Igreja Batista Bethlehem: líderes colidem sobre “superproteção” e “cultura de cancelamento”

Um debate sobre “empatia irrestrita” ressalta como os líderes que estão deixando sua função, entre eles o sucessor de John Piper, abordaram questões polêmicas como raça e abuso.

Christianity Today September 21, 2021
Ed Kohler / Flickr

Este deveria ser um ano marcante para a Igreja Batista Bethlehem, em Mineápolis, uma vez que a congregação histórica, mais conhecida pelos 33 anos de pastorado de John Piper, completou seu 150º aniversário.

O Bethlehem College and Seminary (BCS) — que começou como um instituto para treinamento de leigos da igreja e se transformou em um programa oficialmente reconhecido — também tem motivos para comemorar. Neste outono, a escola empossa seu segundo presidente, 10 anos após sua primeira turma de formandos.

Antes das comemorações, porém, a comunidade se encontra em meio ao que os líderes atuais chamam de “tempos confusos e desafiadores” e “uma época dura e difícil na vida de nossa igreja”. Nos últimos meses, três pastores e um membro da equipe pediram demissão do campus central da Igreja Batista Bethlehem, junto com dezenas de membros leigos. Outros quatro professores e funcionários deixaram a faculdade e o seminário no ano passado.

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Alguns dos rostos que aparecem no vídeo compilado dos “150 anos da Graça de Deus na Igreja Batista Bethlehem” não pertencem mais à igreja multilocal das Twin Cities, principalmente Jason Meyer, sucessor de Piper e pastor da Igreja Batista Bethlehem para a área de pregação e visão. Membros que passaram 10, 20 ou mesmo 30 anos adorando e servindo nessa igreja, e esperavam fazer parte da congregação pelo resto da vida, disseram adeus ao seu lar espiritual.

“O plano era ficar na Igreja Batista Bethlehem até irmos para os braços de Jesus. Não podemos nem pensar no que vem pela frente”, disse Debby Pickering, cuja família foi embora quando seu marido, Bryan, renunciou ao cargo de pastor. Enquanto ele tentava encontrar uma solução, ela não sabia o que fazer com sua própria frustração e ansiedade. “Nada nos cursos ministrados no seminário para esposas de pastores prepara a gente para isso”.

Eles deixaram para trás uma comunidade considerável — 2.400 membros espalhados por três campi — cujos líderes também estão decepcionados e tristes o bastante para que a igreja decidisse adiar para novembro as comemorações do seu 150º aniversário, que estavam programadas para acontecer no terceiro final de semana de agosto.

Diferentemente de outros escândalos e abalos evangélicos de alta repercussão que tomam conta das manchetes, a história na Igreja Batista Bethlehem não está tão clara. Em uma mensagem enviada por e-mail para a congregação, o pastor de um dos três campi da Bethlehem mencionou haver “questões complexas e sutis em jogo” na renúncia de Meyer, em julho. Mesmo as pessoas que partiram frustradas concordam que não existe uma pessoa ou causa única por trás do conflito.

Tanto os que estão partindo quanto os que ficaram reconhecem algumas das questões que dividiram a Igreja Batista Bethlehem, muitas das quais também estão pressionando outras igrejas conservadoras: justiça racial e teoria crítica da raça (CRT); o movimento #MeToo e o apelo para acreditar nas mulheres; bem como a natureza de traumas e abusos.

Por trás dessa constelação de tópicos polêmicos, porém, também existe uma discordância filosófica mais profunda sobre como abordar os vários conflitos em si. Em seu cerne estão questões sobre se, quando e como os cristãos podem desafiar aqueles que dizem que estão sofrendo — e como equilibrar os apelos para mostrar compaixão, buscar a verdade e arrepender-se do pecado em tais situações.

“Se eu simplesmente renunciasse e fingisse que acho que tudo está bem na Bethlehem, estaria sendo desonesto”, escreveu Meyer, que deixou a congregação no dia 1º de agosto. “Em vez disso, acredito que nossa cultura de liderança deu uma guinada em uma direção doentia, enquanto tentávamos navegar por conflitos e divisão”.

Em particular, desde a presidência de Donald Trump tem havido um aprofundamento das divisões entre os evangélicos americanos, expondo divergências não na teologia em si, mas no modo que eles, como cristãos, veem suas maiores prioridades e medos na sociedade. Essas divisões foram aceleradas por fatores como a polarização política, a questão racial e o estresse pandêmico.

Comentaristas tentaram analisar as linhas de erros, e os próprios evangélicos — entre eles o presidente e editor-chefe da CT, Tim Dalrymple — geraram categorias próprias para explicar como pessoas com uma fé comum podem entrar em desacordo.

Em sua carta de demissão, Meyer fez referência à “fratura do evangelicalismo”, descrita em um artigo recente do site “Mera Ortodoxia” que detalha como certos grupos experimentarão “diferenças significativas na filosofia de ministério a respeito de como contextualizar o evangelho neste momento cultural”. Enquanto circulavam acusações relativas a uma tendência liberal sob sua liderança, Meyer, por sua vez, via a congregação se movendo na direção contrária, e sugeriu que um pastor do tipo “neofundamentalista” seria mais adequado para aquela congregação.

Vários líderes atuais da Bethlehem, bem como o novo presidente do Bethlehem College and Seminary (BCS), Joe Rigney, apontaram para uma taxonomia semelhante à apresentada por Kevin DeYoung da The Gospel Coalition.

“Parte do que aconteceu nos últimos cinco anos, mais especificamente, foi o surgimento de linhas de falha ou fraturas entre pessoas que compartilhavam compromissos teológicos de forma sensata”, disse Rigney em uma entrevista para a CT. Ao mesmo tempo, “tem havido uma escalada e um aumento no tom da linguagem de modo que, quando determinada questão chega a ponto de se tornar o teste decisivo, quando ela se torna algo como: ‘Ou você está conosco ou contra nós’ — em contraste com ser vista simplesmente como uma inclinação ou tendência diferente, mas dentro de um mesmo compromisso teológico compartilhado — é nesse momento que temos problemas reais e fica difícil trabalhar juntos.”

Rigney ficou conhecido por levantar preocupações sobre o “pecado da empatia”, um tópico sobre o qual escreveu no site do ministério Desiring God e discutiu em uma série de vídeos apresentada por Doug Wilson. Suas preocupações concentram-se em algo que ele vê como expectativas contemporâneas de que as pessoas se juntem, em sua dor, a outras que estejam sofrendo. Essas sensibilidades, segundo ele teme, podem ameaçar o relacionamento dos cristãos com a verdade.

“Deus nos ordena que sejamos compassivos. Ele ordena que mostremos simpatia, mas as pessoas exigem empatia e consideram uma espécie de traição se você se recusar a se juntar a elas em sua dor, em sua queixa ”, diz ele na série apresentada por Wilson. Nesse contexto de uma empatia sem limites, ele argumenta, “você perde a capacidade de realmente fazer um julgamento independente sobre qualquer coisa que as pessoas estejam dizendo ou fazendo. Em outras palavras, você perde contato com a verdade”.

Rigney reconhece que fazer críticas à empatia soa provocativo, e se esforçou para explicar e defender sua posição on-line. Mas sua opinião também repercutiu. Para este artigo, mais de 25 pessoas conversaram longamente com a CT sobre suas experiências durante o conflito na Igreja Batista Bethlehem. Muitas trouxeram à tona o conceito de “empatia irrestrita” como sendo um fator que, segundo acreditam, tenha moldado as respostas dos líderes, quando confrontados com alegações de bullying, proteção da instituição e abuso espiritual.

Três pastores ‘empáticos’

A saída de Meyer em julho veio na sequência de outras duas saídas de pastores do campus central da Bethlehem. Ming-Jinn Tong, pastor para evangelização da vizinhança, anunciou sua renúncia em maio; e Bryan Pickering, pastor de cuidados e aconselhamento pastoral, em junho. Todos os três entraram em conflito algumas vezes com o conselho composto por mais de 40 membros da congregação, e finalmente perceberam que seus próprios ministérios e o foco da igreja estavam seguindo em direções diferentes.

Um ponto de tensão foi um processo de meses para avaliar as queixas feitas contra um presbítero da Batista de Bethlehem e professor do BCS, Andy Naselli, acusado de não ser “pronto para ouvir, lento para falar, lento para irar-se” e, portanto, de ser inadequado para as posições que ocupava, após seus comentários em uma reunião da igreja. O conselho de presbíteros concluiu, em abril, que as acusações contra Naselli não eram verdadeiras, mas dos quatro presbíteros três eram pastores que discordaram na esperança de que uma investigação mais aprofundada pudesse ocorrer.

Eles sentiram pressão por não concordarem com o restante do conselho sênior, a ponto de alguns líderes mais velhos terem dito que consideravam “insustentável” que Tong e Pickering permanecessem na Bethlehem, por causa de sua discordância.

Mas a questão não foi apenas a situação em torno de Naselli. Durante uma reunião em maio, os pastores do campus central enfrentaram outros desafios de alguns membros do conselho. “Sobre o pastor Jason, o pastor Ming-Jinn e eu mesmo, outro presbítero presente à reunião disse que, quando pregamos ou oramos em público, ou nos comunicamos publicamente com a congregação, estamos subordinando o evangelho a outras coisas”, disse Pickering à CT.

Enquanto Meyer estava de licença sabática em maio, Pickering e Tong foram excluídos da programação de oração e pregação de domingo. Eles renunciaram não muito depois disso.

Meyer, cujo envolvimento na Batista de Bethlehem remonta a 1999, voltou de seu ano sabático com o que ele diz ser um claro chamado de que era hora de ele sair também. Ele descreveu seus motivos para sair em uma carta de demissão de 3.100 palavras que vazou recentemente, quase um mês depois de a igreja ter anunciado sua saída em um breve e-mail.

Ele diz que as acusações contra ele eram: “(1) que subordinei o evangelho, (2) que dei poder às vítimas (‘superproteção’) e (3) que permiti que a compaixão pelos outros dirigisse e ditasse a direção de minha liderança”.

“Em um clima de suspeita, compaixão pode parecer superproteção”, escreveu Meyer.

Um membro leigo, que frequentou a congregação por mais de uma década e pediu para não ser identificado para preservar as relações ministeriais, disse à CT que fazia sentido que Meyer, Pickering e Tong fossem os únicos a sair, já que eram vistos como “empáticos”. Para alguns, a disposição desses três pastores de ouvir e defender os fiéis, seus ensinamentos sobre raça e abuso e a liderança que exerciam no campus central da cidade consistiam em recursos especiais para a igreja.

“Ouvi várias pessoas que disseram coisas como, por exemplo, quando ouviam Jason ou Ming-Jinn pregar ou eu orar publicamente, ou viam coisas que eu postava nas redes sociais, elas se sentiam muito cuidadas, sentiam ter sido vistas ou que estavam alinhadas conosco”, disse Pickering, que liderou a igreja em oração nos domingos após a insurreição do Capitólio, a posse presidencial, o tiroteio no spa de Atlanta e o assassinato de Daunte Wright. “E se estou dizendo que não é mais um lugar em que sou capaz de dizer essas coisas publicamente e permanecer seguro, então, as pessoas pensarão: ‘Esse também não é um lugar para nós.‘”

Mas para outros, o foco dos pastores em questões de raça e abuso refletia uma filosofia diferente de ministério.

“Eu acredito que a questão não é se devemos ou não mostrar compaixão (pois devemos), mas se nossa compaixão estará enraizada no evangelho — implantada com discernimento e com a disposição de fornecer correção ou repreensão (Tito 1.13),” Steven Lee, pastor do campus Norte da Bethlehem, escreveu em resposta à carta de demissão de Meyer.

“Eu tinha uma preocupação cada vez maior de que essa compaixão que carecia de discernimento pudesse, em última instância e sutilmente, minar a sã doutrina. Observei padrões de liderança que procuravam ajudar pessoas que estavam sofrendo, mas deixaram essas mesmas pessoas ainda mais frustradas e decepcionadas.”

A queda de ‘Man Rampant’

Piper recepcionou e defendeu o pastor e autor Doug Wilson ao longo dos anos, mesmo quando ele se tornou uma figura cada vez mais polêmica no evangelicalismo, por seus ensinamentos sobre escravidão, mulheres e outras questões. Rigney é graduado pelo New Saint Andrews College, fundado pela Christ Church de Wilson, em Moscou, Idaho, e mantém laços com ele.

A entrevista de Rigney sobre o “pecado da empatia”, lançada em outubro de 2019 como o episódio de estreia, faz parte da série de Wilson chamada Man Rampant. Um ano depois, Rigney, que ensinava teologia e literatura no BCS desde 2007, foi nomeado o segundo presidente da escola, em um anúncio feito por Piper, então chanceler. Embora Rigney sirva como pastor na igreja Bethlehem em St. Paul, Cities Church, ele é o primeiro chefe do BCS que não pertence à própria Igreja Batista Bethlehem.

O Bethlehem College and Seminary cresceu a partir do centro de treinamento administrado pela igreja que data de décadas atrás. Ele fez a transição para um programa de graduação formal, que acabou ganhando reconhecimento oficial em 2015. Continua sediado no campus central de Bethlehem e, embora o BCS tenha seu próprio conselho de curadores, há uma sobreposição significativa na liderança.

“Nosso reitor acadêmico é presbítero da igreja. Cinco de nossos professores são presbíteros; quatro de nossos curadores também são”, disse Rigney. “Em termos de liderança da escola, são os mesmos caras. São os mesmos indivíduos que estão sentados em ambos os lugares. Agora, obviamente, sou pastor em uma igreja à parte, mas essa igreja tem o mesmo compromisso doutrinário que a Bethlehem tem ”.

Com Rigney programado para liderar a faculdade e o seminário, alguns temiam que suas visões teológicas e afiliações se confundissem com as de Bethlehem — especificamente suas preocupações sobre empatia, discutidas na entrevista de uma hora a Wilson (que agora está no YouTube).

Janette e Steve Takata, que participaram e serviram em Bethlehem desde 2003 e 1990, respectivamente, estavam preocupados o suficiente para que Janette fizesse uma moção na reunião trimestral da igreja, em janeiro. Ela solicitou que, antes de Rigney assumir o cargo, os presbíteros fizessem uma declaração para “separar” as visões de Rigney no episódio das “visões e ensinamentos da Igreja Batista Bethlehem”.

Janette Takata apontou que Rigney era identificado como sendo de “Bethlehem” no vídeo, e que um professor do BCS e presbítero de Bethlehem postou uma avaliação que dava cinco estrelas ao episódio. Ela questionou como aquela mensagem, na qual Rigney e Wilson discutiam exemplos de mulheres que usaram manipulação emocional ou falsa alegação de abuso, se encaixaria com o próprio ministério da igreja para cuidar das vítimas.

Naselli, professor associado de teologia e Novo Testamento do BCS, manifestou-se para se identificar como a pessoa que fez a avaliação que deu cinco estrelas ao episódio e disse que, se a moção fosse aprovada, ele pediria demissão. A ameaça efetivamente encerrou a discussão. Os Takatas ficaram chocados com a resposta. Nas semanas seguintes, enquanto a igreja tentava fazer as pazes entre eles e Naselli, o casal se sentiu difamado no processo, pois o professor passou a caracterizar sua moção como divisiva e desrespeitosa.

As preocupações dos Takatas rapidamente se tornaram maiores do que as que motivaram a moção, e eles entraram com queixas, desafiando as qualificações de Naselli como presbítero. Essa discussão trouxe à tona questões subjacentes e diferenças filosóficas, inclusive sobre o assunto das próprias observações de Rigney.

“A atitude por trás da moção é facilmente interpretada como a de alguém ofendido ou magoado, e transforma essa ferida ou ofensa em uma cruzada”, escreveu Naselli em um e-mail para outros presbíteros, em fevereiro, referindo-se à ofensiva como uma forma de “cultura do cancelamento”.

Naselli afirmou que reagiu na reunião por se preocupar em desacreditar Rigney antes que este assumisse a presidência, depois de o BCS ter passado por um cuidadoso e minucioso processo de seleção para escolhê-lo. Mas também viu a discussão como um símbolo que apontava para as outras questões que se agitavam em torno de Bethlehem.

Ele disse aos presbíteros:

Nos últimos anos, tenho sofrido muito por nossa igreja, em relação a como abordamos a harmonia étnica e questões afins em nossa cultura, entre elas a política partidária, a teoria crítica, a teoria crítica da raça, a interseccionalidade, o movimento “Vidas negras importam” etc.

Sinto como se tivéssemos nos deparado com sucessivas ondas, e em um esforço de boa fé para manter a paz e alguma forma de unidade, não falamos com clareza suficiente sobre o que é verdadeiro e o que é falso e, em vez disso, tentamos apaziguar as pessoas de tendência esquerdista que estão virtualmente insatisfeitas…

Quando os Takatas finalmente se encontraram com Naselli e os líderes da igreja, eles viram que “há mais linhas divisivas sendo formadas aqui do que esperávamos”, disse Janette à CT. E insistiram que Naselli pecou contra eles “ao explicar e negar”, em vez de procurar entender. Também disseram que ele “nos acusou falsamente de insubordinação a um pastor e de agir de maneira intencionalmente divisiva”.

Mas Naselli, de acordo com as transcrições dos Takatas, falou sobre a diferença entre intenção e impacto e, em última análise, não viu sua resposta como pecaminosa. “Eu sinto terrivelmente por tê-los magoado; eu reconheço isso e me arrependo, sinto muito”, disse ele. “Não estou convencido de que pequei contra vocês. Eu não tive nenhuma intenção de má fé contra vocês. ”

Mais tarde, ele se desculpou por não ter sido mais rápido em ouvi-los, tanto no momento quanto nas discussões posteriores sobre o incidente, embora em abril os presbíteros tenham considerado as queixas contra ele infundadas. Naselli não respondeu aos vários pedidos da CT para comentar essa história.

O discurso direto de Andy Naselli

A notícia das queixas oficiais contra Naselli, um dos professores mais conhecidos do BCS, espalhou-se entre seus cerca de 400 graduados. Ele é muito respeitado por seu conhecimento e rigor, tendo finalizado dois PhDs (em Bob Jones e Trinity Evangelical Divinity School) antes de completar 30 anos. Ele escreve para The Gospel Coalition e tem servido como assistente de pesquisa de longa data para D. A. Carson.

Naselli frequentemente começava o semestre com uma explicação da terminologia de Malcolm Gladwell sobre discurso direto versus discurso mitigado — sendo direto os comandos que você dá quando um avião está caindo, e mitigado, as sutilezas que você usa como uma questão de cortesia. As implicações eram claras: ele não seria açucarado nas aulas desta matéria.

Mesmo com o aviso, houve momentos em que o tom e o comportamento na sala de aula se intensificaram em contraste com outros no BCS. Quatro alunos relembraram intensos debates, em seu curso de graduação de 2019, sobre ética e apologética cristãs. Em uma aula, Naselli discutiu com aqueles que discordaram dele sobre o mal ter sido criado, a ponto de cerrar os punhos, grunhir e chamar a posição oposta de “quase uma heresia”. Ele acusou um estudante de “diluir a Bíblia com sua compreensão do mal e de sua existência”, de acordo com Brax Carvette.

“Isso foi desconcertante para mim. Aprendemos Agostinho na aula de doutrina”, disse Carvette. “Foi uma discussão muito acalorada. Fiquei muito desapontado. Até este ponto, eu o achava um cara muito legal e de posição autoritativa em seu ensino”.

À medida que o debate e os xingamentos aumentavam, Jeffrey Hall se juntou ao grupo de estudantes que defendia a posição agostiniana do mal como privação ou como ausência do bem. Sua experiência na aula o levou a ouvir outras pessoas que foram publicamente desafiadas por Naselli, e ele trouxe preocupações de uma dúzia de alunos aos líderes da igreja no BCS, no ano seguinte.

O BCS é uma escola confessional em que os professores ensinam a partir de sua declaração de fé de 52 páginas, mas a qual alunos de outras tradições podem frequentar. A maioria, porém, vem por meio do movimento Young, Restless, and Reformed. Eles são atraídos pela teologia reformada e pelo hedonismo cristão de Piper, que se reflete no lema da escola: “Educação em sóbrio contentamento”.

“Em uma sala de aula repleta de homens que dariam suas vidas pelo evangelho, ver alguém, que supostamente está preparando você para o ministério, duvidar de seu compromisso com esse evangelho porque você não está convencido de que ele está certo sobre tudo é algo realmente difícil de lidar”, disse Karl Grant, que estudou com Naselli no seminário na condição de único luterano do programa. “Ele tinha o poder de simplesmente me destruir. Eu costumava me perguntar se eu era muito mole. Agora eu me pergunto por que ele era tão duro”.

A queixa apresentada por Hall foi uma das duas oficiais apresentadas contra Naselli, no ano passado. Tabb e outros líderes do BCS conduziram a investigação das queixas dos ex-alunos, que foi concluída em agosto passado. Alguns atuais alunos do seminário dizem que ficaram satisfeitos com o resultado e viram o arrependimento do professor após o processo de investigação.

Embora o processo tenha sido feito com a aprovação dos pastores da Bethlehem e do presidente do conselho, alguns queriam que a igreja conduzisse sua própria revisão de Naselli no ano passado. Mesmo antes da seleção de Rigney e da investigação de Naselli no BCS, os líderes da igreja começaram a repensar o que significava para a faculdade e o seminário ser uma escola “baseada na igreja”, quando a igreja agora tem três campi em vez de um. Kenny Stokes, pastor e presbítero da Bethlehem e também professor associado e curador da BCS, disse à CT que eles estão atualmente em discussão para esclarecer protocolos e políticas entre as duas instituições.

No ano passado, Pickering e Meyer pediram demissão de seus cargos de ensino no BCS, tendo Pickering citado entre seus principais motivos reclamações “flagrantes” de estudantes contra um “professor-presbítero”. Ele também se opôs à escolha de Rigney como presidente por complicar o relacionamento do BCS com a igreja e por suas afiliações a Wilson. Meyer também havia renunciado ao conselho de curadores do BCS.

Quando Christina Boyum, uma graduada da faculdade, discutiu o que aconteceu na classe de Naselli com um membro da igreja Bethlehem, ela ouviu: “O fato de um aluno se sentir magoado não significa que alguém pecou contra esse aluno. Não há mal no fato de alguém se sentir magoado”.

A ex-aluna do BCS ouviu ainda desse mesmo membro: “Viemos de uma geração em que a filosofia de ensino de Naselli — e a de Don Carson — é inteiramente normal. Eles estão tentando nos endurecer. O aluno está aprendendo a não se deixar levar por suas emoções. Esta geração — os jovens — não está sendo preparada corretamente para sobreviver no mundo em que se encontrará”.

Essa ideia surgiu no discurso cultural com termos mais carregados e, muitas vezes, menos teológicos: a excessivamente sensível “geração floco de neve”, o debate sobre alertas de gatilho e o best-seller de 2018 The Coddling of the American Mind.

Em Bethlehem, Rigney disse, “queremos tirar essa superproteção da mente americana, ou pelo menos da mente cristã. Não queremos esse tipo de escalada, exagero e fragilidade em jogo. Isso faz parte de toda a nossa abordagem educacional” (Ele se recusou a comentar sobre Naselli ou quaisquer membros específicos do corpo docente.)

Christina Boyum disse que foi por causa de seu treinamento na Bethlehem que ela sentiu que deveria levantar essas preocupações. No geral, seus professores e pastores “modelavam uma maneira de interagir com o mundo que não se baseava no medo e na suspeita, mas sim em abertura e pensamento crítico”.

“Há muito que amo em Bethlehem. Francamente falando, só tenho essas preocupações porque me formei em nosso programa de graduação. Acredito que certos aspectos da cultura do BCS são inconsistentes com a missão e visão que passei a amar ”, disse ela. Ela fez referência aos seis hábitos que moldam a educação no BCS: observar, compreender, avaliar, sentir, aplicar e expressar. “Quando falamos sobre os seis hábitos do coração e da mente, [precisamos] realmente fazer isso”.

Rigney disse que, como hedonistas cristãos, o sentimento se torna um diferencial educacional no BCS. “Nós valorizamos muito a educação em sóbrio contentamento e, portanto, achamos que as emoções são importantes”, disse ele. “O ponto-chave das várias maneiras — talvez eu esteja sentindo isso mais diretamente agora — é a maneira que nossas reações emocionais à realidade precisa estar de acordo com a realidade”.

Rigney reconhece o abuso espiritual como algo que acontece em contextos cristãos, mas também desafiou o que vê como a possibilidade da crítica ou correção, a partir de uma posição de autoridade, vir a ser “exagerado” como abuso. Da mesma forma, Lee, no campus Norte de Bethlehem, referiu-se às acusações de abuso espiritual contra Naselli como fruto de uma “deformação de conceito”, sugerindo que as concepções de abuso e vitimização estão sendo excessivamente ampliadas.

Harmonia étnica

No ano passado, enquanto o reitor acadêmico do BCS, Brian Tabb, analisava as queixas dos alunos contra Naselli, a escola também passou por uma investigação à parte, em resposta a um grupo de funcionários atuais e ex-funcionários que levantaram preocupações genéricas sobre a liderança e a cultura no local de trabalho, entre elas a posição das mulheres e das minorias na escola. A investigação descobriu que as políticas do BCS não violavam as leis para o local de trabalho. A escola também contratou sua única professora, Betsy Howard, este ano.

Na conclusão das duas investigações, Johnathon Bowers — que lecionou por uma década no BCS — não se sentiu melhor quanto às crescentes reservas que tinha sobre seu lugar na faculdade. “Não há um fator único que me tenha afastado desta escola. Vários fatores foram se combinando ao longo do tempo”, escreveu ele em sua carta de demissão no ano passado.

Bowers era um professor que ansiava pelo primeiro dia de aula todos os anos e adorava interagir com os alunos — e isso era algo que se notava. Tabb, em um e-mail de outubro de 2020 em que anunciava os últimos dias de Bowers no BCS, descreveu-o como alguém “amado pelos alunos e colegas por seu ensino de excelência, seu bom humor, sua compaixão pelos marginalizados e sua amizade fiel”.

Custou-lhe muito deixar a sala de aula. Ele disse que sentiu a convicção de que não poderia, em sã consciência, permanecer no BCS, e, no final de 2020, sua família também deixou a igreja Bethlehem.

Entre suas preocupações, o ex-professor assistente de teologia e filosofia escreveu que os líderes usavam “as Escrituras ou vocabulário cristão para desabonar reclamações de funcionários e alunos” e que ele se sentia pressionado a “pisar em ovos” quando tratava de progresso racial. Bowers disse que no BCS, “O movimento ‘Vidas negras importam’ parece mais ameaçador do que o racismo que tornou essa frase necessária”.

Ele também expressou receio em relação ao tratamento dispensado às mulheres, que ele dizia ser resultado de atitudes que iam além das convicções com o complementarismo e giravam em torno dos laços de Rigney com Wilson.

Piper respondeu ao relato de Bowers em um e-mail dirigido à comunidade do campus, dizendo que a caracterização de Bowers não se alinhava com a sua, como chanceler.

“Se você descobrir com o tempo que as percepções de Johnathon são verdadeiras, você certamente procurará outro lugar para estudar ou trabalhar. E, nesse caso, a escola certamente murchará e morrerá. Como deveria mesmo”, escreveu ele. “Mas se você vê o que eu vejo, e se você sente que esta é uma comunidade (composta de liderança, corpo docente e alunos) amorosa, solidária e justa, e se compartilha do meu entusiasmo sobre o futuro debaixo da liderança de Joe Rigney e sob a providência misericordiosa de Deus, então, acredito que caminharemos juntos em verdade e amor, e teremos um grande impacto para a glória de Cristo”.

A sensibilidade em relação ao movimento “Vidas negras importam” e as abordagens divergentes às questões raciais contemporâneas têm um impacto particularmente forte sobre a comunidade de Bethlehem. Muitos no BCS, incluindo o próprio Bowers, foram influenciados pelo livro de Piper, Bloodlines, de 2011, em que este faz uma confissão de seu próprio racismo e seu desejo por diversidade.

A discussão cristã sobre o racismo percorreu um longo caminho nesses 10 anos desde o lançamento de Bloodlines, e ganhou mais peso em meio à recente série de assassinatos de alta repercussão, causados por policiais — três deles apenas na área de Mineápolis: os assassinatos de Philando Castille, George Floyd e Daunte Wright . Ao mesmo tempo, aumentaram as preocupações em torno do pensamento secular sobrepor-se às abordagens bíblicas sobre raça, principalmente em relação à teoria crítica da raça.

“Eu não comecei a experimentar conflitos regulares até que comecei a defender questões de justiça racial”, disse Bowers à CT.

Os três pastores que deixaram Bethlehem moravam a poucos quilômetros de onde George Floyd morreu em 2020. Para ajudar a comunidade nos tumultos e na tristeza que se seguiram à morte de Floyd, Tong liderou esforços na igreja que incluíram a abertura de mercearias de emergência.

Filho de pais taiwaneses e nascido nos Estados Unidos, Tong também usou trajes tradicionais chineses ao pregar no domingo, após o tiroteio na casa de massagens de Atlanta. Ele e Pickering, que leram os nomes das vítimas em oração naquela semana, receberam críticas de um colega presbítero por mencionar a raça como um componente do incidente.

Os alunos também notaram os efeitos, quando professores foram ficando menos dispostos a encontrar mérito em conceitos que passaram a ser associados à teoria crítica da raça, como o conceito de viés institucional. “As barreiras continuam aumentando”, disse Josh Panos, um ex-aluno do BCS. “Há coisas que os professores admitiam no contexto das salas de aula quando eu comecei o curso que eles não estariam dispostos a admitir agora.”

Bethlehem usa a expressão “harmonia étnica”, pois acredita que etnia se encaixa melhor com as categorias culturais descritas na Bíblia do que raça, que é algo principalmente biológico ou físico. A igreja formou uma força-tarefa para tratar de assuntos relacionados à harmonia étnica em 2019 e revisar questões como representatividade e diversidade dentro da igreja e da liderança.

O grupo enfrentou resistência de presbíteros e pastores, os quais temiam que sua abordagem se concentrasse apenas nos pontos em que Bethlehem não estava fazendo o suficiente em questões de raça. Então, as descobertas do grupo não foram divulgadas para a igreja como um todo senão um ano e meio após o envio do relatório aos presbíteros. No final, sete dos dezessete membros originais da força-tarefa acabaram deixando Bethlehem, o que alguns presbíteros viram como uma confirmação de que suas dúvidas sobre o grupo eram justificadas.

Em fevereiro de 2021, a igreja divulgou uma declaração sobre harmonia étnica que afirma o amor dos cristãos aos próximos de todas as linhas étnicas, mas nega que “a diversidade étnica deva ser um fim em si mesma” e rejeita “todos os sistemas de pensamento que veem os relacionamentos principalmente através das lentes do poder —isto é, que consideram que aqueles com mais poder são inerentemente opressores e aqueles com menos poder são inerentemente oprimidos”.

Como em muitas igrejas evangélicas de maioria branca, alguns membros da congregação acreditavam que a igreja estava se esforçando muito pouco para abordar a harmonia étnica e a justiça, enquanto outros achavam que o foco estava demasiado.

O campus do centro da cidade era o mais diversificado dos três, com pessoas de cor que representavam 21% dos participantes. Meyer disse à sua congregação que esperasse que questões de raça continuassem a ser tratadas do púlpito. No domingo após a morte de George Floyd, ele pregou sobre o racismo e conclamou a igreja a se solidarizar com aqueles que estão sofrendo. Meyer disse: “Se você, como igreja, não gosta do que eu disse hoje, você terá que encontrar outro pastor, porque eu acredito nisso até a raiz do cabelo”.

Repensando o abuso

A questão do abuso também tem repercussão especial em Bethlehem. Nos anos após a saída de Piper, em 2013, a Bethlehem tinha suas próprias estimativas sobre o abuso doméstico em casamentos pautados no complementarismo. Meyer pregou em 2015 contra os perigos da “hiperliderança” e argumentou que não fazer nada, quando confrontado com o abuso, é ficar do lado do agressor. A igreja passou a revisar sua posição sobre o divórcio e começou uma equipe ministerial de resposta para cuidar das vítimas.

Olhando para trás, Pickering, como conselheiro, gostaria que a igreja tivesse estabelecido uma compreensão do abuso sistêmico antes de voltar seu enfoque para o abuso doméstico, em 2015.

Teria sido mais fácil, disse ele, passar da compreensão do abuso dentro de instituições e sistemas, como pode ser o caso com o abuso espiritual e o racismo, para outras formas, como o abuso que se manifesta nas relações matrimoniais. Mas é mais difícil mudar o pensamento das pessoas para o outro lado, embora mais recursos — livros como Something’s Not Right: Decoding the Hidden Tactics of Abuse — and Freeing Yourself from Its Power, de Wade Mullen e A Church Called Tov: Forming a Goodness Culture That Resists Abuses of Power and Promotes Healing , de Laura Barringer e Scot McKnight — estejam mudando a forma como as pessoas veem o abuso dentro da igreja.

Os líderes da comunidade de Bethlehem, porém, disseram que temem que as novas sensibilidades estejam prejudicando sua capacidade de pastorear e cuidar daqueles que estão sob seus cuidados. Rigney, do BCS, lamentou o desafio de reagir “se uma palavra mais dura imediatamente se tornar um abuso”. Lee, do campus Norte, está preocupado com o fato de que mesmo uma reação delicada e gentil corra o risco de ser incompreendida. “Existe uma maneira de repreender ou advertir quando alguém está sofrendo?”, perguntou ele.

Sarah Brima e seu marido, ex-membros da Bethlehem e da Cities Church de Rigney, saíram em parte por causa de sua afiliação com Wilson. Ela descreveu como foi difícil deixar uma igreja que ajudaram a plantar, mesmo quando surgiram divergências sobre raça e gênero. “Essas igrejas são realmente peso pesado em termos de teologia, nós mantemos nossa teologia em um patamar tão alto que, quando estávamos saindo da igreja, parecia que estávamos deixando a ortodoxia ao deixar nossa igreja”, disse ela à CT. “Se é assim que você se sente, provavelmente há algum problema.”

Brima, uma mulher branca cujo marido é negro, disse que viu a ideia de “empatia como pecado” ser usada como proteção contra críticas e acredita que ela pode causar “danos sem igual” às mulheres e às minorias, aparentemente minimizando seus sentimentos e experiências. “Quando nos deparamos com questões que atingem o âmago da identidade de uma pessoa, é natural ter respostas viscerais”, ela tuitou. “E essa resposta, é claro, é rotulada como imatura, manipuladora e reativa.”

No domingo passado, os campi da congregação começaram a se reunir para discutir a carta de Meyer e os motivos de sua renúncia. As partidas afetam mais diretamente o campus do centro da cidade, onde Stokes, pastor de plantação de igrejas de Bethlehem, assumiu algumas das funções de Meyer no curto prazo.

Durante os momentos difíceis dos últimos meses, ele se lembrou de Tiago 3.17 (ESV): “Mas a sabedoria do alto é primeiramente pura; depois, pacífica, gentil, aberta à razão, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sincera”. Enquanto o campus central sofre a perda de líderes e amigos de longa data, Stokes disse que continua a responder a perguntas, mas tem a sensação de que quase todos os membros restantes estão comprometidos em ficar.

Lee, no campus Norte, disse à CT que sua congregação, a maior da Bethlehem, foi incentivada a usar de franqueza na discussão e está pronta para seguir em frente. Ele desafiou seu rebanho a considerar a própria experiência à luz das alegações de Meyer de desvio em direção ao “neo-fundamentalismo” e à “cultura de unidade”.

“Temos espaço para crescer, mas sei que meus companheiros presbíteros do campus Norte têm procurado pastorear não por obrigação, mas de livre vontade; não por ganância, mas com o desejo de servir; e não como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho (1Pedro 5.2-3)”, escreveu Lee por e-mail.

Abigail Dodds, que frequenta o campus Norte, disse que a maioria permanece confiante na liderança da igreja — não com uma lealdade cega, mas com base no conhecimento pessoal de seu caráter — e que ela viu uma “unidade renovada em torno da Palavra de Deus e uma profunda esperança em Cristo entre os nossos membros”, nas últimas semanas.

“Bethlehem está nas mãos de Deus”, disse ela. “Ele não precisa de nós, mas por sua graça e por meio de seu Filho, pertencemos a ele. Continuaremos a nos confiar a ele em todas as circunstâncias”.

Discernindo a verdade

Igrejas e instituições evangélicas em todo o país estão tentando navegar nas águas de suas próprias divisões, mas o processo pode ser doloroso. Stokes disse que mesmo sem haver acusações de heresia ou de um falso evangelho, mas apenas diferenças de abordagem, “a discussão pode parecer muito pessoal. Desentendimentos nesta área podem parecer ataques pessoais ou ataques doutrinários, quando na verdade não são nenhum dos dois”.

A situação em Bethlehem destaca não apenas certas questões que estão sendo debatidas, mas também as filosofias conflitantes que moldam as respostas dos cristãos: Estamos nos acomodando tanto aos sentimentos que clamamos “pecado” onde não há pecado? Não estamos nos importando o suficiente com nossas responsabilidades para chorar com aqueles que choram? E há pessoas de ambos os lados que estão colocando a verdade contra a graça e distorcendo o caminho de Jesus?

Em Bethlehem, a maior fonte de frustração e decepção, em muitos casos, não veio das queixas em si, mas da resistência e das atitudes que as pessoas disseram ter enfrentado quando tentaram trazer à luz essas queixas.

Ann Mekala e seu marido, que faziam parte da força-tarefa responsável por questões de harmonia étnica, deixaram a igreja alguns anos atrás. Ela também deixou seu emprego no Campus Outreach de Bethlehem, depois de relatar o que considerou um comportamento dominador e sexista de um colega de trabalho e de apenas obter como resposta a reação dos líderes de culparem a personalidade e as ambições dela pelo conflito, disse Ann. Ela rotulou o episódio de “abuso duplo”.

Os Takatas, assim como o grupo de ex-alunos de Naselli, sentiram que também haviam passado por um processo complicado de orar, relatar, documentar, agendar, reunir-se e trabalhar para a resolução, mas apenas para ver o processo terminar sem sentir que suas preocupações foram totalmente compreendidas e que nada mudaria em decorrência disso.

Enquanto isso, os presbíteros da igreja e a administração do BCS concluíram que os processos funcionaram amplamente como deveriam, mas chegaram a uma conclusão diferente daquela dos que apresentaram as queixas. Na visão deles, alegações de comportamento impróprio ou de abuso nem sempre serão justificadas. Sentir-se magoado nem sempre é um sinal de que alguém pecou. Eles ficaram desapontados, também, pelo fato de que sua busca por evidências e pela verdade passou a ser vista como algo que desacreditava as vítimas ou que não demonstrava compaixão.

“Uma das coisas que surgem na discussão sobre abuso é que os abusadores e suas comunidades manipulam e minimizam o que fizeram”, disse Rigney. “Você vai ter pessoas em lados opostos dizendo que estão transformando montinhos de areia em montanhas, e outras pessoas dizendo que você está transformando montanhas em montinhos de areia. Parte do que quero dizer é que realmente há uma resposta para essa pergunta”.

Ambos os lados em um conflito querem saber o que de fato aconteceu; como cristãos, eles corretamente se empenham em trabalhar em prol da justiça e da reconciliação onde podem. Contudo, em contextos em que os crentes já concordam com a Verdade com V maiúsculo, há ainda mais peso e êxodo, quando as pessoas deixam de ver a postura do olho no olho em relação a uma situação de verdade com V maiúsculo.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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