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Morre Sarah Young, autora do devocional O chamado de Jesus

Suas orações consolaram e inspiraram milhões de pessoas.

Sarah Young, autora de O chamado de Jesus.

Sarah Young, autora de O chamado de Jesus.

Christianity Today September 1, 2023
Cortesia de Jesus Calling /edição por Rick Szuecs

Sarah Young, autora de devocionais escritos com se fossem palavras do próprio Jesus, e que se tornou uma das evangélicas mais lidas do século 21, morreu aos 77 anos.

Esposa de um missionário da Igreja Presbiteriana na América (PCA) junto ao povo japonês, Sarah sofria da doença de Lyme e de outras doenças crônicas que às vezes a obrigavam a ficar no quarto 20 horas por dia. Em seu isolamento, ela começou a praticar a “oração de escuta” e a registrar em um diário o que sentia o Espírito lhe dizer.

“As mensagens começaram a fluir […] e comprei um caderno especial para registrar aquelas palavras”, escreveu Sarah Young, mais tarde. “Continuei a receber mensagens pessoais de Deus enquanto medito nele.”

Algumas páginas de seu diário chegaram a um grupo de oração de mulheres, em Nashville, no início dos anos 2000. Uma das mulheres as compartilhou com o marido, que era vice-presidente de marketing da Integrity Publishers, e a Integrity perguntou a Sarah se ela poderia escrever 365 mensagens de Deus para os leitores, uma para cada dia do ano. Ela concordou e eles publicaram O chamado de Jesus, em 2004.

Com o impulso adicional de marketing, depois que a Integrity foi incorporada pela Thomas Nelson, o livro ficou entre os 10 primeiros na lista dos mais vendidos da Associação de Editores Cristãos Evangélicos, em 2009. Permaneceu no topo da lista, mês após mês, pelos próximos 15 anos, por fim vendendo mais de 45 milhões de exemplares. Em agosto de 2023, o devocional superou as vendas das obras de T. D. Jakes, Lee Strobel, Rick Warren, Joyce Meyer, Louie Giglio e Max Lucado.

Uma versão infantil da obra também vendeu mais de um milhão de cópias, e o mesmo aconteceu com dois devocionais subsequentes que foram escritos por Sarah Young, Jesus Always e Jesus Today. Outros dois devocionais, Jesus Lives e Jesus Listens, venderam meio milhão de exemplares cada um.

O estilo devocional de Young suscitou controvérsia, e alguns líderes evangélicos expressaram preocupação que pudesse minar a ideia de que a Bíblia é suficiente para os cristãos contemporâneos, enquanto outros disseram que escrever a partir da perspectiva de Jesus beirava a blasfémia. Mas, muitos crentes, muitos mesmo, encontraram consolo, paz, encorajamento e inspiração nas palavras de Jesus, escritas pela pena de Young.

O chamado de Jesus atraiu fãs tão diversos como Metro Boomin, produtor de hip-hop que postou fotos de páginas grifadas de cima a baixo em suas redes sociais, e como a apresentadora de talk show Kathie Lee Gifford, que fez elogios à orientação espiritual de Sarah Young em sua vida.

“Fico maravilhada com sua perseverança e sua fé”, disse Gifford. “Estou profundamente emocionada com o coração dela por Jesus.”

No Goodreads, um site de mídia social onde as pessoas compartilham resenhas e avaliações de livros, 85% dos leitores do devocional O chamado de Jesus o avaliaram com quatro ou cinco estrelas.

“Eu simplesmente adoro este devocional”, escreveu uma mulher do Tennessee. “Eu o li quase todos os dias durante o ano passado, mas ainda encontro paz quando o leio, mesmo agora. É lindo e reconfortante.”

As lutas espirituais levaram ao L'Abri

Sarah Jane Kelly nasceu em Nashville, em 15 de março de 1946. Pouco se sabe sobre sua infância, exceto que seu pai era professor universitário e a família morava no Sul. Ela se formou na E. C. Glass High School, em Lynchburg, Virgínia, no ano de 1964, e frequentou o Wellesley College, onde se formou em filosofia. Fez mestrado em educação, com foco em estudos da infância, na Tufts University, em 1974.

Apesar de seu sucesso acadêmico, a futura autora do famoso devocional O chamado de Jesus estava enfrentando lutas espirituais. Ela ainda não era cristã e suas aulas de filosofia a convenceram de que a vida, em última análise, era sem sentido e absurda. Então, ela conheceu a obra Escape from Reason [Fuga da razão], de Francis Schaeffer. O livro a fez pensar que poderia haver respostas para perguntas que ela considerava irrespondíveis. Era possível saber a verdade e até ter confiança de que era absoluta.

A esperança motivou uma viagem ao L’Abri, o centro de estudos evangélicos de Schaeffer, nos Alpes Suíços. Lá, Sarah Young teve um encontro com Jesus. Um conselheiro perguntou-lhe se ela era cristã e do que ela achava que precisava ser perdoada.

“Imediatamente compreendi minha necessidade de Jesus — eu precisava dele para me salvar dos meus muitos pecados”, escreveu ela.

Depois de caminhar sozinha pelos bosques nevados da Suíça, Sarah sentiu uma Presença — ela sempre escrevia essa palavra com P maiúsculo — e sentiu que era a avassaladora resposta pessoal para uma pergunta que ela achava ser apenas intelectual. Então, ela disse em voz alta: “Doce Jesus”.

Um ano depois, ela sentiu a mesma Presença quando lia Beyond Ourselves, um livro sobre oração, da autora cristã Catherine Marshall.

“Eu não me sentia mais sozinha”, lembrou Sarah, tempos depois. “Eu sabia que Jesus estava comigo.”

Sarah Young decidiu se tornar conselheira cristã e fez um segundo mestrado no Covenant Theological Seminary, uma escola da PCA no Missouri. Lá, ela conheceu e se casou com Stephen Young, filho e neto de missionários que tratabalharam no Japão, que também planejava ser missionário lá. Eles se casaram em 1977 e mudaram-se para um local ao sul de Yokkaichi, a fim de plantar uma igreja com a organização missionária Mission to the World.

Os Youngs mudaram-se para Melbourne, Austrália, em 1991, onde Steve ajudou a plantar a primeira igreja de língua japonesa na cidade. Sarah começou a atuar na área de aconselhamento, ajudando mulheres que haviam sido abusadas sexual e espiritualmente a encontrar cura em Cristo. Ela começou a meditar sobre a proteção de Deus, visualizando cada membro de sua família cercado pelo Espírito. Ao fazer isso, como ela sempre lembrava depois, Sarah teve uma experiência mística. Ela foi envolvida pela luz e tomada pela paz.

“Eu não havia buscado aquela poderosa experiência da Presença de Deus”, escreveu ela, “mas a recebi com gratidão”.

Experiências com um diário de oração

No ano seguinte, Young começou a fazer experiências com orações de escuta. Em seu diário, em vez de escrever o que ela queria dizer a Deus, ela escrevia o que sentia que Deus estava lhe dizendo. Ela foi inspirada, pelo menos em parte, pelo teólogo evangélico J. I. Packer, que escreveu que Deus “guia as nossas mentes, à medida que pensamos em coisas na sua presença”.

De forma mais controversa, Sarah Young também foi influenciada por God Calling, um devocional britânico nascido de uma revelação supostamente divina, dada a duas mulheres anônimas, conhecidas apenas como “The Listeners” [“As ouvintes”]. Foi editado e publicado por um editor de jornal interessado em espiritismo, experiências místicas e autoridades religiosas alternativas.

“Cristo Cristo Cristo. Tudo deve depender de Mim”, as duas mulheres registraram, em 1933, como se fosse Deus dizendo. “Sejam canais, vocês duas. Meu Espírito fluirá e, ao fluir, varrerá todo o passado amargo.”

Sarah Young adorou o livro. “Ele se encaixava muito bem em meu desejo de viver na presença de Jesus”, disse ela. A obra a levou a começar a escrever em seu diário de orações como se fosse Deus lhe falando.

Sarah Young não achava que o que escrevia fosse inspirado por Deus — e certamente não era inerrante —; no entanto, ela também não achava que fosse um mero projeto de escrita criativa. Escrever como se fosse Deus lhe falando não era algo concebido como um recurso retórico. Ela considerava seus diários como um testemunho da presença de Deus.

À medida que ela enfrentava várias enfermidades — entre elas, duas cirurgias por causa de um melanoma; um erro de diagnóstico de síndrome de fadiga crônica; doença de Lyme e vertigem persistente —, a prática da oração tornou-se cada vez mais importante para ela. Sarah se perguntava se poderia ser chamada a compartilhá-la com outras pessoas.

“Quando as pessoas se abrem para mim”, escreveu ela, “percebo que a maioria delas também deseja o bálsamo da paz de Jesus”.

Ela passou cerca de três anos preparando um manuscrito, mas não conseguiu fechar nenhum contrato de publicação. Desistiu da ideia em 2001, quando a família se mudou para Perth, uma cidade isolada na Austrália Ocidental, para que Steve pudesse iniciar ali um ministério para o povo japonês. Nos anos seguintes, as enfermidades de Sarah pioraram tanto que ela mal conseguia sair do quarto. Então, concentrou-se o máximo que pôde em escrever, orar e meditar em Deus.

Byron Williamson, fundador da Integrity, recebeu uma amostra da obra de Sarah em 2003. Sua escrita o conquistou.

“Passei os dias seguintes refletindo sobre aquela voz que ouvia nos devocionais de Sarah […] eram palavras extremamente íntimas, expressas de maneira calorosa”, lembrou Williamson mais tarde. “A obra me fez lembrar de um livro que eu tinha visto na mesa de cabeceira da minha mãe, anos antes, intitulado God Calling.”

Ele sugeriu o título em inglês Jesus Calling [Jesus chama] e propôs um contrato de publicação para Sarah Young. Ela aceitou, e disse ao marido que esperava que a editora não perdesse dinheiro com seu devocional.

Um milagre editorial

Ela não precisava ter se preocupado com isso. Nos primeiros três anos, O chamado de Jesus vendeu em média 20 mil exemplares por ano, e muitas pessoas compravam para dar de presente. Livrarias cristãs relatavam que clientes perguntavam se poderiam comprar caixas do devocional.

A Thomas Nelson incorporou a Integrity em 2006 e, em vez de tratar o devocional como uma obra qualquer da backlist, viu em O chamado de Jesus potencial para ser um best-seller. A editora cristã promoveu o livro. Em 2008, venderam 220 mil exemplares. Em 2009, chegou às listas dos mais vendidos. Em 2013, vendeu mais do que Cinquenta Tons de Cinza, e a Thomas Nelson a traduziu para mais de 24 idiomas.

A própria Young mal participou da promoção de seus livros, e ganhou fama de reclusa, mesmo depois de voltar para Nashville com o marido. Quando a Christianity Today tentou fazer uma reportagem com ela, só se comunicou por e-mail, através de um intermediário da Thomas Nelson. O New York Times e o Publishers Weekly também tiveram negados seus pedidos de entrevista por telefone.

Mas seu livro continuava vendendo. Muitos leitores conheciam a obra por recomendações pessoais. O músico David Crowder disse que perdeu a conta de quantas pessoas lhe perguntaram: “Cara, você já leu O chamado de Jesus?”

A atriz e cantora Kristin Chenoweth, estrela do programa de TV Pushing Daisies e de Wicked, produção da Broadway, disse que ganhou um exemplar da atriz Rita Wilson, que é casada com Tom Hanks e atuou nos filmes Sleepless in Seattle e Noiva em fuga. A própria Rita ganhou seu exemplar da cantora country Faith Hill.

“É meio louco, às vezes você lê o devocional de um certo dia e é exatamente o que você precisava ouvir”, disse Rita.

O livro também foi promovido pelo candidato republicano às primárias presidenciais, Scott Walker, e rodou por muitas mãos na Casa Branca. Sarah Huckabee Sanders disse que encontrou um exemplar em seu escritório, logo depois que o então presidente Donald Trump a promoveu a Secretária de imprensa da Casa Branca.

“Eu peguei o devocional na mesma hora”, disse ela à CBN. “Fui para a outra sala e li. E simplesmente pensei: ‘Estou em paz’”.

À medida que se tornava mais popular, o livro também atraía sérias críticas.

“Ela coloca seus pensamentos na primeira pessoa e, depois, apresenta essa ‘pessoa’ como se fosse o Senhor ressuscitado. Francamente, acho isso ultrajante”, disse à CT, em 2013, David Crump, professor de teologia da Calvin University. “Tenho certeza de que ela é uma mulher muito devota e piedosa, mas estou tentado a chamar isso de blasfêmia”.

O blogueiro evangélico Tim Challies escreveu que o livro era “profundamente perturbador” e, ao mesmo tempo, perigoso e “indigno de nossa atenção”.

Kathy Keller, diretora-assistente de comunicações de uma igreja da PCA na cidade de Nova York, onde seu marido, Tim Keller, era o pastor principal, escreveu uma resenha explicando por que a Redeemer não venderia o devocional de Sarah Young em sua mesa de livros, embora muitas pessoas estivessem pedindo.

“Sarah Young tinha a Bíblia, mas achou que não era suficiente”, disse ela. “Se você quer ter experiências com Jesus, aprenda como encontrá-lo em sua Palavra. Sua verdadeira Palavra.”

Editores da Thomas Nelson objetaram, dizendo que os críticos estavam sendo obtusos.

“De forma alguma a autora acredita que o que ela escreve seja sagrado ou que ela tenha tido novas revelações”, disse um deles ao The New York Times. “Tenho a impressão de que ela tentou deixar isso bem claro nas introduções de seus livros.”

Eles também apontaram que a longa história da escrita devocional, que inclui obras clássicas de Andrew Murray, Oswald Chambers e A. W. Tozer, é amplamente aceita no evangelicalismo. O estilo de escrita de Sarah Young pode ser diferente, mas os leitores estavam muito familiarizados com o gênero devocional que os críticos pareciam entender tão mal.

Ajudando os leitores a se conectarem com Jesus

As acusações de possível heresia não prejudicaram as vendas. Embora alguns novos leitores se aproximassem da obra O chamado de Jesus e dos devocionais posteriores com cautela, a maioria se converteu ardorosamente, quando lia as palavras de Jesus escritas por Sarah Young.

A autora Dawn Paoletta, por exemplo, escreveu que estava cética porque o relato de Sarah sobre ter recebido mensagens divinas a fazia se lembrar de escritos da Nova Era. Mas, quando ela leu O chamado de Jesus, logo se convenceu de que era algo que vinha de Deus.

“Recomendo este livro de todo o coração, e já comprei meia dúzia de exemplares para dar de presente”, escreveu Paoletta no Goodreads. “Também comprei um exemplar de capa dura que trago na bolsa! […] Provavelmente irei entregá-lo à pessoa que Deus me mostrar em algum momento!”

Milhões de leitores reagiram da mesma maneira, voltando a ler o devocional várias vezes em busca de alimento espiritual e dando exemplares a qualquer pessoa que parecesse precisar dele.

Sarah Young disse que ficou surpresa com o sucesso comercial de suas obras, mas estava feliz por poder ajudar as pessoas a se conectarem com Jesus. À medida que o número de exemplares vendidos crescia de forma astronômica, ela se comprometia a continuar orando por todos os seus leitores.

“Lembrem-se de que estou sempre orando por vocês”, escreveu ela, após a publicação de Jesus Listens [Jesus escuta]. “Mas, ainda mais importante, lembrem-se de que Jesus está sempre com vocês, ouvindo cada uma de suas orações.”

Sarah Young morreu em Nashville, em 31 de agosto. Ela deixa seu marido, Steve, a filha Stephanie e o filho Eric.

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