Eu mostro meu crachá de acesso da Organização das Nações Unidas (ONU) para o policial, e ele me acena para passar pela barreira de segurança. Ao me aproximar da praça, vejo atiradores de elite com rifles no telhado e ouço uma dúzia de línguas diferentes. Limusines pretas estão por toda parte, enquanto presidentes e primeiros-ministros se reúnem na cidade de Nova York, preparando seus discursos para a Assembleia Geral da ONU, que teve início no começo de setembro.
Já se passaram cinco anos desde que me tornei representante do Comitê Central Menonita (MCC) na ONU e tive acesso, pela primeira vez, a esta comunidade de políticos, trabalhadores humanitários e ativistas de todo o mundo. Observei as ineficiências desta burocracia — seus desafios em agir de forma decidida e enfática. Vi muitas pressões internas por políticas às quais me oponho fundamentalmente, por causa das minhas convicções cristãs.
Mas, por meio do meu papel no MCC, também percebi que meu local de trabalho é um campo missionário, no qual tenho oportunidades diárias de ser um discípulo de Cristo para o mundo do poder político. Por exemplo, conheço uma embaixadora da ONU no Conselho de Segurança que disse a um pequeno grupo de agências cristãs que nós a inspiramos a ser fiel à sua própria fé cristã, enquanto ela transitava pelos desafios da violência em Israel e na Palestina.
Eu vi o embaixador da Albânia na ONU, enquanto servia no Conselho de Segurança, dizer a um grupo de 40 estudantes universitários cristãos que sua vocação era continuar expondo ao mundo as mentiras da Rússia sobre a invasão militar da Ucrânia e que, um dia, documentar a verdade teria seu valor. Parei diante de uma estátua no prédio da ONU, dedicada a Michael “MJ” Sharp, um ex-funcionário do MCC que mais tarde serviu na ONU. Depois de anos trabalhando com mentores congoleses locais, MJ e sua colega da ONU, Zaida Catalán, da Suécia, foram emboscados e executados por um grupo armado na República Democrática do Congo (RD Congo), sendo que seu intérprete e três motoristas [que estavam com eles] até hoje são dados como desaparecidos.
Mais de 6.000 agências não governamentais solicitaram e receberam status consultivo da ONU, o que lhes permite que se envolvam oficialmente com diplomatas e funcionários da organização, entrem no complexo e participem de atividades. Por meio da Caritas, a igreja católica tem presença aqui, assim como as igrejas anglicana, metodista e presbiteriana. Contudo, dentre as mais proeminentes agências evangélicas internacionais dos EUA — entre elas Compassion International, Hope International, International Justice Mission, Samaritan’s Purse e World Relief —, apenas a World Vision tem um escritório na ONU e presença diária em Nova York, como o MCC.
Mas e se os seguidores de Cristo vissem essa comunidade de 5.000 funcionários do corpo diplomático e 8.000 funcionários da ONU como um grupo de povos não alcançados? E se eles percebessem que influenciar o poder político nos salões da ONU teria um impacto descomunal, em termos de compaixão e de justiça, sobre as pessoas a quem tantos cristãos servem em ministérios internacionais? E se fizéssemos amizade e fôssemos inspirados aqui pelos servidores públicos de religiões e de nações as mais diversas, que são exemplos de coragem moral?
Uma voz rara para o poder político
Em vários dos 45 países onde o MCC tem ministérios de ajuda humanitária, desenvolvimento comunitário e pacificação, ficou claro que o poder político muitas vezes é um obstáculo para a nossa missão.
O golpe militar de 2021 em Mianmar fez com que muitos de nossos parceiros cristãos locais fugissem, escapando para salvar suas vidas e tentando ajudar os outros, enquanto eles mesmos se deslocavam internamente. Quando as gangues no Haiti assumiram o controle, após o colapso do governo, tornou-se quase impossível levar adiante os programas de saúde e agricultura. Treze anos de guerra na Síria devastaram o país, geraram milhões de refugiados e prejudicaram dramaticamente as vidas e o trabalho de parceiros da igreja.
Para os ministérios cristãos que trabalham pelo mundo inteiro, são os parceiros locais, aqueles que vivem em lugares de sofrimento e esperança, que sabem o que está acontecendo em tempo real no lugar e que têm experiência para [as possíveis] soluções. Esse conhecimento encarnacional pode se tornar precioso e persuasivo nos corredores da ONU.
Após o golpe militar em Mianmar, nós, trabalhando com um órgão da ONU, fornecemos um canal seguro para um parceiro documentar um relato em primeira mão de um ataque com armas químicas contra civis. Em reuniões com diplomatas dos EUA, testemunhamos como a proibição de 2017 de viagens de cidadãos norte-americanos para a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) prejudicou agências humanitárias e interrompeu nossos 25 anos de trabalho naquele país. Trabalhando com outras agências, persuadimos os EUA a conceder vistos temporários de viagem que permitiram que as equipes entrassem na Coreia do Norte e garantissem que kits de comida e água potável chegassem aos hospitais infantis.
Em uma reunião com um embaixador de uma influente nação europeia, minha colega Victoria Alexander, de 26 anos, compartilhou como nossos parceiros em Gaza enfrentaram obstáculos significativos para levar alimentos e suprimentos domésticos para as famílias, mesmo quando eles mesmos estavam fugindo de bombas e sofrendo a perda de entes queridos. Victoria também compartilhou como nossa equipe dos EUA em Jerusalém foi forçada a sair, quando o governo israelense interrompeu as renovações de visto para trabalhadores humanitários.
“Informação é a moeda da ONU”, disse-me um diplomata cristão de uma nação ocidental. “Grupos cristãos têm um nível de conexão e de confiança com a comunidade e com a igreja local que muitos diplomatas de elite desses países não têm. Isso dá credibilidade [a essas] organizações.”
Aprendendo o engajamento político saudável
Em Christianity in the Twentieth Century [Cristianismo no Século 20], o historiador Brian Stanley argumenta que a omissão das igrejas em se posicionar publicamente na Alemanha, durante a ascensão do nazismo, e em Ruanda, antes do genocídio de 1994, nos lembram que “o discurso profético eficaz depende de um equilíbrio paradoxal entre manter o acesso às fontes de poder político e preservar uma distância suficiente dessas fontes que lhe permita resguardar sua independência moral”.
Infelizmente, os cristãos ainda lutam contra a tentação de controlar o poder político ou de se afastar dele. No entanto, como os grupos cristãos não têm representantes políticos na ONU, e como os diplomatas da ONU não têm obrigação de nos ouvir, estar na ONU ajuda os cristãos a aprenderem a ser uma minoria cujo poder moral está na persuasão e na construção de relacionamentos. Nós nos engajamos não para tomar o poder, mas para dar testemunho dos valores do reino de Deus. Além disso, ter uma audiência composta por todas as nações do mundo nos pressiona a pensar e a falar de uma forma que vá além dos interesses de qualquer nação específica, e baseada em nossos relacionamentos com os impotentes e os negligenciados do mundo todo.
Em uma época em que a política é frequentemente tomada por gritos e ira, uma via para um engajamento saudável é o caminho da persuasão silenciosa. Quando um grupo de colegas do ministério visitou nosso escritório da ONU, em Nova York, nesta primavera, nós nos reunimos com um diplomata dos EUA. Durante o almoço, contei a ele sobre os desafios que o MCC estava enfrentando em Gaza e na Península Coreana, e sobre o dano que acreditávamos que certas políticas dos EUA estavam causando às pessoas que viviam nesses locais. Ele ouviu pacientemente. Depois que o diplomata foi embora, Clair Good, que trabalha com desenvolvimento comunitário e serviu pelo MCC na República Democrática do Congo e no Quênia, disse: “Chris, você trouxe algumas questões bem difíceis para ele, mas durante um almoço muito agradável e mostrando interesse nele como pessoa. Isso nos ajudou a ver como as relações de respeito importam em nosso trabalho de engajar o mundo político.”
Outros momentos pedem que nos posicionemos publicamente de maneiras inesperadas. Na primavera passada, o MCC e outros grupos carregaram cartazes que diziam “uma peregrinação de luto por todos os traumas, todas as vidas perdidas e todo o sofrimento no conflito Palestina-Israel”, e caminharam em silêncio, dando 25 voltas ao redor dos quarteirões da ONU, para representar as 25 milhas da Faixa de Gaza. No ano passado, no 70º aniversário do armistício da Guerra da Coreia, 50 diplomatas da ONU compareceram ao nosso culto de lembrança e paz. Se não fosse por esse evento, organizado pelo MCC e outros grupos religiosos, nenhum evento da ONU teria marcado os 70 anos da divisão do povo coreano — que permanece até os dias de hoje.
Aquele mesmo diplomata cristão de uma nação ocidental me disse que as negociações na ONU são longas e frustrantes, e o progresso é lento. “Mas trago uma visão cristã de que todos são bem-vindos à mesa e devem ouvir aqueles que estão na pior das situações. E isso também vale para aquelas pessoas de quem discordo profundamente.”
Todo ano, realizamos um seminário da ONU para estudantes universitários cristãos do Canadá e dos EUA. Apesar de tentarmos ao máximo sermos honestos sobre os limites e fracassos da ONU, os alunos saem daqui com mais esperança, falando sobre embaixadores e diplomatas que tiveram a oportunidade de conhecer e que exaltam a vocação política.
Crescendo nas virtudes da pacificação bíblica
Conforme foi popularizado pela série de livros Deixados para Trás, muitos evangélicos dos EUA historicamente expressaram uma profunda suspeita de um “governo mundial único”, o qual representa uma ameaça secular à independência nacional, à liberdade religiosa e ao governo de Cristo. Às vezes, a ONU é retratada como o centro dessa ameaça.
Mas fique tranquilo, pois, na maioria dos dias, que são marcados por amargas batalhas no Conselho de Segurança entre os EUA e a China, a ONU está mais para “Nações Divididas” do que para “Nações Unidas”. Os parceiros do MCC na República Democrática do Congo e em Mianmar sempre me lembram que, em seus países, a ONU é conhecida como “Unidos por Nada”. E como aquele diplomata cristão de uma nação ocidental me disse: “A ONU é uma instituição imensa. E essa enorme burocracia tem a tendência de pensar que dinheiro pode resolver problemas. Não há aqui um esforço suficiente de autoanálise sobre os fracassos da ONU, desde o Haiti ao Afeganistão”.
Não deveria ser surpreendente descobrir que o bom, o mau e a feiúra do nosso mundo estão plenamente representados em Nova York, na Assembleia Geral, ou que a ONU é limitada em seu poder — pois toda a humanidade está aqui, criada à imagem de Deus e afastada de Deus, caída e frágil. Sim, aqui há coragem moral e excelência. Mas também há desperdício, timidez e autoridades poderosas que protelam, mentem, obstruem e abusam.
No entanto, essa turbulência moral é mais um motivo para os discípulos de Cristo estarem presentes.
“É o único recinto no mundo onde você vê ucranianos falando com russos, israelenses com palestinos, americanos com iranianos”, disse uma diplomata de Nova York, que não pode ser identificada por causa de aspectos sensíveis relacionados ao seu trabalho. As manchetes dos jornais falam das questões em que as nações discordam. “Mas não podemos evitar uns aos outros aqui”, disse ela. “Temos que sentar e ouvir um ao outro, deixar nossas diferenças de lado para encontrar áreas em que concordamos, que vão de água potável à inteligência artificial. Tenho o WhatsApp de diplomatas de outros países com os quais não temos boas relações diplomáticas. Mesmo quando discordamos, conversamos por mensagens de texto.”
Em uma época em que evitamos cada vez mais aqueles de quem discordamos, e até nos mudamos para igrejas e guetos de bairro de “pessoas como nós”, estar diariamente cara a cara com amigos e inimigos, nas ruas e corredores da ONU, pode gerar frustração e raiva. Mas esse contexto pode se tornar um terreno para crescermos nas virtudes da pacificação bíblica.
O teólogo Stanley Hauerwas acredita que a ONU é uma comunidade de diálogo imprescindível, da qual os cristãos não deveriam querer abrir mão.
“A ONU não vai impedir a guerra, mas fornece um lugar para adiar guerras, e isso não deve ser descartado”, ele me disse. “É bom termos diplomatas comprometidos em tornar a guerra menos provável e que, depois, ficam frustrados quando seus esforços não funcionam. Mas a nossa esperança é que essa frustração seja uma fonte de energia que gerasse resultados depois de um tempo. Porque a paz leva tempo, e você tem que aprender a ter paciência. Porque você tem de ouvir a pessoas que despreza.”
Até os confins da Terra
Quando saio da Assembleia Geral da ONU e passo pelas 193 bandeiras do lado de fora, aproximo-me do prédio do Church Center [Centro Eclesiástico], onde trabalho, e vejo a obra de arte na capela que sedia cultos cristãos semanais abertos a todos. A obra de arte, feita na parede do prédio, é em parte uma escultura, em parte um vitral. Chamada de Busca do Homem pela Paz, ela apresenta formas humanas distribuídas ao redor de uma estrutura grande, que lembra o formato de um olho e olha tanto para dentro do santuário quanto para fora, do outro lado da rua, para a ONU. Vejo esse olho como algo que representa os olhos do Senhor.
Toda vez que passo por lá, essa obra de arte me lembra que o nosso Deus vivo, o Senhor de todas as nações, mantém um olho tanto nos poderes que falam do outro lado da rua quanto na igreja, nos incitando a sermos testemunhas, entre os poderosos, do Senhor de todo o poder que “garante justiça aos pobres e defende a causa dos necessitados” (Salmos 140.12).
Em Atos, Jesus enviou seus discípulos aos “confins da terra” (Atos 1.8). Em nosso tempo, todos os dias, membros de todos os “confins da terra” se reúnem na ONU. Um dia eles voltarão para suas casas, espalhando-se de volta por todas as nações. Dentro das paredes da ONU, na cidade de Nova York, o testemunho cristão pode alcançar o mundo inteiro.
Chris Rice é diretor do Comitê Central Menonita do Escritório das Nações Unidas, na cidade de Nova York; foi anteriormente diretor cofundador do Duke Divinity School Center for Reconciliation [Centro de Reconciliação da Duke Divinity School]. Seu último livro é From Pandemic to Renewal: Practices for a World Shaken by Crisis [Da pandemia ao renovo: práticas para um mundo abalado pela crise], publicado pela InterVarsity Press.