O amor que opera milagres: em meio à guerra, uma ucraniana pediu oração e um russo se ofereceu para orar por ela.

Conheça a história de dois amigos cristãos separados por fronteiras, mas unidos por sua paixão pelo evangelismo, que levaram todos às lágrimas em um encontro de oração.

Christianity Today February 28, 2022
Edits by Christianity Today / Source image courtesy of Angela Tkachenko

O diálogo a seguir é um registro de uma reunião de oração global de emergência, realizada pelo Movimento de Lausanne Europa, na última quinta-feira, dia 24 de fevereiro.

Angela Tkachenko:

No meio da noite, minha mãe entrou em meu quarto e disse: “A guerra começou".

Moro em Sumy, uma cidade ucraniana de cerca de 250 mil habitantes, que fica perto da fronteira com a Rússia. Há uma semana, meu marido insistiu para que eu deixasse a cidade com nossos filhos e minha mãe. Enquanto nós conseguimos chegar aos Estados Unidos, ele ficou para trás.

Imediatamente, comecei a entrar em pânico. O que estava acontecendo em Sumy? Onde estava meu marido? Ele estaria em segurança? Quando, finalmente, consegui falar com ele, meu marido me disse que tinha acordado ao som de bombas. E, naquele momento, estava preso no trânsito, tentando sair da cidade. Pelo celular, vi muitas fotos de longas filas em postos de gasolina, de pessoas dormindo em estações de metrô, e li o pronunciamento do governo que proibiu homens entre 18 e 60 anos de deixarem o país. Será que verei meu marido novamente? Quando? Minha avó de 93 anos está sozinha… minha equipe… meus amigos… nossa casa…

Precisei me esforçar para sobreviver àquele dia. À tarde, participei de uma reunião internacional de oração, promovida de forma virtual, organizada pelo Movimento de Lausanne, em função da invasão. Quando uma das pessoas que dirigiam a reunião me perguntou como eu estava, comecei a chorar. Estava com raiva. Sentia-me traída, ferida e pisoteada pela Rússia. Eu disse a todos que temia pela vida de meu marido e meus amigos em Kiev, e estava orando naquele momento sobre se eles deveriam sair da cidade.

Então, o líder da reunião perguntou se alguém poderia orar por mim. Meu amigo Alexey se ofereceu para orar. Alexey, meu amigo russo.

Alexey S.:

Acordei na quinta-feira de manhã assustado por saber que meu país havia invadido a Ucrânia. Eu estava em Moscou, em uma viagem ministerial, a cerca de mais de 3.200 quilômetros de distância da minha família, que estava em Novosibirsk, na Sibéria. Era uma manhã fria e assisti às notícias em silêncio, enquanto tentava engolir o café da manhã. Um sentimento de vergonha por meu país estar começando uma guerra contra outro país — no qual eu já tinha estado não menos do que quatro ou cinco vezes — começou a tomar conta de mim. Senti medo pelo futuro do mundo e lamentei por meus irmãos e irmãs ucranianos que iriam sobreviver ou morrer em consequência desta decisão.

Nasci e fui criado na União Soviética, na região da Sibéria. Aos 23 anos, após o colapso da URSS, tornei-me cristão depois de ouvir o evangelho ser pregado no centro de reabilitação da minha mãe. Para mim, encontrar a Cristo foi mais do que aceitar que eu era filho de Deus: isso me fez perceber que eu tinha irmãos e irmãs ao redor do mundo. E uma dessas irmãs era Angela, minha amiga ucraniana.

Conheci Angela há sete anos, em uma Conferência Lausanne em Jacarta. Fiquei impressionado com a ousadia dela em compartilhar o evangelho. Uma de suas iniciativas envolvia a mobilização de equipes para entrar em clubes noturnos, em várias cidades ucranianas, para conversar com pessoas que jamais entrariam em uma igreja! Desde então, nós nos tornamos bons amigos e nos apoiamos mutuamente em nossos ministérios. Em 2018, Angela trouxe uma equipe a Moscou, durante a Copa do Mundo, para compartilhar o evangelho nas ruas. Estas lembranças me vinham à mente, enquanto eu assistia às notícias sobre a guerra.

Mais tarde, naquele mesmo dia, juntei-me à reunião virtual de oração do Movimento de Lausanne, e me senti grato ao ver que Angela também estava participando. Foi de partir o coração ouvir o que ela e outros ucranianos que também participavam da reunião estavam passando. Eu me senti horrível pelo fato de meu país estar causando tanta angústia pessoal a ela. Quando a pessoa que conduzia a reunião perguntou quem gostaria de orar por ela, eu me prontifiquei e comecei a falar com Deus, enquanto chorava.

Angela:

Sempre amei meus amigos russos, muito embora não existissem “russos” nem “ucranianos” durante minha infância e adolescência. Éramos todos uma só nação chamada União Soviética. Quando criança, muitas vezes eu pegava um trem em Sumy, às 5 da tarde, e chegava em Moscou às 11 da manhã do dia seguinte, onde minhas tias e primos ainda vivem. Com o tempo, as coisas mudaram. Em 2014, depois que a Rússia anexou a Crimeia, logo percebi que os russos viam a situação de forma totalmente diferente da minha. Poucos entendiam de onde eu partia. Às vezes, eu era ridicularizada.

Em 2018, visitei Moscou em uma viagem na qual fizemos evangelismo de rua, durante a Copa do Mundo. Por três semanas, ficamos na Praça Vermelha, compartilhando o evangelho e orando com russos e visitantes de todo o mundo. Dez meses depois, 150 equipes da Rússia haviam se inscrito para participar do dia mundial de evangelismo do meu ministério. Mais tarde, muitos deles nos disseram que antes não ousavam pregar em locais públicos, mas se sentiram inspirados depois de nos ver. Fiquei comovida com a bravura e a coragem de nossos irmãos e irmãs na Rússia.

No outono passado, Alexey me perguntou, por telefone, sobre meus sonhos de alcançar a próxima geração para o Senhor. Eu lhe disse que estava procurando parceiros para ajudar a liderar cinco missões intensivas na Rússia. Alexey se ofereceu para apoiar meus esforços, e depois compartilhou o que estava em seu coração. Ele queria unir líderes de missões dos nossos países para orar e conversar em torno de uma xícara de chá. Eu me lembro de pensar comigo mesma: Este é o tipo de líder que eu seguiria, e sei que muitos jovens também.

Ao ouvir Alexey orar de forma tão fervorosa e sincera por mim, minha família e meu país, a Ucrânia, não consegui conter as lágrimas. A dor que ele sentia era real, verdadeira. Suas palavras me lembraram que eu fazia parte de uma família que não era baseada em nacionalidade, cor da pele nem status social. Essa família se baseava somente em Jesus.

De todas as pessoas que Deus poderia ter usado para me consolar naquele dia, ele usou um irmão russo, para me dar um vislumbre de seu coração.

Alexey:

Depois que terminei de orar, o irmão que estava conduzindo a reunião pediu que eu compartilhasse como estava me sentindo. Respondi que me sentia terrível. Estava completamente envergonhado com as ações de meu país.

Jamais me esquecerei do que vi no olhar dos meus amigos ucranianos. Em vez de condenação, vi compaixão. Angela quis orar por mim. Ela pediu a Deus que se revelasse aos cristãos na Rússia que se sentiam impotentes e temerosos. Ela orou por um avivamento na Rússia e na Ucrânia, um desejo em comum que há anos já nutrimos em nossos corações.

No dia em que a Rússia invadiu o país vizinho, Deus usou uma irmã ucraniana para me dar um novo vislumbre de sua graça.

Angela:

O inimigo quer causar divisões entre nós nesses dias, semeando ódio e separação entre a igreja na Ucrânia e na Rússia. De fato, dói, quando observo alguns líderes cristãos na Rússia que não se posicionam abertamente em favor da Ucrânia. Talvez alguns pensem que, se eles se posicionarem, colocarão a si próprios e a seus filhos em perigo? Sei que o medo e o perigo são reais, e tento não julgar, pois não sou Deus. Mas ainda assim é doloroso.

Porém, acredito que o mais importante para nós, cristãos, é lembrar que somos uma só noiva, um só corpo de Cristo. O sangue de Cristo corre em nossas veias, e todos nós estamos unidos por seu Espírito.

Atualmente, a Rússia está bombardeando meu país e matando meu povo. Mas, mesmo em meio a esta dor, o corpo de Cristo precisa ficar unido, precisa chorar junto e orar junto. Meu bom amigo Alexey é um exemplo vivo disso.

Alexey:

Irmãos e irmãs na Rússia, na Ucrânia ou em qualquer outro país: todos nós temos um só Pai Celestial, e somos todos membros da mesma família. Esta não é uma guerra entre nossos povos. Não quero saber quais são suas visões políticas nem sua teologia do poder. Quando qualquer um de vocês, minhas irmãs e meus irmãos amados, estiver sofrendo, eu quero estar lá por vocês.

Aos meus amigos ucranianos em particular, agradeço por estarem prontos a chorar e a orar comigo, e por aceitarem meus sentimentos de medo e pesar, a despeito do fato de eu ser russo. Isto me dá confiança de que Satanás será derrotado mais uma vez, e de que a igreja de Deus continuará a demonstrar para o mundo o amor de Jesus.

Angela Tkachenko é diretora da Steiger na Ucrânia.

Alexey S. vive na Rússia.

Este episódio foi relatado por Sarah Breuel, diretora da Revive Europa e coordenadora de treinamento para evangelismo da IFES Europa.

Traduzido por: Sabrina Barroso Silva

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Books

A igreja no conflito: orações, sermões sobre a pacificação e relatos de milagres.

(ATUALIZADO) Como reagiram as igrejas russas e ucranianas no primeiro domingo após a invasão.

Visão da Catedral de St. Volodymyr em contraste com a linha do horizonte da capital, durante o toque de recolher do fim de semana, em 27 de fevereiro, em Kiev, na Ucrânia.

Visão da Catedral de St. Volodymyr em contraste com a linha do horizonte da capital, durante o toque de recolher do fim de semana, em 27 de fevereiro, em Kiev, na Ucrânia.

Christianity Today February 27, 2022
Chris McGrath/Getty Images

Na medida em que as tropas russas encontravam resistência mais dura do que a esperada de soldados e cidadãos ucranianos, em Kiev e em outras cidades, os pastores de ambas as nações adaptaram os cultos dominicais a essa realidade.

“Toda a igreja orou de joelhos por nosso presidente, por nosso país e pela paz”, foi o que disse Vadym Kulynchenko sobre sua igreja em Kamyanka, a cerca de 234 quilômetros ao sul da capital. “Após o culto, fizemos um treinamento para primeiros socorros.”

Em vez de sermão, deram tempo para a congregação compartilhar testemunhos sobre os angustiantes dias de ataques aéreos. Muitos salmos foram lidos, e a mensagem de Kulynchenko concentrou-se em Provérbios 29.25: Quem teme ao homem cai em armadilhas, mas quem confia no Senhor está seguro.

Na Capela do Calvário de Svitlovodsk tratou-se tanto da ruptura da normalidade quanto da vida normal.

Andrey e Nadya, deslocados de Kiev pela barragem de mísseis russos, na quinta-feira (24 de fevereiro de 2022), trocaram votos de casamento em meio a uma grande celebração.

Com planos para se casar no fim de semana passado, na capital, o casal viu-se em fuga, mandado para a igreja natal de Nadya, a cerca de 298 quilômetros a sudeste, às margens do rio Dnieper — e com um pedido de casamento expedido de improviso.

“No meio de uma guerra? Isso não faz sentido!” disse Benjamin Morrison, com ironia. “Mas é durante a guerra que faz mais sentido. Que melhor lembrete de que nem a guerra pode acabar com o amor. E que melhor maneira temos de dizer que servimos a um Rei maior, do que nos regozijarmos em meio ao caos?”

Eles se casaram no sábado (26 de fevereiro de 2022), como planejado.

No domingo (27 de fevereiro de 2022), a congregação de cerca de 80 pessoas — e que passou a crescer com os recém-chegados em busca de refúgio — reuniu-se para ouvir um sermão sobre Davi e Golias.

“Sim, Davi ainda teve de lutar. Sim, ainda foi difícil e assustador — mas sua confiança estava em Deus”, concluiu Morrison, um missionário americano veterano de 20 anos, casado com uma ucraniana.

“Que nossa confiança também esteja em Deus, e que ele corte fora a cabeça do inimigo.”

A Ucrânia declarou hoje (27 de fevereiro de 2022) que 3.500 soldados russos foram mortos até agora. A Rússia não divulgou o número oficial de vítimas.

Em relação às suas próprias perdas, o Ministério da Saúde da Ucrânia contabilizou mais de 350 civis mortos e quase 1.700 feridos na noite de domingo. A contagem relatada combina baixas civis e militares, mas resultou em 14 crianças mortas e 116 feridas.

Taras Dyatlik, diretor regional do Overseas Council para o leste Europeu e a Ásia Central, fez as contas. Se os números estiverem corretos, em três dias de combate, 40 soldados russos morreram a cada hora; um soldado a cada um minuto e meio.

“São principalmente rapazes muito jovens, de 19 a 25 anos”, lamentou. “A profundidade do nosso quebrantamento como seres humanos só pode ser curada pelo Espírito Santo.”

O metropolita Epifânio, chefe da Igreja Ortodoxa da Ucrânia (IODU), fez um apelo pelos mortos junto ao patriarca Kirill, chefe da Igreja Ortodoxa Russa (IOR), com sede em Moscou.

“Se você não é capaz de se levantar contra a agressão”, afirmou ele, “pelo menos recolha os corpos de soldados russos, cujas vidas pagaram o preço pelas ideias [suas e de seu presidente] de um ‘mundo russo’”.

Antes da guerra, o presidente Vladimir Putin afirmou que a Ucrânia era uma simples extensão da Rússia, sem existência histórica independente. Epifânio disse que o governo ucraniano estava tentando uma ação coordenada com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha para repatriar os cadáveres, mas ainda não recebera uma resposta.

Kirill pisa em ovos, considerando que seu rebanho está em ambos os lados da fronteira. Em 2019, o patriarca ecumênico da Igreja Ortodoxa, com sede em Istambul, reconheceu a independência da Igreja Ortodoxa da Ucrânia (IODU), enquanto muitas paróquias na Ucrânia rejeitaram-na e optaram por permanecer sob a Igreja Ortodoxa Ucraniana (IOU), que faz parte da Igreja Ortodoxa Russa (IOR), como tem sido o precedente histórico. (Os números exatos das igrejas afiliadas à IODU e à IOU na Ucrânia são difíceis de determinar.)

Expressando convicção de que os lados em guerra superarão suas divisões e discordâncias, Kirill convocou “a Igreja Ortodoxa Russa em toda a sua plenitude a orar de forma específica e fervorosa pela rápida restauração da paz”.

Como fundamento para tanto, ele citou a história comum e de séculos dos dois povos.

Epifânio, no entanto, encerrou sua mensagem ao patriarca observando que o calendário da Igreja Ortodoxa assinala o domingo passado como lembrança do Juízo Final.

Putin ordenou que suas forças nucleares adotassem um nível mais alto de alerta.

Aliados ocidentais da Ucrânia, que não integra a OTAN, aumentaram suas sanções contra os principais bancos e políticos russos — entre eles, Putin. Embora tenham evitado por pouco a opção financeira nuclear de cortar totalmente a Rússia do sistema internacional para transferências bancárias — SWIFT —, muitos aprovaram o envio de ajuda defensiva adicional a Kiev.

Enquanto isso, 10 seminários protestantes regionais — entre eles, o Seminário Teológico de Kiev e o Seminário Evangélico Reformado da Ucrânia — divulgaram uma declaração conjunta no Facebook que gerou mais de 650 compartilhamentos.

“Somos chamados para falar a verdade e expor o engano”, afirmaram. “Condenamos veementemente essa agressão aberta e injustificada, destinada a destruir o status de Estado e a independência da Ucrânia, e baseada em mentiras descaradas” de Putin “que são claramente contrárias à revelação de Deus”. Eles observaram:

Confessamos o poder real e ilimitado de Deus sobre todos os países e continentes (Salmos 24.1), bem como sobre todos os reis e governantes (Provérbios 21.1); portanto, em toda a criação, nada pode interferir no cumprimento da boa e perfeita vontade de Deus. Nós, unidos aos primeiros cristãos, afirmamos que “Jesus é o Senhor”, e não César.

Expressamos solidariedade para com o povo da Ucrânia. Compartilhamos a dor daqueles que já perderam entes queridos. Oramos para que todos os planos do agressor sejam frustrados e envergonhados. Apelamos a todas as pessoas de boa vontade, em todo o mundo, para que resistam às mentiras e ao ódio do agressor. Apelamos a todos para que peçam o fim das hostilidades e exerçam toda a influência possível sobre a Federação Russa, a fim de deter essa agressão imotivada contra a Ucrânia.

Cinco dos seminários estão sediados na Ucrânia. Dois, que tiveram o anonimato preservado, estão sediados na Rússia.

Ainda mais ousados foram vários pastores na Rússia.

Victor Sudakov, pastor sênior da Igreja Nova Vida em Yekaterinburg, a quarta maior cidade da Rússia, mudou sua foto de perfil do Facebook, na quinta-feira (24 de fevereiro de 2022), para postar uma pequena bandeira ucraniana. No sábado, ele mudou sua foto de capa para exibir a bandeira e o Tryzub, tridente de ouro que faz parte do brasão oficial da Ucrânia.

A atitude do pastor pentecostal, que faz parte da União Russa Associada de Cristãos de Fé Evangélica-Pentecostal (ROSKhVE), provocou centenas de comentários. “Irmão, eu sempre pensei e disse que você era um homem de coragem”, afirmou um dos comentários. “O que você está fazendo não tem preço!”

No domingo (27 de fevereiro de 2022), Sudakov aderiu a uma petição da Change.org, destinada a russos que se opõem à guerra na Ucrânia. Mais de 960 mil pessoas assinaram o documento até a noite de domingo passado.

Na sexta-feira (25 de fevereiro de 2022), a ROSKhVE divulgou uma declaração oficial que cita o Livro de Atos, em uma referência aos lugares designados por Deus para as pessoas viverem.

“Independentemente das causas, a guerra é um mal terrível”, disse o grupo. “Deus nos chamou para amar [e] os valores primários não devem ser os limites específicos das fronteiras, mas sim as almas humanas”.

Em sua oração para que a paz “seja restaurada o mais rápido possível”, a união evangélica convocou um jejum “até a solução divina para esse conflito fratricida”.

Como Kirill, a ROSKhVE citou como fundamento a história de séculos de união entre evangélicos russos e ucranianos. Muitos dos missionários ucranianos, dizem eles, agora servem como pastores e bispos de igrejas. Eles esperam que isso acelere um processo de reconciliação precoce.

“Lamento muito que meu país tenha atacado seu vizinho”, disse Constantin Lysakov, pastor da Igreja Bíblica de Moscou. “Não importa como chamemos esse evento, não importa como o justifiquemos, […] quando alguém está se arrependendo, não coloca a culpa no outro. E todos nós devemos nos arrepender pelo que aconteceu.”

“Há apenas uma fonte de consolo em tudo isso para mim”, escreveu ele no Facebook. “Cristo está assentado no trono, Deus Pai tem tudo em suas mãos, o Espírito Santo enche o coração de quem nele confia e nada pode superar o seu poder. Deus faz as maiores obras de redenção quando tudo parece sem esperança. […] Oro pela paz”.

Quando a guerra eclodiu, Yevgeny Bakhmutsky disse algo semelhante.

“Minha alma está triste, meu coração está dilacerado de horror e vergonha, e minha mente está chocada com a insanidade humana”, disse o pastor da Igreja Bíblica Russa em Moscou. “Não somos políticos, somos filhos de Deus. Não somos chamados a refazer o mapa geopolítico do mundo, para agradar este ou aquele governante. […] Que o mundo veja que os filhos de Deus amam e aceitam uns aos outros, não por causa de língua [ou] nacionalidade […], mas porque foram aceitos por Cristo”.

Um texto bíblico que foi citado com frequência nas igrejas evangélicas russas, no domingo após o início da guerra, foi Salmos 2.1: Por que as nações conspiram e os povos tramam em vão?

Outras igrejas se concentraram na solidariedade e na oração.

Em toda a Rússia, no domingo, as cerca de 700 igrejas integrantes das 26 uniões protestantes que compõem a Comunidade de Cristãos Evangélicos de Toda a Rússia declararam em conjunto um tempo de oração e jejum pela paz, disse Pavel Kolesnikov, ex-presidente dessa entidade e diretor regional da Eurásia para o Movimento de Lausanne. “Esta é a nossa atitude”, disse ele à CT.

Essa agenda de oração incluiu cinco ênfases:

1) Orar pela paz entre os povos irmãos da Rússia e da Ucrânia;
2) Orar para que as autoridades e os “governantes” tenham temor de Deus, força e vontade de pacificação;
3) Orar pela segurança do povo da Ucrânia, bem como dos cristãos que vivem na Ucrânia em locais de conflito armado;
4) Orar pela Igreja, para que Deus a preserve de divisões e conflitos em meio à situação que se agrava;
5) Orar para que entendam como cada associação de igrejas pode atender às necessidades das pessoas afetadas pela guerra.

Em sua própria igreja, a Igreja Batista Zelenograd, em Moscou, Kolesnikov pediu aos que participavam do culto matinal que dessem as mãos — todos, homens, mulheres e crianças — para orarem por paz e sabedoria para os governos de ambos os países. Sua igreja também está coletando suprimentos, como muitas igrejas russas, para ajudar os refugiados ucranianos em nações vizinhas.

“Essa guerra não é nossa”, disse ele. “Nós amamos nossos irmãos e irmãs ucranianos.”

Juntando-se ao jejum no domingo, a União Russa de Cristãos Evangélicos Batistas (RUECB) convocou os crentes a serem pacificadores.

Abençoe as nações em tensão e envie a paz, o arrependimento. Estamos pedindo sua misericórdia para todos”, disse Sergey Zolotarevskiy, pastor da Igreja Batista Central em Moscou, sem mencionar diretamente o conflito.

Oleg Alekseev, pastor da Fonte de Água Viva, a igreja batista mais antiga de Voronezh, na Rússia central, usou Salmos 2 como o texto principal de sua mensagem.

Referindo-se ao campo de batalha, ele disse: “As verdadeiras vitórias não acontecem lá, nem o bem-estar se origina lá”. “Ele se origina [na igreja], quando fielmente [oramos por] reis, governantes e todos os povos.”

Ruslan Nadyuk, pastor da Igreja Batista Palavra para a Alma, em Moscou, disse que a resposta cristã apropriada é orar silenciosa e incessantemente para que o conflito tenha uma solução pacífica e de acordo com a vontade de Deus. Ele citou o testemunho de Tiago 5.16. A oração de um justo é poderosa e eficaz.

Condicionados por décadas de perseguição sob czares e comunistas, muitos crentes russos decidiram que protestar é inútil, na melhor das hipóteses, e perigoso, na pior delas. Entre os efeitos constatados [nos crentes russos] está um aprofundamento da vida de oração, disse Andrey Shirin, um professor de seminário nascido na Rússia, que hoje vive na Virgínia e acompanhou sermões e comentários de pastores russos no Facebook, a pedido da CT.

“Quando as revoltas começam, os evangélicos russos não comentam muito sobre elas — principalmente quando estas são de natureza política”, disse Shirin. “No entanto, os evangélicos russos oram muito. Na verdade, eles acreditam que essa é a resposta mais potente.”

Como Bakhmutsky, pastor da Igreja Bíblica Russa em Moscou, declarou no Facebook: “Não se apresse em julgar os outros pelo prisma de sua cultura, de sua situação e de sua consciência. Não pense na oração como algo insignificante ou inútil. Para a maioria de nós, isso é tudo o que nos resta.”

Mas alguns pastores foram mais diretos em seus comentários.

Yuri Sipko, ex-líder da maior denominação batista da Rússia, disse que, em primeiro lugar, os cristãos devem responder com oração. A resposta de Jesus, no entanto, seria responder aos eventos na Ucrânia com as palavras de João 15.13: “Ninguém tem maior amor do que este: dar a vida pelos amigos.”

Para os ucranianos, disse ele, esse deve ser o princípio orientador da guerra.

Andrey Direenko expressou sua consternação. “Dor, lágrimas e os horrores do derramamento de sangue dilaceram nossos corações”, disse o bispo pentecostal de Yaroslavl, na Rússia central. “Parece um pesadelo, mas é uma horrenda realidade.”

E, em meio a tudo isso, os ministérios também reagiram.

“Peço a todas as famílias com órfãos, bem como às famílias que tenham crianças com deficiências e que desejam se mudar para áreas mais seguras, que escrevam sob este post”, disse Nicolai Kuleba, o ombudsman evangélico para questões relacionadas a crianças na Ucrânia. “Deixe um comentário, forneça um número e entraremos em contato com você.”

Muitas igrejas na Ucrânia estão fornecendo abrigo para refugiados. Mas igrejas no exterior também estão.

“Somos apenas uma pequena igreja, portanto, nossa capacidade de ajudar é limitada, talvez chegue, no máximo, a algumas dezenas de famílias”, disse Péter Szabó, que pastoreia uma igreja presbiteriana em Budapeste. “Mas nossa maior esperança não é o que podemos fazer ou o que faremos, mas sim o que nosso Rei, o Senhor Jesus Cristo, pode e fará.”

Pregando em Atos 13, ele lembrou que a vida cristã jamais é uma série de fracassos, mas que o “fio de ouro da graça de Deus” dá ao crente uma esperança segura para o futuro.

Precisando desesperadamente dessa perspectiva, cerca de 78 mil refugiados fugiram para a Hungria, disse ele. A ONU relatou uma migração para o oeste que totaliza 386 mil refugiados, e que inclui [entre os destinos] países como Polônia, Eslováquia e outras nações limítrofes.

Milhares de ucranianos cruzaram a fronteira para a Moldávia. Na Igreja Bíblica Kishinev, uma congregação não denominacional de língua russa, situada na capital deste país, várias famílias de refugiados assistiram a cultos pela primeira vez, no domingo de manhã.

A igreja e seus parceiros, ministérios cujos escritórios agora foram transformados em albergues, transportam refugiados e suprimentos desde o início da guerra. Evghenii “Eugene” Solugubenco se emocionou, enquanto pregava sobre um tópico de que havia falado meses atrás: a fidelidade de Deus.

“Essas palavras significam pouco para nós, quando vamos almoçar à tarde, depois da igreja. Mas quando você é um refugiado, elas significam bem mais. […] Eu orei para que Deus abrace essas pessoas e mostre que ele as ama porque é fiel”, disse Solugubenco, que abriu seu sermão com Lamentações 3.23-24. Novas são [suas misericórdias] a cada manhã; grande é a sua fidelidade. Digo a mim mesmo: “O Senhor é minha porção; por isso nele eu esperarei”.

“As pessoas geralmente são bastante reservadas nesta parte do mundo”, disse ele. “Elas não vêm até o pastor, após o culto. Mas hoje vieram.”

E alguns ucranianos estão vendo algo de divino.

“Soldados e oficiais estão me dizendo que estão testemunhando milagres do alto”, disse Oleksiy Khyzhnyak, pastor pentecostal em Bucha, a 44 quilômetros a noroeste de Kiev, que testemunhou os combates mais severos de domingo. “‘Não é conquista nossa’, disseram eles.”

Khyzhnyak disse a Yuri Kulakevych, diretor de relações exteriores da Igreja Pentecostal Ucraniana, em Kiev, que foguetes caíram sem explodir e que tanques russos ficaram sem combustível. Soldados [inimigos], perdidos em locais desconhecidos, estão pedindo orientações aos aldeões — e até mesmo pão.

Uma missão que fornece pães, patrocinada pela Holanda e que fica em Brovary, 24 quilômetros a leste de Kiev, está lutando para fornecer o suficiente. Já abastecendo vizinhos e pessoas que se deslocaram, vindas do leste, eles esperam expandir a área atendida para incluir hospitais e militares ucranianos.

Contudo, sob a pressão do conflito, sua própria força de trabalho está diminuindo, pois muitos estão indo para o oeste.

“Queremos começar a assar pães 24 horas por dia, 7 dias por semana, a partir de segunda-feira”, disseram eles, “mas, no momento, não temos padeiros suficientes para fazer isso”.

Morrison consegue entender o problema. Sua igreja, a Calvary Chapel, acabou de comprar 1 tonelada e meia de farinha. Mas, como muitos pastores disseram à CT, a situação é estressante. Sirenes de ataques aéreos constantes dão pouca paz. As imensas necessidades permitem pouco descanso.

“Esta manhã, acordei com a sensação de que eu tinha sido atropelado por um caminhão”, disse ele. “Mas, embora todos nos sintamos exaustos, seguimos em frente — crendo que Cristo nos colocou aqui, para este momento.”

Este artigo será atualizado. Reportagem adicional de Kate Shellnutt.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Forças espirituais estão por trás das guerras deste mundo

Os “anjos das nações” descritos nas Escrituras nos lembram que o mal cósmico molda a política da guerra terrena. Oremos segundo essa verdade.

Christianity Today February 27, 2022
Image: Oleksandr Ratushniak / AP Images

A guerra é algo terrível. Minha esposa e sua família estiveram por 18 meses em seu país, o Congo-Brazzaville (República do Congo), onde as forças sociopolíticas que tiraram dezenas de milhares de vidas só podem ser descritas como malignas. A Guerra dos Grandes Lagos, que custou milhões de vidas no vizinho Congo-Kinshasa (República Democrática do Congo), eleva o mal a outra escala. As trevas do Terceiro Reich de Adolf Hitler estão muito além da nossa compreensão.

Agora, em 2022, a guerra na Ucrânia traz o mal e a violência à tona, mais uma vez, e ameaça modificar nosso futuro global de maneiras que só podemos imaginar.

O egoísmo e a ganância do ser humano estão entre os pecados que geram as guerras: “De onde vêm as guerras e os conflitos que há entre vocês? Não vêm das paixões que guerreiam em vocês?” (Tiago 4.1, NAB). Coletivamente, no entanto, a escala do sofrimento humano infligido por outros seres humanos também parece pressupor uma dimensão do mal cósmico que desafia até mesmo nosso reconhecimento da depravação humana.

Existem razões para isso. O livro de Daniel fala não apenas de uma sucessão de impérios mundiais, mas também das forças espirituais que estão por trás deles. O príncipe angelical do reino da Pérsia atrasou a resposta às orações de Daniel, até que Miguel, príncipe de Israel, interviesse; o príncipe angelical do império de Alexandre seria o próximo (Daniel 10.13, 20-21; 12.1). Deus havia concedido soberanamente tempos na história para vários anjos e seus impérios; seus servos angelicais e humanos, porém, continuaram a trabalhar para seus propósitos, até que o Senhor os fez prevalecer.

A tradução grega do livro de Deuteronômio menciona que Deus designou anjos sobre as várias nações, e o pensamento judaico foi reconhecendo cada vez mais tais governantes e autoridades celestiais — algo que, mais tarde, os rabinos chamaram de anjos das nações. Esses seres eram tipicamente hostis em relação ao povo de Deus, mas, no final, Deus daria o reino a seu povo perseverante.

Porque nosso rei, Jesus, já veio, Satanás foi derrotado. Sua exaltação corresponde ao triunfo celestial do anjo Miguel sobre o dragão (Apocalipse 12.7-8).

Quando explicam essa história, os estudiosos costumam invocar a analogia entre o Dia D e o Dia V da Segunda Guerra Mundial. No Dia D, o sucesso da invasão da Normandia decidiu o desfecho da guerra, de modo que a derrota do regime nazista e de seus aliados foi apenas uma questão de tempo. No entanto, até o Dia V – dia da rendição definitiva das potências do Eixo — as batalhas continuaram e as baixas aumentaram.

Da mesma forma, todos os inimigos — entre eles, o inimigo final, a própria morte — serão subjugados, quando Jesus voltar (Salmos 110.1; 1Coríntios 15.25-26); até isso acontecer, porém, seus servos enfrentarão constantes batalhas.

Em Efésios, Paulo enfatiza que Jesus já está entronizado acima dos governantes e autoridades celestiais (Efésios 1.20-22) e que nós estamos espiritualmente entronizados com ele (1.22-23; 2.6). Em uma carta que enfatiza com veemência a unidade entre judeus e gentios no corpo de Cristo, essa entronização acima dos anjos de nações e impérios significa que nossa unidade em Cristo é maior do que todas as divisões étnicas e nacionais fomentadas por tais anjos. Os crentes já não estão mais sujeitos ao príncipe deste mundo (Efésios 2.1-3).

Uma estátua do arcanjo Miguel na Praça da Independência, em Kiev, Ucrânia.Imagem: Kipp74 / Getty
Uma estátua do arcanjo Miguel na Praça da Independência, em Kiev, Ucrânia.

Para Paulo, esse triunfo sobre as linhas que nos dividem tem ramificações de guerra espiritual, mesmo no que diz respeito às dimensões interpessoais de nossas vidas. Em Efésios 4, por exemplo, não dar ocasião ao diabo significa ter integridade e controlar nossa ira (v. 25-27). Em Efésios 6.10-20, significa tomar posse da nossa arma de defesa, a armadura da verdade, da fé e da justiça, e também de uma arma para invadir territórios hostis: a missão do evangelho.

Às vezes tenho visto irmãos e irmãs que tentam se envolver em batalha espiritual repreendendo e dando ordens aos governantes celestiais. No entanto, essa atividade não entende bem o nosso papel. Estamos entronizados com Cristo, e sim, algum dia julgaremos os anjos; mas não podemos confundir o Dia D com o Dia V. As Escrituras nos advertem expressamente contra difamar autoridades angelicais (2Pedro 2.10), apontando que mesmo seus colegas anjos só podem confrontá-los por autorização divina (2Pedro 2.11; Judas 9).

Tentar derrubar poderes celestiais é diferente de expulsar demônios daqueles por eles afligidos na terra. Nós fazemos parte das forças terrestres, não da força aérea. Isso não significa que não tenhamos um papel vital na guerra espiritual de nível cósmico. Significa apenas que nosso apetite moderno por resultados instantâneos não será satisfeito.

No livro de Daniel, a resposta de Deus foi imediata (Daniel 10.12). Mas Daniel perseverou em oração por três semanas, antes de receber sua resposta (10.2-3). Deus mostrou-lhe que impérios se levantariam e cairiam, mas o futuro não pertencia a eles.

O livro do Apocalipse oferece a mesma imagem: Satanás está por trás da besta de um império mundial, Babilônia, a Grande. Mas o futuro não pertence à Babilônia, a prostituta, mas sim à Nova Jerusalém, a noiva.

A Bíblia nos lembra que nem todas as forças espirituais são do mal. Deus está trabalhando, mesmo no mundo presente, e as Escrituras nos levam a esperar que as orações podem fazer diferença em tempos de guerra e conflito.

Antes de ter que enfrentar o bando armado de seu irmão Esaú, Jacó lutou a noite toda com um anjo. Embora rabinos posteriores pensassem que este fosse o anjo da guarda de Edom, tratava-se do próprio Senhor (Oseias 12.3-5). Mas os rabinos estavam certos, ao menos, quanto ao fato de que vencer a batalha espiritual fez diferença primeiro para o conflito terreno iminente. A mesma lição aparece na passagem em que as mãos erguidas de Moisés determinaram a batalha contra os amalequitas (Êxodo 17.11-13).

De fato, no nível cósmico, as forças de Deus superam facilmente as forças hostis. O servo de Eliseu aprendeu essa lição, quando Deus lhe abriu os olhos para que visse as colinas cheias de carros de fogo (2Reis 6.16-17). Naquela ocasião, o Senhor miraculosamente cegou um exército inteiro para permitir uma solução pacífica, em vez de uma batalha humana que custaria vidas (6.18-23).

Em outra história de guerra, Deus deu a vitória a Davi na batalha, uma vez que este ouviu as hostes celestiais do Senhor marchando por ele (2Samuel 5.24; 1Crônicas 14.15). Josué também alcançou vitória, depois de encontrar o comandante do exército do Senhor (Josué 5.13-15).

Em outras palavras, Deus nos ouve quando oramos. No livro de Daniel, nações arrogantes figuram como meros peões no plano mais amplo de Deus para a história. Em contraste, o anjo anuncia que Daniel, homem de oração, é precioso para Deus (Daniel 10.11).

Eis por que esse tema comum é importante: O resultado final já está decidido; nesse meio-tempo, porém, as batalhas na terra continuam e vidas de pessoas continuam em jogo. As orações de um justo contam mais diante de Deus do que os planos de poderes arrogantes no céu ou na terra.

Confesso que, se não fosse por minha fé nas Escrituras, essas afirmações me soariam bastante vazias em tempos de sofrimento em massa. Contudo, porque creio na Bíblia, eu me encho de coragem para o futuro. Da mesma forma, foi a fé da minha esposa, em Cristo e na Palavra de Deus, que alimentou sua esperança e permitiu sua sobrevivência durante a guerra no Congo.

Na atual guerra na Ucrânia e em outros conflitos ao redor do mundo, ainda não vemos todos os inimigos de Jesus visivelmente sob seus pés, e as baixas continuam altas. Mas a exaltação de Jesus sobre anjos, autoridades e poderes (1Pedro 3.22) já decidiu o resultado final da guerra cósmica dos séculos. Podemos descansar nessa verdade.

Craig Keener é professor de estudos bíblicos no Asbury Theological Seminary. Ele é autor da obra Christobiography: Memories, History, and the Reliability of the Gospels.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

Editado por: Marisa Lopes

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A igreja ucraniana tem usado a arma mais poderosa contra a guerra: a Bíblia

À medida que o Leste Europeu entra em guerra, as Escrituras estão em grande demanda.

Ucranianos orando na praça central de Kharkiv, Ucrânia.

Ucranianos orando na praça central de Kharkiv, Ucrânia.

Christianity Today February 25, 2022
Image: Courtesy of Ukrainian Bible Society

Nas últimas manhãs de domingo na Ucrânia, notícias sussurradas corriam pelas igrejas: Os soldados na fronteira leste têm lançadores portáteis de foguetes. O menino da família Bondarenko foi baleado na perna; dizem que ele não vai andar mais. Você sabia que os Kovals partiram?Algumas perguntas não eram sequer pronuciadas: Será que estaremos outra vez aqui, na semana que vem?

Ontem (23 de fevereiro de 2022), esses sussurros se transformaram em gritos, quando uma série de mísseis atingiu regiões próximas a Kiev.

A invasão coloca a igreja ucraniana no centro do conflito, enquanto líderes cristãos enfrentam o desespero e a incerteza das pessoas. Eles estão de pé, fortes e unidos, ajudando os ucranianos a encontrarem esperança na Palavra de Deus.

Como chefe da Sociedade Bíblica Americana, tenho mantido contato próximo com meu amigo e colega, Anatoliy Raychynets, que atua como vice-secretário geral da Sociedade Bíblica Ucraniana. Nos últimos meses, ele compartilhou relatos difíceis de ler: mães na porta dos hospitais chorando por seus filhos; crianças que não se lembrarão do rosto de seus pais; milhares de pessoas se sentindo sem esperança e aterrorizadas.

Mas Anatoliy também notou outra coisa: líderes da igreja estão trabalhando juntos pela paz, e pessoas estão buscando a esperança das Escrituras.

Na igreja de Anatoliy, as pessoas temem perder tudo. Em resposta a isso, ele tem compartilhado o Salmo 31 com qualquer um que esteja em busca de segurança. Ele relata que as pessoas muitas vezes ficam surpresas ao ouvir palavras que, segundo elas, soam como se pudessem ter sido escritas na Kiev de 2022: “Louvado seja o Senhor, pois ele me mostrou as maravilhas de seu amor quando eu estava em uma cidade sitiada” (v. 21).

Enquanto enfrentam o desconhecido, muitos estão conhecendo a mensagem da Bíblia pela primeira vez. De acordo com Anatoliy, nas últimas semanas, muitos padres e pastores têm ido à loja da Sociedade Bíblica, em Kiev, para comprar Bíblias. A demanda é tão alta que eles ficaram sem exemplares.

Anatoliy diz que este é um de seus maiores desafios: “Precisamos de mais Bíblias”.

Outro recurso oferecido pela igreja na Ucrânia é a cura de traumas baseada na Bíblia. Embora tenha começado há apenas seis anos, o programa tem sido incrivelmente eficaz, em especial para os familiares dos que foram mortos no conflito com a Rússia. Ele permite que líderes comunitários guiem pequenos grupos de pessoas ao longo de um processo de restauração.

E agora que o programa está disponível em tantas igrejas, por todo o país, a Sociedade Bíblica Ucraniana não consegue dar conta dos pedidos de recursos e treinamento.

O que, então, podemos fazer para ajudar?

Nossos irmãos e irmãs na Ucrânia precisam de Bíblias para pessoas que buscam consolo em tempos difíceis. Eles precisam de recursos que forneçam o bálsamo das Escrituras para a cura de traumas. E eles precisam que intercedamos por eles.

“Pedimos a vocês, em nome de Jesus Cristo: quem puder orar, por favor, mantenha-nos em suas orações”, diz o pastor local Viacheslav Khramov. “Hoje, a guerra começou em nossa terra. Pedimos a todos que podem orar, por favor, que orem por nós. Orem pela Ucrânia. Orem para que vidas sejam poupadas, assim como nossos corpos e almas.”

Anatoliy também faz eco a esse apelo.

De tudo o que ele compartilhou comigo, o que mais me inspirou foi a demonstração de solidariedade da igreja ucraniana, que atravessa confissões, fronteiras e divisões partidárias.

“Falamos com nossos colegas na Rússia”, ele me disse. “Nós, líderes da igreja, falamos uns com os outros e oramos juntos. Estamos unidos no Senhor”.

Esta é exatamente a mensagem do evangelho que devemos enaltecer para um mundo ferido: a Palavra de Deus pode reconciliar inimigos, acabar com o desespero e curar corações que sofrem.

A igreja unida: esta é a visão que vemos brilhando na Ucrânia. Em meio a guerra, política e divisões, a igreja de Jesus Cristo continua pregando o evangelho e edificando o reino de Deus.

Robert L. Briggs é presidente e CEO da American Bible Society.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

Editado por: Marisa Lopes

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A política de Putin ameaça o testemunho da igreja

Evangélicos americanos e do mundo inteiro podem aprender com a Rússia a não tratar a religião como uma ferramenta para se manter no poder.

Christianity Today February 24, 2022
Image: Alexei Nikolsky / AP Images

Este artigo é uma adaptação da newsletter (em inglês) de Russell Moore. Inscreva-se aqui.

Como a Rússia de Vladimir Putin é uma ameaça à existência de uma Ucrânia livre, para os evangélicos seria fácil concluir que esta é apenas mais uma questão distante de política externa.

No entanto, o Putinismo é muito mais do que uma ameaça geopolítica; é também uma ameaça religiosa. E a pergunta para os cristãos evangélicos é se o caminho seguido por Vladimir Putin se tornará o caminho seguido pela igreja nos Estados Unidos e no resto do mundo.

A ameaça à Ucrânia paira sobre muito mais do que apenas o povo ucraniano. A OTAN se preocupa com a estabilidade da ordem europeia. O Departamento de Estado dos EUA se preocupa com os americanos que restam por lá, temendo uma repetição do desastre no Afeganistão. Os alemães se perguntam se sua dependência do gás natural russo levará a uma crise energética. E o mundo inteiro se preocupa se esse passo de Putin vai encorajar a China a invadir Taiwan.

E, perdido em meio a tudo isso, está outra figura mundial contemplando seu próximo passo: o Papa.

A independência da Igreja Ortodoxa Ucraniana frente à Igreja Ortodoxa Russa tem estado envolvida em uma tempestade de controvérsias desde 2018. Em The Pillar, mídia católica focada em jornalismo investigativo, JD Flynn e Ed Condon explicam que líderes católicos e ortodoxos ucranianos estão acusando a Igreja Ortodoxa Russa de cumplicidade com a postura militar de Putin em relação à Ucrânia e seu povo.

A questão agora, como observam os autores dessa matéria, é se o Papa Francisco se reunirá em breve com o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa — e, em caso afirmativo, se isso sinalizaria uma tolerância quanto à potencial subjugação da Ucrânia e sua igreja nacional.

Para evangélicos americanos e do mundo inteiro, há questões reais também — não só sobre como responderemos ao uso que Putin faz da religião para fins políticos, mas também sobre se iremos imitar seus passos.

Vários anos atrás, antes da tumultuada era Trump, eu estava participando com outros evangélicos em um programa de notícias secular, de rede nacional, que foi transmitido na manhã de Páscoa. Em certo sentido, naquele fim de semana, estávamos todos unidos — afirmando juntos a verdade mais importante do universo: a ressurreição corpórea de Jesus dentre os mortos.

Mas discordávamos quando o assunto era Vladimir Putin. Eu o vi na época da mesma forma que o vejo agora: como um inimigo. No entanto, alguns dentre os demais tomavam as dores daquela figura forte e despótica, como se ele fosse um defensor dos valores cristãos.

Na época, pensei que apenas discordávamos sobre uma questão de política externa. Mas, agora, olhando para trás, posso ver que, ao menos para alguns dos evangélicos, havia uma discordância maior que ainda nem sabíamos que existia: a questão do que são “valores cristãos”, para começar.

Veja a questão do aborto, por exemplo. A taxa de aborto na Rússia não só é alta, mas, mesmo quando as forças favoráveis ao governo articulam algo semelhante a uma visão “pró-vida”, geralmente o fazem para conter o declínio demográfico, e não para proteger vidas humanas vulneráveis.

O princípio motivador não é a ideia de que “toda vida é preciosa”, mas sim o lema “Façamos a Rússia grande novamente”. Isso fica ainda mais destacado pelo tratamento que o governo russo dispensa às crianças que lotam orfanatos e “hospitais para bebês” em todo o país.

Como não havia uma cultura de adoção vibrante na antiga União Soviética, muitas dessas crianças crescem fora do sistema e enveredam por vidas aterrorizantes, marcadas por abuso de substâncias, exploração sexual e suicídio. Mas isso não impediu Putin de fazer tudo o que estava a seu alcance para acabar com a adoção desses órfãos por casais americanos e de outros países — tudo isso em nome de poupar o orgulho nacional russo que estava ferido e por um jogo de forças geopolítico.

A situação é ainda pior quando olhamos para a resposta de Putin ao próprio evangelho. Ele dedicou cuidadosa atenção à Igreja Ortodoxa Russa — a ponto de aprovar mosaicos de si mesmo, de Stalin e da invasão da Crimeia que seriam montados em uma catedral ortodoxa russa dedicada aos militares.

Além disso, o regime russo tem buscado incansavelmente acabar com as liberdades das religiões minoritárias — especialmente daquelas pertencentes ao grupo relativamente pequeno de protestantes de viés evangelical e missionários evangélicos oriundos do exterior.

Por que Putin — um ex-funcionário da KGB, que disse que o fim da União Soviética foi um desastre terrível — desejaria fazer parceria com uma igreja? Talvez seja porque ele acredita, juntamente com Karl Marx, que a religião pode ser uma ferramenta útil para a manutenção do poder político.

E, de fato, as religiões são bem úteis, quando se concentram em proteger o nacionalismo e a honra nacional. Elas podem transformar sentimentos já passionais de tribalismo e de ressentimento dirigido a pessoas de fora da cultura em sentimentos transcendentes e inquestionáveis. E tudo isso faz perfeito sentido em termos maquiavélicos — a menos que Jesus tenha, de fato, ressuscitado dos mortos.

Se essa tendência se limitasse à antiga União Soviética, poderíamos nos dar ao luxo de ignorá-la. Preste atenção, porém, em qualquer um que olhe por trás da antiga Cortina de Ferro, na tentativa de adivinhar o futuro.

Muitos religiosos conservadores — principalmente católicos romanos, mas também alguns protestantes de viés evangelical — aliaram-se ao homem forte e despótico da Hungria, Viktor Orbán. Como observa o comentarista libertário Matt Welch, o primeiro-ministro húngaro “se torna um estranho defensor da cristandade ao estilo americano”.

“O aborto é legal na Hungria, sem controvérsias, as pessoas não são particularmente religiosas, e Orbán exerceu um controle cleptocrático sobre igrejas que ousaram discordar de suas políticas”, argumenta Welch. A principal razão para a atração exercida por esses homens fortes do Leste Europeu, conclui Welch, é que eles lutam contra os inimigos certos e “vencem”.

Se isso fosse apenas uma questão de conflito entre aqueles de nós que acreditam na democracia liberal e aqueles que a consideram dispensável, isso seria uma coisa. Mas há outro problema maior com essa tentação despótica: o próprio evangelho.

Se a igreja for simplesmente um veículo cultural para a estabilidade e o orgulho nacionais, dificilmente se pode esperar que ditadores façam outra coisa senão manipulá-la. Mas, se a igreja é composta, como a Bíblia diz, de “pedras vivas”, trazidas à tona por corações regenerados mediante a fé pessoal em Jesus Cristo (1Pe 2.4-5), então, a conformidade exterior a um conjunto de valores em prol da civilização fica lamentavelmente aquém do cristianismo.

Isso seria verdade mesmo em um lugar que promovesse valores mais ou menos cristãos. No entanto, é ainda mais verdade quando a igreja está abençoando um líder despótico, como é Putin, conhecido por seu próprio povo como alguém que envenena seus inimigos.

Neste último caso, o testemunho da própria igreja está em jogo — porque uma religião que faz vista grossa para comportamentos sanguinários não crê nem mesmo em seus próprios ensinamentos sobre moralidade objetiva, e muito menos no juízo vindouro de Cristo. Por que alguém ouviria o que uma religião assim tem a dizer sobre como encontrar paz com Deus e entrar na vida futura?

Nós, cristãos evangélicos, devemos observar os passos de Vladimir Putin — e devemos reconhecê-los, sempre que nos disserem que precisamos de um faraó, de um Barrabás ou de um César para nos proteger de nossos inimigos reais ou presumidos.

Sempre que isso acontecer, devemos nos lembrar como se diz, em qualquer língua, esta palavra: “Não”.

Russell Moore lidera o Projeto de Teologia Pública da Christianity Today.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

Editado por: Marisa Lopes

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Books

O Deus Das Sombras

Como a teologia, Tomás de Aquino e a desconstrução me ajudaram a amar a face oculta de Deus

Christianity Today February 23, 2022
Illustration by Sarah Gordon

Tomás de Aquino foi um teólogo de teólogos. Suas obras totalizam mais de dez milhões de palavras ditadas a um ritmo febril de sua escrivaninha, em pé. Ele sintetizou não só o ensino cristão sobre doutrina, mas também questões mais amplas a respeito de como os cristãos devem pensar sobre Deus. Tomás de Aquino também foi o primeiro teólogo que estudei.

Até eu começar a pós-graduação em teologia, minha fé era simplesmente como uma parte da mobília do meu mundo. Era algo familiar, um tanto comum, e sua capacidade de me sustentar quando eu punha meu peso sobre ela era praticamente inquestionável. Não que eu tivesse medo de fazer perguntas difíceis. Deus era aquele a quem eu procurava com minhas preocupações, minha solidão, minha necessidade existencial. Tratar Deus como objeto de estudo, como algo totalmente separado desse tipo de piedade, não me era natural.

Assim, eu me encontrava bastante despreparada para realmente estudar teologia, uma vez que embarquei formalmente nessa atividade. Verdade seja dita, a teologia sistemática me pareceu muito abstrata e destituída de emoção, a primeira vez que me deparei com ela. O amor devotado que motivara meus estudos precisou ficar em suspenso por um tempo — muito embora esse amor tão sincero fosse praticamente tudo que eu tinha!

A teologia sistemática é um mundo de precisão e definições. Mas, a princípio, pode-se sentir que seu discurso trai muito daquilo que motiva a prática da fé.

Meu desejo de estudar era motivado por uma espécie de compromisso genuíno que, em minha experiência, era raro em escolas de pós-graduação, as quais muitas vezes pareciam mais propensas a rancorosas disputas territoriais. É claro que eu cria em Deus e em Jesus Cristo, seu único Filho. O que eu precisava questionar na época não eram os artigos da fé; era o que significava dizer: “Eu creio”.

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Tive uma espécie de conversão tanto à teologia quanto ao seu método, quando li a Suma Teológica de Tomás de Aquino. Eu nunca tive de ler algo tão devagar.

A Suma Teológica faz uso do raciocínio dialético, que emprega as regras da lógica para comparar posições concorrentes e esclarecer qual delas é verdadeira. Esta forma de teologia escolástica pode ser lida como um jogo. A estrutura de cada argumento propõe uma afirmação que, à primeira vista, parece crível. Tomás de Aquino, então, inverte o curso do raciocínio e propõe um “pelo contrário”.

Muitas vezes eu engolia a declaração inicial de Tomás de Aquino, supondo que ele me dizia a verdade, uma vez que costumava fornecer um versículo da Bíblia para acompanhá-la, e as reviravoltas de seu raciocínio me humilhavam. Minha tendência era desejar respostas mais fáceis.

A verdade sobre Deus nem sempre é fácil, no entanto. A fé, que começa com um compromisso sincero, às vezes deve atravessar um período de moroso questionamento, de confusão, de ziguezagues e de ascensão laboriosa.

Para Tomás de Aquino, a declaração de que Deus, ao contrário de nós, existe sem quaisquer contingências, tem imensas ramificações, em especial para a forma como aprendemos sobre Deus. Porque Deus é infinito, o que pode ser conhecido sobre ele é igualmente infinito. Mas também há muito [sobre Deus] que jamais poderemos conhecer. Criaturas finitas não podem ter conhecimento infinito — e esta é uma afirmação lógica. Isso não quer dizer que nosso conhecimento de Deus seja deficiente; ele simplesmente é incompleto.

Tomemos o exemplo de um lagarto. Dados tempo e recursos suficientes, um cientista poderia estudar um lagarto para aprender tudo sobre sua biologia, seus sistemas, sua história e seu habitat. Com o tempo, esse cientista poderia dizer, com certa dose de razão, que já sabia tudo o que há para saber sobre lagartos.

Ora, mas há certas coisas que ele pode nunca vir a saber. É difícil, por exemplo, avaliar a cognição de um lagarto. Mas podemos conhecer um lagarto, assim como qualquer outra criatura, até o ponto em que estes possam ser conhecidos. Deus não chega perto de poder ser conhecido tão bem quanto um lagarto. E isto se dá por causa do tipo de ser que Deus é.

Jesus deixou claro que “esta é a vida eterna: que conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo” (João 17.3). Portanto, não fiquei empolgada quando soube, pela primeira vez, que meu conhecimento de Deus seria sempre incompleto.

Por um tempo, eu me senti sem uma âncora. Como muitos alunos de seminário, há anos, nos dias difíceis de incerteza e solidão, eu orava para um Deus que imaginava ser igual a mim, só que maior. Eu amava aquele Deus e sabia que ele me amava.

Mas em vez de apenas me sentir mais perto desse Deus que eu amava, aprendi que havia um limite claro para o que eu poderia conhecer. Eu precisaria aprender a amar a Deus nas sombras.

O que aconteceu durante aqueles primeiros anos de meus estudos acadêmicos em teologia foi uma espécie de desconstrução. Mais propriamente falando, foi uma correção. Ser desiludida da minha sensação de que havia compreendido Deus, algo que inicialmente era uma preocupação, tornou-se com o tempo uma espécie de bálsamo.

Digo isso porque, hoje, entendo melhor o que é compreender. Existe uma diferença entre o que não sabemos, devido às nossas limitações terrenas ou à falta de inteligência ou de experiência, e o que não podemos saber, devido às limitações próprias do conhecimento humano. Muitos de nossos problemas teológicos surgem de nossa incapacidade de distinguir essa diferença.

É claro que existe muita coisa de que estamos certos, ainda que permaneça além de nossa compreensão. (É precisamente o fato de Deus estar “além” do mundo natural e de suas limitações que o torna capaz de alcançar fins sobrenaturais!). Hebreus 11.1 propõe isso, quando define a fé como “a certeza daquilo que esperamos e a convicção daquilo que não vemos”.

Uma fé convicta não nos permite segurar o incomensurável na palma da mão. A fé reside justamente nesse espaço entre quem Deus é e o que podemos conhecer de Deus.

Muitas vezes desejei poder falar dessa distinção a apologistas obstinados, que buscam mais do que tudo “provar” a fé cristã para levar outros a crerem. Tais esforços muitas vezes falam de Deus como se este fosse um lagarto, como se pudéssemos traçar os contornos da existência de Deus e prever seu comportamento.

Mas tratar Deus como um mero objeto de estudo é cometer um erro fatal. Temos que moderar nossas expectativas sobre o que podemos saber sobre Deus.

O apóstolo Paulo nos diz isso em 1Coríntios 13.12: “Agora, portanto, enxergamos apenas um reflexo obscuro, como em um material polido; entretanto, haverá o dia em que veremos face a face. Hoje, conheço em parte; então, conhecerei perfeitamente, da mesma maneira como plenamente sou conhecido.” (KJA). Portanto, a compreensão total deve esperar. Mas, ainda assim, devemos lidar com nossas imagens imprecisas de Deus. E a maneira como lidei com a minha pode ser chamada de desconstrução.

Há muita preocupação ultimamente com aqueles que estão “desconstruindo” sua fé. A linguagem da desconstrução toma emprestado de teóricos da literatura, em especial de Michel Foucault e Jacques Derrida, cujos insights, embora às vezes esclarecedores, estão em tensão um tanto frequente com a fé cristã.

Falar em “desconstruir a própria fé” passa a ideia de que o verdadeiro conhecimento sonda o que está por trás de simples afirmações, perguntando quais lealdades sociais, pressupostos políticos e políticas de gênero podem estar reforçando o que, sem isso, pareceriam ser afirmações diretas.

A julgar pelo meu feed do Instagram, é algo bastante popular identificar-se como alguém que está “desconstruindo” sua fé. Indivíduos comentam que estão se desconstruindo como se estivessem saindo para cortar o cabelo ou esperando a roupa acabar de lavar na máquina.

Alguns equiparam desconstrução a “apostasia”, quer como se fosse uma busca por uma fé diferente do cristianismo, quer como se fosse simplesmente uma tentativa de viver como se Deus não existisse. Vista dessa forma, a desconstrução pode ser entendida como uma ameaça bastante real à fé cristã.

É tentador tratar a desconstrução como se fosse um mero esforço arrogante, embora existam muitas e variadas razões pelas quais os indivíduos possam querer revisitar sua fé e prática cristãs. A maioria delas tem a ver com dúvidas sobre a confiabilidade de antigas crenças — e isso nem sempre é ruim, como também nem sempre significa trocar uma fé boa por outra pior.

Alguns podem achar que sua confiança está abalada, depois de experiências com líderes abusivos ou por problemas de integridade pessoal que não receberam o devido tratamento. Quando uma organização falha em pastorear e proteger com sabedoria aqueles que estão sob seus cuidados, dúvidas sobre a confiabilidade da igreja podem se transformar em dúvidas sobre o ensino da igreja.

Alguns cristãos passam por um período de desconstrução, quando colocam os ensinamentos da igreja em contraste com a experiência vivida por amigos e entes queridos, e percebem que isso os tornará estranhos. Eles não se encaixam politicamente nem socialmente. Uma forma de desconstrução pode mostrar se nossas peculiaridades decorrem do que Deus nos pediu ou se são uma tentativa de manter uma imagem — por exemplo, uma identidade agrária ultrapassada.

Em outros casos de desconstrução, uma pessoa pode vir a duvidar da confiabilidade da imagem mental que um dia já teve de Deus. Ela pode, por exemplo, reconsiderar o pressuposto de que Deus é uma espécie de Papai Noel bondoso que atende aos nossos pedidos com bons resultados.

Algumas coisas a respeito desta imagem são de fato verdadeiras: Deus é um Pai que nos dá boas dádivas (Mateus 7.11), a quem devemos levar nossos pedidos (Filipenses 4.6). Ainda assim, há outros aspectos — a ideia de que dar coisas (ou de se recusar a dá-las) é nosso principal envolvimento com Deus; o pressuposto de que Deus responde, em termos de tempo, da maneira que um humano faria — que poderiam se beneficiar de uma reconsideração.

Tais reconsiderações muitas vezes causam dor. Diversas ocasiões me sentei com alunos que precisavam processar a perda da imagem de um Deus para quem tinham orado por anos.

Uma dessas alunas, por exemplo, sempre imaginou Deus como alguém que se parecesse com seu avô. Embora este fosse um homem adorável, um tipo bastante alegre, essa estudante percebeu que havia projetado as fraquezas do avô — seu temperamento explosivo e sua sagacidade mordaz — em Deus também. Ela precisava desbastar essa sua imagem mental de Deus para ver o que de verdade lhe restava. Uma imagem falsa pode ser substituída por uma imagem verdadeira, mas o objetivo aqui é ir além das imagens. Uma imagem humana de Deus jamais poderá ser algo diferente de um ídolo.

Embora a linguagem da desconstrução seja lançada de lá para cá de maneira um tanto descuidada, e englobe as muitas experiências descritas anteriormente (ou apenas sirva como uma espécie de identidade de marca), ela de fato tem uma conexão com o trabalho da teologia.

Os primeiros teólogos cristãos falavam do nosso conhecimento de Deus como algo apenas parcial. O antigo filósofo Pseudo-Dionísio exorta aqueles que buscam o conhecimento de Deus a que

deixem para trás tudo o que é percebido e compreendido, tudo o que não é e tudo o que é, e, com seu entendimento posto de lado, esforcem-se, tanto quanto puderem, para se unirem àquele que está além de todo ser e conhecimento.

Os indivíduos que fazem isso, escreveu Dionísio, possuem uma modéstia que os coloca em oposição aos “desinformados”, aqueles “que pensam que, por seus próprios recursos intelectuais, podem ter um conhecimento direto daquele que fez das sombras seu esconderijo”.

Reconhecer que nosso conhecimento é meramente humano, e que Deus habita além desse conhecimento, pode ser vislumbrar a Deus pela primeira vez.

Afinal, o objetivo de todo estudo cristão de teologia é amar a Deus. E isso pode significar que alguns não alcançam certezas, mas, na verdade, deixam-nas para trás. Ao aprendermos sobre Deus, muitas vezes reconhecemos que este é, como também escreveu Tomás de Aquino, incompreensível, por ele ser muito, infinitamente maior do que jamais poderíamos conhecer por completo. Esse reconhecimento, porém, leva a mente a uma espécie de escuridão, que Pseudo-Dionísio descreveu como a “treva do desconhecimento”, a qual é maior do que a luz.

Passar de conhecer a Deus na luz, com uma certeza simplista, para conhecer Deus na escuridão além da minha compreensão exigiu uma grande mudança em minha fé, e até mesmo em minha vida de oração. Em vez de descansar no conhecimento, tive de confiar que Deus é bom, mesmo quando não conseguia entender muito bem essa afirmação. Eu tive de amar a Deus para além daquilo que eu podia saber dele. E fui capaz de passar de ter uma fé simplória para confiar em Deus na escuridão, para amar a Deus enquanto Ele habita na luz inacessível.

A desconstrução deve ser a tarefa de articular essa diferença entre o que podemos conhecer e quando devemos simplesmente confiar. Há uma distinção que deve ser feita entre o que não sabemos por falta de estudar ou de treinamento e o que não podemos saber devido à diferença de categorias entre o que Deus é e o que nós somos.

O processo deve desmantelar as certezas nos pontos em que elas não são adequadas. Mas isso não significa que a fé em si será desmantelada; a fé cristã não está calcada na capacidade intelectual do cristão, mas sim na firmeza, na constância de Deus.

A desconstrução pode falhar. Uma razão pela qual ela falha é pelo fato de guias bem treinados não serem incluídos no processo. Muitos assumem que estão descobrindo novos problemas na fé cristã. (Se eu ganhasse um dólar para cada jovem “desconstrutor” que descobrisse o problema do mal pela primeira vez, poderia encher uma biblioteca sobre o assunto.)

Sem um guia que tenha um certo domínio do terreno da tradição cristã, de suas tensões e questões perenes, dos lugares em que boas respostas são difíceis de encontrar, um questionador ingênuo pode sentir que esgotou a fé cristã, que sua tradição não pode suportar suas perguntas, que ele foi além dessa fé.

Já um bom guia sabe quando dizer: “Não podemos saber plenamente”, isto é, sabe quando lembrar aos alunos que Deus não é como um lagarto. Fazer isso evita outro erro da desconstrução: exigir certeza em detrimento da confiança. Mesmo nossas melhores aulas de teologia continuam sendo humanas e, portanto, finitas, incompletas e propensas a erros. No final do aprendizado sobre Deus chegamos um ponto em que a confiança é necessária.

O objetivo do preparo teológico é aprendermos a confiar, mesmo no escuro, naquilo que aprendemos na luz, para conhecermos em parte o Deus que só será plenamente conhecido na vida por vir.

Muitos cristãos aprenderam a colocar o conhecimento antes do amor, juntamente com a ideia de que devemos entender a Deus antes de podermos amá-lo. Colocar o amor antes da certeza, porém, nos permite saber que estamos amando a Deus, e não simplesmente nossos próprios esforços intelectuais.

Se existe um guia bíblico para tais esforços, gosto de pensar que este é Jacó lutando no Jaboque. Essa história é desconcertante. Por um lado, não fica claro com quem exatamente Jacó estava lutando. Dizem-nos que era com “um homem” (Gn 32.24), mas, antes que a noite terminasse, Jacó veio a entender que seu oponente era Deus. Também não nos é dito por que eles estavam lutando.

Mas Jacó foi abençoado por sua luta e recebeu um novo nome como sinal dessa bênção. Deus mudou seu nome para Israel, “porque você lutou com Deus e com homens e venceu” (v. 28). No entanto, embora a luta de Jacó naquela noite tenha sido recompensada, é digno de nota que ninguém deve lutar com Deus e desconstruir suas crenças para alcançar um verdadeiro relacionamento com Deus.

A revelação da verdade sobre Deus não é baseada no mérito. Ela é disseminada com liberalidade sobre aqueles que não a procuram nem sequer a desejam muito em particular. Por exemplo, a mulher samaritana no poço, em João 4, simplesmente se depara com o Cristo, o Filho do Deus vivo. Somos informados de que Deus se revela aos pequeninos, mas não aos sábios e cultos (Mateus 11.25).

Por outro lado, aqueles que estavam mais próximos a Jesus às vezes não enxergavam sua identidade divina.

Nós, teólogos — talvez por temperamento, talvez por garantia de emprego — tendemos a supervalorizar nossa profissão. Muitos cristãos têm pouca necessidade de nós, pois são capazes de crer em Deus e confiar em sua bondade sem precisar da nossa ajuda.

Há momentos, no entanto, em que nós [os teólogos], como bombeiros ou mergulhadores de resgate, temos habilidades que são valiosas. Em momentos assim, os teólogos podem ser especialmente úteis em livrar nossas crenças sobre Deus de acréscimos oriundos da cultura, da história e da personalidade.

A desconstrução, termo com o qual me refiro à luta para corrigir ou aprofundar a fé ingênua, é uma parte significativa do aprendizado da teologia. Os cristãos devem se engajar na tarefa de ir além das concepções simplistas, para crerem em um Deus que é bem mais vasto do que eles podem compreender.

Grande parte do movimento evangélico tirou proveito de uma simplicidade teológica que nem sempre foi de boa serventia aos cristãos. O evangelicalismo poderia usar o trabalho dos teólogos para remover alguns dos obstáculos e eliminar conceitos culturais que mascaram a santidade de Deus.

Se víssemos Elias, Moisés e Cristo como Pedro, Tiago e João os viram, durante a transfiguração, em Marcos 9 — como eles são agora, e não como eles pareciam para as pessoas anteriormente — viajaríamos, através da visão, para aquela nuvem do desconhecimento. Nossas canetas se deteriam, nossas perguntas seriam silenciadas, e ficaríamos boquiabertos. Veríamos de imediato aquele que sempre foi, mas sempre estivera simplesmente oculto: Deus, o Verbo.

A desconstrução pode ser essa gagueira, esse maravilhamento boquiaberto, quando percebemos que Deus é bem maior do que imaginávamos. Pode ser algo tão simples quanto outra cena em Marcos 9, quando um homem clama: “Eu creio; ajuda-me a vencer minha incredulidade!” (v. 24).

Tomás de Aquino disse ter tido uma visão desse tipo, perto do fim da vida. “Todo o meu trabalho é como palha”, foi sua reação. Ele largou sua pena. Havia alcançado aquele lugar em que o silêncio supera a fala, e milhões de palavras são caladas na presença daquele que é Deus, o Verbo, a Palavra.

Depois desse encontro, Tomás de Aquino parou de escrever. Depois desse encontro, Jacó ficou manco. De certa forma, tenho andado mancando, desde que aprendi que Deus difere de uma forma diferente. Aprendi a confiar no que não posso ver, a esperar além do que posso saber com certeza. Aprendi a amar a Deus nas sombras, na treva.

Kirsten Sanders é fundadora da iniciativa Kinisi Theology Collective, um projeto de teologia pública que busca trazer teólogos treinados até pessoas que desejam crescer em conhecimento e amor a Deus. Ela é formada pela Duke Divinity School e pela Emory University.

Traduzido e editado por Marisa Lopes

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Books

Os cristãos estão voltando para a igreja, mas talvez não para a mesma

Em meio a todos os movimentos e mudanças dos últimos dois anos, muitas congregações viram uma aceleração na rotatividade de membros.

Christianity Today February 18, 2022
Image: Cavan Images / Getty / Edits by Christianity Today

A Igreja Northwest de Houston sofreu grandes danos com o furacão Harvey, em 2017. No momento em que suas instalações danificadas pela inundação foram finalmente reconstruídas, cerca de dois anos atrás, a congregação voltou a funcionar a pleno vapor por seis semanas, antes que os cultos fossem suspensos pela pandemia.

À medida que a igreja sofria um revés atrás do outro, o pastor sênior Steve Bezner testemunhava as idas e vindas do rebanho.

“Cerca de um terço de nossa congregação que comparece presencialmente aos cultos são rostos novos”, disse ele.

Atualmente, sua igreja atrai 1.600 participantes por semana, incluindo várias centenas de visualizações on-line — um número não muito distante de sua média semanal antes da pandemia, de 1.700 pessoas. Bezner se maravilha com o número de membros que saíram durante a pandemia e com o número de novas pessoas que apareceram para substituí-los.

“isso faz você acreditar na preservação do Espírito Santo”, disse o pastor de Houston.

A rotatividade de membros é algo tão comum ao ciclo de vida de uma igreja quanto batismos, casamentos e funerais. Mas a pandemia acelerou as idas e vindas das pessoas e exigiu novas estratégias para acolher e integrar novos membros na comunidade da igreja. Essas tarefas foram complicadas pela evolução das precauções contra a COVID-19 e pelo desafio de identificar quem ainda pertence à igreja, quando muitos continuam a adorar de forma online.

“Não reunir a congregação presencialmente despertou essas questões”, disse Steve Smith, pastor executivo da Highpoint Church em Naperville, Illinois. “O evangelho não mudou e sempre seremos centrados na Bíblia, mas a forma como engajamos as pessoas está mudando.”

A COVID-19 impulsionou as pessoas para todos os tipos de mudanças nos últimos dois anos, incluindo as de carreira, novos relacionamentos e realocação. Algumas mudanças foram por necessidade e outras por novas prioridades. Um estudo do Pew Research Center descobriu que três quartos das pessoas viram algum impacto positivo decorrente da pandemia.

Isso também aconteceu com as escolhas em relação a igrejas. Para aqueles que já estavam lutando com sua igreja, a pandemia serviu como um catalisador para começar a explorar outras congregações. Uma frequentadora de uma igreja de Atlanta disse que a pandemia a empurrou para a mudança, depois de atravessar difíceis dinâmicas sociais dentro de seu grupo de jovens adultos.

“Decidi começar de novo em outro lugar”, disse Elisa Hoover, 27 anos. “Foi mais fácil visitar outras igrejas durante a pandemia e minha ausência foi menos notada na comunidade sempre tão unida da minha igreja.”

Para muitas pessoas, o isolamento continuado da pandemia aumentou seu desejo por conexão e por uma comunidade espiritual.

Muitos novos participantes da Igreja Northwest de Houston vieram de um grande complexo de apartamentos, do outro lado da rua, onde moram principalmente adultos solteiros. “Eles sentiram a pressão psicológica da solidão e quiseram conhecer nossa igreja”, disse Bezner. “Eles queriam descobrir quem é Deus.”

Esse desejo por conexão e por raízes espirituais transcendeu a demografia, e afetou a todos, desde solteiros que moram sozinhos até pais com filhos pequenos e paroquianos que moravam muito longe de sua igreja para se envolverem mais profundamente.

Quando a pandemia chegou, em 2020, Dylan Parker e sua esposa perceberam que moravam muito longe de sua igreja no Arkansas para se envolverem tanto quanto gostariam.

“Até a pandemia nos desacelerar, não tínhamos percebido o preço que pagávamos por viver em mais de uma cidade”, disse ele. Eles começaram a procurar uma igreja mais perto de casa, mas logo descobriram que ele fora aceito em um programa de doutorado no Seminário Teológico Fuller, e que se mudariam para a Califórnia. Parker e a esposa agora moram a uma curta distância de sua igreja e de muitos de seus membros.

“Já sentimos que temos uma comunidade mais próxima e mais forte aqui do que no Arkansas”, disse Parker.

Este pai de dois filhos também valoriza a abordagem de sua nova igreja para lidar com questões desafiadoras que surgiram durante a pandemia, entre elas as de justiça social. Embora ele diga que não teria mudado de igreja apenas por esse motivo, reconhece que sua igreja na Califórnia é mais adequada.

“Minha igreja anterior não estava permitindo espaço para conversas que eu queria ter sobre justiça social”, disse ele. “Cheguei a um ponto da minha vida em que precisava de espaço para responder a essas perguntas.”

Navegando em águas desafiadoras

É impossível analisar o tópico da mudança de igreja durante a pandemia sem reconhecer o pano de fundo da polarização nacional, em questões que vão do uso de máscara e vacinação à tensão racial e política. Frequentemente, os pastores se sentem mal preparados para abordar essas questões de maneira que satisfaça membros que representam um amplo espectro de pontos de vista.

Bezner descreve a turbulência dos últimos dois anos como um “trauma nacional agravado que causou fadiga de decisão nos pastores”.

Decisões controversas, tomadas sob maior escrutínio, podem ser o que leva certos participantes a repensarem a adequação da igreja.

“Costumava ser uma coisa mais silenciosa, mas agora as pessoas saem juntas, em grupo, e isso chama mais a atenção do que costumava chamar”, disse Smith da Highpoint Church, em Illinois.

As igrejas muitas vezes estão perdendo as “últimas fileiras”, o que fez aqueles que estavam altamente envolvidos se envolverem ainda mais durante o curso da pandemia, aqueles que estavam moderadamente envolvidos se manterem firmes e muitos dos participantes menos engajados caírem fora.

“Estamos vendo que as pessoas que vinham à igreja de 8 a 12 vezes por ano pararam de comparecer”, disse Smith. “Sua musculatura espiritual atrofiou.”

Nas sete congregações da Highpoint Church, a igreja não-denominacional viu poucas dessas pessoas se envolverem novamente, apesar de uma campanha de comunicação robusta, encabeçada por líderes e voluntários da igreja.

Oferecer cultos virtuais ajuda durante a pandemia, mas dificulta a contagem do número de membros. A mescla de pessoas que mudam de igreja e participam de cultos on-line criou mistério em torno do verdadeiro número de membros que deixaram a igreja definitivamente.

Quase todas as igrejas haviam reaberto no verão passado, com apenas três quartos dos participantes regulares de volta aos bancos, apurou a Lifeway Research.

Construindo uma comunidade mais profunda

“O anonimato constitui uma grande parcela do cenário da igreja americana”, disse Len Tang, diretor da Iniciativa de Plantação de Igrejas no Seminário Teológico Fuller. “Em igrejas menores, porém, você não pode ser anônimo.”

De certa forma, pequenas igrejas e igrejas plantadas estão em melhor posição para conservar seus membros durante a pandemia. A congregação de Tang, a Missio Church, em Pasadena, Califórnia, não viu muitas mudanças de igreja durante a pandemia.

“As pessoas geralmente são leais à visão de uma igreja plantada e menos propensas a mudarem de igreja”, disse ele. A Lifeway também descobriu que as igrejas menores se recuperaram mais rapidamente do que as grandes.

“A maioria das igrejas pequenas ainda não voltou aos níveis pré-pandemia, mas muitas delas estão chegando mais rápido a esse ponto do que as igrejas maiores”, disse Scott McConnell, diretor executivo da Lifeway Research. “É possível que as igrejas pequenas sejam auxiliadas pela sensação de segurança em uma reunião de pessoas que é naturalmente menor, pelas diferenças nas opções de tecnologia para reuniões on-line ou pela força das conexões relacionais.”

Igrejas grandes e pequenas se concentraram no discipulado de pequenos grupos, quando os cultos presenciais foram suspensos.

“As igrejas que entendem o discipulado como sua essência puderam continuar essa missão”, disse Tang.

Na Highpoint Church, os pastores não podiam mais usar a frequência aos domingos como forma de medir o discipulado na igreja; então, eles ajustaram sua abordagem para o treinamento de liderança. Em vez de simplesmente compartilhar métodos de discipulado, eles se concentraram em ensinar aos líderes por que o discipulado é essencial e como engajar as pessoas de forma significativa.

“Estamos tentando ajudá-los a entender: ‘Como você consegue acessar as lutas e os anseios mais profundos das pessoas como parte da formação espiritual?’”, disse Smith.

Em Houston, a igreja de Bezner começou a oferecer jantares de visão, para acomodar mais pessoas do que as tradicionais classes de novos membros.

Matt e Dara Osborn, de Spring, Texas, participaram recentemente de um desses jantares de visão para aprender mais sobre o passado da igreja e suas expectativas para o futuro.

“Algumas igrejas estão focadas na reconstrução e outras estão avançando”, disse Matt Osborn. “A Igreja Northwest de Houston está avançando. Nesta nova era, reabrir é como começar de novo.”

Osborn acredita que esse momento de transição durante a pandemia pode estar preparando a igreja para uma nova fase de crescimento à frente. Ele disse: “Talvez Deus esteja colocando as pessoas onde elas precisam estar para que seu reino cresça em tempos pós-pandemia”.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Levar os filhos à igreja é mais importante do que colocá-los na escola “certa”, sugere estudo

Mesmo estudar em escolas religiosas tem menos impacto do que frequentar uma igreja.

Christianity Today February 18, 2022
Image: Edits by Christianity Today / Source Images: Stefanie Amm / EyeEm / Zhuo Cheng You / Unsplash

Tyler VanderWeele, especialista em saúde pública e coautor da matéria de capa da nossa edição impressa de novembro de 2020, analisou recentemente como quatro categorias de escolas — as públicas, as privadas, as religiosas e o homeschooling — podem afetar o bem-estar dos adolescentes a longo prazo.

VanderWeele e sua equipe de pesquisadores de Harvard examinaram uma grande quantidade de dados, coletados ao longo de mais de uma década, que acompanharam o desenvolvimento de 12 mil crianças, filhos de enfermeiras, até a idade adulta. O estudo longitudinal pesquisou tendências de saúde social, física e mental em todo o grupo — tais como abuso de substâncias, ansiedade/depressão, envolvimento na comunidade e atividade sexual.

A análise da equipe foi publicada recentemente na revista científica digital PLoS ONE, e algumas de suas descobertas foram surpreendentes.

Ao comparar os principais indicadores de saúde, os pesquisadores encontraram pouca diferença entre o bem-estar, a longo prazo, dos adolescentes que frequentaram uma escola pública e aqueles que frequentaram uma escola privada. (Todas as crianças que participaram tinham entre 9 e 14 anos, quando o estudo começou.)

“Nós não tínhamos expectativas claras, mas certamente não esperávamos encontrar basicamente nenhuma diferença — que foi o que encontramos”, disse VanderWeele. “Encontramos relativamente pouca diferença quando comparamos escolas públicas e privadas, dentre toda uma série de resultados.”

Houve, no entanto, uma diferença notável entre as crianças que frequentaram escolas públicas e aquelas que foram educadas em casa.

“Encontramos muitos resultados positivos e benéficos do homeschooling”, disse VanderWeele.

Seus dados mostraram que as crianças educadas em casa eram mais propensas a se voluntariarem, a perdoarem os outros, a possuirem um senso de missão e propósito e a terem notadamente menos parceiros sexuais ao longo da vida.

Essas crianças também eram 51% mais propensas a frequentarem cultos religiosos com regularidade na idade adulta. “É bem possível que muitos pais que adotaram o homeschooling eram religiosos ou tenham feito essa opção por motivos religiosos, mas infelizmente não temos dados sobre o conteúdo do currículo”, disse VanderWeele.

Os pesquisadores encontraram apenas um efeito adverso do homeschooling: essas crianças eram 23% menos propensas a conquistarem um diploma universitário do que as crianças que frequentaram escolas públicas e privadas (as quais tiveram taxas semelhantes de conclusão da faculdade nesta amostra). “Isso pode apontar para a necessidade [de] focar mais na preparação para a faculdade”, comentou VanderWeele.

Outra surpresa foi como a experiência nas escolas públicas se compara à educação em escolas religiosas privadas. Na longa lista de métricas de saúde, os pesquisadores encontraram apenas uma diferença marginal em alguns resultados — cerca de 10% a 15% — entre as crianças que foram enviadas para escolas públicas e aquelas que frequentaram escolas afiliadas a alguma religião.

As crianças que frequentavam escolas religiosas eram marginalmente mais propensas a se registrarem para votar, menos propensas a serem obesas e mais propensas a terem menos parceiros sexuais ao longo da vida até chegarem à idade adulta.

Em contrapartida, elas eram um pouco mais propensas a se envolverem em bebedeiras.

“Pode ser que algumas crianças sintam que querem se rebelar, se estiverem frequentando uma escola religiosa por toda a vida”, disse VanderWeele. “Não fomos capazes de determinar bem o porquê, mas algo assim poderia ser a explicação.”

Na frequência à igreja na idade adulta, os alunos educados em casa também saíram à frente dos outros. As crianças que frequentaram escolas religiosas eram apenas um pouco mais propensas a frequentarem cultos religiosos quando jovens adultos do que aquelas que frequentaram escolas seculares, privadas ou públicas — e muito menos propensas do que aquelas que foram educadas em casa. (Vale a pena destacar: o estudo não analisou a preservação da fé entre alunos cristãos, apenas a frequência religiosa dentre todo o grupo.)

O demógrafo Lyman Stone adverte para não interpretarmos os resultados deste único estudo como prova de um nexo causal definitivo — [não devemos] dizer, por exemplo, que o ensino em casa ou que o ensino em escolas religiosas, por si só, são causas diretas da maior frequência a uma religião —, mas sim reconhecer que esse conjunto de dados está relacionado por associação.

“A ligação entre a educação em escolas religiosas — e provavelmente também a educação em casa — e a frequência a cultos religiosos na idade adulta é causal. Este estudo não mostra que é causal, mas é. E sabemos disso por outros estudos”, diz Stone, referindo-se a pesquisas mais antigas, que analisaram na França a educação católica e a educação islâmica.

“O ambiente ao qual uma criança é exposta causa mudanças em seu comportamento religioso na idade adulta”, diz Stone, e “os resultados [deste estudo] são consistentes com isso”.

No entanto, as diferenças entre escolas públicas [seculares] e privadas religiosas foram muito menores do que VanderWeele esperava, com base nas tendências que ele descobriu em pesquisas anteriores que usaram o mesmo conjunto de dados.

“Nosso trabalho anterior havia indicado que a frequência a cultos religiosos durante a adolescência era realmente importante e moldava a saúde e o bem-estar de várias maneiras”, disse VanderWeele. Essa conclusão ainda é válida. “Mas os efeitos da educação em escolas religiosas foram muito menores, o que não era exatamente o que esperávamos.”

“O que descobrimos foi que a frequência a cultos religiosos faz uma diferença maior do que a educação em escolas religiosas”, disse ele. “A frequência a cultos religiosos tem efeitos benéficos para todos os diferentes tipos de escola e tem efeitos mais impactantes do que a educação em escolas religiosas.”

Em outras palavras, as crianças que cresceram frequentando a igreja regularmente tiveram uma classificação bem mais alta no quesito de bem-estar geral quando jovens adultos do que aquelas que frequentaram uma escola religiosa, mas não frequentaram cultos religiosos durante seus anos de formação.

E embora “o efeito da educação em escolas religiosas por si só não pareça diferir drasticamente, quando comparamos aqueles que frequentavam cultos religiosos versus os que não frequentavam”, explicou Vanderweele, “para aqueles que frequentavam ambos (escolas religiosas e cultos religiosos], a frequência a cultos religiosos na juventude foi claramente a força predominante na formação da saúde e do bem-estar, pelo menos no que diz respeito a dados e experiências de 20 anos atrás.”

Em estudos anteriores, VanderWeele descobriu que a frequência semanal a cultos na idade adulta estava associada a “cerca de 30% de redução na mortalidade por todas as causas, 30% de redução na incidência de depressão [e] uma redução de cinco vezes na taxa de suicídios”.

Além disso, “a frequência regular a cultos ajuda a proteger as crianças dos ‘três grandes’ perigos da adolescência: depressão, abuso de substâncias e atividade sexual prematura”, escreve VanderWeele em seu último artigo para a Christianity Today . “As pessoas que frequentaram a igreja na infância também são mais propensas a crescerem felizes, a perdoarem, a terem um senso de missão e propósito e a se voluntariarem”.

“Então, independentemente do tipo de escola [em que a criança estudar]”, diz VanderWeele, “ir a cultos religiosos, tanto na adolescência quanto na idade adulta, é algo benéfico”.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Precisamos ser melhores perdedores

A legitimidade das eleições nos EUA exige que alguém perca. Para cristãos, isso não deveria ser problema.

Christianity Today February 9, 2022
Illustration by Rick Szuecs / Source images: Brooke Cagle / Unsplash / George Rudy / Envato

Nota da edição brasileira: Embora este artigo diga respeito à realidade norte-americana, achamos importante traduzi-lo, uma vez que tece considerações que também são relevantes e bastante aplicáveis ao contexto político e cristão brasileiro.

Ninguém gosta de perder. Mas nós, americanos, precisaremos aprender a ser melhores perdedores, se quisermos manter nosso sistema de governo nos próximos anos. E, dentre todas as pessoas, os cristãos devem dar exemplo de saber perder, com base em nosso compromisso com a vitória de Cristo por meio da cruz, e também no que nos é dito nas Escrituras sobre nossa natureza como perdedores aos olhos do mundo.

Nas últimas eleições presidenciais, no entanto, nem os americanos em geral nem os cristãos em particular demonstraram capacidade de ter espírito esportivo diante da derrota. Quando o Congresso certificou os resultados da eleição presidencial de novembro, nomeando formalmente Joe Biden como vencedor, dezenas de deputados e vários senadores se opuseram aos resultados da eleição em vários estados. As alegações não tinham o menor embasamento, nem qualquer chance de mudar o resultado das eleições, mas transformaram o que geralmente é um processo formal e tedioso em um frenesi partidário e, talvez, em um teste decisivo para os republicanos que concorrerão a cargos nacionais em 2022 e 2024.

Desde que a eleição terminou, em novembro, houve alegações de que a eleição foi tirada do presidente Donald Trump. O presidente tem há muito desenvolvido uma imagem de vencedor, e alguns de seus eleitores não conseguiam acreditar ser possível que ele perdesse. A única explicação [para sua derrota] era uma trama insidiosa para roubar a eleição e subverter a vontade do povo americano. Lutar contra esses resultados tornou-se, portanto, uma questão de defender a própria América.

Essas alegações foram amplificadas por figuras nacionais proeminentes, inclusive o próprio presidente, membros do Congresso e várias vozes cristãs. Franklin Graham disse que “ele tende a acreditar” na afirmação de Trump de que a eleição foi “manipulada ou roubada”. Greg Locke disse que sente pena de pessoas “que são tão iludidas que fecham os olhos para uma fraude óbvia e maciça para se apegar a uma falsa esperança”, e acrescenta: “Trump continuará a ser presidente”. Eric Metaxas, que ajudou a organizar a Marcha de Jericó, em dezembro de 2020, tem sido um crítico consistente e franco da legitimidade da eleição, afirmando: “Esta é uma guerra pela alma da nossa nação!”

Falando como cientista político e como cristão que não votou em Joe Biden em novembro de 2020, acho importante dizer que essas alegações são um disparate sem fundamento. Elas são baseadas em meias verdades apresentadas de forma seletiva, em vídeos ambíguos e fora de contexto e nas mais absolutas falsidades. E desmoronam sob o mais leve escrutínio.

Nos dias que se seguiram às eleições de novembro, perguntei a meus alunos o que era mais provável: Que um presidente, consistentemente impopular no comando de uma crise de saúde sem precedentes e de uma economia em crise, vencera por pouco sua eleição anterior contra um oponente profundamente polarizador, e perdera por pouco a atual eleição para um oponente menos polarizador e mais popular? Ou que esse mesmo presidente fora vítima de fraude e corrupção sem precedentes, embora seu próprio partido tenha tido um desempenho acima do esperado em muitas das disputas eleitorais locais?

A navalha de Occam não é uma ferramenta perfeita, mas neste caso ela se mostra especialmente útil. A explicação mais simples é realmente a melhor.

A grande verdade é que às vezes as pessoas perdem. Nosso sistema de governo depende de os cidadãos reconhecerem esse fato e concordarem com isso. O sistema de governo americano realmente garante [que haverá] perdedores. Nosso sistema de eleições, no qual o vencedor leva tudo, difere dos sistemas de voto proporcional de outros países; portanto, se um candidato ganhar apenas um voto a mais do que seu oponente, em uma eleição da qual participam milhões de pessoas, ele vence a eleição de imediato. Não há prêmio de consolação para o segundo lugar. Há apenas um vencedor e um perdedor.

Se os americanos não puderem aceitar isso, esse sistema será seriamente prejudicado. A legitimidade do governo americano está arraigada na legitimidade de nossas eleições. Se mais e mais pessoas recorrerem a conspirações e alegações de fraude bizarras e infundadas para explicar os resultados de uma eleição, então, podemos não estar muito distantes de um colapso no autogoverno.

Isso me preocupa, uma vez que pesquisas recentes mostram que os americanos estão divididos ao longo de linhas partidárias em relação à legitimidade das eleições de 2020. Este não é um fenômeno inteiramente novo — considere aqueles que estavam convencidos de que a Rússia havia adulterado a contagem de votos em 2016 —, mas aparentemente está se tornando mais difundido. O autogoverno depende de os cidadãos saberem perder e ficarem de olho nas próximas eleições, e não queimarem o sistema por completo.

Os cristãos devem liderar o caminho dos que sabem perder bem. Rejeitar absurdos e abraçar a verdade, por mais desanimadora que seja, é essencial ao nosso testemunho para um mundo cético. Se os cristãos ficarem espalhando teorias da conspiração sobre as eleições, que credibilidade teremos ao falar para o mundo das Boas Novas de um Salvador ressuscitado? Quando se trata de dar sentido a coisas polêmicas como eleições presidenciais, nós, cristãos, não devemos ser ingênuos nem enfiar a cabeça num buraco, mas também não devemos procurar explicações reconfortantes em pontos distantes, em lugar de [aceitar] explicações realistas que estão bem à nossa frente.

A Escritura serve como uma ferramenta valiosa neste assunto. O salmista aconselha: “Não confieis em príncipes, em filho de homem, em quem não há salvação” (Sl 146.3, ESV na íntegra).

Quando cristãos falam de ganhar ou perder “a alma de nossa nação” em determinada eleição, corremos o risco de colocar o governo dos homens à frente da soberania de Deus.

Considere Provérbios 24.16, que diz: “Pois o justo cai sete vezes e se levanta novamente, mas os ímpios tropeçam em tempos de calamidade”. Se nós, cristãos, devemos fazer as pazes com a hipótese da perda por causa de nossa humildade, devemos fazê-lo também para aumentar nossa resiliência. Nossa resposta à derrota é um testemunho mais verdadeiro de nossa esperança em Cristo do que nossa resposta à vitória.

Paulo exorta Timóteo e sua igreja a “não terem nada a ver com mitos irreverentes e tolos” (1Tm 4.7). Isso implica nossa capacidade de discernir fato de ficção, e de fazê-lo sem nos apoiar na muleta reconfortante da tendência de confirmar [o que pensamos]. A mídia social torna mais fácil do que nunca adotar as fontes reconfortantes, em vez das legítimas; assim como a igreja primitiva foi advertida contra adotar informações tentadoras, mas que não eram confiáveis, nós também somos.

Por fim, pense nos discípulos de Jesus no Getsêmani. Todo o seu trabalho nos anos anteriores estava em perigo, pois seu mestre, aquele a quem eles haviam confiado tudo, fora levado pelas autoridades. A própria identidade deles, tudo o que tinham visto e acreditavam ser verdade, estava aparentemente perdido. É difícil imaginar uma sensação de perda maior de pessoas que tinham tanto a perder.

Pedro, é claro, não queria nada disso. A dele é uma reação com a qual podemos nos identificar — pegar uma espada e empunhá-la contra a injustiça, e tudo por uma causa tida como justa. Jesus, no entanto, tinha planos diferentes; repreendeu Pedro e curou seu captor ferido. Jesus pode ter sido considerado um perdedor naquele momento, mas hoje sabemos que isso foi apenas temporário. A soberania de Deus se estende para além de nossas circunstâncias atuais.

Quando as apostas são tão altas quanto em uma eleição presidencial, a derrota pode ser particularmente desencorajante — e até mesmo assustadora. Mas isso não justifica abandonar os princípios do discernimento e da sabedoria, enquanto se abraça o tipo de ensino tolo que Paulo condena em 1Timóteo. Só porque algo é reconfortante não significa que seja certo.

O mundo pode pular constantemente de verdade em verdade, conforme o momento exigir; os cristãos, porém, devem ser diferentes. Embora devamos com toda certeza lutar pela justiça e pela verdade em praça pública, também devemos estar preparados para perder de tempos em tempos, e perder com a confiança que vem de nossa identidade em Cristo. Afinal, somos herdeiros de uma vitória muito maior do que aquelas que o mundo jamais poderia proporcionar.

Daniel Bennett é professor associado de ciência política na John Brown University. Ele também é diretor assistente do Center for Faith and Flourishing e presidente da Christians in Political Science.

Este artigo foi extraído da Speaking Out, um a coluna com opiniões de convidados da Christianity Today e (ao contrário de um editorial) não representa necessariamente a opinião da revista.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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As 10 principais descobertas da arqueologia bíblica em 2021

Evidências do talento de Herodes para jardinagem, de métodos romanos de crucificação e de bananas filisteias contribuem para nossa compreensão do mundo da Bíblia.

Christianity Today February 8, 2022
Mahmoud Khaled/Getty Images

A arqueologia leva anos, décadas e até mesmo meio século. O trabalho meticuloso de escavar e peneirar é seguido por longos períodos de espera, análise e interpretação. Os últimos 12 meses, porém, testemunharam anúncios regulares de desdobramentos e descobertas — alguns esperados, embora outros bastante surpreendentes — que aprofundam e ampliam nossa compreensão do mundo da Bíblia.

Aqui estão as 10 principais histórias das últimas notícias arqueológicas em 2021:

10. O talento para jardinagem de Herodes, o Grande

Descobriu-se que o rei Herodes — mais conhecido na Bíblia por ordenar a morte de toda criança que pudesse ter a idade de Jesus — tinha um hobby, a jardinagem. Amostras de solo de escavações feitas em seu palácio de Jericó, extraídas há quase meio século, foram recentemente analisadas, e partículas de pólen revelaram uma horticultura sofisticada.

Árvores em miniatura, como pinheiros, ciprestes, cedros e oliveiras, cresciam em vasos de barro que foram originalmente recuperados pelo arqueólogo Ehud Netzer. Muitas das espécies de árvores [encontradas] normalmente não teriam crescido no deserto ao redor de Jericó, o que faz do jardim uma demonstração da grandeza de Herodes, uma façanha da horticultura para impressionar convidados e súditos.

9. Herodes e seu complexo de entretenimento à beira-mar

A Autoridade de Antiguidades de Israel anunciou a redescoberta e a preservação da basílica de Herodes, o Grande, em Asquelom. Herodes era conhecido em seu tempo pela localização dramática de seus palácios e fortalezas, e esta construção em estilo romano, um edifício público para atividades comunitárias, não foi exceção.

O enorme edifício, maior do que um campo de futebol, foi escavado pela primeira vez há mais de um século, mas agora está sendo reescavado e passando por um trabalho de desenvolvimento para atrair visitantes ao Parque Nacional de Tel Ashkelon. A reconstrução final incluirá um pequeno teatro antigo chamado odeon, pilares e capitéis de mármore e enormes estátuas de mármore de divindades pagãs.

8. Monumento fronteiriço de um faraó bíblico

Descoberto nos campos de um fazendeiro no nordeste do Egito, este monumento com uma inscrição leva o nome de um dos poucos faraós de fato mencionados no Antigo Testamento. Hofra liderou um exército egípcio em Judá, para ajudar o rei Zedequias a resistir a uma invasão de Nabucodonosor, rei babilônico. A manobra foi apenas temporariamente bem sucedida, e o faraó foi morto por seus inimigos, após uma incursão desastrosa na Líbia, de modo fiel à profecia em Jeremias 44.30.

A estela contém 15 linhas de hieróglifos, até agora não traduzidos. Mostafa Waziry, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, descreveu-a como uma estela fronteiriça que “o rei ergueu durante suas campanhas militares em direção ao leste”. Isso levanta a intrigante possibilidade de que possa ser uma descrição da campanha de Hofra para apoiar Zedequias.

7. Uma cidade egípcia desconhecida

Arqueólogos anunciaram a descoberta de uma cidade, até então desconhecida, na margem oeste do Nilo, perto de Luxor. Acredita-se que seja uma das maiores cidades egípcias já desenterradas, data do reinado do faraó Amenhotep III. Este faraó foi avô de Tutancâmon, mas, talvez mais importante, foi neto de Amenhotep II, considerado por muitos estudiosos evangélicos o faraó do Êxodo.

A cidade parece ter sido subitamente abandonada. Os habitantes podem ter sido expulsos de suas casas, quando Amenhotep IV, mais conhecido como Aquenáton, reuniu trabalhadores para construir uma capital completamente nova no centro do Egito. O que resta hoje da cidade pode revelar muitos detalhes da vida cotidiana no Egito, na época de Moisés.

6. Um pé crucificado

A prática romana da crucificação é bem conhecida por fontes antigas, inclusive por relatos dos evangelhos sobre a morte de Jesus. Até agora, a única evidência arqueológica de crucificações havia sido encontrada em uma caverna, em Israel, no ano de 1986. No início de dezembro de 2021, foi anunciado que um esqueleto havia sido encontrado em uma escavação de um túmulo, em Fenstanton, Cambridgeshire, na Inglaterra. Os restos tinham um prego cravado na parte de trás do pé direito. O enterro data de cerca de 400 d.C., durante a ocupação romana da Inglaterra.

5. Mais descobertas do Mar Morto

A Autoridade de Antiguidades de Israel anunciou os resultados de um projeto de escavação de quatro anos em cavernas de difícil acesso com vista para o Mar Morto. Entre os achados estão pontas de flechas, moedas, pentes, os restos mumificados de uma jovem e dezenas de fragmentos de textos bíblicos. Os fragmentos de um rolo que contém passagens de Zacarias e Naum não têm relação com os textos produzidos pela comunidade de Qumran, conhecidos como Manuscritos do Mar Morto. Eles, no entanto, lançam luz sobre o extenso trabalho de tradução e transcrição das Escrituras.

Para os arqueólogos, a descoberta mais surpreendente foi um cesto de 10.500 anos.

O cesto, encontrado inteiro e com a tampa intacta, data do período neolítico pré-cerâmico, o que faz dele o cesto mais antigo que existe. É uma reminiscência dos cestos da Bíblia, como aquele em que Moisés foi colocado quando bebê, no Êxodo, os que carregavam as sobras, quando Cristo alimentou as multidões nos Evangelhos, e o cesto que ajudou o apóstolo Paulo a escapar da perseguição, quando foi baixado por sobre a muralha de Damasco.

4. Yavne, apenas Yavne

A moderna cidade de Yavne, localizada entre Tel Aviv e Ashdod, foi um local prolífico para descobertas arqueológicas em 2021. A cidade está crescendo rapidamente e, à medida que uma grande extensão de terra é preparada para a construção de novas moradias, os arqueólogos estão descobrindo artefatos incríveis.

Cerca de 1.500 anos atrás, Yavne foi um centro industrial para a produção de vinho, que produzia cerca de 1.892.500 litros de vinho por ano. Arqueólogos descobriram cinco enormes áreas de produção com lagares, cada uma medindo mais da metade do tamanho de uma quadra de basquete, juntamente com quatro enormes armazéns e fornos para queima de jarros para armazenamento de vinho. Eles também encontraram lagares mais antigos do período persa, datados de cerca de 300 a.C.

Nas décadas posteriores à destruição do templo judaico em Jerusalém, Yavne tornou-se um centro espiritual, o lar de muitos rabinos e do Sinédrio. Um edifício identificado com pertencente a esse período foi escavado, e um belo mosaico de 1.600 anos atrás está sendo restaurado.

Talvez a descoberta mais rara de Yavne tenha sido um ovo de galinha, intacto, de 1.000 anos atrás, encontrado nos restos de uma latrina.

3. Um salão de banquetes no Monte do Templo

Um luxuoso edifício público localizado próximo ao Monte do Templo foi escavado e aberto ao público. Parte do edifício foi descoberto pela primeira vez pelo arqueólogo britânico Charles Warren, em 1867, e o local foi parcialmente escavado em 1966. Agora que a escavação está completa, os arqueólogos dataram sua construção de 20 d.C. — durante a vida de Jesus.

O edifício continha duas câmaras idênticas, separadas por uma elaborada fonte. A natureza luxuosa da instalação e sua adjacência ao Monte do Templo indicam que, provavelmente, foi usado pelos membros da elite da comunidade judaica do primeiro século, pelas famílias dos sumos sacerdotes e outras figuras religiosas importantes.

Arqueólogos dizem que foi danificado por um terremoto em 33 d.C., depois reconstruído e reconfigurado em três salões abobadados. A data da destruição sugere possível evidência do terremoto registrado nos relatos dos Evangelhos, durante a crucificação de Jesus.

2. Jarro de Gideão

“Jerubaal” é o apelido dado a Gideão em Juízes 6.31-32, depois que este destruiu um altar de Baal, deus pagão. Significa “que Baal dispute com ele”. É também o nome que encontraram escrito em um fragmento de um jarro de cerâmica escavado em Khirbat er-Ra’i, um local perto de Tel Lachish, no sul de Israel.

É improvável que o jarro tenha pertencido ao próprio Gideão. Khirbet er-Ra’i localiza-se a cerca de 160 quilômetros ao sul do vale de Jezreel, onde a Bíblia diz que Gideão, com um pequeno exército, derrotou tropas muito maiores dos midianitas. Os arqueólogos que escavaram em Khirbat er-Ra’i dataram de 1.100 a.C. o estrato em que o jarro foi encontrado, o período dos juízes, mas provavelmente cerca de um século depois de Gideão, com base na cronologia interna da Bíblia.

Contudo, há pouco registro arqueológico desse período, de modo que a descoberta ligando um nome bíblico à época é notável.

Os arqueólogos também dizem que a descoberta fornece evidências da disseminação da escrita alfabética, desenvolvida pela primeira vez pelos cananeus, que viveram no Egito por volta de 1.800 a.C. Perto de Laquis, onde foram encontradas outras inscrições alfabéticas cananeias da Idade do Bronze tardia, pode ter sido um centro de preservação da escrita alfabética. A descoberta de uma inscrição alfabética em Laquis, datada do século 15 a.C., também foi anunciada em 2021.

O nível de alfabetização no Antigo Testamento ainda é uma questão debatida entre os estudiosos. Curiosamente, a história de Gideão faz referência a um jovem que “escreveu os nomes dos 77 anciãos de Sucote” (Juízes 8.14).

1. Uma segunda sinagoga em Magdala

A Universidade de Haifa anunciou a descoberta de outra sinagoga do primeiro século em Magdala, no final de dezembro de 2021, localizada na costa noroeste do Mar da Galileia. A primeira sinagoga de Magdala, descoberta há doze anos, era notável porque estava em uso antes da destruição de Jerusalém, quando o culto ainda estava centrado no templo. Agora há duas sinagogas.

Apenas umas poucas sinagogas do primeiro século foram escavadas em Israel. Dentre elas, estas duas são, mais provavelmente, as que Jesus visitou durante seu ministério (Mt 4.23), por causa de sua localização próxima à estrada Nazaré-Cafarnaum e de sua associação com a cidade natal de Maria Madalena.

Esta segunda sinagoga, localizada a menos de 200 metros da primeira, foi descoberta durante a preparação de um projeto de alargamento da estrada. Ela “está agora mudando nossa compreensão da vida judaica neste período”, de acordo com a Autoridade de Antiguidades de Israel. Muitos estudiosos pensavam que as sinagogas floresceram e assumiram uma função mais religiosa somente após a destruição do templo de Jerusalém. Essa nova evidência parece indicar que as sinagogas, que eram mais como centros comunitários em seus primeiros dias, incluíam mais atividades religiosas.

Bônus: bananas filisteias

Sabemos que o rei Salomão alimentava seus convidados com carne bovina, cordeiro, cervo e aves, além de pão, bolos, tâmaras e outras iguarias. Mas… banana?

A quantidade de água necessária para cultivar bananas as torna uma fruta improvável no antigo Israel; no entanto, um novo estudo, publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences, relatou que restos inesperados desse alimento foram raspados dos dentes de cananeus e filisteus que morreram no final do segundo milênio a.C., o período do reinado de Salomão. E dentes não mentem: eles comiam bananas.

A evidência dietética aponta para “uma rede de troca dinâmica e complexa que conectava o Mediterrâneo ao sul da Ásia”, de acordo com o relatório. Christina Warinner, antropóloga de Harvard e uma das principais pesquisadoras, disse que a fruta pode ter sido importada seca, como os chips de banana que temos hoje.

Gordon Govier é o editor da Artifax, uma revista trimestral de arqueologia bíblica, e apresentador do podcast The Book & The Spade.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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