Para pais evangélicos que seguem as doutrinas milenares da igreja sobre gênero e sexo, acordar para a realidade de ter filhos LGBTQ em nossos lares muitas vezes marca o início de uma jornada difícil.
Frequentemente surpreendidos pela revelação, muitos pais se sentem mal preparados para o trabalho de discernimento que é necessário para seguir em frente. Eles têm fome de instrução e de compreensão. Acima de tudo, anseiam por se verem livres do pesado fardo do medo de “errar”, enquanto navegam por águas desconhecidas que exigem muitas escolhas, dia após dia, ano após ano.
Este é o contexto que gera uma alta participação em eventos que tentam ajudar pais cristãos a encontrar respostas para seus filhos LGBTQ — respostas que não sejam lutar contra ou fugir da questão. A Unconditional Conference (Conferência Incondicional), realizada no ano passado e organizada pela igreja do influente pastor Andy Stanley, é um exemplo desses eventos.
A conferência foi controversa, pois contou com a presença de vários palestrantes que não têm visões evangélicas ortodoxas sobre sexo e gênero. Para os principais críticos evangélicos, a coisa toda representou “um claro e trágico afastamento do cristianismo bíblico” (Albert Mohler) e uma “profunda falha de responsabilidade pastoral” (Sam Allberry).
Da mesma forma, em uma polêmica mais recente, o pastor e autor Alistair Begg, que defende a doutrina histórica sobre o casamento, viu seu popular programa de rádio ser cancelado por uma rede cristã conservadora. Veio à tona que ele aconselhou uma mulher a comparecer ao casamento do neto com uma pessoa transgênero, embora ela se opusesse à união por motivos doutrinários. Em um artigo que escreveu para o First Things, o teólogo Carl Trueman argumentou que comparecer a casamentos desse tipo é em si um desvio doutrinário e “um preço muito alto a se pagar para evitar ferir os sentimentos de alguém. E se os cristãos ainda acham que vale a pena pagar [esse alto preço], o futuro da Igreja é realmente sombrio”.
Como pai evangélico de filhos adultos LGBTQ, acompanhei ambas as controvérsias com interesse. Compartilho algumas das preocupações dos que fizeram críticas, mas também acredito que nós — evangélicos que nos apegamos às doutrinas históricas do cristianismo sobre sexo e gênero, ou seja, que defendemos a posição tradicional ou “não afirmativa”, segundo a abreviação lexical mais corrente — precisamos não de menos, mas de mais conversas sobre questões intensamente práticas de como sermos bons próximos para as pessoas LGBTQ em nossas vidas, estejam elas em nossos lares, nossos locais de trabalho ou nossas congregações.
Existem alguns recursos disponíveis para cristãos na minha situação, como o livro Is God Anti-Gay? [Deus é contra os gays?], de Sam Allberry e o curso para pais do The Center for Faith, Sexuality & Gender [Centro para Fé, Sexualidade & Gênero]. Mas, além de livros ou cursos online, precisamos de conversas na vida real sobre circunstâncias específicas. Pais cristãos de filhos LGBTQ, como eu, têm sede de uma visão sustentável para a vida cotidiana com nossos filhos. Certamente há motivos para criticar a visão oferecida por Stanley e Begg, mas simplesmente reafirmar a doutrina correta, ainda que seja necessário, não é o suficiente para responder a essas questões práticas de como conviver com nossos filhos.
Como pais, já temos enraizado o entendimento de que Deus criou a humanidade de duas formas distintas, que chamamos de masculino e feminino, e que a intimidade sexual é reservada para o casamento monogâmico entre um homem e uma mulher. Nossa pergunta é como nos relacionar com nossos filhos, especialmente os filhos adultos, quando eles escolhem vidas que não estão enraizadas nesse entendimento.
Já deixamos claro para eles o que acreditamos. E agora?
Suspeito que grande parte da reação à Conferência Incondicional e a Begg seja resultado da preocupação de que abrir à consideração essas questões prudenciais resultará, inevitavelmente, em desvio teológico significativo, com consequências terríveis para a igreja e para aqueles a quem ela ministra. Esse medo é amplificado por uma mentalidade de guerra cultural, que está presente no evangelicalismo desde as controvérsias entre fundamentalismo-modernismo do início do século 20. Essa mentalidade tende a colocar as pessoas LGBTQ como nossos inimigos nessa luta, inimigos a serem constantemente confrontados com declarações de verdade.
É bom falar a verdade, mas adotar uma postura constantemente confrontativa torna impossível ouvirmos a exortação do apóstolo Paulo aos cristãos romanos: “No que depender de vocês, vivam em paz com todos” (Rm 12.18, NVT). E, embora a busca por respostas para essas questões práticas de relacionamento, no caso de muitos, não tenha passado de uma parada em uma jornada para longe da ortodoxia, esse não é o único resultado possível.
A tarefa é uma questão da prática correta (ortopraxia), o que requer discernimento, e discernimento é algo difícil por natureza. O que o torna difícil, evidentemente, é a nossa falibilidade. Pois, embora a Palavra de Deus seja totalmente confiável, a aplicação que nós fazemos dela pode não ser. Às vezes, escolhemos ser lenientes, quando deveríamos ser firmes, ou severos, quando deveríamos ser flexíveis. Independentemente de nossa diligência espiritual e de nossas boas intenções, sempre há uma chance de acabarmos fazendo a escolha errada. Acrescente a isso a preocupante consciência de que até mesmo escolhas corretas podem resultar em dor para aqueles que amamos, e o discernimento se torna algo completamente assustador.
Mas ignorar a realidade de que o discernimento é necessário não é uma opção. A presença de riscos não nos isenta do esforço de amar o próximo. As pessoas precisam de ajuda, e decisões precisam ser tomadas: os cristãos devem usar os pronomes que preferem [e quanto à linguagem de gênero]? Devemos comparecer aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, de nossos filhos ou de colegas de trabalho? Devemos permitir que nossos filhos adultos e a pessoa do mesmo sexo com quem são casados durmam na mesma cama, quando vierem nos visitar?
Para muitos de nós, essas não são meras questões teóricas, mas situações reais com pessoas reais que exigem respostas, e geralmente sem muito tempo de espera. Essas são as circunstâncias nas quais devemos praticar o discernimento, aplicando o que sabemos da Palavra de Deus da melhor maneira possível, com muito cuidado e humildade. Esses são os tipos de perguntas sobre as quais pais cristãos, como no meu caso, e avós, como no caso que Begg abordou, desejam conversar com nossos pastores e amigos na igreja, e ter a ajuda dessas pessoas para respondê-las.
Às vezes, vamos errar. Como J. I. Packer colocou em sua obra seminal, O Conhecimento de Deus, às vezes o “cristão acorda para o fato de que perdeu a orientação de Deus e tomou o caminho errado”. Mas, mesmo nesse caso, o dano não é irrevogável, segundo Packer garantiu, e Deus é suficientemente gracioso para proteger suas ovelhas — incluindo nós — de nossos próprios pensamentos falíveis. “Assim”, concluiu Packer, “parece que o contexto certo para discutir a orientação [divina] é um contexto de confiança no Deus que não nos deixará arruinar nossas almas”.
O discernimento requer trabalho duro, muita oração, reflexão bíblica e pôr à prova os espíritos (1João 4.1-6). Fazer isso em uma cultura com uma janela de Overton [conceito que delimita o espectro de opiniões aceitáveis em uma determinada sociedade em relação a determinado assunto] que muda a toda hora é incrivelmente difícil. Mas é ainda pior ter que fazer isso de forma individual, isolada, porque irmãos e irmãs evangélicos ortodoxos não estão dispostos a falar sobre essas questões práticas.
Victor Clemente é escritor freelancer sobre questões de fé e cultura. Seu trabalho apareceu em Christ and Pop Culture [Cristo e Cultura Pop] e Faithfully Magazine [Revista Fielmente]. Você pode encontrá-lo no X em @The_Wait_Room ou no Threads em @the_wait_rm.
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