Passada a pandemia, os líderes de adoração estão se preparando para a batalha ou para a cura?

Nas conferências de verão deste ano, nos Estados Unidos, pastores de louvor e músicos se preparam para uma série de emoções, com as congregações de volta aos templos, louvando juntas novamente.

Christianity Today June 14, 2021
Terry Wyatt / Getty Images

A primavera e o verão marcarão o retorno de um elemento fundamental da cultura de louvor e adoração: as conferências. Esses eventos de grande proporções oferecem treinamento, ensino e novos cânticos a líderes e músicos, bem como uma oportunidade de participarem de cultos de adoração cuidadosamente planejados e produzidos, liderados por personalidades nacionalmente conhecidas.

Em 2021, mais de um ano após a COVID-19 haver silenciado os cultos religiosos, as mensagens que anunciam essas conferências vão de terapêuticas a desafiantes.

“Enquanto adorarmos, virão profecias e ouviremos ordens de marcha para um exército que se levanta”, proclama a página inicial da Unveiled Worship Conference. “Redefinir. Restaurar. Reunir.” é o tema da conferência Getty Music’s annual Sing!. O tema da National Worship Leader Conference deste ano (organizada pela revista Worship Leader ) é “Redescobrindo a comunidade”.

As conferências são transitórias, mas sua influência se estende por toda a indústria da música de adoração e pelas próprias igrejas locais. Esses encontros apresentam artistas proeminentes — entre os que se apresentarão nas conferências deste ano estão Chris Tomlin, CeCe Winans, Bethel Music, Trip Lee e Christy Nockels.

As conferências deste ano assumem um significado especial na esteira de 2020. Durante a pandemia, os cultos de adoração presenciais tornaram-se politizados, com alguns líderes vocais defendendo reuniões presenciais, independentemente das restrições locais, e outros defendendo cautela e estrita observância das determinações e diretrizes [estipuladas pelas autoridades].

À medida que as igrejas retomam as atividades pré-pandemia, a postura adotada em nossas reuniões diz muito às nossas comunidades. Embora não haja uma só postura ou um único tom emocional corretos para este momento, os organizadores dessas conferências de adoração são desafiados a considerarem o papel da adoração na recuperação posterior à pandemia. Será que os líderes estão moldando a adoração de forma a permitir que os membros da congregação se dirijam a Deus com sinceridade, a partir de sentimentos como medo, celebração, luto ou esperança?

Batalha, cura e reunião

“Sabemos que a igreja precisa disso agora”, disse Chris Clayton, pastor da Igreja Gateway em Franklin, Tennessee, e um dos líderes da National Worship Leader Conference deste ano, a ser realizada em Nashville, em julho. “Acho que todo o objetivo desta conferência é ser um espaço de cura.”

Ele acrescentou: “Todo mundo está chegando com diferentes pontos de vista, feridas e cicatrizes da batalha”.

Metáforas de batalha parecem captar o que alguns adoradores estão sentindo nesta temporada: que o ano passado foi uma luta constante, que a igreja está emergindo e pronta para “lutar” ou simplesmente que Deus está lutando por nós. Canções como “Battle Belongs”, de Phil Wickham; “Surrounded (Fight My Battles)”, de UPPERROOM e “Marching On”, do Rend Collective foram todas escritas antes da pandemia, mas continuam populares. Clayton observa que, pelo menos entre os líderes e músicos que ele conhece, esse tema foi particularmente poderoso no ano passado.

The Unveiled Worship Conference, que ocorreu em Colorado Springs, em maio deste ano, apresentou em destaque o músico e influenciador Sean Feucht, cujo perfil cresceu nacionalmente durante a pandemia, por meio de uma série de eventos “Let Us Worship”, às vezes realizados em franco desafio a regulamentos de saúde pública locais. Feucht denunciava como censura as restrições a reuniões [presenciais], insistindo que “a liberdade de adorar a Deus e obedecer à sua Palavra estão sob ataque sem precedentes” e que “é hora de a igreja se levantar”.

The Unveiled Worship Conference adotou parte da retórica de Feucht. A página inicial do evento descreve a conferência como tendo sido concebida à medida que “a mídia estava espalhando um vírus mortal, dizendo que ‘não é seguro nos reunirmos’”. O site promove a conferência como um evento mobilizador. “Estamos profetizando que o sopro de Deus virá dos quatro ventos e dará vida a um exército de adoradores nesta hora!”

O que significa, quando os adoradores se imaginam como alguém que está correndo para a batalha, se arrastando para longe dela ou assistindo com confiança, enquanto Deus luta suas batalhas por eles? Isso certamente transmite um senso generalizado de conflito e divisão, na igreja e em outros espaços.

“Houve tantas divisões tristes no ano passado”, disse Keith Getty, ao discutir o planejamento para a conferência Sing!. Coautor da música “In Christ Alone”, ele tem esperança de que a “força unificadora” de cânticos amados em um ambiente comunitário ajudará a curar algumas das fissuras que se formaram ou se aprofundaram.

A linguagem de guerra e de batalha pode perder parte de seu apelo, à medida que as congregações se reunirem novamente e descobrirem que as comunidades precisam ser cultivadas de novo, e que os relacionamentos precisam ser restaurados. Depois de um ano de incertezas e restrições, muitos de nós nos vemos com elevada sensibilidade à uma perspectiva de guerra. Talvez estejamos vindo à tona em um estado de luta ou de fuga espiritual. O retorno à adoração presencial não será uma panaceia, mas pode ajudar a acalmar nossa ansiedade e diminuir nosso impulso de identificar inimigos dentro e fora da igreja.

À medida que as igrejas locais se reunirem e os eventos nacionais convocarem congregações temporárias, o difícil trabalho será nos unirmos em adoração para responder ao Criador, em vez de nos mobilizarmos ou nos unirmos contra uma ameaça comum, seja ela uma percepção de exageros cometidos pelo governo ou de um vírus mortal. Podemos nos unir em adoração não para disfarçar a divisão ou encobrir nossos conflitos, mas para restaurar e restabelecer relacionamentos, e assim abraçar e afirmar a diversidade de experiências e emoções que trazemos ao retornar.

Louvor no vale da sombra e da morte

“Em qualquer domingo, sempre haverá alguém presente que está passando pelo pior momento da vida”, disse Tom Trenney, ministro de louvor, professor e instrutor na conferência deste ano da Presbyterian Association of Musicians, que acontecerá no final de junho, em Montreat, na Carolina do Norte. A igreja, acrescentou ele, “se torna o lugar que acolhe tudo isso e mantém viva a esperança”.

Trenney foi rápido em apontar que essa tensão em que nos encontramos entre a celebração e o luto não é nova. Ele se sentiu atraído por hinos como “Grande é a tua fidelidade” e “Ó Deus, nosso socorro em tempos passados” porque “esses hinos nos ancoram; são hinos de alegria e tristeza ao mesmo tempo.”

Refletindo sobre a própria experiência durante o ano que passou, Keith Getty disse que encontrou encorajamento em um novo hino que escreveu em coautoria e lançou em 2020, “Christ Our Hope in Life and Death” [Cristo, nosso esperança na vida e na morte]. A letra convida quem canta ou ouve esse hino a refletir simultaneamente sobre o temporal e o eterno.

Getty também disse que o hino “How Can I Keep From Singing” [Como posso deixar de louvar] será apresentado na conferência Sing!. O refrão do hino — “Nenhuma tempestade pode abalar minha calma mais íntima, / Enquanto estiver agarrado àquela rocha. / Visto que o Amor é o Senhor dos céus e da terra, / Como posso deixar de louvar? ” — fala não apenas sobre a capacidade de persistir na fé durante as provações, mas também sobre a necessidade e o impulso de adorar, louvando mesmo em circunstâncias difíceis.

A Rev. Anna Traynham, liturgista da conferência da Presbyterian Association of Musicians, planejou os cultos em torno da observância dos dias sagrados que as congregações perderam durante a pandemia. No Dia de Todos os Santos, os participantes da conferência poderão apresentar nomes de pessoas que perderam durante o ano passado.

Traynham e os outros organizadores da conferência intencionalmente abriram espaço para o luto coletivo, que não pôde ser compartilhado em comunidade [durante a pandemia], da mesma forma que estão abrindo espaço para a celebração.

Conferências de louvor e adoração de grande proporções inevitavelmente parecerão eventos de comemoração, cheios de energia, mesmo que ainda na incerteza de uma pandemia em andamento. Líderes como Getty, Traynham e Trenney não estão inclinados a adotar uma abordagem de adoração de uma nota só, quando milhares de pessoas viajarão para louvarem juntas e desfrutarem da comunidade novamente. Pelo contrário, eles veem isso como uma oportunidade para nos lembrar que a adoração deve sempre refletir as muitas facetas da nossa jornada e experiência da fé.

Os cânticos de adoração populares geralmente não evitam temas como o juízo ou a morte; várias das músicas mais tocadas no CCLI Top 100 — como “Living Hope”, de Phil Wickham, e “10,000 Reasons (Bless the Lord)”, de Matt Redman — abordam o pecado, a morte e a vulnerabilidade do ser humano. Mas Getty argumenta que há uma perigosa falta de profundidade em muitas músicas de adoração. “A superficialidade do que está sendo cantado nas igrejas é trágica”, disse ele, sugerindo também que agora talvez seja o momento de “recomeçar”, de reavaliar o conteúdo de nossa música.

Sem entrar nesse constante debate sobre a percepção de superficialidade e a música de louvor e adoração, posso concordar que agora talvez seja mesmo um bom momento para mirar com novos olhos a nossa música e os nossos hábitos, a fim de ver se eles conseguem suportar o peso de nossas circunstâncias atuais. Se parecerem inadequados, banais ou vazios, talvez estejam precisando ser aprofundados há muito tempo.

Recentemente, conversei com minha mãe sobre o retorno de sua igreja à adoração presencial. Líder que já ocupou várias funções, oficiais e não oficiais, no ministério de louvor e adoração, desde que me entendo por gente, ela falou sobre uma determinada semana em maio, na qual sua igreja lamentou a perda repentina de vários fiéis.

Pensei imediatamente no lembrete de Tom Trenney: “Em qualquer domingo, sempre haverá alguém presente que está passando pelo pior momento da vida, que teve a sua maior perda ou está enfrentando o maior desafio à sua fé”.

As igrejas locais já estavam abrindo espaço para as dores e as alegrias de suas congregações muito antes de 2020. Enquanto reaprendemos a louvar juntos, talvez um dos maiores serviços que conferências e líderes nacionalmente conhecidos possam prestar seja o cultivo de práticas e a promoção de músicas que ajudem a igreja a continuar abrindo espaço para aqueles que atravessam vales e montanhas.

Kelsey Kramer McGinnis é musicóloga, educadora e escritora. Ela tem um PhD pela University of Iowa e pesquisa música em comunidades cristãs.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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