Nota da edição brasileira: Embora este artigo diga respeito à realidade norte-americana, achamos importante traduzi-lo, uma vez que tece considerações que também são relevantes e bastante aplicáveis ao contexto político e cristão brasileiro.
Ninguém gosta de perder. Mas nós, americanos, precisaremos aprender a ser melhores perdedores, se quisermos manter nosso sistema de governo nos próximos anos. E, dentre todas as pessoas, os cristãos devem dar exemplo de saber perder, com base em nosso compromisso com a vitória de Cristo por meio da cruz, e também no que nos é dito nas Escrituras sobre nossa natureza como perdedores aos olhos do mundo.
Nas últimas eleições presidenciais, no entanto, nem os americanos em geral nem os cristãos em particular demonstraram capacidade de ter espírito esportivo diante da derrota. Quando o Congresso certificou os resultados da eleição presidencial de novembro, nomeando formalmente Joe Biden como vencedor, dezenas de deputados e vários senadores se opuseram aos resultados da eleição em vários estados. As alegações não tinham o menor embasamento, nem qualquer chance de mudar o resultado das eleições, mas transformaram o que geralmente é um processo formal e tedioso em um frenesi partidário e, talvez, em um teste decisivo para os republicanos que concorrerão a cargos nacionais em 2022 e 2024.
Desde que a eleição terminou, em novembro, houve alegações de que a eleição foi tirada do presidente Donald Trump. O presidente tem há muito desenvolvido uma imagem de vencedor, e alguns de seus eleitores não conseguiam acreditar ser possível que ele perdesse. A única explicação [para sua derrota] era uma trama insidiosa para roubar a eleição e subverter a vontade do povo americano. Lutar contra esses resultados tornou-se, portanto, uma questão de defender a própria América.
Essas alegações foram amplificadas por figuras nacionais proeminentes, inclusive o próprio presidente, membros do Congresso e várias vozes cristãs. Franklin Graham disse que “ele tende a acreditar” na afirmação de Trump de que a eleição foi “manipulada ou roubada”. Greg Locke disse que sente pena de pessoas “que são tão iludidas que fecham os olhos para uma fraude óbvia e maciça para se apegar a uma falsa esperança”, e acrescenta: “Trump continuará a ser presidente”. Eric Metaxas, que ajudou a organizar a Marcha de Jericó, em dezembro de 2020, tem sido um crítico consistente e franco da legitimidade da eleição, afirmando: “Esta é uma guerra pela alma da nossa nação!”
Falando como cientista político e como cristão que não votou em Joe Biden em novembro de 2020, acho importante dizer que essas alegações são um disparate sem fundamento. Elas são baseadas em meias verdades apresentadas de forma seletiva, em vídeos ambíguos e fora de contexto e nas mais absolutas falsidades. E desmoronam sob o mais leve escrutínio.
Nos dias que se seguiram às eleições de novembro, perguntei a meus alunos o que era mais provável: Que um presidente, consistentemente impopular no comando de uma crise de saúde sem precedentes e de uma economia em crise, vencera por pouco sua eleição anterior contra um oponente profundamente polarizador, e perdera por pouco a atual eleição para um oponente menos polarizador e mais popular? Ou que esse mesmo presidente fora vítima de fraude e corrupção sem precedentes, embora seu próprio partido tenha tido um desempenho acima do esperado em muitas das disputas eleitorais locais?
A navalha de Occam não é uma ferramenta perfeita, mas neste caso ela se mostra especialmente útil. A explicação mais simples é realmente a melhor.
A grande verdade é que às vezes as pessoas perdem. Nosso sistema de governo depende de os cidadãos reconhecerem esse fato e concordarem com isso. O sistema de governo americano realmente garante [que haverá] perdedores. Nosso sistema de eleições, no qual o vencedor leva tudo, difere dos sistemas de voto proporcional de outros países; portanto, se um candidato ganhar apenas um voto a mais do que seu oponente, em uma eleição da qual participam milhões de pessoas, ele vence a eleição de imediato. Não há prêmio de consolação para o segundo lugar. Há apenas um vencedor e um perdedor.
Se os americanos não puderem aceitar isso, esse sistema será seriamente prejudicado. A legitimidade do governo americano está arraigada na legitimidade de nossas eleições. Se mais e mais pessoas recorrerem a conspirações e alegações de fraude bizarras e infundadas para explicar os resultados de uma eleição, então, podemos não estar muito distantes de um colapso no autogoverno.
Isso me preocupa, uma vez que pesquisas recentes mostram que os americanos estão divididos ao longo de linhas partidárias em relação à legitimidade das eleições de 2020. Este não é um fenômeno inteiramente novo — considere aqueles que estavam convencidos de que a Rússia havia adulterado a contagem de votos em 2016 —, mas aparentemente está se tornando mais difundido. O autogoverno depende de os cidadãos saberem perder e ficarem de olho nas próximas eleições, e não queimarem o sistema por completo.
Os cristãos devem liderar o caminho dos que sabem perder bem. Rejeitar absurdos e abraçar a verdade, por mais desanimadora que seja, é essencial ao nosso testemunho para um mundo cético. Se os cristãos ficarem espalhando teorias da conspiração sobre as eleições, que credibilidade teremos ao falar para o mundo das Boas Novas de um Salvador ressuscitado? Quando se trata de dar sentido a coisas polêmicas como eleições presidenciais, nós, cristãos, não devemos ser ingênuos nem enfiar a cabeça num buraco, mas também não devemos procurar explicações reconfortantes em pontos distantes, em lugar de [aceitar] explicações realistas que estão bem à nossa frente.
A Escritura serve como uma ferramenta valiosa neste assunto. O salmista aconselha: “Não confieis em príncipes, em filho de homem, em quem não há salvação” (Sl 146.3, ESV na íntegra).
Quando cristãos falam de ganhar ou perder “a alma de nossa nação” em determinada eleição, corremos o risco de colocar o governo dos homens à frente da soberania de Deus.
Considere Provérbios 24.16, que diz: “Pois o justo cai sete vezes e se levanta novamente, mas os ímpios tropeçam em tempos de calamidade”. Se nós, cristãos, devemos fazer as pazes com a hipótese da perda por causa de nossa humildade, devemos fazê-lo também para aumentar nossa resiliência. Nossa resposta à derrota é um testemunho mais verdadeiro de nossa esperança em Cristo do que nossa resposta à vitória.
Paulo exorta Timóteo e sua igreja a “não terem nada a ver com mitos irreverentes e tolos” (1Tm 4.7). Isso implica nossa capacidade de discernir fato de ficção, e de fazê-lo sem nos apoiar na muleta reconfortante da tendência de confirmar [o que pensamos]. A mídia social torna mais fácil do que nunca adotar as fontes reconfortantes, em vez das legítimas; assim como a igreja primitiva foi advertida contra adotar informações tentadoras, mas que não eram confiáveis, nós também somos.
Por fim, pense nos discípulos de Jesus no Getsêmani. Todo o seu trabalho nos anos anteriores estava em perigo, pois seu mestre, aquele a quem eles haviam confiado tudo, fora levado pelas autoridades. A própria identidade deles, tudo o que tinham visto e acreditavam ser verdade, estava aparentemente perdido. É difícil imaginar uma sensação de perda maior de pessoas que tinham tanto a perder.
Pedro, é claro, não queria nada disso. A dele é uma reação com a qual podemos nos identificar — pegar uma espada e empunhá-la contra a injustiça, e tudo por uma causa tida como justa. Jesus, no entanto, tinha planos diferentes; repreendeu Pedro e curou seu captor ferido. Jesus pode ter sido considerado um perdedor naquele momento, mas hoje sabemos que isso foi apenas temporário. A soberania de Deus se estende para além de nossas circunstâncias atuais.
Quando as apostas são tão altas quanto em uma eleição presidencial, a derrota pode ser particularmente desencorajante — e até mesmo assustadora. Mas isso não justifica abandonar os princípios do discernimento e da sabedoria, enquanto se abraça o tipo de ensino tolo que Paulo condena em 1Timóteo. Só porque algo é reconfortante não significa que seja certo.
O mundo pode pular constantemente de verdade em verdade, conforme o momento exigir; os cristãos, porém, devem ser diferentes. Embora devamos com toda certeza lutar pela justiça e pela verdade em praça pública, também devemos estar preparados para perder de tempos em tempos, e perder com a confiança que vem de nossa identidade em Cristo. Afinal, somos herdeiros de uma vitória muito maior do que aquelas que o mundo jamais poderia proporcionar.
Daniel Bennett é professor associado de ciência política na John Brown University. Ele também é diretor assistente do Center for Faith and Flourishing e presidente da Christians in Political Science.
Este artigo foi extraído da Speaking Out, um a coluna com opiniões de convidados da Christianity Today e (ao contrário de um editorial) não representa necessariamente a opinião da revista.
Traduzido por Mariana Albuquerque
–