Nas manhãs de domingo, na New York Chinese Alliance Church, onde sou pastor, diversos grupos étnicos diferentes vêm ouvir a Palavra de Deus em sua língua materna. Pais levam seus filhos para o culto infantil e para a escola dominical. Jovens se reúnem para comunhão e estudo bíblico.
Nossos recepcionistas experientes sempre tentam dar as boas-vindas a cada rosto familiar e a cada recém-chegado à casa de Deus com um sorriso caloroso. E embora o seu objetivo principal seja ir ao encontro e cumprimentar cada pessoa, a nossa igreja também os treinou para identificar necessidades urgentes e avisar sobre quaisquer potenciais preocupações na congregação.
Temos uma pessoa na congregação com histórico de prisão que frequentemente convida outros homens e mulheres, que também já foram presos no passado, para virem à igreja. E, muito embora estejamos felizes pela oportunidade de ministrar a indivíduos assim, tentamos discernir a melhor forma de servi-los no contexto da comunidade mais ampla.
Numa manhã de domingo deste ano, essa pessoa convidou um novo visitante que despertou em nós uma certa preocupação. Quando os recepcionistas decidiram perguntar sobre o recém-chegado, descobriram que ele era um criminoso que cumprira pena por crime sexual e era acompanhado por um sistema do governo. E, embora o recebessem como convidado que vinha à igreja pela primeira vez, também queriam proteger os nossos outros congregantes — e, por isso, decidiram informar os nossos pastores e membros do conselho.
Em espírito de oração, a liderança da nossa igreja designou um membro espiritualmente maduro para acompanhar esse jovem pelo restante do culto, e ele pôde desfrutar da comunhão com outros membros durante a tarde.
Como uma igreja cristã e missionária de porte médio, percebemos que estávamos lamentavelmente despreparados — não tínhamos nenhum procedimento explícito e escrito para lidar com esse tipo de situação. Nosso conselho nunca teve de considerar de que modo poderia possibilitar que alguém que estivesse buscando a Deus o encontrasse em nossa comunidade, mas, ao mesmo tempo, garantir a segurança de crianças e adolescentes em nossa congregação.
Mais de 780.000 agressores sexuais residem nos Estados Unidos — um país onde 81% das mulheres já sofreram abuso sexual, juntamente com 43% dos homens. Em 93% dos casos, as crianças vítimas de abuso sexual conhecem seus perpetradores. E, no entanto, pouco mais de 30% dos crimes sexuais são denunciados às autoridades.
Como pastor e pediatra, sinto o dever pessoal de salvaguardar os jovens da nossa igreja. Em minha experiência professional anterior [como pediatra], eram implementados procedimentos rigorosos para proteger crianças doentes e vulneráveis. Ao mesmo tempo, eu sentia a necessidade de nossa igreja ministrar a esse jovem. Em vez de negar-lhe um espaço para adorar, senti que deveríamos oferecer-lhe a mesma oportunidade de redenção que oferecemos a qualquer outra pessoa.
Nosso conselho discutiu detalhes, coisas como se deveríamos proibir esse homem de interagir com crianças em nossa congregação. Perguntamo-nos se deveríamos informar os pais das nossas crianças e jovens, ou se isso geraria mais medo do que cautela. Também queríamos estar informados sobre quaisquer deveres legais que fossem esperados de nós, para que pudéssemos cumprir a lei local.
Nossa prioridade era proteger a congregação. Mas, ao mesmo tempo, lutamos para saber como Jesus responderia a esta situação — especialmente por saber como ele interagia com cobradores de impostos, prostitutas e outras pessoas caídas e marginalizadas pela sociedade do primeiro século. Conseguiríamos cumprir ambos os objetivos? Em caso afirmativo, como?
Primeiro, é importante lembrar que as leis federais exigem que todos os agressores sexuais tenham seu status registrado [em um sistema de acompanhamento]. Negligenciar essas leis pode resultar em ser processado por novos crimes.
Por exemplo, no nosso estado de Nova Iorque, os agressores sexuais são classificados com base no risco de cometerem outro crime e ferirem a comunidade. Os infratores de nível 1, ou de baixo risco, devem ficar registrados por 20 anos, a menos que tenham recebido alguma qualificação especial. Os infratores de nível 2 (médio risco) ou de nível 3 (alto risco) são obrigados a permanecer registrados durante toda a sua vida. Entre as qualificações especiais que podem receber estão predadores sexuais, agressores sexualmente violentos e agressores sexuais reincidentes [que voltaram a praticar crimes sexuais].
Os legisladores vêm lutando há muito tempo para desenvolver políticas adequadas para os agressores sexuais. O pêndulo oscila entre reabilitação, punição e isolamento. Os especialistas debatem os méritos da reabilitação versus apenas a punição. Cada situação tem seus prós e contras, com visões polarizadas de ambos os lados da questão.
Os modelos de reabilitação atribuem valor prudencial à dignidade e ao bem-estar de cada indivíduo, abrangendo seus relacionamentos, saúde, trabalho e outras atividades. Os programas de reabilitação são concebidos para restaurar a capacidade funcional de uma pessoa, recuperar a sua qualidade de vida e ajudá-la a se tornar um membro que contribui para a sociedade.
Mas os modelos de punição também estão enraizados em valores éticos — na crença de que existe uma nítida linha que separa o certo do errado, o bem do mal, e que esta distinção define o nosso comportamento e deve sustentar os limites para todas as nossas relações.
Da mesma forma, as igrejas locais enfrentam o dilema de onde traçar os limites apropriados para garantir a segurança da sua comunidade, e, ao mesmo tempo, estar dispostas a colaborar na reabilitação espiritual de indivíduos caídos.
A Bíblia ordena que os cristãos protejam os vulneráveis do perigo, mas também que mostrem misericórdia para com os pecadores. Em Lucas 5.32, Jesus diz: “Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento”. Ao mesmo tempo, ele nos adverte que “Se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim, seria melhor que fosse lançado no mar com uma pedra de asno amarrada ao pescoço” (Marcos 9.42, versão King James atualizada).
Portanto, infelizmente, não há uma resposta fácil, quando se trata de como as igrejas devem proceder em relação a agressores sexuais que desejam frequentar os cultos, participar de estudos bíblicos ou participar em outras programações da igreja.
A maioria dos especialistas concorda que os agressores sexuais não devem ter permissão para frequentar uma igreja se os líderes da comunidade não forem devidamente treinados para garantir a segurança de jovens e crianças. Isso exige que as pessoas que trabalham na igreja recebam instrução sobre os hábitos dos agressores sexuais — tais como o seu potencial para ludibriar igrejas e tirar vantagem de sua confiança — bem como sejam informadas a respeito de todas as leis estaduais e federais que se aplicam.
Alguns estados, como o Tennessee, propuseram banir os criminosos sexuais de locais de culto, a menos que obtenham permissão. Outros estados não permitem que frequentem creches ou escolas, o que muitas vezes inclui igrejas, dependendo da sua estrutura e do nível de envolvimento em atividades paraeclesiásticas. Em muitos casos, não é seguro que o ex-agressor sexual possa ter qualquer contato ou proximidade com crianças — e pode até ser ilegal para eles, dependendo do seu histórico e nível de risco.
De acordo com um estudo da CT, feito em 2010, dos pastores, líderes religiosos e pessoas que trabalham na igreja que foram inquiridos naquela época, quase 80% acreditavam que os agressores sexuais deveriam ser autorizados a participar de cultos na igreja, desde que estivessem sujeitos à supervisão e a certas limitações. Apesar disso, a maioria não está preparada para recebê-los em suas próprias igrejas.
Em seu livro lançado em 2009, o pastor Dick Witherow define os criminosos sexuais como “os leprosos dos tempos atuais”. Quando as leis da Flórida restringiram o local onde os criminosos sexuais podiam viver no estado, Witherow expandiu o seu ministério prisional na época, para ajudar criminosos sexuais a reingressarem na sociedade e a se reintegrarem nas congregações. Após uma série de contratempos, ele comprou uma propriedade no condado de Palm Beach para construir Miracle Village (também conhecida como Cidade de Refúgio), hoje a maior comunidade de reabilitação para criminosos sexuais do país.
Embora os esforços de Witherow tenham sido um modelo transformador — ainda que controverso —, a maioria das igrejas não tem recursos nem mão de obra para apoiar os agressores sexuais e, ao mesmo tempo, garantir a segurança dos vulneráveis. Em casos assim, as igrejas maiores, com mão de obra abundante, podem estar mais bem preparadas para ajudar, uma vez que é mais provável que tenham recursos para supervisionar os agressores sexuais que frequentam as instalações.
O que nossa igreja fez nesta situação? Depois de um tempo de oração, a liderança da igreja percebeu a necessidade de desenvolver um procedimento para casos futuros. Foi formado um comitê para estudar as complexidades das leis federais e estaduais, avaliar os nossos procedimentos permanentes e fazer recomendações ao conselho relativas à nossa postura em relação a agressores sexuais.
Dadas as leis estaduais específicas relativas a denúncias e à liberdade condicional, nosso procedimento primeiramente define o termo agressor sexual. Em seguida, descreve exigências específicas para os criminosos sexuais frequentarem os ministérios da igreja, entre elas, um processo de aprovação inicial que envolve a participação dos pastores, do conselho e um pacto por escrito. O procedimento prevê acompanhamento e prestação de contas por parte do agressor sexual, facilita a comunicação com os líderes da igreja e permite a supervisão pelo conselho.
Algumas das questões que consideramos giravam em torno dos seguintes pontos:
- A nossa igreja é chamada para ministrar a criminosos sexuais?
- Quais protocolos de segurança para crianças estão em vigor e quais precisam ser revistos?
- Como obtemos informações precisas e atualizadas sobre a situação de um agressor sexual, enquanto estabelecemos contato com autoridades relevantes (por exemplo, o agente de liberdade condicional)?
- De que forma podemos avaliar o coração e a sinceridade de um agressor sexual?
- Como podemos estabelecer um sistema de prestação de contas para todas as partes envolvidas?
- Que serviços podemos oferecer e quais são mais bem recebidos fora da igreja (como terapia/aconselhamento, terapia cognitivo-comportamental e programas para dependentes, como AA/NA)?
- Qual é o papel do parceiro que acompanha um agressor sexual, e como pode ele ministrar a esse indivíduo?
- De quais ministérios um agressor sexual pode participar?
- Que expectativas a igreja deve ter em relação ao código de conduta para um agressor sexual?
- Quais são as possíveis consequências das violações do procedimento adotado e como serão aplicadas?
- Estamos seguindo as legislações estadual e federal?
- Como e quando devemos comunicar a nossa congregação, caso um criminoso sexual esteja frequentando a igreja?
- Como podemos envolver a congregação nesse processo, de forma que reflita tanto o coração protetor quanto acolhedor de Cristo?
Outra questão fundamental que consideramos foi se a pessoa estava verdadeiramente arrependida do seu pecado ou se procurava minimizar seus erros. Um coração genuinamente arrependido é um dos critérios mais importantes para avaliar se um agressor sexual está pronto para participar de uma igreja local. Davi modela esse coração arrependido no Salmo 51, ao confessar seus pecados com um espírito quebrantado e contrito.
Enquanto estávamos trabalhando nessas considerações e desenvolvendo um procedimento oficial, nosso comitê convidou aquele jovem, durante aquele período, a adorar conosco por meio do nosso culto online, em vez de se juntar a nós presencialmente. Ele reagiu de forma gentil e honrou nossos desejos. Também designamos um membro da equipe pastoral para estender a mão e ministrar a esse indivíduo com regularidade.
Um dos objetivos mais importantes do nosso procedimento era desenvolver um ambiente de acompanhamento e prestação de contas, além da possibilidade de discipulado. As taxas de reincidência em crimes sexuais são de 30% em 10 anos, mas chegam a 52% em 25 anos. Sabendo que as estatísticas são provavelmente subnotificadas, essas taxas de repetição do comportamento criminoso demonstram o quanto é difícil superar este espinho na carne especificamente.
Ao promover essa relação de acompanhamento e prestação de contas com um membro de confiança da igreja, um agressor sexual tem mais incentivo comunitário para evitar tentações sexuais e viver uma vida santificada. Os parceiros de acompanhamento estão presentes para ouvir e apoiar, ao mesmo tempo em que dizem a verdade com graça, misericórdia e amor. Em termos ideais, esse tipo de relacionamento de discipulado encoraja uma vida de oração, adoração e devoção pessoal.
Ainda estamos no processo de finalizar um procedimento específico para agressores sexuais, que seja de âmbito abrangente e detalhado em termos de prescrições — que seja um documento interno que possa orientar a nossa igreja em situações semelhantes no futuro. Acima de tudo, queremos com esse procedimento garantir a segurança dos fiéis vulneráveis, e, ao mesmo tempo, acolher, em nossa comunidade e no centro da adoração, indivíduos destroçados, com um passado marcado pelo pecado, como era o daquele jovem.
Como uma igreja de porte médio, estamos conscientes das nossas limitações e sabemos que talvez não possamos acolher todos os agressores sexuais que aparecerem em nossa comunidade. Mas, ao mesmo tempo, queremos ser as mãos, os pés e a voz de Jesus. As Escrituras nos dizem que, em geral, é através da comunhão com a família de Deus que podemos experimentar o amor de Cristo. E tal como as pessoas marginalizadas nos dias de Jesus, os criminosos sexuais não devem ser privados da oportunidade de participar dessa comunhão como membros do corpo de Cristo.
Em última análise, como cristãos, acreditamos que Jesus oferece a cada um de nós a mesma oportunidade de redenção através do seu sangue — e, se alguém está em Cristo, “é nova criatura. As coisas velhas já passaram; eis que o novo chegou” (2Coríntios 5.17, ESV).
Stephen Ko é pastor sênior da New York Chinese Alliance Church e professor adjunto do Alliance Theological Seminary. Ele é o autor da obra Faith Empowered [Fé fortalecida], que está prestes a ser lançada pela editora Zondervan.
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