Como a igreja pode ajudar na cura de mulheres negras

Ser uma “mulher negra forte” era minha medalha de honra, até que isso quase me matou.

Christianity Today February 23, 2024
Gary Parker / Getty / Edits by CT

Nota da edição da CT em português: este artigo foi escrito com base na realidade norte-americana, mas acreditamos que ele também tem algo a dizer para cristãos que vivem em países de língua portuguesa.

Há muitas questões preocupantes e urgentes que interessam aos cristãos negros nos Estados Unidos, como garantir que a vida dos negros seja importante em nossas igrejas, alcançar jovens negros com o evangelho, discipular a próxima geração de líderes de igreja negros, combater o nacionalismo cristão [majoritariamente] branco e identificar maneiras pelas quais a igreja pode lidar com o impacto das desigualdades raciais em nosso país.

Mas uma preocupação em minha própria vida, como mulher cristã negra, é examinar de que modo a igreja pode ajudar as mulheres negras a removerem essa capa prejudicial de “mulher negra forte”. Viver de acordo com essa narrativa pode gerar resultados destrutivos e fatais para a saúde física e mental dessas mulheres. Se somarmos a esses resultados negativos o estigma associado aos transtornos de saúde mental, como a ansiedade e a depressão, o que teremos são muitas mulheres negras escondendo seus verdadeiros problemas, por medo de serem estigmatizadas.

No entanto, a igreja está em uma posição privilegiada para ajudar as mulheres negras a buscarem apoio terapêutico e teológico, à medida que enfrentarmos nossos desafios de saúde mental e os tratarmos.

Os pesquisadores identificam consistentemente três características associadas ao estereótipo da mulher negra forte: contenção emocional, independência e autossacrifício. A força é uma medalha de honra que as mulheres negras usam há gerações.

Essa narrativa provavelmente surgiu das experiências pessoais e culturais das mulheres negras (por exemplo, durante os séculos de escravidão baseada na raça, em que mantivemos a estrutura familiar, enquanto suportávamos abusos e torturas) e das demandas sociais sobre essas mulheres (por exemplo, lutar contra a discriminação racial e de gênero no período Jim Crow [um conjunto de leis no sul dos Estados Unidos que promoviam a segregação] e ajudar na luta do movimento dos direitos civis). Nós aceitamos ser fortes por medo de parecermos fracas.

Por muitos e muitos anos, aceitei a ideologia da mulher negra forte. Ela era capaz de “trazer o bacon para casa e fritá-lo na frigideira” [ditado norte-americano que fala que a mulher pode dar conta de todas as áreas da vida. Ficou muito popular por aparecer em uma música que era cantada em um comercial de perfume.] Ela não precisava pedir ajuda a ninguém, porque podia dar conta de fazer tudo — era bem-sucedida como esposa, mãe, profissional, líder de ministério, voluntária e amiga. Contava com a “magia da garota negra” e inspirava todos os que estavam em sua esfera de influência. Eu queria ser essa mulher negra forte, então, eu me tornei essa mulher. E como muitas de minhas antepassadas, eu usava minha força como uma medalha de honra.

Infelizmente, essa narrativa de força não me permitia expressar minhas vulnerabilidades ou falhas. Em vez disso, eu ignorava minhas dificuldades legítimas com a saúde mental para passar uma imagem de força para os outros. Eu acreditava na mentira de que não podia expressar abertamente minhas lutas com a depressão e a ansiedade. Escondia meus problemas de saúde mental em um esforço para manter a fachada de uma mulher que tinha tudo sob controle.

Assim como eu, as mulheres negras que aderem à ideologia da mulher negra forte podem enfrentar intensos desafios de saúde mental. Por exemplo, uma pesquisa recente revelou que a depressão pode se manifestar de forma diferente nas mulheres negras. De acordo com o estudo, em vez de relatar sentimentos de tristeza e de desesperança, as mulheres negras relatam autocríticas, autoculpa e irritabilidade como características da depressão.

As descobertas desse estudo se alinham com minhas experiências pessoais. Eu não acreditava que pudesse me dar ao luxo, como mulher negra, de me sentir triste ou desesperançosa — especialmente em minha vida pública — porque essas realidades falam de fraqueza, não de força. Consequentemente, eu recorria a críticas e culpava a mim mesma pelos problemas da minha vida, o que apenas exacerbava minha depressão e ansiedade.

Alinhar minha vida a essa ideologia estava me matando — literalmente. Eu procurava personificar a mulher negra forte à custa de minha saúde mental e física. Viver segundo essa narrativa de ser uma mulher que podia reprimir suas emoções, enquanto realizava tarefas de forma independente, em benefício de outras pessoas, fosse em casa, no trabalho, na igreja ou na comunidade, era algo prejudicial e perigoso para mim.

Mais de um médico me esclareceu sobre a importância de cuidar da minha saúde mental, que estava tendo um impacto direto sobre a minha saúde física. Ao longo dos vários anos vivendo a vida de uma mulher negra forte, recebi diversos diagnósticos de doenças que poderiam vir a acabar com a minha vida, se eu não controlasse meus problemas de saúde mental.

Em 2015 e 2016, enfrentei um período de depressão severa. A autoculpa era constante. Eu simplesmente não conseguia me livrar dos sentimentos de exaustão e de derrota. Eu criticava a mim mesma porque tinha dificuldade de desempenhar meu papel normalmente. Colocava um sorriso falso no rosto quando estava em público, e continuava a servir em minha igreja e a participar ativamente do ministério, mantendo meus problemas de saúde mental só para mim. Eu sabia que havia um estigma sobre a questão dos transtornos mentais em muitas igrejas e, sinceramente, não sabia como minha família da igreja reagiria, se descobrisse que eu estava lutando contra a depressão e a ideação suicida.

Certo dia, em 2016, quando alguém na igreja me perguntou como eu estava, eu não quis mais ser forte. Respondi: “Estou lutando contra a depressão”. Não foi fácil admitir que estava lutando, mas eu estava cansada de fingir — estava cansada de tentar aparentar ser algo que não era. Eu não estava bem, e percebi que isso era normal.

Para minha surpresa, minha honestidade e minha vulnerabilidade naquele dia abriram a porta para minha cura. Eis o motivo: minha família da igreja não me envergonhou nem me evitou — em vez disso, eles me abraçaram e me apoiaram, quando mais precisei deles. Meu pastor e os presbíteros se uniram a mim e me incentivaram a buscar assistência espiritual e psicológica. Estremeço só de pensar no que poderia ter acontecido, se eu não tivesse recebido o amor e o apoio deles.

Ao permitir que eu tirasse a capa de mulher negra forte, minha comunidade me deu a chance de viver, de me curar e de ver meu valor, que ia muito além daquela busca irreal e doentia por força. E eles continuam a fazer isso, quando enfrento contratempos em minha jornada de saúde mental.

Acredito que as igrejas, com os devidos treinamento e recursos, podem ser uma fonte de comunidade e de apoio para as mulheres negras — e para todas as mulheres — que precisarem remover essa capa de força e substituí-la pela bênção da empatia e da compaixão.

De acordo com a National Alliance on Mental Illness (NAMI) [Aliança Nacional de Saúde Mental], a cada ano, 1 em cada 5 adultos sofre de algum transtorno mental e 1 em cada 20 adultos sofre de transtorno mental severo. Essas estatísticas revelam uma realidade surpreendente — é bem provável que nossas igrejas estejam repletas de pessoas que estão lutando contra transtornos mentais. Mesmo quando professamos Jesus Cristo como nosso Senhor e Salvador, ainda enfrentamos ansiedade, depressão e uma infinidade de outros desafios psicológicos, pois vivemos em um mundo caído.

Quero propor algumas maneiras através das quais as igrejas podem ajudar mulheres negras que estão lutando contra problemas de saúde mental resultantes da adesão a essa narrativa da mulher forte.

1. Ensinem e preguem sobre a realidade dos transtornos de saúde mental — que não há problema em não se estar bem

A Bíblia está repleta de exemplos de pessoas que enfrentam problemas de saúde mental:

  • Caim “se enfureceu e o seu rosto se transtornou”, quando Deus aceitou Abel e sua oferta, mas não aceitou Caim e sua oferta (Gênesis 4.3-5). Caim ficou abatido — tanto assim que acabou assassinando seu irmão (Gênesis 4.8).
  • Após anos de esterilidade, Ana, “com a alma amargurada, chorou muito e orou ao Senhor”, pedindo um filho (1Samuel 1.10).
  • No Salmo 143, o rei Davi expressou sua angústia: “Venha depressa, Senhor, e responda-me, pois minha depressão se aprofunda. Não se afaste de mim, ou morrerei” (v. 7, NLT).
  • Jesus disse que sua alma estava “profundamente triste, numa tristeza mortal”, enquanto orava no Jardim do Getsêmani, antes de sua crucificação (Mateus 26.38).

Esses exemplos oferecem um lembrete importante: nosso espírito às vezes fica perturbado e devastado pelas situações que enfrentamos, pois vivemos em um mundo cheio de pecado. A prevalência de ansiedade, depressão, ideação suicida e outros desafios na vida de personagens bíblicos espelha a realidade desses desafios em nossa sociedade e nas igrejas de hoje.

Ao encarar como normal as questões de saúde mental, as igrejas permitirão que as mulheres negras se sintam menos isoladas e mais à vontade para reconhecerem as próprias dificuldades que enfrentam.

2. Enfatizem a comunidade como algo essencial para a vida cristã

Em Gênesis 2.18 e em Romanos 12.4-5, aprendemos sobre a importância da comunidade. Deus nos criou para a comunidade — para vivermos a vida juntos, e não isolados.Se uma mulher souber que pode contar com a comunidade de sua igreja para ajudá-la, quando estiver enfrentando dificuldades, ela terá mais condições de lidar com seus problemas de saúde mental.

Ao permitir que eu expressasse de forma honesta as dificuldades que tinha com minha saúde mental, e ao me mostrar que não há problema em não se estar bem, minha igreja salvou minha vida. Não me senti tão sozinha. As igrejas podem se colocar à disposição daqueles que talvez não estejam conseguindo orar, buscar ou adorar a Deus por si mesmos. As igrejas têm a oportunidade de literalmente salvar vidas.

3. Ofereçam empatia e compaixão às mulheres negras que falarem de seus problemas com a saúde mental

A igreja desempenhou um papel importante em meu processo de cura, ao permitir que eu expressasse minhas vulnerabilidades e ao me oferecer empatia e compaixão. Acredito que a igreja pode atuar como uma parte importante do processo de cura para muitas de minhas irmãs, as quais também precisam se recusar a tomar parte nessa narrativa da mulher negra forte.

Uma das maneiras pelas quais os líderes da igreja podem demonstrar empatia e compaixão é falando abertamente sobre seus próprios problemas de saúde mental. Outra forma é abraçar prontamente, em vez de evitar, uma mulher que fale de suas dificuldades com a saúde mental. As igrejas podem proporcionar um ambiente seguro para as mulheres tirarem suas capas de super-heroínas, oferecendo-lhes incentivo e apoio.

4. Invistam tempo e recursos para apoiar mulheres que estejam enfrentando lutas na área de saúde mental

Por fim, as igrejas podem oferecer recursos psicológicos presenciais e on-line a seus membros. Não estou sugerindo que as igrejas devam assumir a responsabilidade de fornecer serviços de saúde mental; no entanto, elas podem se preparar para oferecer prontamente referências de profissionais e listas de recursos aos membros que estejam enfrentando questões de saúde mental.

As igrejas que tiverem capacidade ministerial e recursos financeiros podem oferecer treinamento sobre os fundamentos da saúde mental a seus líderes — tanto líderes ministeriais quanto os que atuam administrativamente. Além disso, os líderes que fazem aconselhamento espiritual com membros da igreja devem receber um treinamento mais abrangente, para reconhecer problemas de saúde mental. Esse investimento pode salvar vidas.

As igrejas estão em uma posição sem igual para dar às mulheres negras permissão para abandonarem a narrativa da mulher negra forte e trocá-la pela realidade de que não há problema em não se estar bem. Por meio da comunidade, da empatia e da compaixão, a igreja pode ajudar as mulheres a encontrarem a verdadeira cura e sua verdadeira identidade em Cristo.

T. K. Floyd Foutz é uma advogada que se tornou professora de Bíblia. Além de ser mentora e palestrante, ela ministra estudos bíblicos on-line e em sua igreja local, em San Antonio.

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