Quando Benji, meu filho de nove anos de idade, era bebê, vivíamos em hospitais, durante os seus primeiros meses de vida. Ele sofria de convulsões motoras focais e passou por vários exames, para descobrir a medicação e a dosagem corretas para mantê-las sob controle.
Então, em uma tarde cinzenta e chuvosa de novembro — em meio a inúmeras noites sem dormir, a consultas médicas e ao aprendizado como pais de primeira viagem — recebemos uma ligação para marcar uma consulta com um geneticista, a fim de tratar do diagnóstico recém-descoberto do nosso filho: síndrome de deleção 1p36 (também conhecida por monossomia 1p36). Disseram-nos para não pesquisar nada no Google, mas é claro que pesquisamos tudo.
Antes da consulta, minha esposa e eu preparamos várias perguntas importantes, entre elas: Isso é hereditário? É degenerativo? O que mais precisamos saber sobre essa síndrome?
No dia da consulta, chegamos cedo e esperamos ansiosamente pelas respostas que satisfariam nossas mentes curiosas e preocupadas. O especialista estava atrasado e chegou tarde, mesmo para os padrões médicos. Ele entrou no pequeno consultório ainda falando ao celular. Alguns momentos se passaram, enquanto ele terminava sua conversa. Em seguida, num só fôlego, ele desligou o celular com um adeus, e disse olá para nós. Ele atirou o celular e uma pasta sobre a mesa, antes de se recostar na cadeira.
Depois que fizemos nossas perguntas, ele abriu a pasta para dar uma olhada nos papéis, antes de fechá-la rapidamente. Um zumbido fraco fez com que ele pegasse novamente o celular e respondesse com uma mensagem de texto. Em seguida, colocou o celular sobre a mesa pela segunda vez, em menos de um minuto. Ele endireitou o corpo e se inclinou ligeiramente para a frente. Depois de olhar para nós, para nosso filho bebê, e depois de volta para nós, ele disse:
Esta é a vida de vocês agora. Vocês só precisam amá-lo como ele é. As informações que estão nesta pasta fornecem todas as respostas que eu poderia lhes dar.
Ele deslizou a pasta para o nosso lado da mesa e se levantou da cadeira. E, depois de dar uma última olhada em nós e em Benji — quase tão rápido quanto havia entrado — ele deixou a sala e a nós com todas as nossas perguntas sem resposta. Dentro da pasta encontramos o mesmo artigo acadêmico que havíamos encontrado semanas antes, por meio de nossa pesquisa on-line proibida. Parece que nos disseram para não pesquisar o diagnóstico no Google antes, pois isso roubaria a atenção do especialista. Mas a verdade contida na máxima “essa reunião poderia ter sido um e-mail” resume bem essa breve e fria troca de mensagens.
Minha esposa e eu ainda nos lembramos de como aquela primeira consulta foi inútil e até prejudicial. E, no entanto, assim como até mesmo um relógio quebrado marca a hora certa duas vezes por dia — às vezes, palavras cheias de proveitosa e duradoura sabedoria podem vir da boca de alguém tão desinteressado quanto aquele especialista: Vocês só precisam amá-lo como ele é.
Alguns meses mais tarde, em uma noite quente em San Diego, eu estava sentado com meu filho adormecido nos braços, em um quarto de hotel, em uma conferência para famílias de “1pês” (apelido carinhoso que damos ao diagnóstico de nome complicado). Minha esposa havia saído para passar a noite com as outras mães, enquanto eu estava sentado sob uma luz fraca, lendo o livro The Life We Never Expected (A vida que nunca esperamos), de Andrew e Rachel Wilson.
Um insight sobre o modo de nos dirigirmos a Deus, em nossas orações, como “nosso Pai” foi particularmente comovente para mim, como um filho do Pai que estava aprendendo a ser um pai para o meu filho. O livro dizia: “Tudo o mais que eu digo no restante da minha oração é baseado na verdade de que Deus é bom, que ele quer me fazer o bem e me fará — portanto, se Deus não me der imediatamente o que estou pedindo, é porque, de alguma forma, há algo melhor”. E eu chorei, não por Benji ser quem é — na verdade, ele é um encanto —, mas porque eu estava sofrendo por uma vida que eu nunca esperei ter como pai dele.
No entanto, com o tempo, passei a lamentar menos por aquela minha vida inesperada e a me deleitar mais com meu filho. É evidente que observar ocasionalmente outras crianças da idade dele saltando e superando-o nas fases de desenvolvimento provocavam dores momentâneas de decepção e preocupação. Mas, na maior parte do tempo, eu estava apenas tentando conhecer e entender meu filho.
Os melhores professores são aqueles que nos incentivam a fazer perguntas melhores do que aquelas que achávamos serem “essenciais”. E, quanto mais tempo eu passava com aquele doce menino de cabelos loiros e olhos azuis, mais ele me ensinava sobre mim mesmo, sobre a vida e sobre Deus.
Uma das primeiras perguntas que meu filho me levou a fazer foi sobre a imago Dei e o que significa o fato de os seres humanos serem feitos à imagem de Deus. Será que meu filho tinha menos da imagem de Deus do que o restante de nós, por causa de questões como a sua deleção genética, suas anormalidades cromossômicas, seus atrasos no desenvolvimento e outras diferenças? Esse não é o tipo de pergunta que dizemos em voz alta, na frente de pessoas educadas, mas era uma pergunta que eu me fazia, e suspeito que outras pessoas também fazem a si mesmas.
Nesse aspecto, fui ajudado pelos insights da estudiosa bíblica Carmen Imes, em seu brilhante livro, Being God's Image[Sendo a imagem de Deus]. De acordo com a Bíblia, argumenta ela, os seres humanos não são apenas feitos à imagem de Deus — eles são a imagem de Deus.
Em seu livro, Imes ressalta que a palavra em hebraico que é traduzida como “imagem” também é usada para descrever ídolos: A “imago Dei é concreta. Assim como uma estátua que representa um rei ou uma divindade, os seres humanos representam Yahweh para a criação. Ser a imagem de Deus é a nossa identidade humana”, escreve Imes, o que significa que “a imagem de Deus não é algo que carregamos; é algo que somos” (ênfase minha).
Dos nossos primeiros estágios de desenvolvimento até nosso último suspiro, nós, seres humanos, somos uma representação física da presença de Deus na Terra, em virtude tão somente de nossa existência concreta. “Embora nossa condição como imagem de Deus possa levar a determinadas ações, a ‘imagem’ não é algo que fazemos, mas o que somos”, diz Imes, e não é “uma capacidade que possa ser perdida” — seja ela intelectual ou não. Não há nada que precisamos fazer ou nos tornar para estarmos qualificados para representar Deus.
Portanto, afirmo com confiança que meu filho é a imago Dei, assim como afirmaria sobre qualquer outra pessoa. Outra pergunta que meu filho me levou a fazer foi: Quão intencional e proposital é a deleção genética do meu filho, na vontade soberana de Deus?
Quando pensamos sobre a experiência humana, as pessoas que seguem a Bíblia são rápidas em citar Salmos 139, que nos diz que somos tecidos no ventre de nossa mãe e que fomos feitos de modo especial e admirável. Mas eu me perguntava: “Quão confortável eu me sinto, inserindo o nome do meu filho nos trechos em que o salmista fala sobre si mesmo? De que modo especial e admirável meu filho foi gerado no ventre de minha esposa? Eu diria essas coisas em relação a meu filho, sem fazer exceções ou restrições?
Uma das minhas maiores dificuldades em ver o Benji como alguém que fora gerado de modo especial e admirável [por Deus] era o fato de que lhe faltava material genético. Eu me debatia quanto ao fato de as implicações e os problemas significativos que ele tinha, decorrentes dessa microdeleção, serem resultantes de um design intencional de Deus.
Mas em um episódio da Terça-feira com a Torá, em que Carmen Imes falou sobre Êxodo 4.10-12, fui lembrado de que Deus não se esquiva das deficiências enfrentadas por seu povo. De fato, por mais surpreendente que pareça, Deus leva o crédito por deficiências como surdez, mudez e cegueira. Nesse texto, Moisés levanta uma objeção ao seu comissionamento, descrevendo sua falta eloquência e, além disso, enraizando-a no fato de ser “pesado de boca e pesado de língua” (v. 10, ARA).
Em seu artigo “Mosaic Disability and Identity in Exodus 4.10; 6.12, 30” [A deficiência e identidade de Moisés em Êxodo] , Jeremy Schipper e Nyasha Junior demonstram que a expressão em hebraico traduzida como “pesado de boca e pesado de língua” é um termo usado para designar uma deficiência física que pode ser encontrado em textos médicos antigos. Em resposta à reclamação de Moisés sobre sua dificuldade de fala, eles dizem: “Deus responde a Moisés assegurando-lhe que Deus controla todas as condições físicas”.
A resposta de Deus à objeção de Moisés esclarece a intencionalidade de Deus no mosaico diversificado da (des)eficiência humana. A intencionalidade da deficiência pode ser desconcertante para muitos, a ponto de olharmos para pessoas com deficiência, depois de lermos Salmos 139 ou Êxodo 4.10-12, e nos perguntarmos — assim como Adão e Eva perguntaram no Jardim —: será que Deus realmente disse…?
No entanto, se todas as pessoas são a imago Dei (Gênesis 1.26-27), se cada pessoa é tecida de modo especial e admirável, e projetada com propósito por Deus (Salmo 139.13-15), e se Deus leva o crédito pelas experiências vividas de nossas deficiências (Êxodo 4.10-11), então, pisamos em terreno bíblico estável quando afirmamos que — embora meu filho seja um pecador nato, como todos os outros deste lado do Éden — ele também é quem é pelo projeto de Deus.
Nós o amaremos como ele é? Por mais frustrante que tenha sido ouvir isso da boca de um especialista despreparado e excessivamente desatencioso, essas palavras são instrutivas para a igreja de hoje. A sociedade norte-americana geralmente não é acolhedora em sua abordagem à comunidade de pessoas com deficiência — e, infelizmente, a igreja costuma ser ainda pior.
Em seu livro profundo e contundente, My Body Is Not a Prayer Request [Meu corpo não é um motivo de oração], Amy Kenny discute o capacitismo que enfrenta na igreja como uma mulher com deficiência. Ela lamenta que as igrejas locais estejam entre os espaços mais difíceis de serem frequentados por pessoas com deficiência. Em um trecho, ela diz: “Fico magoada por ter de justificar minha própria existência na igreja. O pertencimento não deveria ter a assimilação como preço de admissão”. Kenny tem razão, e sou grato por seu ativismo.
Como pastor em uma igreja local e como pai de três imagens singulares de Deus, passei a acreditar que os discípulos de Jesus experimentam dois tipos de transformação em suas vidas, quando cumprem os dois maiores mandamentos: amar a Deus e amar a cada pessoa como a nós mesmos.
O mundo nos diz para amarmos nossa tribo e nos colocarmos em primeiro lugar, mas o evangelho nos convida a amar a Deus e a tratar até mesmo o estranho mais distante como nosso próximo. Por causa da bondade de Jesus, e para que o mundo saiba que pertencemos a ele, somos chamados a viver e a exibir uma vida duplamente transformada, que segue o padrão dos dois mandamentos mais importantes que Cristo nos deu: amar a Deus de todo o coração e amar o próximo como a nós mesmos.
No culto do próximo domingo de manhã, olhe ao redor do seu templo e avalie se o prédio da sua igreja propicia o tipo de espaço e de comunidade onde as pessoas com deficiência possam encontrar um pertencimento robusto e rico. Mas, antes disso, precisamos nos perguntar se realmente acreditamos que todas as pessoas, mesmo aquelas com deficiência, são feitas à imagem de Deus e de acordo com a vontade de Deus.
As Escrituras nos dizem que o caminho de Deus “é perfeito” (Salmos 18.30) e que ele é “justo em todos os seus caminhos e é bondoso em tudo o que faz” (Salmos 145.17). Se realmente acreditarmos que cada ser humano ao nosso redor foi feito de modo especial e admirável, será que, então, vamos amá-los e servi-los exatamente como eles são?
Greg Harris é pastor em Vancouver. Ele é apaixonado pelo “discipulado profundo” na igreja local e pela formação espiritual voltada para pessoas frequentemente negligenciadas espiritualmente.