionistas do estado, que vieram e ensinaram os voluntários da igreja a monitorar a qualidade da água.

Então, com a ajuda dos conservacionistas, a igreja conseguiu cerca de 100 mil reais em subsídios do Departamento de Qualidade Ambiental de Michigan, para realizar um levantamento de espécies de macroinvertebrados — rastreando e contando as libélulas, efeméridas, tricópteros, libelinhas e mexilhões brancos.

“Deus os criou com propósito e design”, disse ele. “Se eles não estiverem lá [na natureza], não podem dar glória a Deus.”

Conhecer os macroinvertebrados era uma forma de cuidar do meio ambiente, mas para Koning também ficou claro que esse trabalho tinha a ver com adoração. Ele acredita que a degradação do habitat obscurece a glória de Deus.

“Por que estamos amordaçando Deus, colocando plástico em sua boca, para que a criação não possa falar?”, disse Koning.

A igreja agora se reúne ao ar livre a cada dois domingos. Eles designaram um local como “Estação da Criação”, e nele Koning ensina as crianças da igreja sobre a natureza. Eles vão para fora, faça chuva ou faça sol, reunindo-se ao redor de uma fogueira, se estiver frio — o que geralmente acontece em Michigan.

Em 2022, a congregação decidiu inclusive mudar de nome. A Trinity Christian Reformed Church agora se chama The Refuge [O Refúgio].

“Queríamos ser mais conhecidos por fornecer refúgio”, disse Koning, “não apenas para pessoas, mas para polinizadores, animais e macroinvertebrados”.

Chamado é uma coisa engraçada como esta. Você ama a Deus e quer servir, e logo estará rastreando e contando cuidadosamente criaturas ao longo de um córrego, e proclamando as Boas Novas junto com macroinvertebrados.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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