O ataque ao Capitólio foi um sinal de uma igreja pós-cristã, e não apenas de uma cultura pós-cristã.

Os eventos do ano passado em Washington ameaçaram não apenas a democracia americana, mas também o testemunho evangélico.

Christianity Today January 10, 2022
Edits by Christianity Today / Source Images: Andrew/Caballero-Reynolds / Tasos Katopodis / Stringer / Getty

Um ano se passou desde o ataque insurrecional de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos Estados Unidos; duas imagens ainda assombram minha mente. Uma é a de uma forca improvisada, construída com o intuito de ameaçar o assassinato do vice-presidente dos Estados Unidos. E a outra é a de um cartaz, levantado acima daquela multidão furiosa, que dizia: “Jesus salva”. O fato de essas duas imagens coexistirem na mesma multidão é sinal de crise para o evangelicalismo americano.

Alguns podem não dar importância aos símbolos cristãos presentes na insurreição — não apenas cartazes, mas orações “em nome de Jesus”, [que figuraram] lado a lado com um xamã que usava chifres, no palanque central do Senado evacuado dos EUA. E alguns podem não levar em conta os evangélicos que falsamente alegaram, nos dias seguintes, que a responsável pelo ataque tinha sido uma multidão de ativistas Antifa, e não de pessoas oriundas do comício em que o então presidente dos Estados Unidos incitou a multidão a marchar até o Capitólio.

E, no entanto, pesquisa após pesquisa mostra que um número alarmante de evangélicos brancos acredita na mentira por trás do ataque: que a eleição de 2020 foi roubada por uma vasta conspiração de esquerda, a qual de alguma forma abrange governadores republicanos conservadores e funcionários de zonas eleitorais na Geórgia e no Arizona.

Uma megaigreja evangélica recebeu Donald Trump recentemente — ao som de uma multidão que gritava “USA!”, em resposta ao discurso político do ex-presidente. Essa cena pode ser um pouco exagerada para a maioria dos evangélicos, mas dados de pesquisa mostram que não é uma aberração. E as mesmas pesquisas mostram que, longe de “esfriarem” após a era Trump e o ataque insurrecional ao Capitólio, essas pessoas acreditam que a violência pode ser justificada nos dias que vêm pela frente.

De certa forma, o que vimos ao longo do ano, desde a insurreição, representa uma mudança. Observe o número crescente de pessoas que se identificam como “evangélicas” — muitas das quais nem mesmo frequentam uma igreja —, por presumirem que esta é a designação religiosa esperada para seu movimento político.

Mas, de maneiras talvez ainda mais preocupantes, essas tendências representam algo que em nada mudou.

Nos dias que antecederam à insurreição, alguns cristãos evangélicos se reuniram no National Mall para uma “marcha de Jericó”, repetindo as mesmas falsidades: que a eleição havia sido roubada e, portanto, deveria ser anulada. Esse tipo de afirmação de que “Se você não lutar […] não terá mais um país” — , como colocou Trump —, dificilmente é novidade para grandes setores do evangelicalismo americano.

Alguns desses setores já venderam suprimentos para bunkers, fossem eles literais ou metafóricos, em razão do iminente colapso da civilização, que certamente viria por causa da chegada do ano 2000 ou da lei da sharia ou da decisão da Suprema Corte no caso Obergefell ou da teoria crítica da raça ou de um complô para fechar igrejas permanentemente devido à pandemia, ou por qualquer outra coisa que seja. Muitos setores do evangelicalismo se tornaram apocalípticos em relação a tudo, exceto ao verdadeiro apocalipse.

Tal como acontece com a insurreição (e praticamente com todos os movimentos autoritários da história), um momento apocalíptico é uma emergência que requer medidas emergenciais. Assim, vemos a dissonância cognitiva de pessoas que apóiam a lei e a ordem (às vezes citando Romanos 13), mas batem em policiais e quebram janelas para calar o dever constitucional do Congresso de contar os votos da eleição. Essas são as mesmas pessoas que podem ridicularizar as próprias palavras de Jesus Cristo sobre dar a outra face como algo ingênuo e débil.

Esse tipo de emergência, segundo nos dizem, não pode se preocupar com as normas constitucionais nem com o caráter cristão. O raciocínio é que o Sermão do Monte não é um pacto suicida, e que a maneira usada por Jesus só funciona com inimigos mais razoáveis do que esses atuais, inimigos como, suponho eu, o Império Romano que crucificou aquele que nos deu tal ensinamento.

Isso é um sinal não de uma cultura pós-cristã, mas de um cristianismo pós-cristão; não de uma sociedade secularizada, mas de uma igreja paganizadora.

Uma coisa seria se fosse apenas uma questão de a multidão ter atacado o Capitólio naquele dia. Mas é outra coisa, completamente diferente, quando pessoas — incluindo pessoas com suas Bíblias todas grifadas e com pedidos de oração pregados em suas geladeiras — diminuem a importância do ataque, como se tivesse sido um mero protesto a partir do qual devemos “seguir em frente”. Isso representa mais do que uma ameaça à democracia americana — embora isso já seja ruim o suficiente —, pois é uma ameaça ao testemunho da igreja.

Não se pode levar as boas-novas a pessoas que, se as coisas ficarem suficientemente ruins, você pode ter de espancar ou matar. Não se pode chegar ao bem fazendo o mal. Não se pode “defender a verdade” empregando mentiras.

Talvez o dia 6 de janeiro de 2021 tenha sido uma anomalia terrível em nossa história, algo que nunca se repetirá. E assim espero. Ou talvez esse 6 de janeiro tenha sido, como disse o The Atlantic, um “treino” para mais tentativas de golpe e violência de massa que ainda hão de vir. Eu não sei. De qualquer forma, o que sei é isto: nós, como evangélicos americanos, não podemos justificar o que aconteceu no Capitólio há um ano. Não podemos ignorar isso também. Se Jesus é aquele que salva, então, devemos seguir a sua direção — e ela aponta para a missão, não para o ressentimento, para o evangelho, e não para a ira.

E isso significa que devemos escolher entre o caminho da forca e o caminho da Cruz.

Russell Moore lidera o Projeto de Teologia Pública da Christianity Today.

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