Há alguns anos, uma viúva procurou uma igreja em Uganda para pedir ajuda. Após discutir a situação dela, o conselho da igreja recomendou que lhe dessem alimentos. O pastor, no entanto, incentivou os líderes a primeiro descobrirem mais sobre a situação familiar dela.
Depois de conversar com os parentes, o conselho descobriu que os filhos da viúva estavam bem financeiramente, mas se recusavam a cuidar dela por causa de uma briga familiar. Então, o pastor organizou um encontro para tentar uma reconciliação. Os filhos perdoaram a mãe e decidiram cuidar dela novamente.
Se a igreja tivesse se apressado em ajudar, sem antes considerar a responsabilidade da família, a viúva poderia ter continuado a recorrer à igreja em busca de apoio constante, e a família talvez nunca tivesse feito as pazes.
Como missionário em Uganda, histórias como essa influenciaram profundamente minha abordagem em relação a ajudar os necessitados ao meu redor. Muitas vezes, eu me debati com questões como: “Com pedidos de ajuda financeira surgindo diariamente, a quem devo ajudar? Quando é aceitável dizer não?”
Uma prioridade óbvia é doar para onde for maior a necessidade. Todos concordamos com isso. Mas nosso mundo está cada vez mais interconectado. Posso simplesmente clicar em um botão para ajudar pessoas de quase qualquer lugar do mundo. Se a única orientação fosse a necessidade, eu me veria paralisado pela indecisão.
Mas as Escrituras me conduzem para além de simplesmente olhar para as maiores necessidades e me mostram que Deus me deu responsabilidade maior sobre pessoas específicas. Proponho olharmos para a ajuda financeira através de um conceito que chamo de “círculos de prioridade.” Ou seja, quando se trata de generosidade financeira, devo priorizar pessoas e comunidades que estão mais próximas de mim.
Acredito que o Novo Testamento revela que minha primeira preocupação deve ser cuidar da minha família ou daqueles com quem tenho uma relação de parentesco próxima. Como Paulo escreve em 1Timóteo 5.8: “Se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente.”
Em seguida, em Gálatas 6.10, aprendemos que devemos priorizar também aqueles de quem estamos espiritualmente próximos. Paulo escreve: “Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos da família da fé”. Isso deixa claro que, embora devamos amar todas as pessoas, temos uma responsabilidade especial de ajudar nossos irmãos e irmãs em Cristo.
Por fim, consideremos a parábola do bom samaritano, em Lucas 10.25-37. Nesta passagem, três pessoas veem um homem espancado à beira da estrada. O surpreendente é que o sacerdote e o levita não param para ajudar, mas o samaritano sim. Amar o próximo não significa amar apenas aqueles que são parecidos conosco. O samaritano fez exatamente o que todas as pessoas deveriam fazer: ajudar a pessoa que vê sofrendo fisicamente bem diante de seus olhos. Portanto, há também uma prioridade em cuidar das pessoas que estão geograficamente próximas a nós, aquelas com quem nos deparamos em nossa vida cotidiana.
Todos os cristãos ao redor do mundo devem priorizar ajudar aqueles que são próximos deles em termos relacionais, espirituais ou geográficos, além de dar clara prioridade a ajudar aquelas pessoas que tiverem as maiores necessidades.
Nossa responsabilidade diminui à medida que os círculos se afastam [de nós]. Mas, à medida que tivermos tempo e recursos, podemos, e de fato devemos tentar ajudar pessoas dos círculos mais distantes também. Por exemplo, no Novo Testamento, Paulo pede às igrejas que levantem uma oferta voluntária para cristãos necessitados que estavam distantes, em Jerusalém (1Coríntios 16.1-4).
Os círculos de prioridade me levaram a dar prioridade para ajudar os nossos amigos, vizinhos e à nossa igreja local, embora ocasionalmente eu ainda ajude pessoas com necessidades urgentes em lugares distantes de Uganda, por meio de doações a organizações internacionais. Essa estratégia me aliviou de um grande fardo. Não sou atormentado pela culpa por não ajudar os outros 47 milhões de ugandenses. Eu não sou Deus. Não tenho recursos nem tempo ilimitados. Ao contrário, posso ajudar com alegria e generosidade, sabendo que Deus usa cada um de nós de pequenas maneiras para que, juntos, tenhamos um grande impacto.
Por exemplo, quando uma pessoa que nunca conheci liga e diz: “Pastor, por favor, preciso que pague as mensalidades escolares dos meus filhos”, eu geralmente digo não, por causa de minhas limitações. Seguindo os princípios dos círculos de prioridade, quero priorizar a doação no contexto dos relacionamentos próximos, o que me permite entender as reais necessidades da pessoa, de modo que eu possa caminhar com ela por um longo período, ajudando periodicamente e incentivando-a, à medida que ela fizer determinadas mudanças. Isso não me impede de doar para organizações que trabalham com os pobres, pois muitas dessas organizações também priorizam relacionamentos de longo prazo.
Os círculos também orientam o ministério da igreja. Vejamos o exemplo da Covenant Reformed Church, em Soroti, Uganda. Esta igreja recebe cerca de 3 dólares por semana em ofertas e cerca de 1 dólar por semana para a cesta de caridade, a qual usam para ajudar pessoas pobres em sua igreja ou pessoas com deficiência. Esta igreja não deve se sentir culpada por não ajudar órfãos em outros países. Deus a está usando para cuidar das pessoas que estão próximas a eles.
Uma igreja americana com muitos recursos provavelmente pode ajudar pessoas em sua própria congregação, enquanto também apoia financeiramente organizações que ajudam os pobres em outros países. Ao mesmo tempo, esse princípio pode corrigir uma igreja que se concentrou apenas em doar para pessoas em outros países, enquanto ignora em grande parte os pobres que vivem na mesma cidade ou membros que estão passando por dificuldades financeiras.
Mas seguir esses círculos não elimina todas as decisões difíceis. Às vezes, será necessário eu me abster de atender necessidades menores em minha própria família ou comunidade para ajudar pessoas distantes que enfrentam situações de vida ou morte. É preciso sabedoria para discernir quando uma grande necessidade supera a proximidade relacional, espiritual ou geográfica.
Ao seguirmos os círculos de prioridade, devemos tomar cuidado para não abusar deles. É fácil para cristãos abastados justificarem, para si mesmos, que estão fazendo o suficiente porque estão focando em cuidar das necessidades dos seus círculos internos — suas famílias, sua igreja local e sua comunidade. Mas lembrem-se do que Jesus disse em Lucas 12.48: “A quem muito foi dado, muito será exigido”. No caso daqueles de nós que vêm de nações exorbitantemente ricas, somos mais do que capazes de doar generosamente para ajudar pessoas em extrema pobreza ao redor do mundo e, ao mesmo tempo, também cuidarmos das pessoas em nossos círculos internos mais próximos.
É possível também que cristãos abastados abusem desse conceito dos círculos de prioridade controlando quem eles admitem em seus círculos mais próximos. Por exemplo, podemos nos mudar para bairros de luxo, onde não teremos vizinhos materialmente pobres, ou escolher rotas para ir para o trabalho que evitem locais onde pessoas pedem esmolas. Também podemos escolher frequentar uma igreja local repleta de cristãos ricos, que nos fazem sentir confortáveis com a nossa riqueza. Muitos de nós, que somos cristãos mais ricos, devemos considerar como podemos trazer pessoas em situação de pobreza para nossos círculos mais próximos, ou como podemos escolher de forma mais intencional a comunidade em que vivemos e a igreja à qual pertencemos.
Os círculos de prioridade não apenas nos guiam na hora de discernir sobre a quem ajudar, mas também sobre como ajudar. Devo oferecer assistência de uma maneira que não destrua a responsabilidade, a mordomia ou administração [financeira] ou a generosidade dos outros. Devo intervir e oferecer ajuda quando a pessoa necessitada não puder ser devidamente assistida por seus círculos mais próximos. Foi exatamente isso que o pastor ugandense fez, quando verificou se a família da viúva estava disposta a cuidar dela.
De forma semelhante, esse princípio também se aplica às atividades de igrejas e organizações que buscam aliviar a pobreza. Elas precisam considerar os círculos da pessoa ou da comunidade que desejam ajudar.
No leste de Uganda, as pessoas da região de Karamoja costumavam atacar violentamente e roubar gado da tribo Iteso. Felizmente, a paz foi finalmente alcançada, após muitos anos de iniciativas do governo e da igreja. Logo depois, houve uma fome em Karamoja. Algumas igrejas da tribo Iteso se uniram para levar um caminhão de alimentos para Karamoja, como demonstração de perdão e amor.
No entanto, quando chegaram lá, ficaram chocados ao descobrir que os Estados Unidos já havia enviado muitas toneladas de alimentos de emergência. O esforço da igreja local ugandense tornou-se redundante e desnecessário, o que deixou esses cristãos profundamente decepcionados.
Embora os americanos possam genuinamente ter tido a melhor das intenções, eles não consideraram o que as pessoas mais próximas da área poderiam ter feito primeiro. E, sem querer, roubaram a bênção da generosidade da igreja ugandense, e minaram essa oportunidade de aprofundar a reconciliação entre as duas tribos.
As organizações devem ter o cuidado de permitir que os círculos mais próximos da pessoa ou da comunidade que necessita de ajuda sejam os primeiros a oferecer assistência. Na maioria das vezes, as pessoas mais próximas da situação são as que mais sabem sobre quais intervenções serão apropriadas. Mas um benefício adicional de incentivar a responsabilidade dos círculos mais próximos é a melhoria da capacidade e da administração das instituições que estão nesses círculos — de famílias, igrejas, escolas, organizações locais e estruturas governamentais. Isso resultará em um impacto duradouro na comunidade.
Pela minha observação como missionário em atuação na África, ignorar esse princípio é um dos erros mais comuns cometidos por igrejas e organizações internacionais. O resultado é a dependência.
Por exemplo, considere como algumas organizações podem se apressar em criar um orfanato em uma comunidade, mas sem antes considerar se os parentes dos órfãos poderiam adotar as crianças e cuidar delas com uma ajuda financeira extra. Ou pense em programas de apadrinhamento infantil, nos quais os custos escolares das crianças são totalmente cobertos, além de receberem doações como roupas ou creme dental. O resultado é que não é incomum, em Uganda, ouvir pais se dirigirem à organização que ajuda e patrocina seus filhos e dizerem: “Seu filho está doente, você precisa cuidar do seu filho” [como se a criança pertencesse à organização e não à família].
Em vez disso, a ajuda deveria ser dada de uma maneira que fortalecesse a responsabilidade dos pais de enviar seus filhos à escola. Seria melhor ajudar os pais a melhorar seus empregos e rendimentos, para que pudessem eles mesmos pagar as mensalidades escolares — ou descobrir primeiro o pouco que os pais podem pagar, de que maneira as igrejas locais também estão dispostas a ajudar e, só então, complementar seus esforços. Se, como resultado desse processo, a organização acabar tendo que dar menos dinheiro a cada família, então, ela poderá usar os recursos que sobraram para apoiar um número ainda maior de famílias e de outras comunidades. Não se trata de dar ou de ajudar menos. Trata-se de praticar a generosidade com sabedoria.
Antes de ajudar uma pessoa ou uma comunidade, sempre comece ouvindo. O que o governo local está fazendo para atender a essa necessidade? Há outras igrejas procurando ajudar as mesmas pessoas? Informe-se sobre os esforços das instituições locais, fazendo parcerias com elas, em vez de substituí-las no papel que Deus lhes deu. Há alegria e bênção no ato de dar; não devemos guardar toda a bênção só para nós!
Para finalizar, reflita sobre esta história do Níger. Em 2010, quase metade da população desse país da África Ocidental enfrentava um problema de insegurança alimentar. Uma organização cristã internacional doou grãos e trabalhou com um grupo cristão local para lhe vender, a um preço com desconto, esses grãos que seriam doados a pessoas necessitadas de várias comunidades.
No passado, a organização internacional havia fornecido grãos para indivíduos com deficiência ou doenças crônicas. Mas, desta vez, a equipe internacional desafiou o grupo local a considerar a possibilidade de arrecadar fundos localmente, a partir de suas próprias igrejas, para comprar os grãos que, então, seriam distribuídos gratuitamente.
A princípio, os membros do grupo estavam céticos, pois não conseguiam imaginar que houvesse algo que as igrejas pobres pudessem fazer por conta própria para ajudar as pessoas. Mas as igrejas doaram com generosidade e conseguiram comprar grãos para 98 pessoas dessas comunidades que tinham mais necessidade. No final, o grupo local agradeceu à organização por encorajar suas igrejas locais a participarem da doação.
“Foi um tremendo privilégio ajudar, saber que não estávamos apenas distribuindo a doação de outra pessoa, mas sim uma doação que veio dos nossos próprios bolsos e dos nossos próprios corações,” disse um membro da comunidade. “Todos na aldeia sabiam aquela ajuda veio de nós.”
Anthony Sytsma trabalha para a Resonate Global Mission em Uganda, onde orienta e ensina pastores e atua como facilitador no programa Helping Without Hurting in Africa [Ajudando sem ferir na África].