Nos últimos 100 anos, a conversa em torno do nascimento virginal tem se centrado na pergunta sobre se ele realmente aconteceu. Maria poderia realmente ter tido um filho sem uma relação sexual anterior? Talvez, pensava-se, os povos antigos fossem simplesmente mais ingênuos diante de histórias como essas.
Embora a historicidade do nascimento virginal seja uma questão importante, há outras que vale a pena perguntar. Em seu novo livro Conceived by the Holy Spirit: The Virgin Birth in Scripture and Theology [Concebido pelo Espírito Santo: o nascimento virginal nas Escrituras e na teologia], Rhyne Putman analisa algumas das perguntas mais cruciais: O nascimento virginal precisava acontecer? E se não tivesse acontecido? E por que isso importa hoje?
Não existem muitos livros sobre este tópico escritos a partir de uma perspectiva evangélica. Mas Putman, um professor do Seminário Teológico Batista de Nova Orleans, fornece um panorama geral útil.
Na parte 1 da obra, Putman examina cuidadosamente as narrativas do nascimento de Jesus nos Evangelhos. Ao longo desta seção, ele responde a várias objeções levantadas pelos críticos. Alguns alegaram, por exemplo, que a noção do nascimento virginal veio da mitologia pagã. Alguns postularam que o lugar de Maria na narrativa do nascimento de Jesus descreve uma realidade metafórica, e não biológica. Outros desafios aos relatos bíblicos perguntam se Deus violou a soberania de Maria ou se o nascimento virginal contradiz a crença da igreja de que Jesus já existia como o Filho eternamente gerado de Deus, antes de sua encarnação.
Na parte 2, Putman discute o significado teológico e as implicações do nascimento virginal. Nessa seção, ele coloca essa doutrina em conversação com outras, considerando como ela se relaciona com assuntos como a Criação, a Trindade, a pessoa e a obra de Cristo, seu status como o Segundo Adão e sua segunda vinda. Putman fecha a obra com dois apêndices: um que propõe uma “harmonia” das narrativas bíblicas da natividade e outro que avalia as crenças católicas tradicionais sobre Maria.
Minhas partes favoritas do livro dizem respeito ao significado do nascimento virginal. Putman argumenta que convinha que Jesus viesse à Terra dessa forma, ainda que não fosse absolutamente necessário.
Há três razões para isso. Primeira, o nascimento virginal convinha porque revela que Jesus é verdadeiramente humano, bem como verdadeiramente divino. Normalmente, quando pensamos no nascimento virginal, enfatizamos a improbabilidade de uma virgem dar à luz, enquanto minimizamos o nascimento em si. No entanto, há tesouros ocultos em ambos os termos. O nascimento virginal por certo é surpreendente porque Jesus nasceu de uma virgem; mas igualmente surpreendente é o fato de que o próprio Deus tenha nascido.
As primeiras heresias cristãs negavam que Jesus nasceu. Os docetistas, por exemplo, ensinavam que Jesus era apenas um ser espiritual. A igreja respondeu afirmando que Jesus era verdadeira e plenamente humano, e nasceu como qualquer outro ser humano (exceto pela parte virginal do seu nascimento). Jesus herdou sua carne de Maria e, portanto, ele poderia realmente ter sede, ser tentado e sofrer. A segunda pessoa da Trindade descendia de Davi e nasceu segundo a sua carne.
A segunda razão pela qual o nascimento virginal convinha é porque ele aponta a singularidade de Jesus. Indica que Jesus, embora sendo plenamente humano, é diferente de todos os demais seres humanos. Ele é, por natureza, o Filho de Deus, mas adotou um pai humano para si mesmo em José. O nascimento virginal mostra Jesus, nas palavras do Credo Niceno, como “Deus de Deus, Luz da Luz”.
A existência de Jesus não começou quando o esperma humano fertilizou um óvulo humano. Na verdade, Jesus jamais sequer começou a existir, pois ele existe desde antes da criação do mundo (João 1.1-3; Colossenses 1.15-17). O nascimento virginal dá testemunho do fato de que a vida de Jesus não começou na concepção, como começa a nossa.
Terceira razão, o nascimento virginal convinha porque sinaliza que somos salvos somente pela graça. A vinda de Jesus não foi resultado da engenhosidade humana ou da premeditação de Israel. Como Maria e José, somos meros recipientes do favor e da graça de Deus. Foi a ação de Deus que fez Jesus nascer, e não algum grande plano bolado pela humanidade. Isso nos lembra que nossa salvação é baseada na iniciativa de Deus. Nós não orquestramos nossa salvação; ela foi forjada por Deus.
Se o nascimento virginal convinha em todos esses aspectos, então, o que celebramos no Natal não é um mero fato interessante com o qual podemos nos maravilhar até que a novidade passe. Nem é algo que deva causar constrangimento. Em vez disso, o nascimento virginal contém a história da salvação. Este evento milagroso sinaliza quem é Jesus e como ele nos salvará. Toca, assim, nas principais convicções cristãs.
Não consigo lembrar de muitos livros sobre o nascimento virginal que sejam abrangentes, e o livro de Putman é um recurso maravilhoso para ajudar as pessoas a pensarem com mais cuidado sobre esse evento essencial. (O livro de Amy Peeler, Women and the Gender of God [Mulheres e o gênero de Deus], aborda alguns dos mesmos assuntos, mas seu foco é mais restrito.)
Ainda assim, há dois aspectos de Conceived by the Holy Spirit que eu alteraria. Putman gasta mais tempo na interpretação bíblica do nascimento virginal (249 páginas) do que na teologia que esse fato comunica (92 páginas). Acho que ele deveria ter invertido essa proporção, ou talvez integrado esses assuntos de forma mais natural. Há muitos bons comentários bíblicos que conduzem os leitores pelas narrativas da encarnação de Cristo; mas não há tantos assim que apresentem uma teologia abrangente do nascimento virginal.
Além do mais, ao separar a interpretação bíblica da teologia, Putman corre o risco de promover a impressão falha de que esses são assuntos separados. Estou convencido de que os estudiosos da Bíblia e os teólogos devem exemplificar como o trabalho de interpretação das Escrituras inclui o juízo teológico como algo rotineiro, natural.
Fora isso, também acho que Putman poderia ter dedicado mais do que um apêndice aos dogmas marianos dentro do catolicismo. Sua discussão é bem breve, deixando pouco espaço para destrinchar as alegações católicas mais controversas sobre a imaculada conceição de Maria (a crença de que ela nasceu sem pecado original), sua virgindade perpétua, sua assunção corporal ao céu imediatamente após a morte, sua intercessão diante de Deus e sua presença em vários ícones.
Por exemplo, Putman poderia ter interagido com uma contribuição recente de Brant Pitre à teologia mariana, Jesus and the Jewish roots of Mary: unveiling the mother of the Messiah [Jesus e as raízes judaicas de Maria: desvendando a mãe do Messias], que tenta fundamentar a posição católica em argumentos tipológicos das Escrituras. Essa interação pode até ficar fora do escopo que Putman imaginou para o livro. Mas acho que os leitores se beneficiariam de uma atenção adicional a pontos marianos que dividem católicos e protestantes.
Em última análise, Putman visa encorajar nossa fé, especialmente durante a estação do Advento, fazendo-nos considerar com cuidado o nascimento virginal. Ao contrário dos equívocos populares, ter fé não significa acreditar naquilo que é contrário à evidência. A fé busca evidências.
Se você examinar cuidadosamente os textos das Escrituras sobre eventos como o nascimento virginal ou mesmo a ressurreição, notará que os povos antigos também tinham dificuldade em admitir que tais coisas pudessem acontecer. Maria faz perguntas ao anjo que anunciou que ela daria à luz Jesus. José presume a infidelidade de Maria, até que um anjo o corrige. Tomé duvida da verdade da ressurreição de Jesus, até ver e tocar suas chagas. Os povos antigos defendiam as leis naturais, mas podiam ser convencidos de realidades que estavam além da natureza.
A fé, portanto, permite que o ser humano se abra para o que pode parecer inacreditável a princípio. Como o teólogo Geerhardus Vos escreveu certa vez, em seu clássico estudo Teologia Bíblica: “A crença religiosa, em última análise, não existe com base no que podemos provar, mas com base no fato de Deus ter declarado que aquilo é assim.”
Abraão acreditou, já em sua velhice, que se tornaria pai de muitas nações. Sua esperança em Deus o capacitou a crer nisso “contra toda esperança” (Romanos 4.18). Nós, assim como Abraão, devemos acreditar que Deus pode fazer o que parece inacreditável. Quando celebramos o Natal, celebramos o poder sobrenatural de Deus não apenas para entrar em nosso mundo como uma criança, mas também para trazer nova vida àqueles que estão sob a maldição da morte.
Patrick Schreiner é professor associado de Novo Testamento e teologia bíblica no Midwestern Baptist Theological Seminary. Ele é o autor de The Transfiguration of Christ: An Exegetical and Theological Reading [A transfiguração de Cristo: uma leitura exegética e teológica].