As igrejas podem ter que voltar a pagar um tributo que estava isento. Isso pode ser visto como perseguição?

Seis líderes e profissionais cristãos respondem à nova diretriz do governo.

Christianity Today January 27, 2024
Image: Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: WikiMedia Commons / Unsplash

Este mês, a Receita Federal do Brasil suspendeu uma regra, eliminando a isenção de um tributo para líderes religiosos, gerando polêmica na comunidade evangélica. Revertendo uma interpretação emitida em 2022, a Receita Federal do Brasil (RFB) suspendeu a norma que causou, em dois anos, um prejuízo ao país de cerca de US$ 60 milhões por ano (300 milhões de reais).

Apesar de a RFB alegar que está cumprindo determinação do Tribunal de Contas da União de suspender a norma, o tribunal já esclareceu que ainda não há decisão sobre o processo que avalia a isenção de tributos sobre os salários recebidos por religiosos, e que o assunto ainda está sob análise do tribunal.

Líderes das bancadas evangélicas do Senado e da Câmara dos Deputados reagiram mal à medida, e falam em perseguição religiosa do governo Lula. Na semana passada, emitiram uma nota de repúdio ao governo federal pela suspensão dessa isenção. Em um trecho, a nota afirma:

“São ações como essa que, cada vez mais, afastam a população cristã do governo federal. Fica muito claro os ataques que continuamente vêm sendo feitos ao segmento cristão através das instituições governamentais, atacando aqueles que não apoiam suas propostas. Trata-se de um 'ataque explícito' ao segmento religioso, parcela importante da sociedade brasileira”.

O governo Lula tem defendido a medida, dizendo que havia dúvidas sobre a legalidade da isenção.

“Não queremos prejudicar quem quer que seja”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que procurou senadores e deputados evangélicos para uma reunião para discutir essa mudança.

“Não foi uma revogação, nem uma convalidação, foi uma suspensão. Vamos entender o que a lei diz e vamos cumprir a lei”, disse ele.

A CT entrevistou seis líderes e profissionais cristãos e pediu-lhes que respondessem à seguinte pergunta: A suspensão da isenção fiscal para líderes religiosos pode ser considerada perseguição religiosa?

A CT também incluiu abaixo uma resposta de um político evangélico.

Magno Malta, senador pelo Partido Liberal e pastor (esta versão da resposta foi publicada originalmente no X.)

A isenção fiscal para igrejas é um direito previsto na Constituição, que se estende também a sindicatos e partidos políticos. Isso não é um favor do governo, mas sim um direito constitucional.

Respeito o senador Carlos Vianna, presidente da Frente Parlamentar Evangélica, mas esta questão vai além da política do dia a dia. Pastores não têm a obrigação de beijar a mão de Haddad, Lula ou Rui Costa. A nossa luta é outra. Conversei com senadores da frente, como a senadora Damares, o senador Jorge Seif e o senador Marcos Rogérii. Não foram consultados e tão pouco concordam com as reuniões mencionadas na nota da frente parlamentar.

Mas todos concordaram em um ponto: toda essa situação envolvendo lideres religiosos é mais uma ação entre muitas outras que mostram que o governo Lula não dialoga e nem tem respeito pelos cristãos. Ele está cumprindo uma promessa de campanha. “Colocar os pastores em seus devidos lugares”.

Karine Carvalho, Recife, advogada especializada em direito médico, tributário e civil

A tributação das igrejas não deve ser interpretada como perseguição. Adotar tal perspectiva implica considerar que o Estado estaria perseguindo todos os indivíduos que são tributados.

É crucial notar que a recente decisão não retirou a imunidade tributária das instituições religiosas, mas sim a isenção tributária. Em termos simples, esta isenção dispensava as igrejas de pagar certos tributos e também de prestar contas, conferindo-lhes o privilégio exclusivo de não divulgar informações sobre suas atividades financeiras, incluindo entradas, saídas e a distribuição de recursos entre os líderes eclesiásticos.

A retirada desse benefício e a equiparação das instituições religiosas aos demais contribuintes reconhecem que essas entidades também devem arcar com obrigações fiscais perante a sociedade.

Além disso, a norma suspensa, que ampliava a isenção de tributo sobre salários de líderes religiosos, foi criada de maneira irregular, com a Receita Federal ultrapassando sua competência em 2022, interferindo em uma área que deveria ser deliberada pelo Congresso. Assim, a retirada da isenção fiscal não configura perseguição, mas sim uma correção que busca atender dois princípios fundamentais em nossa Constituição, a equidade tributária e a prestação de contas.

Lembrando que a tributação de pastores não constitui transgressão moral nem desafio aos princípios religiosos. Ao contrário, pois, desde o Antigo ao Novo Testamento, os preceitos bíblicos orientam todos os cristãos a obedecerem às leis e às autoridades, o que inclui a obrigação de pagar tributos ao Estado.

Vitória Tavares advogada especializada em direito de família e do consumidor

A imunidade tributária é uma limitação ao poder de tributar do Estado, garantia prevista na Constituição Federal, que tem por objetivo proteger valores fundamentais da sociedade, entre eles, a liberdade de religião. Por isso as entidades religiosas são imunes aos impostos em geral. Já a isenção tributária é uma dispensa legal do pagamento de um tributo, concedida por lei ordinária, por motivos de ordem fiscal, social ou econômica.

A retirada da isenção fiscal para líderes religiosos poderia ser considerada perseguição religiosa se fosse motivada por preconceito ou discriminação contra determinada religião ou determinado grupo religioso.

Todavia, no caso da retirada da isenção fiscal para líderes religiosos no Brasil, realizada este mês, o governo federal reiterou que a medida era necessária para corrigir uma distorção na legislação tributária, uma vez que a isenção estava sendo utilizada de forma indevida por algumas entidades religiosas, que estavam pagando salários exorbitantes a seus líderes.

Portanto, tal medida não retira a imunidade constitucional concedida às igrejas pela Constituição Federal, mas retira tão somente a isenção ao recolhimento de tributos dos líderes religiosos, anteriormente concedida pelo governo Bolsonaro.

Leonardo Girundi, São Paulo, Coordenador da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-SP, advogado, mestrando em Direito, especialista em Direito de Família, empresarial e religioso

Nossa Constituição Federal garante às igrejas imunidade tributária, que é uma limitação constitucional aos entes públicos em criar impostos para determinadas entidades. Isso é diferente, portanto, de isenção, que é uma dispensa, dada por lei, de pagar certo tributo. Para a garantia da liberdade religiosa, as igrejas não pagam impostos, mas os pastores pagam, como qualquer cidadão.

Recentemente surgiu uma polêmica causada por uma decisão da Receita Federal do Brasil. O tema tem relação com um tributo chamado Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). As igrejas são isentas desta Contribuição desde a lei 10.170 de 2.000, que acrescentou nova redação à lei 8212, determinando que as igrejas são isentas de recolher a parte patronal, mantendo a obrigação de o líder religioso recolher a sua parte.

Acontece que, mesmo sendo descrita na lei esta isenção, a Receita vinha gerando inúmeros processos administrativos para cobrar esse tributo das igrejas. Em razão da grande quantidade de processos administrativos, a RFB esclareceu sua posição no Ato Declaratório Interpretativo de 2022, simples e exclusivamente para auxiliar na interpretação da lei. Mas, recentemente, fomos surpreendidos por uma nova publicação da RFB, que suspendeu esse Ato Declaratório Interpretativo de 2022 e gerou toda essa polêmica.

Assim, o Ato de 2022 não aumentou a isenção em relação a esse tributo específico (COFINS), nem sua suspensão a retirou. Mas como era um ato que interpretava a lei, o risco de suspendê-lo é que os questionamentos sobre esse tributo ainda persistirão e os litígios aumentarão. Mesmo assim, não vejo esta mudança como uma perseguição religiosa, mas sim como uma estratégia política para aproximação do Governo Federal com as igrejas ou aumento de arrecadação.

Gutierres Fernandes, São Paulo, teólogo e escritor

É absurdo tratar o fim de um privilégio tributário como perseguição religiosa. Aos poucos, estamos buscando os mesmos privilégios que a Igreja Católica desfrutava no Brasil antigo.

Infelizmente, embora o protestantismo tenha inventado o conceito de Estado laico, os evangélicos, em média, pensam que a igualdade religiosa é ruim.

Esse pensamento contrasta com a essência do laicismo, que busca a imparcialidade do Estado em questões religiosas, garantindo assim a liberdade e a igualdade de crença para todos. Chamar revisão tributária de perseguição é um tapa na cara de quem, na história, sofreu perseguição de verdade.

Iza Vicente, vereadora de Macaé, cidade com mais de 250 mil habitantes, no estado do Rio de Janeiro

Eu, como cristã evangélica, acredito que não se trata de perseguição religiosa, pois a nossa Constituição Federal continua garantindo a imunidade tributária para templos de qualquer culto, algo que existe justamente para fortalecer a separação entre Igreja e Estado, e para proteger a liberdade de crença ou religião.

Já isentar pessoas físicas de pagar tributos por atuarem em atividade religiosa seria individualizar uma prerrogativa que é da instituição religiosa, não de seu líder. Até 2022 não existia essa isenção, esse tributo era pago e isso nunca foi considerado perseguição religiosa. Na verdade, a isenção nesse caso é privilegiar uma categoria em detrimento de milhares de brasileiros que, anualmente, cumprem suas obrigações fiscais, inclusive muitos deles são cristãos. Essa situação toda me faz pensar sobre o que Jesus disse, quando questionado sobre a licitude de pagar tributos ao Império Romano: “dai a Cesar o que é de Cesar, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22.21).

Também, a forma que a isenção foi concedida contém questões formais equivocadas (como, por exemplo, o fato de a norma ter sido editada pela RFB e não por lei, como alguns acreditavam que deveria ser), além de ter sido concedida em um contexto de ano eleitoral, o que chama atenção sobre a legalidade e legitimidade do ato, pois o fato de ter acontecido dois meses antes da eleição presidencial sugere que pode ter sido uma medida de Bolsonaro para agradar aos pastores.

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