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De volta à faculdade, estudantes evangélicos estão ansiosos para falar e ouvir sobre questões raciais

Uma pesquisa da InterVarsity sobre cristãos em universidades seculares mostra que muitos se sentem acolhidos e desejam “buscar juntos o bem comum”.

Christianity Today September 23, 2021
MediaNews Group / Longmont Times-Call via Getty Images / Contributor

Estudantes universitários cristãos que estão voltando às aulas neste outono esperam conversar com seus colegas não evangélicos sobre questões relativas a raça, racismo e justiça racial. De acordo com uma pesquisa recente da InterVarsity Christian Fellowship com 316 estudantes evangélicos matriculados em 127 faculdades e universidades seculares, eles estão prontos para isso.

Os estudantes cristãos classificam o racismo e a desigualdade racial como uma das principais preocupações sociais. Quando solicitados a citar as três questões mais importantes hoje, quase 40% dos estudantes falaram em justiça racial, cerca de 40% citaram a pobreza e outros 29% mencionaram o meio ambiente. Em seguida foram mencionadas questões como o cuidado de crianças carentes (28%) e a redução do aborto (26%).

Jessica Pafumi, diretora da InterVarsity na área metropolitana de Springfield, Massachusetts, disse que espera que as conversas sobre raça continuem de onde pararam na primavera.

“A questão da justiça racial se destacou muito no ano passado”, disse ela. “Acho que é predominante para o ambiente em que os estudantes se encontram, mas também acho que é predominante para sua experiência pessoal”.

Pafumi e outros líderes da InterVarsity dizem que isso é parte de uma mudança mais ampla que eles veem na próxima geração de evangélicos. Os cristãos da geração Z anseiam por ouvir, querem se conectar com as pessoas em nível pessoal e compartilham preocupações sociais com seus colegas.

“Os estudantes não traçam fronteiras rígidas — algo como linhas ou limites espessos entre si”, disse à CT Tom Lin, presidente e CEO da InterVarsity. “Eles estão dispostos a cruzá-las, a interagir uns com os outros, a fazer coisas juntos”.

Aneida Molina, uma estudante hispânica que está cursando o terceiro ano na American International College (AIC), disse que conversa regularmente sobre raça e racismo com amigos evangélicos na InterVarsity — alguns dos quais frequentam outras faculdades próximas — e também com amigos não evangélicos na AIC.

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Muitas de suas conversas na AIC são com outras pessoas de cor — “Nós experimentamos esse quebrantamento, essa injustiça racial”, disse ela —, mas por meio da InterVarsity ela interage com um grupo mais diversificado de pessoas que falam sobre racismo, o que ela aprecia.

Molina disse que, com seus amigos da InterVarsity, ela também é capaz de explorar a intersecção de sua fé com a identidade racial.

De acordo com Molina, sua fé é fonte de consolo, embora ela pessoalmente tenha sofrido preconceito e veja outras pessoas sofrerem também. Molina disse: “Eu encontro muita plenitude em Jesus e no fato de ser capaz de saber que há esperança em algo que este mundo não pode oferecer”.

No entanto, por ser capaz de se conectar com amigos não evangélicos sobre suas experiências comuns como pessoas de cor, Molina disse: “isso de certa forma abre as portas para termos uma conversa sobre fé”.

Como Molina, outros estudantes que participaram da pesquisa da InterVarsity disseram que se sentem acolhidos por seus colegas.

Embora a maioria dos alunos pesquisados seja religiosa — 95% dizem que o envolvimento com a igreja é importante para eles — muitos não sentem muita tensão nem conflito com suas escolas seculares. Setenta e cinco por cento disseram que seu campus acolhe e apóia os evangélicos.

Ainda que grupos evangélicos às vezes tenham de lutar por seu direito de governar a si mesmos de acordo com suas próprias regras — a InterVarsity ganhou uma ação contra a Universidade de Iowa, em julho — os alunos não se sentem pessoalmente perseguidos.

Estudantes evangélicos em instituições não evangélicas sentem que “há muitas oportunidades de buscar juntos o bem comum”, disse Lin, “com os estudantes cristãos tendo sua fé como a base de sua convicção, embora também se sintam muito à vontade para trabalhar e servir com pessoas que vêm de uma formação diferente”.

Os diretores de área da InterVarsity dizem que isso tem sido especialmente verdade nas conversas em andamento sobre racismo. Jenn Krauss Salgado, que supervisiona o programa na San Diego State University, disse que os cristãos brancos, em particular, estão pensando sobre essas questões — refletindo sobre sua identidade racial e como eles devem se relacionar com questões como o movimento Black Lives Matter, a teoria crítica da raça e os debates sobre causas e soluções para o racismo.

“Estamos dispostos a processar tudo isso com eles, naqueles pontos em que eles podem não saber processar essas conversas”, disse ela.

Krauss Salgado realizou um evento para estudantes, via Zoom, no verão passado, tratando de questões de justiça e igualdade racial, sobre o qual ela fez uma postagem na página do Instagram para a seção local da InterVarsity. Depois de ver a postagem sobre o evento, um aluno entrou no Instagram e disse: “Nossa, eu nem sabia que os cristãos se importavam ou falavam sobre essas coisas. Eu estava tentando conciliar minha fé com todas essas tensões raciais e me perguntando como diabos eu posso me importar com meus amigos e com aqueles que estão sofrendo’”, lembra Krauss Salgado.

Krauss Salgado disse que a igualdade racial não é um diálogo inteiramente novo entre os evangélicos em idade universitária, mas os cristãos da geração Z estão especialmente ansiosos para tratar do assunto.

“Eles já foram preparados”, disse ela. “Muitos alunos que estão no ensino médio e entrando na faculdade já estão pensando nisso, e não só no início da faculdade.”

Mas a justiça racial não é a única questão social que surge nas conversas entre os alunos. Tanto Pafumi quanto Krauss Salgado disseram que outros dois temas que aparecem regularmente são as identidades LGBT e o aborto, e sobre ambos a InterVarsity tem uma posição tradicional.

Mas mesmo em relação a assuntos polêmicos da “guerra cultural”, os evangélicos mais jovens assumem um tom diferente que alguns que pertenciam a gerações anteriores possam ter assumido.

“Eles são bons em cuidar do próximo”, disse Krauss Salgado. “Vão se esforçar muito para não dizer nada que possa ofender as pessoas. E para ouvi-las bem”.

Os líderes da InterVarsity observam que a mudança pode preocupar alguns, que temem quanto à geração mais jovem estar pronta para lutar por questões importantes em praça pública. Mas há outra maneira de ver isso e também há algo no espírito dos cristãos da geração Z que deve ser celebrado.

“Esta deve ser uma notícia muito inspiradora e encorajadora para nós”, disse Lin. “Esta geração de cristãos não está apenas preocupada em amar a Deus, mas também em amar o próximo”.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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Por que a destruição ambiental prejudica a adoração

Quando destruímos a criação de Deus, não mais conseguimos ouvir seu chamado à reverência.

Christianity Today September 22, 2021
John Fedele / Getty / Edits by Rick Szuecs

Uma manchete de junho de 2021 da revista Atlas Obscura anuncia: “O hobby de aposentadoria de Tom Brown é uma dádiva de Deus para chefs, conservacionistas e sidras”. E eu acrescentaria “para a igreja” também.

Brown, engenheiro químico aposentado, passou os últimos anos procurando variedades perdidas de maçã. Na virada do século 20, havia cerca de 14 mil variedades de maçã nos Estados Unidos. Mas, segundo relata Eric J. Wallace na Atlas Obscura, “no final da década de 1990, os pomares comerciais dos EUA cultivavam menos de 100 variedades de maçã”.

Nos últimos 25 anos, Brown “recuperou cerca de 1.200 variedades e em seu pomar de dois acres […] encontram-se 700 das variedades mais raras” — amarelas, vermelhas e verdes com manchas, com nomes como Carolina Beauty e Sheepnose. Ainda assim, continua Wallace, “os especialistas estimam que cerca de 11 mil variedades antigas foram extintas”. Toda essa riqueza de doçura, acidez, cor e textura sutis. Todas essas gloriosas histórias e nomes da horticultura. Tudo isso perdeu-se. Foi substituído por uma engenharia de homogeneidade.

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Os debates ambientais podem acabar em abstrações. A escala da catástrofe ambiental pode deixar uma pessoa estupefata e apática. O problema é grande demais e muito difícil de entender. Contudo, as preocupações com a criação se tornam compreensíveis para mim nas particularidades do meu quintal, com seus pássaros, minhocas e pomares de maçã.

Como aponta Matthew Sleeth, um defensor do cuidado com a criação, quer se entenda ou mesmo se afirme a mudança climática antropogênica, podemos intuitivamente compreender que o mundo está morrendo. E nós, como igreja, devemos lamentar o modo que esse esvaziamento de nossos céus e mares prejudica não apenas a Terra, mas também nossa fé. A destruição da criação altera inevitavelmente nossa ética e nossa adoração.

Cada desaparecimento de espécies vegetais e animais é uma perda de algo que foi feito com infinito amor e criatividade. A natureza é um ícone — uma janela para o céu. Quando destruímos o ícone, não mais conseguimos ouvir seu chamado à adoração.

Em seu livro Against Nature, Steven Vogel escreve que, quando a natureza é objetificada, vemos a criação apenas como algo “a ser superado e dominado para fins humanos”. O resultado é uma “separação fundamental entre ser humano e natureza”.

O mundo criado deixa de ser um lugar de glória e maravilhamento e se torna, em vez disso, uma matéria inerte para exploração comercial e consumo pessoal. Um mundo sem raízes é um mundo sem Deus.

Além disso, nossa visão da natureza tem impacto de longo alcance em nossa teologia, crenças e ética. Se a criação for desvalorizada, nós, como criaturas encarnadas, esquecemos nosso próprio telos e significado. Se não importa o fato de perdermos 11 mil variedades de maçã, então, por que importaria de que modo uso meu corpo? Afinal, por que corpos seriam importantes?

Em seu editorial na revista CT sobre ética sexual cristã, Andy Crouch escreve que uma parte fundamental de uma teologia cristã do sexo é “que a matéria importa. Pois, por trás da desvalorização do corpo está, em última análise, uma aversão gnóstica pela encarnação em geral.”

Embora eu fale muito sobre a santidade da encarnação, na prática sou uma gnóstica limítrofe. Passo os dias conversando com colegas nas telas. Como alimentos que aparecem em minha mesa como num passe de mágica, pois nunca sujo minhas mãos no plantio ou na colheita. Tudo que escrevo e prego me mantêm em um mundo inebriante de ideias.

Para muitos de nós, o corpo dificilmente parece algo necessário. Com essa nossa desconexão cultural da tangibilidade, dos limites e dos ritmos do mundo natural, não podemos sustentar uma teologia do corpo que pareça diferente de algo arbitrário e abstrato.

Parte do chamado e do dom da igreja é mostrar às pessoas como viver como criaturas novamente. Para muitos, o caminho de volta à fé não se encontra em argumentos melhores — ainda que estes sejam importantes —, mas sim em uma conexão mais profunda com o mundo terreno, sujo e glorioso que nos rodeia. Preservar a beleza criada preserva a adoração.

Portanto, Tom Brown é um herói. Ele recuperou 1.200 amostras da maravilhosa sabedoria de Deus — 1.200 testemunhas de que esta matéria terrena, que incluiu nosso próprio corpo, é algo que importa. Ele resgatou um tesouro de ícones não menos sagrado do que um cofre cheio de preciosidades do Vaticano.

Espero ser mais parecida com ele. Espero sujar minhas mãos hoje, dar uma caminhada, aprender sobre outra variedade de árvore no meu quintal, comer da horta recém-plantada pelo meu marido e lembrar que o Criador também me fez. Ele me fez parte deste mundo, onde pedras, aves e até maçãs clamam por seu nome.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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Igreja Batista Bethlehem: líderes colidem sobre “superproteção” e “cultura de cancelamento”

Um debate sobre “empatia irrestrita” ressalta como os líderes que estão deixando sua função, entre eles o sucessor de John Piper, abordaram questões polêmicas como raça e abuso.

Christianity Today September 21, 2021
Ed Kohler / Flickr

Este deveria ser um ano marcante para a Igreja Batista Bethlehem, em Mineápolis, uma vez que a congregação histórica, mais conhecida pelos 33 anos de pastorado de John Piper, completou seu 150º aniversário.

O Bethlehem College and Seminary (BCS) — que começou como um instituto para treinamento de leigos da igreja e se transformou em um programa oficialmente reconhecido — também tem motivos para comemorar. Neste outono, a escola empossa seu segundo presidente, 10 anos após sua primeira turma de formandos.

Antes das comemorações, porém, a comunidade se encontra em meio ao que os líderes atuais chamam de “tempos confusos e desafiadores” e “uma época dura e difícil na vida de nossa igreja”. Nos últimos meses, três pastores e um membro da equipe pediram demissão do campus central da Igreja Batista Bethlehem, junto com dezenas de membros leigos. Outros quatro professores e funcionários deixaram a faculdade e o seminário no ano passado.

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Alguns dos rostos que aparecem no vídeo compilado dos “150 anos da Graça de Deus na Igreja Batista Bethlehem” não pertencem mais à igreja multilocal das Twin Cities, principalmente Jason Meyer, sucessor de Piper e pastor da Igreja Batista Bethlehem para a área de pregação e visão. Membros que passaram 10, 20 ou mesmo 30 anos adorando e servindo nessa igreja, e esperavam fazer parte da congregação pelo resto da vida, disseram adeus ao seu lar espiritual.

“O plano era ficar na Igreja Batista Bethlehem até irmos para os braços de Jesus. Não podemos nem pensar no que vem pela frente”, disse Debby Pickering, cuja família foi embora quando seu marido, Bryan, renunciou ao cargo de pastor. Enquanto ele tentava encontrar uma solução, ela não sabia o que fazer com sua própria frustração e ansiedade. “Nada nos cursos ministrados no seminário para esposas de pastores prepara a gente para isso”.

Eles deixaram para trás uma comunidade considerável — 2.400 membros espalhados por três campi — cujos líderes também estão decepcionados e tristes o bastante para que a igreja decidisse adiar para novembro as comemorações do seu 150º aniversário, que estavam programadas para acontecer no terceiro final de semana de agosto.

Diferentemente de outros escândalos e abalos evangélicos de alta repercussão que tomam conta das manchetes, a história na Igreja Batista Bethlehem não está tão clara. Em uma mensagem enviada por e-mail para a congregação, o pastor de um dos três campi da Bethlehem mencionou haver “questões complexas e sutis em jogo” na renúncia de Meyer, em julho. Mesmo as pessoas que partiram frustradas concordam que não existe uma pessoa ou causa única por trás do conflito.

Tanto os que estão partindo quanto os que ficaram reconhecem algumas das questões que dividiram a Igreja Batista Bethlehem, muitas das quais também estão pressionando outras igrejas conservadoras: justiça racial e teoria crítica da raça (CRT); o movimento #MeToo e o apelo para acreditar nas mulheres; bem como a natureza de traumas e abusos.

Por trás dessa constelação de tópicos polêmicos, porém, também existe uma discordância filosófica mais profunda sobre como abordar os vários conflitos em si. Em seu cerne estão questões sobre se, quando e como os cristãos podem desafiar aqueles que dizem que estão sofrendo — e como equilibrar os apelos para mostrar compaixão, buscar a verdade e arrepender-se do pecado em tais situações.

“Se eu simplesmente renunciasse e fingisse que acho que tudo está bem na Bethlehem, estaria sendo desonesto”, escreveu Meyer, que deixou a congregação no dia 1º de agosto. “Em vez disso, acredito que nossa cultura de liderança deu uma guinada em uma direção doentia, enquanto tentávamos navegar por conflitos e divisão”.

Em particular, desde a presidência de Donald Trump tem havido um aprofundamento das divisões entre os evangélicos americanos, expondo divergências não na teologia em si, mas no modo que eles, como cristãos, veem suas maiores prioridades e medos na sociedade. Essas divisões foram aceleradas por fatores como a polarização política, a questão racial e o estresse pandêmico.

Comentaristas tentaram analisar as linhas de erros, e os próprios evangélicos — entre eles o presidente e editor-chefe da CT, Tim Dalrymple — geraram categorias próprias para explicar como pessoas com uma fé comum podem entrar em desacordo.

Em sua carta de demissão, Meyer fez referência à “fratura do evangelicalismo”, descrita em um artigo recente do site “Mera Ortodoxia” que detalha como certos grupos experimentarão “diferenças significativas na filosofia de ministério a respeito de como contextualizar o evangelho neste momento cultural”. Enquanto circulavam acusações relativas a uma tendência liberal sob sua liderança, Meyer, por sua vez, via a congregação se movendo na direção contrária, e sugeriu que um pastor do tipo “neofundamentalista” seria mais adequado para aquela congregação.

Vários líderes atuais da Bethlehem, bem como o novo presidente do Bethlehem College and Seminary (BCS), Joe Rigney, apontaram para uma taxonomia semelhante à apresentada por Kevin DeYoung da The Gospel Coalition.

“Parte do que aconteceu nos últimos cinco anos, mais especificamente, foi o surgimento de linhas de falha ou fraturas entre pessoas que compartilhavam compromissos teológicos de forma sensata”, disse Rigney em uma entrevista para a CT. Ao mesmo tempo, “tem havido uma escalada e um aumento no tom da linguagem de modo que, quando determinada questão chega a ponto de se tornar o teste decisivo, quando ela se torna algo como: ‘Ou você está conosco ou contra nós’ — em contraste com ser vista simplesmente como uma inclinação ou tendência diferente, mas dentro de um mesmo compromisso teológico compartilhado — é nesse momento que temos problemas reais e fica difícil trabalhar juntos.”

Rigney ficou conhecido por levantar preocupações sobre o “pecado da empatia”, um tópico sobre o qual escreveu no site do ministério Desiring God e discutiu em uma série de vídeos apresentada por Doug Wilson. Suas preocupações concentram-se em algo que ele vê como expectativas contemporâneas de que as pessoas se juntem, em sua dor, a outras que estejam sofrendo. Essas sensibilidades, segundo ele teme, podem ameaçar o relacionamento dos cristãos com a verdade.

“Deus nos ordena que sejamos compassivos. Ele ordena que mostremos simpatia, mas as pessoas exigem empatia e consideram uma espécie de traição se você se recusar a se juntar a elas em sua dor, em sua queixa ”, diz ele na série apresentada por Wilson. Nesse contexto de uma empatia sem limites, ele argumenta, “você perde a capacidade de realmente fazer um julgamento independente sobre qualquer coisa que as pessoas estejam dizendo ou fazendo. Em outras palavras, você perde contato com a verdade”.

Rigney reconhece que fazer críticas à empatia soa provocativo, e se esforçou para explicar e defender sua posição on-line. Mas sua opinião também repercutiu. Para este artigo, mais de 25 pessoas conversaram longamente com a CT sobre suas experiências durante o conflito na Igreja Batista Bethlehem. Muitas trouxeram à tona o conceito de “empatia irrestrita” como sendo um fator que, segundo acreditam, tenha moldado as respostas dos líderes, quando confrontados com alegações de bullying, proteção da instituição e abuso espiritual.

Três pastores ‘empáticos’

A saída de Meyer em julho veio na sequência de outras duas saídas de pastores do campus central da Bethlehem. Ming-Jinn Tong, pastor para evangelização da vizinhança, anunciou sua renúncia em maio; e Bryan Pickering, pastor de cuidados e aconselhamento pastoral, em junho. Todos os três entraram em conflito algumas vezes com o conselho composto por mais de 40 membros da congregação, e finalmente perceberam que seus próprios ministérios e o foco da igreja estavam seguindo em direções diferentes.

Um ponto de tensão foi um processo de meses para avaliar as queixas feitas contra um presbítero da Batista de Bethlehem e professor do BCS, Andy Naselli, acusado de não ser “pronto para ouvir, lento para falar, lento para irar-se” e, portanto, de ser inadequado para as posições que ocupava, após seus comentários em uma reunião da igreja. O conselho de presbíteros concluiu, em abril, que as acusações contra Naselli não eram verdadeiras, mas dos quatro presbíteros três eram pastores que discordaram na esperança de que uma investigação mais aprofundada pudesse ocorrer.

Eles sentiram pressão por não concordarem com o restante do conselho sênior, a ponto de alguns líderes mais velhos terem dito que consideravam “insustentável” que Tong e Pickering permanecessem na Bethlehem, por causa de sua discordância.

Mas a questão não foi apenas a situação em torno de Naselli. Durante uma reunião em maio, os pastores do campus central enfrentaram outros desafios de alguns membros do conselho. “Sobre o pastor Jason, o pastor Ming-Jinn e eu mesmo, outro presbítero presente à reunião disse que, quando pregamos ou oramos em público, ou nos comunicamos publicamente com a congregação, estamos subordinando o evangelho a outras coisas”, disse Pickering à CT.

Enquanto Meyer estava de licença sabática em maio, Pickering e Tong foram excluídos da programação de oração e pregação de domingo. Eles renunciaram não muito depois disso.

Meyer, cujo envolvimento na Batista de Bethlehem remonta a 1999, voltou de seu ano sabático com o que ele diz ser um claro chamado de que era hora de ele sair também. Ele descreveu seus motivos para sair em uma carta de demissão de 3.100 palavras que vazou recentemente, quase um mês depois de a igreja ter anunciado sua saída em um breve e-mail.

Ele diz que as acusações contra ele eram: “(1) que subordinei o evangelho, (2) que dei poder às vítimas (‘superproteção’) e (3) que permiti que a compaixão pelos outros dirigisse e ditasse a direção de minha liderança”.

“Em um clima de suspeita, compaixão pode parecer superproteção”, escreveu Meyer.

Um membro leigo, que frequentou a congregação por mais de uma década e pediu para não ser identificado para preservar as relações ministeriais, disse à CT que fazia sentido que Meyer, Pickering e Tong fossem os únicos a sair, já que eram vistos como “empáticos”. Para alguns, a disposição desses três pastores de ouvir e defender os fiéis, seus ensinamentos sobre raça e abuso e a liderança que exerciam no campus central da cidade consistiam em recursos especiais para a igreja.

“Ouvi várias pessoas que disseram coisas como, por exemplo, quando ouviam Jason ou Ming-Jinn pregar ou eu orar publicamente, ou viam coisas que eu postava nas redes sociais, elas se sentiam muito cuidadas, sentiam ter sido vistas ou que estavam alinhadas conosco”, disse Pickering, que liderou a igreja em oração nos domingos após a insurreição do Capitólio, a posse presidencial, o tiroteio no spa de Atlanta e o assassinato de Daunte Wright. “E se estou dizendo que não é mais um lugar em que sou capaz de dizer essas coisas publicamente e permanecer seguro, então, as pessoas pensarão: ‘Esse também não é um lugar para nós.‘”

Mas para outros, o foco dos pastores em questões de raça e abuso refletia uma filosofia diferente de ministério.

“Eu acredito que a questão não é se devemos ou não mostrar compaixão (pois devemos), mas se nossa compaixão estará enraizada no evangelho — implantada com discernimento e com a disposição de fornecer correção ou repreensão (Tito 1.13),” Steven Lee, pastor do campus Norte da Bethlehem, escreveu em resposta à carta de demissão de Meyer.

“Eu tinha uma preocupação cada vez maior de que essa compaixão que carecia de discernimento pudesse, em última instância e sutilmente, minar a sã doutrina. Observei padrões de liderança que procuravam ajudar pessoas que estavam sofrendo, mas deixaram essas mesmas pessoas ainda mais frustradas e decepcionadas.”

A queda de ‘Man Rampant’

Piper recepcionou e defendeu o pastor e autor Doug Wilson ao longo dos anos, mesmo quando ele se tornou uma figura cada vez mais polêmica no evangelicalismo, por seus ensinamentos sobre escravidão, mulheres e outras questões. Rigney é graduado pelo New Saint Andrews College, fundado pela Christ Church de Wilson, em Moscou, Idaho, e mantém laços com ele.

A entrevista de Rigney sobre o “pecado da empatia”, lançada em outubro de 2019 como o episódio de estreia, faz parte da série de Wilson chamada Man Rampant. Um ano depois, Rigney, que ensinava teologia e literatura no BCS desde 2007, foi nomeado o segundo presidente da escola, em um anúncio feito por Piper, então chanceler. Embora Rigney sirva como pastor na igreja Bethlehem em St. Paul, Cities Church, ele é o primeiro chefe do BCS que não pertence à própria Igreja Batista Bethlehem.

O Bethlehem College and Seminary cresceu a partir do centro de treinamento administrado pela igreja que data de décadas atrás. Ele fez a transição para um programa de graduação formal, que acabou ganhando reconhecimento oficial em 2015. Continua sediado no campus central de Bethlehem e, embora o BCS tenha seu próprio conselho de curadores, há uma sobreposição significativa na liderança.

“Nosso reitor acadêmico é presbítero da igreja. Cinco de nossos professores são presbíteros; quatro de nossos curadores também são”, disse Rigney. “Em termos de liderança da escola, são os mesmos caras. São os mesmos indivíduos que estão sentados em ambos os lugares. Agora, obviamente, sou pastor em uma igreja à parte, mas essa igreja tem o mesmo compromisso doutrinário que a Bethlehem tem ”.

Com Rigney programado para liderar a faculdade e o seminário, alguns temiam que suas visões teológicas e afiliações se confundissem com as de Bethlehem — especificamente suas preocupações sobre empatia, discutidas na entrevista de uma hora a Wilson (que agora está no YouTube).

Janette e Steve Takata, que participaram e serviram em Bethlehem desde 2003 e 1990, respectivamente, estavam preocupados o suficiente para que Janette fizesse uma moção na reunião trimestral da igreja, em janeiro. Ela solicitou que, antes de Rigney assumir o cargo, os presbíteros fizessem uma declaração para “separar” as visões de Rigney no episódio das “visões e ensinamentos da Igreja Batista Bethlehem”.

Janette Takata apontou que Rigney era identificado como sendo de “Bethlehem” no vídeo, e que um professor do BCS e presbítero de Bethlehem postou uma avaliação que dava cinco estrelas ao episódio. Ela questionou como aquela mensagem, na qual Rigney e Wilson discutiam exemplos de mulheres que usaram manipulação emocional ou falsa alegação de abuso, se encaixaria com o próprio ministério da igreja para cuidar das vítimas.

Naselli, professor associado de teologia e Novo Testamento do BCS, manifestou-se para se identificar como a pessoa que fez a avaliação que deu cinco estrelas ao episódio e disse que, se a moção fosse aprovada, ele pediria demissão. A ameaça efetivamente encerrou a discussão. Os Takatas ficaram chocados com a resposta. Nas semanas seguintes, enquanto a igreja tentava fazer as pazes entre eles e Naselli, o casal se sentiu difamado no processo, pois o professor passou a caracterizar sua moção como divisiva e desrespeitosa.

As preocupações dos Takatas rapidamente se tornaram maiores do que as que motivaram a moção, e eles entraram com queixas, desafiando as qualificações de Naselli como presbítero. Essa discussão trouxe à tona questões subjacentes e diferenças filosóficas, inclusive sobre o assunto das próprias observações de Rigney.

“A atitude por trás da moção é facilmente interpretada como a de alguém ofendido ou magoado, e transforma essa ferida ou ofensa em uma cruzada”, escreveu Naselli em um e-mail para outros presbíteros, em fevereiro, referindo-se à ofensiva como uma forma de “cultura do cancelamento”.

Naselli afirmou que reagiu na reunião por se preocupar em desacreditar Rigney antes que este assumisse a presidência, depois de o BCS ter passado por um cuidadoso e minucioso processo de seleção para escolhê-lo. Mas também viu a discussão como um símbolo que apontava para as outras questões que se agitavam em torno de Bethlehem.

Ele disse aos presbíteros:

Nos últimos anos, tenho sofrido muito por nossa igreja, em relação a como abordamos a harmonia étnica e questões afins em nossa cultura, entre elas a política partidária, a teoria crítica, a teoria crítica da raça, a interseccionalidade, o movimento “Vidas negras importam” etc.

Sinto como se tivéssemos nos deparado com sucessivas ondas, e em um esforço de boa fé para manter a paz e alguma forma de unidade, não falamos com clareza suficiente sobre o que é verdadeiro e o que é falso e, em vez disso, tentamos apaziguar as pessoas de tendência esquerdista que estão virtualmente insatisfeitas…

Quando os Takatas finalmente se encontraram com Naselli e os líderes da igreja, eles viram que “há mais linhas divisivas sendo formadas aqui do que esperávamos”, disse Janette à CT. E insistiram que Naselli pecou contra eles “ao explicar e negar”, em vez de procurar entender. Também disseram que ele “nos acusou falsamente de insubordinação a um pastor e de agir de maneira intencionalmente divisiva”.

Mas Naselli, de acordo com as transcrições dos Takatas, falou sobre a diferença entre intenção e impacto e, em última análise, não viu sua resposta como pecaminosa. “Eu sinto terrivelmente por tê-los magoado; eu reconheço isso e me arrependo, sinto muito”, disse ele. “Não estou convencido de que pequei contra vocês. Eu não tive nenhuma intenção de má fé contra vocês. ”

Mais tarde, ele se desculpou por não ter sido mais rápido em ouvi-los, tanto no momento quanto nas discussões posteriores sobre o incidente, embora em abril os presbíteros tenham considerado as queixas contra ele infundadas. Naselli não respondeu aos vários pedidos da CT para comentar essa história.

O discurso direto de Andy Naselli

A notícia das queixas oficiais contra Naselli, um dos professores mais conhecidos do BCS, espalhou-se entre seus cerca de 400 graduados. Ele é muito respeitado por seu conhecimento e rigor, tendo finalizado dois PhDs (em Bob Jones e Trinity Evangelical Divinity School) antes de completar 30 anos. Ele escreve para The Gospel Coalition e tem servido como assistente de pesquisa de longa data para D. A. Carson.

Naselli frequentemente começava o semestre com uma explicação da terminologia de Malcolm Gladwell sobre discurso direto versus discurso mitigado — sendo direto os comandos que você dá quando um avião está caindo, e mitigado, as sutilezas que você usa como uma questão de cortesia. As implicações eram claras: ele não seria açucarado nas aulas desta matéria.

Mesmo com o aviso, houve momentos em que o tom e o comportamento na sala de aula se intensificaram em contraste com outros no BCS. Quatro alunos relembraram intensos debates, em seu curso de graduação de 2019, sobre ética e apologética cristãs. Em uma aula, Naselli discutiu com aqueles que discordaram dele sobre o mal ter sido criado, a ponto de cerrar os punhos, grunhir e chamar a posição oposta de “quase uma heresia”. Ele acusou um estudante de “diluir a Bíblia com sua compreensão do mal e de sua existência”, de acordo com Brax Carvette.

“Isso foi desconcertante para mim. Aprendemos Agostinho na aula de doutrina”, disse Carvette. “Foi uma discussão muito acalorada. Fiquei muito desapontado. Até este ponto, eu o achava um cara muito legal e de posição autoritativa em seu ensino”.

À medida que o debate e os xingamentos aumentavam, Jeffrey Hall se juntou ao grupo de estudantes que defendia a posição agostiniana do mal como privação ou como ausência do bem. Sua experiência na aula o levou a ouvir outras pessoas que foram publicamente desafiadas por Naselli, e ele trouxe preocupações de uma dúzia de alunos aos líderes da igreja no BCS, no ano seguinte.

O BCS é uma escola confessional em que os professores ensinam a partir de sua declaração de fé de 52 páginas, mas a qual alunos de outras tradições podem frequentar. A maioria, porém, vem por meio do movimento Young, Restless, and Reformed. Eles são atraídos pela teologia reformada e pelo hedonismo cristão de Piper, que se reflete no lema da escola: “Educação em sóbrio contentamento”.

“Em uma sala de aula repleta de homens que dariam suas vidas pelo evangelho, ver alguém, que supostamente está preparando você para o ministério, duvidar de seu compromisso com esse evangelho porque você não está convencido de que ele está certo sobre tudo é algo realmente difícil de lidar”, disse Karl Grant, que estudou com Naselli no seminário na condição de único luterano do programa. “Ele tinha o poder de simplesmente me destruir. Eu costumava me perguntar se eu era muito mole. Agora eu me pergunto por que ele era tão duro”.

A queixa apresentada por Hall foi uma das duas oficiais apresentadas contra Naselli, no ano passado. Tabb e outros líderes do BCS conduziram a investigação das queixas dos ex-alunos, que foi concluída em agosto passado. Alguns atuais alunos do seminário dizem que ficaram satisfeitos com o resultado e viram o arrependimento do professor após o processo de investigação.

Embora o processo tenha sido feito com a aprovação dos pastores da Bethlehem e do presidente do conselho, alguns queriam que a igreja conduzisse sua própria revisão de Naselli no ano passado. Mesmo antes da seleção de Rigney e da investigação de Naselli no BCS, os líderes da igreja começaram a repensar o que significava para a faculdade e o seminário ser uma escola “baseada na igreja”, quando a igreja agora tem três campi em vez de um. Kenny Stokes, pastor e presbítero da Bethlehem e também professor associado e curador da BCS, disse à CT que eles estão atualmente em discussão para esclarecer protocolos e políticas entre as duas instituições.

No ano passado, Pickering e Meyer pediram demissão de seus cargos de ensino no BCS, tendo Pickering citado entre seus principais motivos reclamações “flagrantes” de estudantes contra um “professor-presbítero”. Ele também se opôs à escolha de Rigney como presidente por complicar o relacionamento do BCS com a igreja e por suas afiliações a Wilson. Meyer também havia renunciado ao conselho de curadores do BCS.

Quando Christina Boyum, uma graduada da faculdade, discutiu o que aconteceu na classe de Naselli com um membro da igreja Bethlehem, ela ouviu: “O fato de um aluno se sentir magoado não significa que alguém pecou contra esse aluno. Não há mal no fato de alguém se sentir magoado”.

A ex-aluna do BCS ouviu ainda desse mesmo membro: “Viemos de uma geração em que a filosofia de ensino de Naselli — e a de Don Carson — é inteiramente normal. Eles estão tentando nos endurecer. O aluno está aprendendo a não se deixar levar por suas emoções. Esta geração — os jovens — não está sendo preparada corretamente para sobreviver no mundo em que se encontrará”.

Essa ideia surgiu no discurso cultural com termos mais carregados e, muitas vezes, menos teológicos: a excessivamente sensível “geração floco de neve”, o debate sobre alertas de gatilho e o best-seller de 2018 The Coddling of the American Mind.

Em Bethlehem, Rigney disse, “queremos tirar essa superproteção da mente americana, ou pelo menos da mente cristã. Não queremos esse tipo de escalada, exagero e fragilidade em jogo. Isso faz parte de toda a nossa abordagem educacional” (Ele se recusou a comentar sobre Naselli ou quaisquer membros específicos do corpo docente.)

Christina Boyum disse que foi por causa de seu treinamento na Bethlehem que ela sentiu que deveria levantar essas preocupações. No geral, seus professores e pastores “modelavam uma maneira de interagir com o mundo que não se baseava no medo e na suspeita, mas sim em abertura e pensamento crítico”.

“Há muito que amo em Bethlehem. Francamente falando, só tenho essas preocupações porque me formei em nosso programa de graduação. Acredito que certos aspectos da cultura do BCS são inconsistentes com a missão e visão que passei a amar ”, disse ela. Ela fez referência aos seis hábitos que moldam a educação no BCS: observar, compreender, avaliar, sentir, aplicar e expressar. “Quando falamos sobre os seis hábitos do coração e da mente, [precisamos] realmente fazer isso”.

Rigney disse que, como hedonistas cristãos, o sentimento se torna um diferencial educacional no BCS. “Nós valorizamos muito a educação em sóbrio contentamento e, portanto, achamos que as emoções são importantes”, disse ele. “O ponto-chave das várias maneiras — talvez eu esteja sentindo isso mais diretamente agora — é a maneira que nossas reações emocionais à realidade precisa estar de acordo com a realidade”.

Rigney reconhece o abuso espiritual como algo que acontece em contextos cristãos, mas também desafiou o que vê como a possibilidade da crítica ou correção, a partir de uma posição de autoridade, vir a ser “exagerado” como abuso. Da mesma forma, Lee, no campus Norte de Bethlehem, referiu-se às acusações de abuso espiritual contra Naselli como fruto de uma “deformação de conceito”, sugerindo que as concepções de abuso e vitimização estão sendo excessivamente ampliadas.

Harmonia étnica

No ano passado, enquanto o reitor acadêmico do BCS, Brian Tabb, analisava as queixas dos alunos contra Naselli, a escola também passou por uma investigação à parte, em resposta a um grupo de funcionários atuais e ex-funcionários que levantaram preocupações genéricas sobre a liderança e a cultura no local de trabalho, entre elas a posição das mulheres e das minorias na escola. A investigação descobriu que as políticas do BCS não violavam as leis para o local de trabalho. A escola também contratou sua única professora, Betsy Howard, este ano.

Na conclusão das duas investigações, Johnathon Bowers — que lecionou por uma década no BCS — não se sentiu melhor quanto às crescentes reservas que tinha sobre seu lugar na faculdade. “Não há um fator único que me tenha afastado desta escola. Vários fatores foram se combinando ao longo do tempo”, escreveu ele em sua carta de demissão no ano passado.

Bowers era um professor que ansiava pelo primeiro dia de aula todos os anos e adorava interagir com os alunos — e isso era algo que se notava. Tabb, em um e-mail de outubro de 2020 em que anunciava os últimos dias de Bowers no BCS, descreveu-o como alguém “amado pelos alunos e colegas por seu ensino de excelência, seu bom humor, sua compaixão pelos marginalizados e sua amizade fiel”.

Custou-lhe muito deixar a sala de aula. Ele disse que sentiu a convicção de que não poderia, em sã consciência, permanecer no BCS, e, no final de 2020, sua família também deixou a igreja Bethlehem.

Entre suas preocupações, o ex-professor assistente de teologia e filosofia escreveu que os líderes usavam “as Escrituras ou vocabulário cristão para desabonar reclamações de funcionários e alunos” e que ele se sentia pressionado a “pisar em ovos” quando tratava de progresso racial. Bowers disse que no BCS, “O movimento ‘Vidas negras importam’ parece mais ameaçador do que o racismo que tornou essa frase necessária”.

Ele também expressou receio em relação ao tratamento dispensado às mulheres, que ele dizia ser resultado de atitudes que iam além das convicções com o complementarismo e giravam em torno dos laços de Rigney com Wilson.

Piper respondeu ao relato de Bowers em um e-mail dirigido à comunidade do campus, dizendo que a caracterização de Bowers não se alinhava com a sua, como chanceler.

“Se você descobrir com o tempo que as percepções de Johnathon são verdadeiras, você certamente procurará outro lugar para estudar ou trabalhar. E, nesse caso, a escola certamente murchará e morrerá. Como deveria mesmo”, escreveu ele. “Mas se você vê o que eu vejo, e se você sente que esta é uma comunidade (composta de liderança, corpo docente e alunos) amorosa, solidária e justa, e se compartilha do meu entusiasmo sobre o futuro debaixo da liderança de Joe Rigney e sob a providência misericordiosa de Deus, então, acredito que caminharemos juntos em verdade e amor, e teremos um grande impacto para a glória de Cristo”.

A sensibilidade em relação ao movimento “Vidas negras importam” e as abordagens divergentes às questões raciais contemporâneas têm um impacto particularmente forte sobre a comunidade de Bethlehem. Muitos no BCS, incluindo o próprio Bowers, foram influenciados pelo livro de Piper, Bloodlines, de 2011, em que este faz uma confissão de seu próprio racismo e seu desejo por diversidade.

A discussão cristã sobre o racismo percorreu um longo caminho nesses 10 anos desde o lançamento de Bloodlines, e ganhou mais peso em meio à recente série de assassinatos de alta repercussão, causados por policiais — três deles apenas na área de Mineápolis: os assassinatos de Philando Castille, George Floyd e Daunte Wright . Ao mesmo tempo, aumentaram as preocupações em torno do pensamento secular sobrepor-se às abordagens bíblicas sobre raça, principalmente em relação à teoria crítica da raça.

“Eu não comecei a experimentar conflitos regulares até que comecei a defender questões de justiça racial”, disse Bowers à CT.

Os três pastores que deixaram Bethlehem moravam a poucos quilômetros de onde George Floyd morreu em 2020. Para ajudar a comunidade nos tumultos e na tristeza que se seguiram à morte de Floyd, Tong liderou esforços na igreja que incluíram a abertura de mercearias de emergência.

Filho de pais taiwaneses e nascido nos Estados Unidos, Tong também usou trajes tradicionais chineses ao pregar no domingo, após o tiroteio na casa de massagens de Atlanta. Ele e Pickering, que leram os nomes das vítimas em oração naquela semana, receberam críticas de um colega presbítero por mencionar a raça como um componente do incidente.

Os alunos também notaram os efeitos, quando professores foram ficando menos dispostos a encontrar mérito em conceitos que passaram a ser associados à teoria crítica da raça, como o conceito de viés institucional. “As barreiras continuam aumentando”, disse Josh Panos, um ex-aluno do BCS. “Há coisas que os professores admitiam no contexto das salas de aula quando eu comecei o curso que eles não estariam dispostos a admitir agora.”

Bethlehem usa a expressão “harmonia étnica”, pois acredita que etnia se encaixa melhor com as categorias culturais descritas na Bíblia do que raça, que é algo principalmente biológico ou físico. A igreja formou uma força-tarefa para tratar de assuntos relacionados à harmonia étnica em 2019 e revisar questões como representatividade e diversidade dentro da igreja e da liderança.

O grupo enfrentou resistência de presbíteros e pastores, os quais temiam que sua abordagem se concentrasse apenas nos pontos em que Bethlehem não estava fazendo o suficiente em questões de raça. Então, as descobertas do grupo não foram divulgadas para a igreja como um todo senão um ano e meio após o envio do relatório aos presbíteros. No final, sete dos dezessete membros originais da força-tarefa acabaram deixando Bethlehem, o que alguns presbíteros viram como uma confirmação de que suas dúvidas sobre o grupo eram justificadas.

Em fevereiro de 2021, a igreja divulgou uma declaração sobre harmonia étnica que afirma o amor dos cristãos aos próximos de todas as linhas étnicas, mas nega que “a diversidade étnica deva ser um fim em si mesma” e rejeita “todos os sistemas de pensamento que veem os relacionamentos principalmente através das lentes do poder —isto é, que consideram que aqueles com mais poder são inerentemente opressores e aqueles com menos poder são inerentemente oprimidos”.

Como em muitas igrejas evangélicas de maioria branca, alguns membros da congregação acreditavam que a igreja estava se esforçando muito pouco para abordar a harmonia étnica e a justiça, enquanto outros achavam que o foco estava demasiado.

O campus do centro da cidade era o mais diversificado dos três, com pessoas de cor que representavam 21% dos participantes. Meyer disse à sua congregação que esperasse que questões de raça continuassem a ser tratadas do púlpito. No domingo após a morte de George Floyd, ele pregou sobre o racismo e conclamou a igreja a se solidarizar com aqueles que estão sofrendo. Meyer disse: “Se você, como igreja, não gosta do que eu disse hoje, você terá que encontrar outro pastor, porque eu acredito nisso até a raiz do cabelo”.

Repensando o abuso

A questão do abuso também tem repercussão especial em Bethlehem. Nos anos após a saída de Piper, em 2013, a Bethlehem tinha suas próprias estimativas sobre o abuso doméstico em casamentos pautados no complementarismo. Meyer pregou em 2015 contra os perigos da “hiperliderança” e argumentou que não fazer nada, quando confrontado com o abuso, é ficar do lado do agressor. A igreja passou a revisar sua posição sobre o divórcio e começou uma equipe ministerial de resposta para cuidar das vítimas.

Olhando para trás, Pickering, como conselheiro, gostaria que a igreja tivesse estabelecido uma compreensão do abuso sistêmico antes de voltar seu enfoque para o abuso doméstico, em 2015.

Teria sido mais fácil, disse ele, passar da compreensão do abuso dentro de instituições e sistemas, como pode ser o caso com o abuso espiritual e o racismo, para outras formas, como o abuso que se manifesta nas relações matrimoniais. Mas é mais difícil mudar o pensamento das pessoas para o outro lado, embora mais recursos — livros como Something’s Not Right: Decoding the Hidden Tactics of Abuse — and Freeing Yourself from Its Power, de Wade Mullen e A Church Called Tov: Forming a Goodness Culture That Resists Abuses of Power and Promotes Healing , de Laura Barringer e Scot McKnight — estejam mudando a forma como as pessoas veem o abuso dentro da igreja.

Os líderes da comunidade de Bethlehem, porém, disseram que temem que as novas sensibilidades estejam prejudicando sua capacidade de pastorear e cuidar daqueles que estão sob seus cuidados. Rigney, do BCS, lamentou o desafio de reagir “se uma palavra mais dura imediatamente se tornar um abuso”. Lee, do campus Norte, está preocupado com o fato de que mesmo uma reação delicada e gentil corra o risco de ser incompreendida. “Existe uma maneira de repreender ou advertir quando alguém está sofrendo?”, perguntou ele.

Sarah Brima e seu marido, ex-membros da Bethlehem e da Cities Church de Rigney, saíram em parte por causa de sua afiliação com Wilson. Ela descreveu como foi difícil deixar uma igreja que ajudaram a plantar, mesmo quando surgiram divergências sobre raça e gênero. “Essas igrejas são realmente peso pesado em termos de teologia, nós mantemos nossa teologia em um patamar tão alto que, quando estávamos saindo da igreja, parecia que estávamos deixando a ortodoxia ao deixar nossa igreja”, disse ela à CT. “Se é assim que você se sente, provavelmente há algum problema.”

Brima, uma mulher branca cujo marido é negro, disse que viu a ideia de “empatia como pecado” ser usada como proteção contra críticas e acredita que ela pode causar “danos sem igual” às mulheres e às minorias, aparentemente minimizando seus sentimentos e experiências. “Quando nos deparamos com questões que atingem o âmago da identidade de uma pessoa, é natural ter respostas viscerais”, ela tuitou. “E essa resposta, é claro, é rotulada como imatura, manipuladora e reativa.”

No domingo passado, os campi da congregação começaram a se reunir para discutir a carta de Meyer e os motivos de sua renúncia. As partidas afetam mais diretamente o campus do centro da cidade, onde Stokes, pastor de plantação de igrejas de Bethlehem, assumiu algumas das funções de Meyer no curto prazo.

Durante os momentos difíceis dos últimos meses, ele se lembrou de Tiago 3.17 (ESV): “Mas a sabedoria do alto é primeiramente pura; depois, pacífica, gentil, aberta à razão, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sincera”. Enquanto o campus central sofre a perda de líderes e amigos de longa data, Stokes disse que continua a responder a perguntas, mas tem a sensação de que quase todos os membros restantes estão comprometidos em ficar.

Lee, no campus Norte, disse à CT que sua congregação, a maior da Bethlehem, foi incentivada a usar de franqueza na discussão e está pronta para seguir em frente. Ele desafiou seu rebanho a considerar a própria experiência à luz das alegações de Meyer de desvio em direção ao “neo-fundamentalismo” e à “cultura de unidade”.

“Temos espaço para crescer, mas sei que meus companheiros presbíteros do campus Norte têm procurado pastorear não por obrigação, mas de livre vontade; não por ganância, mas com o desejo de servir; e não como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho (1Pedro 5.2-3)”, escreveu Lee por e-mail.

Abigail Dodds, que frequenta o campus Norte, disse que a maioria permanece confiante na liderança da igreja — não com uma lealdade cega, mas com base no conhecimento pessoal de seu caráter — e que ela viu uma “unidade renovada em torno da Palavra de Deus e uma profunda esperança em Cristo entre os nossos membros”, nas últimas semanas.

“Bethlehem está nas mãos de Deus”, disse ela. “Ele não precisa de nós, mas por sua graça e por meio de seu Filho, pertencemos a ele. Continuaremos a nos confiar a ele em todas as circunstâncias”.

Discernindo a verdade

Igrejas e instituições evangélicas em todo o país estão tentando navegar nas águas de suas próprias divisões, mas o processo pode ser doloroso. Stokes disse que mesmo sem haver acusações de heresia ou de um falso evangelho, mas apenas diferenças de abordagem, “a discussão pode parecer muito pessoal. Desentendimentos nesta área podem parecer ataques pessoais ou ataques doutrinários, quando na verdade não são nenhum dos dois”.

A situação em Bethlehem destaca não apenas certas questões que estão sendo debatidas, mas também as filosofias conflitantes que moldam as respostas dos cristãos: Estamos nos acomodando tanto aos sentimentos que clamamos “pecado” onde não há pecado? Não estamos nos importando o suficiente com nossas responsabilidades para chorar com aqueles que choram? E há pessoas de ambos os lados que estão colocando a verdade contra a graça e distorcendo o caminho de Jesus?

Em Bethlehem, a maior fonte de frustração e decepção, em muitos casos, não veio das queixas em si, mas da resistência e das atitudes que as pessoas disseram ter enfrentado quando tentaram trazer à luz essas queixas.

Ann Mekala e seu marido, que faziam parte da força-tarefa responsável por questões de harmonia étnica, deixaram a igreja alguns anos atrás. Ela também deixou seu emprego no Campus Outreach de Bethlehem, depois de relatar o que considerou um comportamento dominador e sexista de um colega de trabalho e de apenas obter como resposta a reação dos líderes de culparem a personalidade e as ambições dela pelo conflito, disse Ann. Ela rotulou o episódio de “abuso duplo”.

Os Takatas, assim como o grupo de ex-alunos de Naselli, sentiram que também haviam passado por um processo complicado de orar, relatar, documentar, agendar, reunir-se e trabalhar para a resolução, mas apenas para ver o processo terminar sem sentir que suas preocupações foram totalmente compreendidas e que nada mudaria em decorrência disso.

Enquanto isso, os presbíteros da igreja e a administração do BCS concluíram que os processos funcionaram amplamente como deveriam, mas chegaram a uma conclusão diferente daquela dos que apresentaram as queixas. Na visão deles, alegações de comportamento impróprio ou de abuso nem sempre serão justificadas. Sentir-se magoado nem sempre é um sinal de que alguém pecou. Eles ficaram desapontados, também, pelo fato de que sua busca por evidências e pela verdade passou a ser vista como algo que desacreditava as vítimas ou que não demonstrava compaixão.

“Uma das coisas que surgem na discussão sobre abuso é que os abusadores e suas comunidades manipulam e minimizam o que fizeram”, disse Rigney. “Você vai ter pessoas em lados opostos dizendo que estão transformando montinhos de areia em montanhas, e outras pessoas dizendo que você está transformando montanhas em montinhos de areia. Parte do que quero dizer é que realmente há uma resposta para essa pergunta”.

Ambos os lados em um conflito querem saber o que de fato aconteceu; como cristãos, eles corretamente se empenham em trabalhar em prol da justiça e da reconciliação onde podem. Contudo, em contextos em que os crentes já concordam com a Verdade com V maiúsculo, há ainda mais peso e êxodo, quando as pessoas deixam de ver a postura do olho no olho em relação a uma situação de verdade com V maiúsculo.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Como devemos orar quando estamos sofrendo?

O que parece ser “descanso em Deus” pode, na verdade, ser uma máscara de resignação.

Christianity Today September 16, 2021
Source Image: Massimo Pizzotti / Getty

Quando sofremos, pode parecer por fora que estamos “descansando em Deus”, aceitando tudo o que ele nos concede. Mas, o que parece ser descanso pode, na verdade, esconder uma resignação espiritual perigosa e fatal. A verdade é que perdemos a esperança e colamos um adesivo com o rosto de Jesus sobre a face do nosso desespero.

Após a morte de meu filho pequeno, Paulo, o que para os outros parecia ser esse descanso era uma máscara de resignação. Eu implorei a Deus para poupar a vida do meu bebê, mas ele morreu enquanto eu orava. Nos dias que se seguiram à sua morte, planejei o funeral, falei da bondade de Deus e proferi palavras de teologia sólida — teologia na qual acreditava. Eu disse que estava descansando, confiando e firmando-me nas promessas de Deus, mas internamente estava, na verdade, afastando minha face dele.

Eu estava com vergonha de admitir para os outros, e até para mim mesma, como estava decepcionada com Deus; então, amortecia a dor com banalidades em que queria acreditar, ao mesmo tempo em que distanciava meu coração do Senhor. Minha fé, antes vibrante, logo se tornou apenas apatia e falta de oração, pois perdi a esperança de que Deus estivesse me ouvindo.

Meses depois, em desespero, finalmente clamei a Deus novamente. Eu não tinha outro lugar para ir. Ele me encontrou em meu desânimo e me atraiu de volta para si. Senti uma liberdade renovada, ao me abrir completamente com ele, e então comecei a expressar meus medos, a registrar meus questionamentos e a orar por meio de Salmos, enquanto processava minha dor. Esta fase de luta com Deus em oração finalmente reconquistou meu coração. Em vez de respostas, encontrei descanso no próprio Deus e uma paz que excede todo o entendimento. Minha jornada de luta em oração em meio ao sofrimento foi o que acabou me levando de uma resignação sem esperança para uma confiança real.

A razão para lutar

Lutar em oração é clamar a Deus, pedir o que precisamos, sem reter nada. Não é lutar contra Deus, mas sim agarrar-se a ele, esperando que ele responda e recusando-se a desistir ou a desviar o olhar. Agostinho escreveu em suas Confissões: “A melhor disposição para orar é estar desolado, abandonado, despojado de tudo”. Quanto mais desesperados estivermos, vamos orar de forma mais fervorosa e específica. Quando vemos que somente Deus pode mudar a situação que enfrentamos, caímos de joelhos, determinados a não desistir, até que ele responda.

Quando meu primeiro marido deixou nossa família, implorei a Deus dia e noite para que ele se arrependesse. Quando fui diagnosticada com síndrome pós-poliomilete, implorei a Deus que prolongasse e aumentasse minhas forças. Quando minha filha estava ficando cada vez mais desafiadora durante a adolescência, pedi a Deus que mudasse seu coração. Mas eu não apenas pedi a Deus por todas essas coisas. Eu implorei — às vezes com o rosto no chão, muitas vezes com lágrimas, várias vezes ao dia. Ninguém precisava me lembrar [de orar]. Eu estava desesperada pela ajuda de Deus.

As Escrituras consistentemente nos apontam para esse tipo de oração feroz, determinada, uma oração de luta. Jacó lutou com Deus a noite toda, declarando: “Não te deixarei ir, a menos que me abençoes”, e sua tenacidade lhe valeu um novo nome — Israel, que significa “aquele que luta com Deus” (Gênesis 32.26-28). Ana chorou amargamente perante o Senhor por um filho, e depois de muitos anos de infertilidade, Deus deu a ela um filho (1Samuel 1.9-20). Davi frequentemente lutava com Deus em oração, e seus salmos estão repletos de pedidos urgentes e muitas vezes frenéticos que Deus respondeu (Salmos 6; 22; 69).

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Jesus elogiou a oração persistente em sua parábola da viúva insistente, que obstinadamente clamava a um juiz injusto por justiça contra seu opositor (Lucas 18.1-8). Por causa de seus pedidos contínuos — por sua disposição de levar o assunto a ponto de irritar o juiz — ela foi recompensada. Jesus concluiu sua parábola dizendo: “Acaso Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite? Continuará fazendo-os esperar? Eu lhes digo: ele lhes fará justiça, e sem demora”. Deus nunca nos decepciona. Deus nunca se cansa de nossos pedidos e nunca os ignorará. Nosso choro está sempre alcançando alguma coisa.

Considere o que significa chorar para os bebês. É uma reação natural a alguma necessidade. Bebês que não gritam quando estão com fome ou molhados geralmente são aqueles negligenciados, que aprenderam que seus soluços são inúteis e não vão mudar nada. Mas quando um bebê chora, esse choro é uma afirmação instintiva de que alguém atenderá às suas necessidades. Este é o coração por trás da luta em oração. Quando lutamos — em nossa dor e necessidade — estamos reconhecendo que confiamos em Deus para nos ouvir e responder a nossos clamores.

Em que ponto as coisas podem dar errado

Tanto lutar em oração quanto descansar em oração pode trazer perigos inerentes. O problema está em lutar sem confiança e em descansar sem lutar. Quando lutamos sem confiança, somos verdadeiros a respeito de nós mesmos, mas não reconhecemos a verdade a respeito de Deus. E quando descansamos sem lutar, somos verdadeiros a respeito de Deus, mas não somos verdadeiros a respeito de nós mesmos. Ambas as situações podem levar à dureza do coração.

Embora o Senhor nos convide a lutar em oração, isso não nos dá o direito de exigir a resposta que desejamos, como se Deus nos devesse algo e tivesse de cumprir nossas ordens. Quando as pessoas oram com esse tipo de mentalidade, a oração não atendida pode fazer com que se afastem de Deus com raiva e hostilidade, questionando a bondade, o poder ou mesmo a existência de Deus. Sua luta lhes parece inútil e essas pessoas acabam desiludidas.

Em contrapartida, a recusa de lutar com Deus em meio ao sofrimento — em vez de proferir palavras piedosas, chavões religiosos e demonstrar uma falsa alegria exterior — muitas vezes pode mascarar um coração que perdeu a esperança e está longe de Deus. A dita expressão descansar em oração também pode ser uma desculpa para a preguiça espiritual, orações breves e desapegadas, sem coração nem vitalidade. Essas são o que Charles Spurgeon chamava de “orações na ponta dos dedos” em The Power of Prayer in a Believer’s Life [O poder da oração na vida de um crente] — orações que ele descreve como “aquelas delicadas batidas fugidias à porta da misericórdia”, pedidos que estão mais para manter as aparências ou que são feitos por obrigação, sem nenhuma expectativa de resposta.

O que esperamos de Deus pode ser a chave para discernir o verdadeiro do falso descanso em oração. Nosso descanso está nos afastando de Deus passivamente, porque perdemos a esperança de que ele nos responda? Ou o nosso descanso está nos aproximando ativamente dele pois, no fundo, sabemos que ele sempre responde com o seu melhor, mesmo que não o entendamos? Eu experimentei ambas as coisas. Depois que meu filho Paulo morreu, meu “descanso” foi uma fachada para a desconfiança passiva e a desesperança; mas depois que meu primeiro marido foi embora, meu descanso em Deus surgiu da confiança ativa e da esperança eterna.

A razão para descansar

Enquanto o tipo de falso descanso que descrevi nos afasta de Deus, o verdadeiro descanso nos aproxima dele. Isaías 26.3 nos lembra: “Tu manterás em paz aqueles cuja mente está firme, porque confiam em ti”. O descanso requer uma confiança ativa em Deus, manter nossa mente nele.

O verdadeiro descanso vem de Deus e somente nele é encontrado. “Verdadeiramente minha alma encontra descanso em Deus”, declarou Davi (Salmos 62.1). Jesus nos exorta a ir a ele e encontrar o verdadeiro descanso para nossas almas (Mt 11.28-29). Descansar em Deus em oração traz uma paz sobrenatural e calma interior, enquanto aquietamos nossa alma diante de Deus como uma criança desmamada em sua presença (Salmos 131.2).

A presença de Deus é o nosso descanso. O Senhor disse isso a Moisés, quando este estava preocupado com o futuro: “A minha presença irá contigo e eu lhe darei descanso” (Êxodo 33.14). Quando sabemos que o Senhor está conosco, podemos parar de nos preocupar com o presente ou o futuro e entrar no seu descanso, confiando que ele nos protegerá e proverá para nós. Essa paz na presença do Senhor é ativa — não é passiva — e é algo que transborda da atitude de escolher confiar, aproximar-se de Deus em oração e render-se à sua vontade.

O verdadeiro descanso vem após a luta

As Escrituras enfatizam que o verdadeiro descanso e a verdadeira paz em meio ao sofrimento muitas vezes vêm de clamar e lutar em oração. Em Filipenses 4.6-7, Paulo nos exorta a não ficarmos ansiosos, mas, em vez disso, a orar sobre todas as coisas. Somente depois de termos derramado nossos pedidos perante o Senhor sua paz sobrenatural nos envolverá. Paulo sabia disso por experiência pessoal com o sofrimento; em 2Coríntios 12.7-10, ele implorou ao Senhor por três vezes para lhe remover o espinho da carne. Deus não o removeu, mas mostrou a Paulo como sua fraqueza era uma oportunidade para descansar e se vangloriar na força de Deus.

Em Lamentações 3, Jeremias clamou a Deus por sentir-se desolado, amargo e sem esperança. Ele expressou algumas das reclamações mais angustiadas e desesperadas de todas as Escrituras, dizendo: “Ele me cercou e me rodeou de amargura e sofrimento. […] Mesmo quando clamo ou grito por socorro, ele rejeita a minha oração. […] Ele me arrancou do caminho, me mutilou e me deixou desemparado” (v. 5, 8, 11). Mas, ao se lembrar do caráter de Deus, Jeremias ousou ter esperança de que o amor e a misericórdia de Deus o livrariam. Ele declarou: “Por causa do grande amor do Senhor, não somos consumidos, pois suas misericórdias nunca falham. Elas se renovam a cada manhã; grande é a sua fidelidade. Digo a mim mesmo: ‘O Senhor é minha porção; portanto, esperarei por ele’ ” (v. 22-24). Depois que lamentou e lutou em oração, Jeremias descansou.

Quando lutamos em oração com fé, descobrimos tesouros ocultos da graça de Deus. Não é a fé fraca que nos leva a lutar e passar noites sem dormir em oração, mas a fé forte o suficiente para acreditar que o próprio Deus nos encontrará e nos responderá, que ele não é indiferente aos nossos clamores, pelo contrário, move céus e terra em resposta aos nossos apelos. No Getsêmani, os discípulos adormeceram, sem saber o que estava prestes a acontecer. Seu descanso nasceu da ignorância e da fraqueza. Enquanto isso, Jesus estava lutando com Deus, orando em tão grande “angústia” que “seu suor era como gotas de sangue caindo ao solo” (Lucas 22.44), enquanto pedia a seu Pai que o livrasse do sofrimento iminente. Depois de pedir, Cristo aceitou de bom grado a resposta do Pai, confiando que Deus faria o que fosse melhor.

O descanso no sofrimento de caráter bíblico começa com luta. Não podemos nos render totalmente a Deus em oração, nem descansar nele, sem primeiro nos engajarmos na luta pela fé. Quando lutamos em oração, confiamos que Deus está realizando algo por meio de nossas orações, mudando-nos no processo e nos convidando a um encontro de mudança de vida com ele. Lutamos para ver nossas orações respondidas e lutamos quando nossos pedidos de oração são negados — ambas as situações acabarão por dar lugar ao verdadeiro descanso no Senhor. É por esse descanso ativo que nosso coração anseia; como disse Agostinho: “Tu nos fizeste para ti, Senhor, e nosso coração fica inquieto até que descanse em ti”.

Vaneetha Rendall Risner é escritora e palestrante. Seu último livro é Walking through fire: a memoir of loss and redemption.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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O populismo traz perigos para a democracia. E também para o testemunho cristão.

Como as narrativas polarizantes corrompem nosso coração e redefinem nossa fé.

Christianity Today September 14, 2021
Illustration by Rick Szuecs / Source Images: Source Images: Unsplash: Michael Schofield / Colin Lloyd / Library of Congress / David Todd Mccarty / Alejandro Barba / Flickr: Nato / Wikimedia Commons: Gage Skidmore / David Shankbone / Tyler Merbler

Depois de viajar pelos Estados Unidos, no início da década de 1830, o aristocrata francês Alexis de Tocqueville concluiu que “a organização e o estabelecimento da democracia entre os cristãos é o grande problema político de nosso tempo”.

Quase dois séculos depois, o problema nos Estados Unidos [e em outros países democráticos, como o Brasil] evoluiu do estabelecimento para a preservação da democracia, mas o desafio subjacente para os cristãos permanece o mesmo. Como cidadãos de uma república democrática, somos chamados a pensar de forma cristã sobre a democracia, a responder corretamente a ela e a viver fielmente dentro dela. Entre outras coisas, significa descobrir o que fazer com a onda populista que está transformando a política americana [e brasileira] de esquerda e de direita.

Antes de fazermos isso, no entanto, devemos primeiro definir o que queremos dizer com “populismo”, algo que acaba sendo mais complicado do que você pensa. À primeira vista, o termo parece tão maleável que chega a ser inútil. O populismo pode aparecer tanto entre democratas quanto republicanos, tanto entre socialistas quanto capitalistas. Desde 2016, os dois populistas mais conhecidos nos Estados Unidos são Donald Trump e Bernie Sanders. Pense nisso por um momento. Que tipo de fenômeno pode ser uma ponte para superar essa grande divisão?

Urgência fanática

A resposta começa a tomar forma quando mudamos nossa atenção da política para a estratégia . O que unifica o populismo é sua abordagem retórica consistente — sua maneira distinta de abordar as questões políticas, apelando para os eleitores e justificando o exercício do poder uma vez no cargo. Pesquisas no campo da psicologia sugerem que os argumentos políticos baseados em fatos desempenham um papel minúsculo em influenciar a maneira que votamos. Os argumentos políticos mais persuasivos são aqueles apresentados como histórias. São narrativas que nos ajudam a situar nossas vidas, explicar quem somos, o que devemos temer e onde está nossa esperança. Para avaliar o populismo, precisamos nos concentrar na história que ele conta.

O enredo da narrativa populista é simples, imutável e melodramático: a vida consiste em uma luta perpétua entre “pessoas comuns” e as elites que as exploram. Os primeiros são nobres, virtuosos e justos; os últimos são corruptos, arrogantes e egoístas. A chave para erradicar os males e as injustiças sociais está em ajudar “o povo” a reconhecer seus verdadeiros inimigos e a se mobilizar para derrotá-los.

Dentro desse modelo básico, é possível conectar uma ampla gama de detalhes específicos, como um jogo de Mad Libs populista. Os populistas de esquerda costumam se voltar contra os gananciosos financistas de Wall Street, os “bilionários aproveitadores” ou uma amorfa “América corporativa” como os vilões do melodrama. Os populistas de direita visam os intelectuais marxistas, os liberais de Hollywood ou os influenciadores da grande mídia.

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Os populistas de esquerda e de direita condenam as “Big Techs” (as gigantes tecnológicas), bem como os detentores de cargos e burocratas do “establishment político” que se encontram fora do nosso alcance. De modo significativo, ambos também tendem a defender heróis carismáticos, líderes fortes e “francos” que prometem acabar com a forma costumeira de se fazer as coisas.

Aspectos dessa narrativa repercutem apelos típicos que os políticos norte-americanos vêm fazendo há séculos. Nesse tipo de democracia que os americanos conhecem desde o início do século 19, os candidatos a voto prestam homenagem rotineira à sabedoria popular e atribuem autoridade moral às suas preferências. Eles se identificam como pessoas que não pertencem ao “sistema” e denunciam a corrupção política. Reivindicam o manto de defendores do povo, definem as eleições como “nós contra eles” e alertam que o povo comum ficará em situação pior se o outro lado vencer. O populismo reverbera cada um desses refrões.

O que a retórica populista acrescenta à mistura é medo, indignação e uma urgência fanática. Essas características não são incidentais; são indispensáveis. O populismo — seja de esquerda ou de direita — murcha sem elas. Onde não surgirem naturalmente, devem ser ativamente promovidas, pois esse senso compartilhado de queixa e aflição é o que dá ao populismo seu fervor emocional característico.

Em sua forma mais idealista, a retórica democrática retrata os americanos como um povo unido por um compromisso consensual com os princípios enunciados na Declaração da Independência. Sob essa luz, nossas batalhas políticas do tipo nós-contra-eles podem ser confusas e polêmicas, mas são parte de uma luta de princípios sobre a melhor forma de viver um credo comum. O populismo contra-ataca dizendo que nossos oponentes políticos não são apenas rivais; eles são inimigos. Longe de compartilhar nossos princípios, eles odeiam o que amamos e desprezam o que valorizamos.

Essa suposição, por sua vez, transforma toda eleição nacional em um confronto semelhante ao do Armagedom, ou como a emergência do “Voo 93” (tomando emprestada a concepção do ensaio viral de 2016, de Michael Anton) em que devemos invadir a cabine ou morrer tentando. Para essa mentalidade, a derrota significa o fim do país como o conhecemos e a perda irreversível da liberdade.

Tendências perturbadoras

O que devemos pensar da narrativa populista? Na medida em que os americanos a adotarem, como isso pode afetar a democracia dos EUA? Na medida em que os cristãos americanos a adotarem, como isso pode afetar a pureza da mensagem do evangelho e o testemunho da igreja?

Abordaremos cada questão por vez, mas primeiro faremos algumas advertências: há certas vantagens na retórica populista, pelo menos no que diz respeito às suas consequências políticas, e posso imaginar facilmente por que muitos americanos — em ambos os lados da divisão partidária — podem achar a retórica populista inspiradora. Além disso, não contesto os motivos nem questiono a sinceridade dos eleitores comuns atraídos pela mensagem populista. Meu objetivo não é repreender, mas sim exortar. Precisamos pensar com mais profundidade.

Vamos começar com a democracia dos Estados Unidos. A Bíblia nos ensina a amar nosso próximo e a buscar a paz e a prosperidade de nossas comunidades. O que a narrativa populista ensina aos americanos sobre como pensar e agir politicamente?

Do lado positivo, a retórica populista pode muitas vezes identificar males sociais genuínos e destacar obstáculos críticos ao florescimento de uma nação. Pode motivar mais cidadãos a prestarem atenção à esfera pública, a se instruírem sobre certas questões e a responsabilizarem seus representantes eleitos. Esses são traços essenciais para uma democracia saudável e, sem eles, o autogoverno torna-se mera figura de linguagem. No entanto, a qualidade do ativismo de base é tão importante quanto seu impacto, e há duas tendências na retórica populista que deveriam nos alarmar em particular.

A primeira é a sua inclinação para demonizar e desumanizar os oponentes. Do modo que a história normalmente é contada, as elites políticas que se opõem à agenda populista são más — são fanáticos racistas ou radicais socialistas igualmente determinados a destruir nossas liberdades. Os eleitores comuns que concordam com eles não são necessariamente do mal, mas também não são cidadãos da “verdadeira América”.

Visto que o populismo exalta a sabedoria e a virtude das pessoas comuns, a lógica populista determina que aqueles que se opõem ao movimento não podem realmente fazer parte do povo. Quando os líderes populistas invocam “o povo”, portanto, quem eles realmente têm em mente são as pessoas que concordam com eles. Todos os outros são inimigos. Isso divide o universo político em dois grupos — nada de novo nesse aspecto —, mas continua a insistir que apenas um desses grupos merece ter voz. Levada a esse extremo, a mensagem do populismo torna-se fundamentalmente incompatível com uma sociedade aberta e pluralista.

A segunda tendência perturbadora do populismo é a de catastrofizar as consequências da derrota nas urnas. Isso não apenas aumenta nossa animosidade em relação ao outro lado. O maior perigo é que isso vá, gradativamente, corroendo nosso compromisso com o Estado de Direito e aumentando nossa tolerância por soluções autoritárias para essa “ameaça existencial” que enfrentamos. Se tudo o que prezamos estiver realmente em jogo, o argumento para dispensar os procedimentos constitucionais não pode deixar de ganhar força.

Por vários anos, as pesquisas de opinião descobriram que um quarto a um terço dos americanos estão abertos a aceitar um sistema político que possua “um líder forte que não precisa se preocupar com o Congresso ou as eleições”. Neste verão, uma pesquisa do Public Religion Research Institute descobriu que 15% dos entrevistados (entre eles, 28% de republicanos) concordaram com a afirmação de que “americanos verdadeiramente patriotas podem ter que recorrer à violência para salvar nosso país”. O que é isso, senão uma decorrência lógica da mensagem populista?

Em suma, na medida em que internalizamos a narrativa populista, é provável que tenhamos menos paciência com soluções complexas, menos motivação para se envolver de forma construtiva com outras perspectivas, menos abertura para acordos com o outro lado, menos espaço para pluralismo genuíno e menos disposição para nos submetermos pacificamente à derrota eleitoral. Nesse processo, ficaremos mais propensos à intolerância e aceitaremos mais o autoritarismo.

Na medida em que formos moldados pela promessa populista, a ameaça de longo prazo à democracia é terrível. Mas seu impacto de longo prazo sobre a igreja e seu testemunho pode ser até pior.

Aumento do medo e perda da esperança

De maneira flagrante, embora inconsciente, a narrativa populista enfraquece dois pilares da ortodoxia cristã histórica. O primeiro é a doutrina do pecado original, o entendimento de que todos nós entramos no mundo como rebeldes naturais contra nosso governante legítimo. O segundo pilar é o conceito da imago Dei, a doutrina de que cada um de nós carrega a imagem de Deus, um status que confere igual dignidade a todos nós.

Essas verdades oferecem um lembrete vívido, nas palavras do dissidente russo Aleksandr Solzhenitsyn, de que “a linha que separa o bem do mal” nunca se situa de forma nítida entre partidos ou movimentos políticos. Em vez disso, ela “atravessa cada coração humano”.

A retórica populista, em contraste, implica que os perigos que nos assaltam estão totalmente fora de nós. O mal é real, mas reside apenas em nossos inimigos. Na prática, a narrativa populista do nós-contra-eles nega o pecado original em nós e a imagem de Deus neles. No processo, ensina que nossos problemas mais urgentes podem ser resolvidos deixando nosso coração inalterado.

O primeiro presidente populista de nossa nação, Andrew Jackson, estabeleceu o molde para tal retórica há dois séculos. Jackson, o velho Hickory, garantia a seus seguidores que eles eram “não corrompidos e incorruptíveis” e “renomados pelo alto tom de seu caráter moral”. Contudo, seus compatriotas que se opunham à agenda dele eram “vis”, “perversos”, “covardes”, “sórdidos” e “desprezíveis”. Jackson advertia ainda o povo de que sua liberdade corria perigo, acusava grande parte das autoridades de Washington de aceitar subornos e deixava implícito que sem ele a causa do povo era inútil.

Mais recentemente, ouvimos o segundo presidente populista de nossa nação, Donald Trump, repetir os mesmos temas. Trump elogiava seus seguidores como “pessoas boas e virtuosas” e denunciava seus oponentes políticos como (entre outras coisas) “covardes”, “escória humana” e “pessoas más” que “odeiam nosso país”. Lamentando o fato de que “traidores” em Washington estavam empenhados em destruir a América, Trump ridicularizava a corrupção e a incompetência do governo federal e fazia eco a Jackson ao proclamar: “Só eu posso consertar isso.”

Deixando de lado os abusos verbais, a mensagem subjacente de ambos os presidentes permanecerá essencialmente populista: um povo de grandeza inata está sendo traído por inimigos malignos em nosso meio. As instituições do governo não são mais confiáveis. A única solução é enfileirar-se atrás do defensor do povo, um homem forte que promete ser seu libertador.

Nós nos levantaríamos com raiva justificável para condenar um político que fizesse questão de insistir, em cada discurso, em afirmações de que “Deus está morto”, ou de que “o cristianismo é um mito”, ou ainda de que “a fé religiosa é uma muleta para os fracos e os de mente fraca”. Então, por que aplaudiríamos, quando uma figura pública proclama que nós somos bons, eles são maus e que nossa única esperança está nele? Essas afirmações não são tão corrosivas para a verdade cristã quanto aquelas primeiras? Elas não são tão contrárias ao evangelho quanto aquelas?

Devemos também desconfiar da narrativa populista do tipo “faça ou morra” que anuncia uma catástrofe iminente: ela é feita sob medida para reverberar — e explorar politicamente — o medo que assola tantos evangélicos brancos nos dias de hoje. O historiador John Fea escreveu de forma convincente sobre o que acontece com nosso testemunho público, quando o medo do homem ofusca a esperança em Deus. Para os cristãos conservadores que, compreensivelmente, lamentam a rápida secularização da cultura americana, a mensagem populista muitas vezes leva a um aumento do medo e a uma perda da esperança.

Devemos ligar o alarme sempre que um político promete ajudar os cristãos a “reconquistarem nosso país”. Embutida em tais promessas está uma proposta de troca de poder cultural por apoio político. O preço dessas transações é alto. Os candidatos democratas em grande parte desistiram de apelar para o apoio dos evangélicos brancos em qualquer base, mas os políticos republicanos frequentemente fazem essas ofertas tentadoras.

Não é de surpreender que Trump esteja entre os mais explícitos na definição dos termos da transação. Em uma entrevista para a Christian Broadcasting Network, no início da campanha de 2016, Trump introduziu um tema ao qual ele voltaria reiteradamente: “Os cristãos em nosso país não são tratados de forma adequada”, lamentava ele. “Eu quero devolver o poder à igreja porque a igreja tem que ter mais poder”. Como ele disse a uma audiência evangélica, antes dos caucuses de Iowa, a presidência de Trump significaria que “O cristianismo terá poder […]. Vocês terão bastante poder. Não precisarão de mais ninguém”.

Vocês terão bastante poder. Não precisarão de mais ninguém. Dizer essas palavras e acreditar nelas é o cúmulo da arrogância. Ouvir essas palavras e acreditar nelas é o epítome da idolatria.

Cavalos de Tróia retóricos

Se isso soa como lamúria, de fato é. Não estou nem remotamente sugerindo que o populismo seja intrinsecamente um inimigo da democracia. Nem por um momento sequer acho que os eleitores atraídos por candidatos populistas buscam de forma intencional a queda da democracia.

Mas, como historiador dos Estados Unidos, estou convencido de duas verdades: a democracia é frágil e muitos dos desdobramentos mais importantes em nosso passado foram não intencionais, e não premeditados. Existem tendências na mensagem populista que, embora sedutoras, têm o potencial de enfraquecer a democracia americana ao erodir sutilmente o compromisso dos americanos com ela. É perfeitamente possível minar a democracia, enquanto acreditamos que estamos trabalhando para preservá-la.

Nem estou argumentando que a retórica populista esteja sempre em conflito com a verdade cristã, e muito menos que os cristãos que endossam a retórica populista sejam invariavelmente culpados de pecado. Mas sei que zelo sem entendimento não é virtude (Rm 10.2). Existem tendências na retórica populista às quais devemos resistir. Muitas vezes a narrativa populista nos engana sobre quem somos e sobre onde reside nossa esperança, o que é outra maneira de dizer que a retórica populista tende a declarar um falso evangelho e a proclamar um falso deus. O mundo caído está ouvindo. O perigo é que a igreja também está ouvindo.

Então, o que devemos fazer? Como devemos responder a isso? É improvável que o populismo vá embora tão cedo. É muito atraente para isso. Enquanto os eleitores o recompensarem, cada vez mais candidatos a cargos eletivos estarão dispostos a proclamar a mensagem populista que nossos “ouvidos coçam” e ficam felizes por ouvir: Nós somos virtuosos, eles são maus, e todos os males sociais podem ser remediados, ao mesmo tempo em que deixamos nosso coração intocável. Mas, ainda que a mensagem populista persista, podemos decidir não apoiá-la incondicionalmente e podemos resistir ativamente e não permitir que ela molde nosso coração nem redefina nossa fé.

Isso exigirá de nós pelo menos duas coisas. Primeira, devemos revitalizar nossa apreciação das verdades cristãs fundamentais que o populismo contradiz. Precisamos sentir de novo o peso do pecado original e nos lembrar diariamente que, assim como ele marca cada um de nós individualmente, o pecado também deixa sua marca em cada instituição política que reverenciamos, em cada partido político que defendemos, em cada titular para quem torcemos, em cada candidato em que nós votamos.

Da mesma forma, devemos nos maravilhar novamente com o milagre da imago Dei, lembrando sempre com C. S. Lewis que “meros mortais” são algo não existe, que até mesmo nossos mais amargos oponentes políticos são com grande temor e maravilhosamente feitos à imagem de um Deus que os ama e por eles entregou seu próprio Filho.

A segunda exigência, já implícita, é que devemos começar a levar a retórica política mais a sério. Nos últimos anos, o engajamento político dos evangélicos foi definido por um pragmatismo mundano que enfatiza os fins acima dos meios. “Ações falam mais alto do que palavras”, dizemos, e se os candidatos concordam conosco em questões importantes, não é isso que conta? Como um proeminente colunista conservador aconselhou, na véspera da eleição de 2020, basta avaliar os candidatos “com o som desligado”.

Claro, os cristãos devem franzir a testa quando nossos políticos favoritos se envolvem em “conversas de bastidor” ou usam o nome do Senhor em vão; no entanto, além de tais transgressões, por que deveríamos nos preocupar com a forma que eles apresentam as questões, contanto que estejam do nosso lado e nos pareça ser provável que eles nos trarão resultados?

Este é um trágico equívoco em relação ao poder da palavra, e precisamos renunciar a ele. Não estou sugerindo principalmente que aumentemos nossa sensibilidade à vulgaridade e a palavrões na esfera pública, embora isso possa ser uma coisa boa. O que estou recomendando é um escrutínio biblicamente informado das histórias que nossos líderes nos contam, enquanto pedem nosso voto. Elas são cavalos de Tróia retóricos, abarrotados de suposições em seu interior que moldam o coração, e que ignoramos por nossa conta e risco. Mesmo quando os candidatos promovem políticas que apreciamos, eles podem estar estruturando seus argumentos com narrativas que estão em guerra contra o evangelho que proclamamos.

Robert Tracy McKenzie é professor de história e detém a cadeira Arthur F. Holmes de Fé e Aprendizagem no Wheaton College. Este artigo foi adaptado de seu livro We the fallen people: the founders and the future of American democracy .

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Books

Por que o terrível relatório da ONU sobre mudanças climáticas é dedicado a um cristão evangélico

John Houghton, galês vencedor do Prêmio Nobel, via o pecado como o coração desta crise ecológica.

Christianity Today September 3, 2021
Sean Rayford / Stringer / Getty Images

O sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) é alarmante — mas não surpreendente.

A primeira avaliação das pesquisas científicas sobre mudanças climáticas, feita pelo painel em 1990, descobriu que a queima de combustíveis fósseis aumenta substancialmente as concentrações atmosféricas de gases do efeito estufa — entre eles, dióxido de carbono, metano, clorofluorcarbonetos e óxido nitroso — causando um aumento na temperatura média global e aquecendo os oceanos do mundo.

“As mudanças consequentes”, dizia o primeiro relatório, “podem ter um impacto significativo na sociedade”.

A segunda, a terceira, a quarta e a quinta avaliações feitas pelo IPCC encontraram mais evidências e um consenso crescente de que a atividade humana está causando a mudança climática e que seu impacto afetará muitas pessoas.

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A sexta avaliação, divulgada em agosto, é mais urgente e enfática, embora chegue à mesma conclusão. O IPCC agora diz que as mudanças climáticas não só podem ter, como terão um impacto significativo na sociedade.

Os legisladores, cientistas e cidadãos conscientes que pegarem a versão final do relatório podem se surpreender com uma coisa: ele é dedicado a um cristão evangélico que disse que a raiz do problema da mudança climática é o pecado.

“Cuidar da Terra é uma responsabilidade que nos foi dada por Deus”, escreveu John Houghton certa vez. “Não cuidar da Terra é pecado.”

Houghton, que morreu de complicações relacionadas à COVID-19 em 2020, aos 88 anos, foi o editor-chefe dos três primeiros relatórios do IPCC e um dos primeiros líderes influentes a fazer um apelo para agirmos sobre a questão da mudança climática.

Suas preocupações com os gases do efeito estufa, o aumento das médias de temperatura, os recifes de corais em extinção, as ondas de calor escaldantes e as condições climáticas cada vez mais extremas eram embasadas por sua formação como físico atmosférico e seu compromisso com a ciência. Também decorriam de sua compreensão evangélica de Deus, dos relatos bíblicos sobre a relação da humanidade com a criação e o que significa para um cristão seguir a Cristo.

“Não vivemos à altura do chamado à santidade”, explicou a neta de Houghton, Hannah Malcolm, à CT. “Fomos conformados aos padrões deste mundo, com seus respectivos desejos de acumular riquezas e aumentar nosso conforto, e não é essa a exigência que nos é feita como seguidores de Cristo.”

Houghton nasceu em uma família batista, no País de Gales, em 1931. Quando jovem, ele percebeu que precisava tomar uma decisão pessoal por Cristo, e assim o fez. Até o fim da vida, Houghton a descreveu como a escolha mais importante que ele já fez.

Seu amor por Deus alimentava seu amor pela ciência, o qual ele via como uma forma de adoração.

“A coisa mais grandiosa que pode acontecer a alguém é estabelecer um relacionamento com aquele que criou o universo”, disse Houghton a um jornal galês, em 2007. “Nós descobrimos as leis da natureza quando fazemos nossa ciência. Assim, descobrimos o que está por trás do universo, e se há uma inteligência e um Criador por trás dele. O que estamos fazendo como cristãos é explorar nosso relacionamento com a pessoa que é o Criador do universo. Isso é algo absolutamente maravilhoso.”

Houghton começou a estudar na Universidade de Oxford aos 16 anos, tendo concluído o bacharelado em 1951 e o doutorado em 1955. No ano seguinte, a União Soviética enviou o primeiro satélite artificial ao espaço e, enquanto o mundo considerava o que aconteceria se uma bomba nuclear fosse detonada na atmosfera, Houghton, então um cientista de 25 anos, voltava sua atenção para a circulação atmosférica.

“Tínhamos medições feitas de aviões e balões, mas estes ficavam em um ponto só”, disse ele. “Se pudéssemos colocar um instrumento em um satélite que circulasse a Terra cerca de 14 vezes por dia, e medir a temperatura atmosférica em diferentes níveis, medindo a radiação emitida a partir da Terra, seria um tremendo passo à frente.”

Isso levou Houghton a se tornar um dos primeiros cientistas a trabalhar com a questão das mudanças climáticas, além de uma escolha natural para presidir o grupo de trabalho do IPCC, quando este foi criado pela Organização Meteorológica Mundial e pela ONU, em 1988.

Após a divulgação do primeiro relatório, ficou claro para Houghton que uma ciência meticulosa, feita com a máxima transparência possível sobre os níveis de certeza, não seria suficiente para motivar os governos mundiais a agirem sobre a questão das mudanças climáticas. Havia muitos incentivos de curto prazo para se colocar em dúvida as advertências sobre as consequências devastadoras que aconteceriam em um futuro distante.

Houghton se viu cada vez mais chamado para o papel de comunicador.

“Ele tinha uma crença realmente profunda na virtude da pesquisa científica por si só, mas também encontrou em si mesmo alguém que estava sendo ouvido por políticos e líderes”, disse Malcolm. “O que ele queria resolver nunca foi apenas um problema intelectual. Sempre que falava sobre isso, ele começava pela devastação ecológica e a questão da justiça era uma referência constante. Já ouvi pessoas dizerem que ele tinha a urgência de um profeta”.

Em 1995, quando foi publicada a segunda avaliação feita pelo IPCC sobre a ciência das mudanças climáticas, Houghton começou a falar sobre as mudanças climáticas explicitamente como pecado. Ele foi influenciado por John Zizioulas, o bispo metropolitano da Igreja Ortodoxa grega de Pérgamo, que defendia que os pecados contra a natureza também eram pecados contra Deus, uma vez que os seres humanos receberam de Deus a criação para que dela cuidassem.

Segundo Houghton, algumas religiões ensinam que a Terra e o mundo material são maus. Mas a Bíblia ensina que a criação é boa e descreve o ser humano como jardineiro divinamente comissionado para cultivar e cuidar do mundo.

“Mas, com frequência, somos mais exploradores e causadores de danos [à natureza] do que jardineiros”, escreveu Houghton. “Alguns cristãos interpretaram mal o ‘domínio’ dado aos seres humanos em Gênesis 1.26, como se fosse uma desculpa para uma exploração desenfreada. No entanto, os capítulos de Gênesis, assim como outras partes das Escrituras, insistem que o governo humano sobre a criação deve ser exercido sob Deus, o governante supremo da criação, com o tipo de cuidado exemplificado por esta imagem do ser humano como ‘jardineiro’ ”.

Houghton começou a procurar líderes evangélicos para falar com eles sobre a crise ecológica que se aproximava. Ele foi influente e convenceu Richard Cizik, John Stott e Rick Warren a fazerem da mudança climática uma prioridade e a falarem sobre isso como um problema espiritual.

Depois do terceiro e quarto relatórios do IPCC, e apesar do painel ter ganhado o Prêmio Nobel (juntamente com o ex-vice-presidente Al Gore), muitos defensores de cortes drásticos nas emissões de carbono começaram a se desesperar. A mudança não estava acontecendo com a rapidez necessária para fazer diferença.

Mas Houghton, inspirando-se em sua fé, sempre falava sobre a importância da esperança cristã.

“Ele acreditava que a bondade do Senhor seria vista na terra dos viventes, e isso o sustentava”, disse Malcolm.

Ele orava regularmente para que o reino de Deus viesse — “Sem demora!” — e consertasse as coisas.

Após se aposentar, Houghton voltou ao País de Gales, onde serviu como presbítero em uma Igreja Presbiteriana e ensinou seus netos a amarem as montanhas galesas e as praias varridas pelo vento.

De acordo com Malcolm, que agora está se preparando para o ministério na Igreja Anglicana e escrevendo uma tese de doutorado sobre teologia e luto climático, Houghton achava que era impossível convencer as pessoas a protegerem algo que não amavam. Ele queria que os cristãos aprendessem a amar o meio ambiente e permitissem que a ciência da mudança climática os levasse ao arrependimento.

“Nosso desejo de ser deuses leva a uma grande destruição ao nosso redor”, disse ela. “Há algo no trabalho da ciência climática que revela a consequência de nosso pecado, incomoda aqueles que estão no poder e nos conclama a reconhecê-lo, mas também a estarmos cientes de que uma alternativa é possível — uma alternativa para o nosso pecado.”

Houghton não viveu para ver a publicação do sexto relatório do IPCC ou para promovê-lo entre os cristãos evangélicos. Mas a avaliação científica, dedicada à sua memória, ecoa um tema central da obra de sua vida: agora é a hora, diz o sexto relatório, de abandonar o caminho da destruição.

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Pastores precisam ajudar geração Z a lidar com depressão, ansiedade e suicídio

Nova conscientização sobre saúde mental leva pastores a buscarem recursos.

Christianity Today September 1, 2021
Illustration by Rick Szuecs / Source images: Envato Elements

Jarrod Hegwood estava confiante de que sabia aconselhar os estudantes de seu grupo de jovens. Então, ele próprio recebeu aconselhamento e percebeu que não tinha ideia do que era o aconselhamento.

“Aprendi que o que eu fazia não era aconselhamento”, disse Hegwood. “O que eu costumava fazer como pastor de jovens chama-se resolver os problemas das pessoas — dizer-lhes como agir e se comportar — e não ajudá-las a se compreenderem e a crescerem pessoalmente.”

Hegwood aprendeu muito sobre si mesmo enquanto fez sessões de terapia e um curso no seminário sobre aconselhamento. Mas sua maior revelação foi sobre a importância dos profissionais de saúde mental. Ele percebeu que, como ministro de jovens, não estava preparado para enfrentar os desafios na área de saúde mental que aqueles estudantes enfrentavam.

Em todo o país, pastores de jovens como Hegwood — que agora dirige um centro de aconselhamento em Walker, Louisiana, além de continuar a servir em regime de meio período como pastor de jovens — estão começando a levar a saúde mental a sério e a buscar recursos para ajudar os jovens cristãos. Isso se deve, em parte, a uma diminuição do estigma em torno das questões de saúde mental e, em parte, a um aumento preocupante de problemas como ansiedade, depressão e suicídio entre a geração Z (de pessoas nascidas depois de 1997).

Os transtornos de ansiedade entre adolescentes aumentaram 20% de 2007 a 2012. Hoje, 1 em cada 3 adolescentes sofre de transtorno de ansiedade, de acordo com o National Institutes of Health. A porcentagem de adolescentes que passaram por pelo menos um episódio depressivo mais grave aumentou rapidamente, em torno dessa mesma época, e agora 1 em cada 5 garotas relata ter tido os sintomas. A taxa de suicídio entre jovens de 15 a 19 anos aumentou 76%, de 2007 a 2017, e quase triplicou para adolescentes de 10 a 14 anos. O suicídio é a segunda causa de morte entre adolescentes, depois dos acidentes, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças.

Os ministérios de jovens evangélicos estão reagindo a essas realidades. Eles estão se tornando mais criativos e fazendo parceria com profissionais de saúde mental para obter a ajuda e os recursos de que a geração Z precisa.

O ministério Focus on the Family começou a discutir a necessidade de mais e melhores recursos de saúde mental, depois de viver de perto uma tragédia. Vinte e nove estudantes suicidaram-se, em um período de dois anos, no condado de El Paso, Colorado, onde esse ministério está localizado. A Newsweek chamou o aumento de “um surto, uma praga que está se espalhando pelos corredores das escolas”.

Focus on the Family criou uma equipe para desenvolver recursos sobre suicídio. A organização descobriu que a maioria dos colégios e universidades e algumas igrejas tinham protocolos de resposta ao suicídio, mas programas holísticos de prevenção ao suicídio para adolescentes eram escassos. A Focus decidiu produzir seus próprios materiais e começou a entrevistar pessoas sobre suicídio de adolescentes: pastores de jovens, pais (incluindo aqueles cujos filhos tinham se suicidado), adolescentes, pessoas afetadas pelo suicídio de outras pessoas e pessoas que tentaram o suicídio.

Joannie DeBrito, diretora do ministério para pais e jovens da Focus on the Family e profissional de saúde mental licenciada, disse que, quando sua equipe perguntou aos entrevistados sobre as causas do suicídio, a mídia social foi “a resposta número 1 que todos deram, sem hesitação”. Os especialistas acreditam que uma série de fatores biológicos, psicológicos e culturais provavelmente contribuem para o aumento dramático de suicídios e problemas de saúde mental, mas continuam a debater sobre o impacto da mídia social.

No mínimo, disse DeBrito, há uma forte correlação a ser considerada: na época em que as mortes por suicídio começaram a aumentar rapidamente, em 2007, o iPhone foi lançado, as pessoas começaram a usar aplicativos de mídia social e o Facebook reduziu a idade mínima dos inscritos para 13 anos.

Hegwood concorda com essa correlação. Ele vê jovens constantemente atraídos por seus celulares e, então, emocionalmente abalados pela experiência de tentarem se conectar com as pessoas de maneira mais significativa nas redes sociais. Às vezes, os estudantes são encorajados a “não se importarem com o que os outros pensam”, disse ele, mas o cérebro do adolescente é programado para a comunidade e recompensa os adolescentes pela aprovação e aceitação de seus colegas. Uma vez que Hegwood entendeu esse fato, isso mudou sua maneira de ministrar.

“Eu realmente percebi como a comunidade é importante”, disse Hegwood. “Sinto que é quase tão importante quanto a sã doutrina, porque se tenho toneladas de sã doutrina, mas não tenho um lugar onde os jovens possam se conectar, seus cérebros são programados para se conectarem a outro lugar”.

Buscar a aprovação e a aceitação de uma comunidade saudável pode ser positivo, e é por isso que Hegwood cultiva a comunidade entre seus jovens — mas fora dos celulares. O recurso de prevenção de suicídio da Focus on the Family, Alive to Thrive, que foi lançado em 2018, sugere que os pais estabeleçam limites claros para o uso de tecnologia, mas também diz que a prevenção do suicídio deve começar com o incentivo de relacionamentos sociais saudáveis e a proteção dos jovens contra abusos.

Hoje, um ministro de jovens eficaz precisa saber quando encaminhar alguém para aconselhamento, disse Steve Johnson, vice-presidente da Focus on the Family.

“Os problemas com que os jovens estão lidando hoje são tão complexos”, disse ele, “que muitas vezes é necessário alguém com experiência clínica para ajudar […]. Como ministro de jovens eficaz, um de seus objetivos deve ser ter discernimento para saber para onde direcionar um jovem que está lidando com questões com as quais você não consegue lidar. ”

Hegwood nem sempre viu os conselheiros como parceiros de ministério. Antes de se tornar conselheiro, ele achou que havia falhado, quando soube que um dos estudantes de seu grupo de jovens estava fazendo aconselhamento.

“Senti que de algum modo eu não tinha atendido às necessidades daquele estudante”, disse Hegwood. “Para ser honesto, eu não estava preparado para atender às necessidades daquele garoto na época. Não estava apto para conversar com ele sobre o que estava passando ou o ponto em que se encontrava. ”

Ele começou a encarar a doença mental como qualquer outro diagnóstico médico entre seus alunos — como uma perna quebrada ou um câncer —, ou seja, algo que requer tratamento adicional. Ele acha que os pastores de jovens são capazes de ministrar a estudantes de forma holística, quando começam a ver as doenças mentais dessa forma.

“É normal reconhecer nossas limitações”, disse Hegwood. “Se não reconhecermos nossas limitações, não estaremos ministrando às pessoas que Deus coloca em nosso caminho da melhor maneira que podemos.”

Um estudo da LifeWay Research mostra que apenas 2% dos pastores protestantes desencorajam as pessoas a procurarem aconselhamento. E 84% concordam que as igrejas devem fornecer apoio a pessoas com doenças mentais.

Kelsey Vincent, pastor para jovens e famílias da Primeira Igreja Batista em Decatur, Geórgia, assume essa responsabilidade. Ela conectou sua igreja com Robert Vore, um conselheiro cristão de Atlanta que trabalha com jovens e oferece treinamento para igrejas em questões de saúde mental.

Kelsey Vincent convidou Vore para um evento da igreja chamado “Lunch and Learn”. Vore falou com estudantes e pais sobre alguns dos sinais com que os adolescentes possam estar lutando na área de saúde mental e como eles podem ajudar uns aos outros. Mais tarde, quando vários alunos da igreja tiveram crises de saúde mental, Kelsey ligou para Vore e este a orientou a fazer as perguntas certas.

“Isso acontece em qualquer lugar em que eu dê uma palestra para um grupo de jovens ou ministério universitário ou um grupo do gênero”, disse Vore. “Eu acabo ouvindo das pessoas ligadas a esses ministérios, logo em seguida, que eles estão discutindo coisas sobre as quais nunca falaram.”

Essas conversas podem significar que cristãos da geração Z sejam direcionados a profissionais de saúde mental, quando necessário. Mas o aumento da conscientização quanto à preocupação com a saúde mental também abre novas possibilidades para os ministérios. Hegwood percebeu isso, quando estava se aconselhando pela primeira vez.

“Eu já trabalhava com ministério estudantil por uma década naquela época”, disse Hegwood. “O que eu estava vivendo pessoalmente — a experiência de procurar um conselheiro cristão — foi mais parecido com um discipulado do que qualquer coisa que já passei em minha vida na igreja. E olhe que eu cresci na igreja.”

Hegwood disse que sabia, por exemplo, que 2Coríntios 10.5 diz para “leva[r]mos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. Mas ele não tinha uma boa maneira de fazer isso, até que seu conselheiro o ensinou a tomar consciência de seus pensamentos e sentimentos, para que às vezes pudesse desafiá-los.

Vore diz que aprender a lidar com as emoções é um grande primeiro passo em direção à saúde mental. As pessoas têm a tendência de classificar emoções desagradáveis, por exemplo, tristeza, medo ou raiva, como emoções “ruins” ou “erradas”. De acordo com Vore, é importante ajudar os jovens a compreenderem que Deus os criou com emoções, e que eles podem desafiar pensamentos que não são verdadeiros ao mesmo tempo em que validam a legitimidade de seus sentimentos.

“Eles são uma parte saudável do nosso ser”, disse Vore. “Você pode olhar em toda a Escritura, e [ver que] Deus tem emoções. Jesus tem emoções — mesmo aquelas que consideraríamos desagradáveis. […] Não é meramente falta de fé ter esses sentimentos.”

Tanto Hegwood quanto Vincent usaram o filme da Disney-Pixar, Divertidamente, para ilustrar esse ponto para os jovens. O filme se passa principalmente no cérebro de Riley, que tem 11 anos, onde suas emoções lutam por controle. Joy, a emoção geralmente predominante, está tentando manter Riley sempre feliz. Ela precisa aprender que a tristeza tem lugar na vida de Riley também.

Vincent liderou um retiro para jovens em que conectou o filme Divertidamente com Salmos. Como forma de demonstrar que Deus criou as emoções humanas — e pode lidar com elas — ela mostrou àqueles jovens quantas emoções estavam nos Salmos.

“Se há algo que sinto que meus jovens poderiam repetir e ensinar a outra pessoa, depois de conviverem comigo por dois anos, é que temos permissão para sermos honestos com Deus sobre como estamos nos sentindo”, disse Vincent. “Não precisamos ter vergonha disso. Não temos de fingir que estamos felizes para ninguém, especialmente para Deus.”

Hegwood também não quer que seus jovens finjam nada para ele. Ele aprendeu a fazer perguntas difíceis ao longo do processo.

“O foco na comunidade foi a maneira que isso mudou minha mentalidade em relação ao ministério de jovens”, disse ele. “Mas o foco no indivíduo foi a maneira que isso mudou minha mentalidade em relação ao discipulado.”

Ele sabe agora que discipular jovens é mais do que resolver seus problemas. Trata-se de familiarizar-se com seus corações e mentes e, quando necessário, obter a ajuda de que precisam para serem mentalmente saudáveis.

Lanie Anderson é escritor e estudante de seminário em Oxford, Mississippi.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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É preciso uma comunidade inteira para escapar de um líder tóxico

O que escândalos recentes nos ensinam sobre a “cegueira para a traição”, tanto na igreja quanto no cenário paraeclesiástico.

Christianity Today September 1, 2021
Illustration by Rick Szuecs / Source images: Dziana Hasanbekava / Pexels / Valerie Gionet / Priscilla du Preez / Unsplash

Um artigo recente sobre o Ravi Zacharias International Ministries (RZIM) delineia a percepção da denunciante Ruth Malhotra de que tudo relacionado ao apologista e seu ministério não era o que parecia ser. O artigo faz alusão a perguntas que, sem dúvida, muitos fizeram sobre Malhotra — que trabalhou em estreita colaboração com Zacarias — e sobre outros: Como eles puderam não ter percebido isso antes? E por que eles não saíram do ministério mais cedo?

Essas não são perguntas sem lógica. Afinal, podemos ouvir o podcast The Rise and Fall of Mars Hill, da CT, e também nos perguntar sobre aqueles que deixaram a equipe da igreja: “Como vocês não viram o tempo todo o narcisismo e a disfunção que tomavam conta do ambiente?” Ou, indo ainda mais longe, podemos assistir a um documentário sobre a saída de Leah Remini da Cientologia e perguntar: “Como você não viu que este era um esquema de marketing multinível combinado com um culto a OVNIs?”

Existem muitas razões pelas quais as pessoas permanecem em sistemas tóxicos por tanto tempo. Algumas dessas razões estão enraizadas nos pecados humanos, como orgulho e ambição, e outras, nas fraquezas humanas, como o medo ou a ignorância. Mas nem tudo se resume a isso. Em alguns casos, o que está em jogo é a “cegueira para a traição”. O conceito foi cunhado pela psicóloga Jennifer Freyd e se refere à necessidade de uma pessoa confiar em um cônjuge, pai, cuidador ou líder e, quando traída por eles, oscilar entre a necessidade de acabar com o abuso e a necessidade de preservar o relacionamento.

Lori Anne Thompson, a primeira mulher a apresentar publicamente acusações contra Ravi Zacharias, usa o termo em sua entrevista com Bob Smietana. Depois que Malhotra se manifestou e foi condenada ao ostracismo pelo ministério, Thompson a apoiou, orou por ela e aconselhou-a, embora Malhotra já tivesse servido anteriormente na função de de relações públicas para o agressor de Thompson.

Thompson disse a Smietana que o conceito de “cegueira para a traição” a ajudou a entender melhor por que algumas pessoas permanecem em situações que, vistas por quem está de fora, são claramente tóxicas.

Não estou sugerindo que a cegueira para a traição, como Freyd afirma, esteja necessariamente por trás do caso de Malhotra (que, a título de esclarecimento, é uma amiga) ou do caso de qualquer outro grupo de denunciantes, lá ou em outros lugares. Ainda assim, compreender esse conceito é essencial para que as igrejas e outras instituições superem a epidemia de abusos e acobertamento de abusos. Também é essencial para compreender os padrões ainda mais normalizados de práticas tóxicas e espiritualmente abusivas que caracterizam muitas igrejas, ministérios, governos e movimentos políticos.

Toda pessoa é criada com necessidade de ser amada e aceita por figuras de autoridade, a começar pelos pais. Quando um pai ou uma mãe rejeita um filho, por meio de abuso ou negligência, alguns filhos não suportam as decorrências psicológicas de pensar que haja algo de errado com seus pais.

Afinal, tal pensamento terminaria em um mundo assustador e caótico, no qual a criança se sentiria desprotegida e sozinha. Em alguns casos, então, a criança conclui que há algo de errado com ela. Às vezes, a criança pensa: “Se eu simplesmente me comportar melhor e me esforçar mais, então poderei encontrar segurança e também ajudar quem cuida de mim a ser uma pessoa melhor”.

Na maioria das vezes, esse padrão de pensamento não fica só na infância. Muitos de nós já aconselhamos mulheres, vítimas de abuso, que concluem que o problema é que não aliviaram adequadamente o estresse de seus parceiros. O cônjuge que é traído às vezes conclui que não era atraente o suficiente ou que, de alguma outra forma, é culpado pelo que aconteceu. Isso geralmente acontece em situações na igreja em que as pessoas às vezes acham difícil ver — muitas vezes até anos depois — que o que elas presumiam ser apenas “a complexidade de lidar com pessoas” acabou sendo, na verdade, um ambiente tóxico e prejudicial.

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Isso é especialmente verdade quando instituições — até mesmo igrejas — às vezes pioram o abuso das vítimas (ou daqueles que procuram ajudá-las) cometendo outra forma de abuso, conhecida como gaslighting, como se sua reação ao abuso — e não o abuso em si — fosse o problema. Às vezes, isso acontece quando uma pessoa critica a forma particular como a vítima denunciou o abuso ou procura outras questões que possa atribuir à vítima.

Em um contexto de igreja ou de ministério, isso é especialmente perigoso. Quando uma pessoa é ensinada a ver a igreja como “casa” e como “família”, às vezes começa a questionar se os sinais de alerta que viu são de fato reais. Quando são acusadas de sacrificar a “unidade” do ministério, às vezes começam a acreditar na retórica de que elas — e não o problema em si — são a questão. Qualquer instituição pode ameaçar e intimidar um denunciante, mas nenhuma instituição pode fazer isso com poder mais declarado do que aquela que diz: “Se você fizer isso, estará se afastando de Jesus”.

Como acontece entre pais e filhos, algumas pessoas não suportam pensar que uma igreja, um ministério ou uma denominação — especialmente aqueles que os apresentaram a Jesus — possam ser uma fraude. Pois, parte delas pode começar a pensar: “Talvez o que eles me contaram sobre Jesus e sobre o evangelho também seja uma fraude”. Por isso, às vezes, essas pessoas começam a procurar outras explicações possíveis — aquelas que colocam a culpa em si mesmas, e não em quem está errando.

Frequentemente, essas pessoas sequer conseguem se imaginar fora da igreja, do ministério ou da denominação em questão, de tanto que sua identidade está mesclada com aquela instituição. Como neurologistas e psicólogos demonstraram, a experiência de ser exilado de uma tribo costuma ser sentida da mesma forma que a dor física.

Racionalizações, portanto, podem ser fáceis de acreditar: “A missão é muito importante para eu perder tempo pensando que minhas intuições estão me dizendo que algo não está certo”; ou, “Ninguém mais parece perceber isso, portanto, devo estar louco”; ou “Se eu for embora, serei substituído por alguém muito pior, posso fazer mais ficando aqui”. Como vimos várias vezes, essas linhas de pensamento terminam em desastre.

Ainda assim, às vezes o conselho de amigos de fora é tão questionado quanto as nossas próprias dúvidas. E, às vezes, é preciso haver um ponto de ruptura para a pessoa ver que sair é necessário. Para alguns, como no caso de Malhotra, é nesse momento que surgem as evidências de que, afinal, as intuições de alguém estavam certas.

Quando eu estava em um ambiente tóxico e espiritualmente abusivo, eu de repente consegui deixar para trás anos de dúvidas e de tentativas de encontrar maneiras de me culpar pelo que estava passando. Isso aconteceu durante a leitura de um livro infantil para meu filho. Li a última frase, no final de Goldilocks and the Three Dinosaurs, de Mo Willems: “Se você está na história errada, vá embora”. Guardei o livro e percebi: “Eu estou na história errada”.

Os escândalos e fraudes, enganos e abusos dentro da igreja são responsabilidade de todos nós que pertencemos a ela. Temos de tomar várias medidas — desde a criação de estruturas que cobrem essa responsabilidade até o treinamento de pessoas para identificar problemas, passando pelo ensino de líderes para que cuidem daqueles que são prejudicados por eles. Devemos insistir na proteção para denunciantes. Mas também devemos tomar medidas — muito antes de surgirem problemas — para treinar as pessoas a terem a visão da igreja que Jesus nos deu, segundo a qual a responsabilidade não é sacrificada pela unidade e a integridade não é sacrificada pela missão.

Já na escola dominical, devemos começar a ajudar as pessoas a diferenciarem a lealdade a Cristo da lealdade a alguns que reivindicam seu nome. Devemos gastar recursos ensinando-as a perceber quando são manipuladas para se culparem e quando devem dar um passo à frente para dizer: “Algo está errado aqui”.

E precisamos ensinar às pessoas que a história de Jesus não prejudica os vulneráveis. Portanto, se você estiver na história errada, sempre pode ir embora.

Russell Moore lidera o Public Theology Project [Projeto de Teologia Pública] da Christianity Today.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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Deixai vir a mim os refugiados afegãos

Neste momento que o mundo vive, somos chamados a obedecer ao mandamento de Cristo para abrirmos as mãos e o coração.

Christianity Today September 1, 2021
Kent Nishimura / Getty Images

Como podemos ver pelas imagens angustiantes que vêm do Afeganistão, a maioria dos que desejam fugir do Talibã jamais conseguirá escapar, mesmo muitos daqueles que ajudaram fielmente os Estados Unidos na guerra de vinte anos naquele país.

Alguns, porém, conseguirão chegar a outros países — entre eles, os Estados Unidos — em busca de abrigo e de começar uma nova vida. Como cristãos evangélicos, devemos decidir, mesmo antes da chegada de nossos novos próximos, ignorar as vozes dos que nos pedem para temermos esses refugiados.

Ao longo da história, aqueles que desejam rejeitar os refugiados adotam uma série de táticas diferentes. Às vezes falam deles usando termos que remetem à “impureza” — usando roedores ou insetos como metáforas — ou podem sugerir que os que estão em busca de asilo são, eles próprios, vetores de doenças. Outras vezes, embora com menos frequência, referem-se, tão grosseiramente quanto alguns o são, aos refugiados como uma “invasão” daqueles que estão vindo para “tomar nosso lugar” (sendo que esse “nós” quase sempre se refere a americanos brancos e nominalmente cristãos). Mas, talvez com maior frequência, falem dos refugiados como uma ameaça.

Assim como vimos acontecer com os refugiados sírios e curdos em anos anteriores, em breve ouviremos o clamor insistente daqueles que argumentam que os refugiados afegãos são terroristas, ou pelo menos podem ser, já que “não passaram por um processo de verificação” e não sabemos nada sobre eles . Essas afirmações não são verdadeiras.

Como Elizabeth Neumann — uma ex-autoridade da área de segurança nacional do alto escalão do governo Trump — demonstra, mesmo que um terrorista se dispusesse a jogar um longo jogo de vinte anos, fingindo ser uma figura a favor do Ocidente e contrária aoTalibã, o processo de verificação para todos esses refugiados é intenso e rigoroso, e faz uso de extensas checagens biométricas e biográficas. E, como Neumann também aponta, o tipo de retórica usada contra esses refugiados quase sempre vem acompanhada por um aumento nos crimes ou na violência cometidos contra essas pessoas.

Os refugiados que se mudarem para sua comunidade não estarão lá para aterrorizar você nem para “tomar seu lugar”. Em vez disso, eles estarão procurando a chance de começar uma nova vida — sem ter que ver seus filhos sendo assassinados e suas filhas sendo estupradas por déspotas sedentos de sangue. Dessa forma, eles serão como inúmeras outras pessoas que encontraram refúgio nos Estados Unidos. Você pode ver muitos deles no desfile de Quatro de Julho em sua cidade; muitas vezes são eles que agitam as maiores bandeiras americanas e choram com uma alegria patriótica.

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Alguns desses refugiados são seus irmãos e irmãs em Cristo. Outros serão seus futuros irmãos e irmãs em Cristo. Quer sejam quer não, porém, cada um deles reflete para nós a imagem de um Deus que fez a humanidade à sua imagem e ama a cada um de nós.

O medo dos refugiados tem como objetivo nos manter em um estado de alerta que vê tudo e todos que não sejam imediatamente familiares a nós como uma ameaça. Isso mantém telespectadores sintonizados em canais de televisão, pessoas ligando para programas de rádio, doadores enviando dólares para políticos e grupos de interesse. Esse tipo de anulação do sistema límbico pode fazer com que mesmo cristãos que conhecem sua Bíblia se esqueçam até dos mais singelos mandamentos que Jesus nos deu para amar e cuidar dos vulneráveis.

Como Martin Luther King Jr. escreveu, em 1963, o sacerdote e o levita da parábola de Jesus, que se desviaram do homem espancado ao lado da estrada para Jericó, provavelmente não se sentiam pessoas cruéis ou sem coração. Eles deviam estar com medo — e de forma compreensível. O caminho para Jericó era um local afastado e perigoso, propício para criminosos violentos. Aqueles que passaram apressados [pelo homem espancado] podiam muito bem presumir que seriam atacados na próxima curva.

“Talvez os ladrões ainda estivessem por perto”, escreveu King. “Ou talvez o homem ferido no chão fosse um impostor, que desejava atrair para si os viajantes que por ali passavam para atacá-los de forma rápida e fácil. Imagino que a primeira pergunta que o sacerdote e o levita tenham feito foi: ‘Se eu parar para ajudar este homem, o que acontecerá comigo?’ ”

Há ocasiões em que somos chamados a um amor genuinamente perigoso por nosso próximo. Vemos isso no cuidado do samaritano com o homem ferido na estrada para Jericó — ou na igreja primitiva, que superou seu medo de que o terrorista perseguidor da igreja, chamado Saulo de Tarso, pudesse estar fingindo ser um discípulo para fazer mal a eles como alguém de dentro da igreja (Atos 9.26).

No caso dos refugiados afegãos, não enfrentamos nada que se aproxime desse nível de perigo para nós mesmos.

O medo às vezes pode calar até mesmo nossas convicções mais profundas. Começamos a agir de maneiras que visam a autoproteção e nos fazem atacar indiscriminadamente até mesmo ameaças imaginárias. A Bíblia, porém, diz que o amor perfeito lança fora o medo (1João 4.18). Isso deve nos fazer lembrar que, quando nos pegamos perguntando “Quem é meu próximo?”, estamos fazendo a pergunta errada.

Russell Moore lidera o Public Theology Project [Projeto de Teologia Pública] da Christianity Today.

Traduzido por Mariana Albuquerque

As Olimpíadas têm tudo a ver com fracasso

O sonho olímpico inspira milhões de pessoas a perseguirem objetivos que nunca alcançarão. Veja por que isso é uma coisa boa.

Christianity Today August 18, 2021
Dean Mouhtaropoulos / Getty Images

Ainda me lembro de como me senti quando assisti a uma Olimpíada pela primeira vez. O ano era 1984 e as Olimpíadas foram realizadas em Los Angeles. Famílias ao redor do mundo se reuniram em torno de suas televisões, enquanto histórias de luta e vitória inundavam suas salas de estar.

Eu tinha oito anos e estava extasiado. O revezamento da tocha olímpica, a cerimônia de abertura, as realizações extraordinárias de Carl Lewis e Edwin Moses e Mary Lou Retton, e a sucessão de cerimônias de medalhas em que a bandeira americana foi desfraldada, atletas em lágrimas cantando nosso hino nacional — tudo me cativou. O mais cativante de tudo foi a equipe masculina de ginástica ter conquistado a medalha de ouro. Minha alma estava enlevada.

Talvez você já tenha observado, de um píer, uma gaivota sobrevoando o oceano. Quando o vento está bom, o pássaro só precisa esticar as asas, e é elevado pelas correntes do ar. Essa é a sensação. Era um sonho, um anseio e uma fuga da alma ao mesmo tempo.

Esse anseio colocou as rodas da minha vida em movimento. Isso me inspirou a começar uma carreira na ginástica. Enchia minha mente de imagens brilhantes, quando me deitava para dormir. E me sustentou por incontáveis horas de treinamento e uma série de ferimentos excruciantes. Levou-me por todo o país e até mesmo pelos oceanos afora, quando me tornei campeão nacional júnior e membro da seleção nacional. Isso até me levou para uma faculdade que eu jamais poderia pagar de outra forma, e a um campeonato da NCAA, no meu primeiro ano na Universidade de Stanford.

E então, tudo desabou. Poucos meses antes das seletivas olímpicas de 1996, caí da barra horizontal e quebrei o pescoço. Em um piscar de olhos, minha carreira na ginástica terminou em fracasso e com uma sentença vitalícia de danos à coluna e dor crônica.

Como uma pessoa de fé, acredito que a história está repleta dos propósitos de Deus. O universo é rico em intenções e permeado de significados. Como o salmista escreve: “Todos os dias ordenados para mim foram escritos no teu livro, antes que um deles viesse a existir” (Salmos 139.16). O que levanta a questão: qual era o ponto? Qual era o propósito daquelas milhares de horas de treinamento e sofrimento, se era apenas para terminar em lesões e decepção? Onde estava o significado daquilo ?

A mesma pergunta me veio à mente, enquanto assistia às Olimpíadas de Tóquio pela televisão. Mais uma vez, vimos histórias de vitória em face de probabilidades impossíveis. No entanto, vimos mais histórias de fracasso. Muitos atletas veem suas histórias perderem o rumo. Lesões e circunstâncias intervêm. Os atletas que deveriam vencer, e até mesmo dominar, ficam aquém do esperado. E se parece cruel chamar esses fatos de “fracassos”, então, talvez não tenhamos reconhecido o que um “fracasso amigo” pode ser.

As Olimpíadas, na verdade, têm tudo a ver com fracasso. Elas certamente inspiram grandes doses de fracasso.

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A grande maioria dos atletas que vai às Olimpíadas não ganhará nenhuma medalha, muito menos uma medalha de ouro. Muitos dos que ganham uma medalha de ouro em um evento também ficarão aquém do desempenhado esperado em outros. Então, é claro, a esmagadora maioria dos que se esforçam para entrar na equipe olímpica já de início fracassa.

Veja a ginástica feminina. Só na América, milhões de meninas participam da ginástica, e dezenas de milhares competem a cada ano. A cada quatro anos, no máximo seis farão parte da equipe olímpica. Se um milhão de meninas assistirem Simone Biles ou Suni Lee e se inscreverem em aulas de ginástica, com sonhos olímpicos em seus corações, talvez 999.999 delas não conseguirão realizar esse sonho.

Claro, há vitórias menores ao longo do caminho. Mas, mesmo aquela ginasta em um milhão que realiza seu sonho de entrar para a equipe olímpica ficará intimamente familiarizada com o fracasso. Aprender novas habilidades e novas rotinas requer inúmeras falhas ao longo do caminho. Até mesmo uma ginasta com tanto domínio quanto Biles irá passar por uma sucessão aparentemente interminável de fracassos — e então, quando chegar às Olimpíadas, sua história provavelmente será complexa. Cada ginasta da equipe dos Estados Unidos suportou sua cota de sucessos e fracassos. Jade Carey estava chorando uma noite e coberta de ouro em outra.

A questão não é criticar os atletas. A questão é que o fracasso é essencial para a vida do atleta. O sonho olímpico inspira dezenas, talvez centenas de milhões, em todo o mundo, a perseguir sonhos que nunca alcançarão — no entanto, ao se empenharem por esses sonhos, se tiverem sorte, esses atletas se tornam mais aquilo que deveriam ser.

Perguntei a vários atletas olímpicos sobre suas experiências. Uma coisa em que eles concordam é que nunca se tratou realmente dos Jogos Olímpicos em si. A questão toda era as pessoas que eles se tornaram na busca por excelência. Era, em grande medida, sobre o que o fracasso fez deles. A vitória, quando chegou, foi traiçoeira. Ameaçou desfazer o que o fracasso construíra. A vitória é mais perigosa para a alma; a derrota, mais instrutiva.

Não se trata de dizer simplesmente que o fracasso nos torna mais fortes, como diz a máxima secular. Nem sempre é assim. Alguns fracassos são tão devastadores ou tão completos que pode ser difícil encontrar um arco de redenção. Alguns fracassos nos tornam mais amargos do que melhores.

Quando estamos dispostos a aprender com suas lições, entretanto, o fracasso pode ser a melhor coisa que já nos aconteceu. A Bíblia está repleta de histórias de fracasso. Abraão e Moisés poderiam ter se tornado exemplos de fé, se não tivessem falhado? Davi poderia ter escrito seus salmos? O pregador, em Eclesiastes, tentou encontrar sentido nas conquistas do mundo, e somos abençoados pela sabedoria que ele adquiriu com seus fracassos. Pedro e Paulo teriam se tornado instrumentos maleáveis nas mãos de Deus, se não tivessem sido humilhados por seus fracassos?

Em retrospecto, posso ver isso. O fracasso — os que suportei ao longo do caminho, bem como o fracasso por não fazer parte da equipe olímpica, devido a uma lesão — foi algo que me moldou tão profundamente que mal sei quem seria sem ele. Ele me mostrou o meu fim. Ele me ensinou compaixão. Ele me mostrou meus muitos pecados e falhas. Ele me mostrou minha necessidade de uma força que vai além da minha. Lançou luz sobre a graça de Deus. Em alguns aspectos, o sonho olímpico desempenha um papel semelhante ao da Lei (Rm 3.20; 7.7). Como um ideal de perfeição, inspira esforço, fracasso e, por fim, o reconhecimento de nossas próprias deficiências e de nossa total dependência de Deus.

Tal como acontece com outros atletas, aqueles que participam das Olimpíadas e os que não conseguem chegar lá, o propósito da minha carreira na ginástica nunca foi alcançar alguns momentos esplendorosos de glória com uma medalha de ouro, mas me preparar para o resto da minha vida. Nunca se tratou de me tornar um campeão. Tratava-se de me tornar um instrumento.

Depois que minha carreira terminou, uma ginasta mais velha me disse: “Você aprendeu a se destacar em uma coisa. Agora, pegue tudo o que você aprendeu e se destaque em outra coisa”. Pareceu-me um conselho útil, e talvez fosse o que eu precisava ouvir na época. Mas eu ainda não estava pronto para deixar para trás o culto à vitória.

Hoje, 25 anos depois, com a perspectiva que o tempo nos proporciona, eu colocaria isso de outra forma. Aos atletas, bem como a todos nós que experimentamos o fracasso e a decepção, eu diria o seguinte: você aprendeu a falhar, [mas] estando em comunhão com Deus. Agora, vá e falhe novamente, e receba seu fracasso como um amigo. Pois o fracasso irá refiná-lo, se você permitir. Ele o moldará cada vez mais à semelhança de Cristo. E, ao se tornar semelhante a Cristo, você se torna um instrumento para sua glória e para o bem do mundo.

Timothy Dalrymple é presidente e CEO da Christianity Today. Siga-o no Twitter @TimDalrymple_.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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