Palavra de Paulo à polícia: proteja os fracos

Como os cristãos negros há muito entenderam, o Novo Testamento tem uma forte teologia de aplicação da lei.

Christianity Today September 14, 2020
Source images:Library of Congress / Wikimedia Commons / Aijohn784 / Getty

Cresci em um bairro pobre em Huntsville, Alabama. Quando tinha 16 anos, eu estava confiante em que o futebol americano seria meu caminho para a faculdade. As cartas e os telefonemas de treinadores universitários haviam começando a chegar. Tudo o que eu precisava fazer era atuar em campo, manter minhas notas e evitar problemas.

Por “problema”, não quis dizer meu próprio comportamento. Eu estava com medo de ser assediado pela polícia e de me ver em alguma circunstância que saísse do controle.

Cheguei à maioridade após o incidente de Rodney King, o que confirmou meus temores com relação à polícia. Mas “dirigir sendo negro” não foi um problema a que simplesmente assisti no noticiário. Foi algo que vivenciei.

Certa noite, em meu primeiro ano colegial, meus amigos e eu tínhamos planos de ir ao shopping e, depois, a uma festa na mesma parte da cidade. Paramos em um posto de gasolina a fim de comprar lanche e combustível antes de continuar com as festividades da noite. Depois que terminei de encher o tanque, voltei para o carro e me preparei para sair. Foi quando percebi que um veículo utilitário esportivo preto havia parado bem atrás de nós. Um segundo parou à minha esquerda e outro estacionou na frente do meu carro. Achei que estava sendo assaltado, mas quem roubaria alguém em um posto de gasolina bem iluminado?

Quando a polícia saiu dos veículos, percebi o que estava acontecendo. “Ponha as mãos onde possamos vê-las”, disse um oficial.

“Não vou pôr minhas mãos em lugar nenhum”, respondeu um de meus amigos.

Naquele momento, meu futuro passou diante de meus olhos. Todo o meu planejamento fora em vão? Eu tinha trocado meus sonhos por um saco de batatas fritas e alguns galões de combustível?

Disse ao meu amigo que ficasse quieto e fizesse o que o policial havia ordenado. Quando o policial mandou que saíssemos do carro, obedecemos. Eu lhe perguntei o que estava acontecendo. Ele respondeu que aquele posto de gasolina específico era um conhecido centro de venda de drogas e que ele nos vira negociando drogas. Não pude deixar de pensar que o local também era conhecido por vender combustível. Mas o que poderíamos fazer?

A coisa toda durou menos de 20 minutos. Eles não encontraram nada em sua busca. Eu esperava algum pedido de desculpas, alguma explicação adicional de por que nos detiveram, a não ser por sermos jovens e negros. Em vez disso, eles nos devolveram nossos documentos e nos disseram que estávamos livres para partir.

Mas não me senti livre. Eu me senti impotente e com raiva. Eu tinha chegado muito perto de perder tudo: a bolsa de estudos, o caminho para sair da pobreza e a chance de ajudar minha família. Fui brevemente aterrorizado.

Ao longo dos anos, fui parado entre sete e dez vezes, na estrada ou em espaços públicos, por nenhum crime além de ser negro. Pessoas que amo também foram detidas, revistadas, acusadas e humilhadas, com pouca ou nenhuma justificativa legal. Essas revelações podem dar a impressão de que não gosto de policiais. Pelo contrário, conheci muitos bons. Reconheço os perigos que enfrentam e as dificuldades inerentes à vocação que escolheram. Mas ter um trabalho difícil não os absolve das críticas; simplesmente posicionam a crítica em uma estrutura mais ampla, que tem de incluir a história da polícia nos Estados Unidos – sua aplicação legal da discriminação racial e o terror que impuseram aos negros.

O lodo escuro dessa história foi trazido à tona por eventos recentes, principalmente o assassinato de George Floyd nas mãos da polícia. Os muitos manifestantes que marcharam nas ruas de nosso país testemunham que Floyd não é o primeiro. Os negros americanos estão “sob os joelhos” não há dias ou semanas, mas há séculos, e essa opressão cumulativa está mais uma vez na frente e no centro de nossa consciência nacional.

Como um país que tenta acertar a questão da ação policial, recorremos a livros, podcasts, conversas em praça pública e projetos nas comunidades. Tudo bacana e bom. Mas, como crentes, devemos voltar nossos olhos para as Escrituras, não a fim de encontrar textos que nos provem algo, mas para pensar teologicamente sobre como o estado policia seus cidadãos. O Novo Testamento, em particular, aponta para uma teologia do policiamento que é frequentemente negligenciada por leigos, clérigos e, até mesmo, estudiosos. (Leia o ensaio complementar de Michael LeFebvre sobre policiamento e o Antigo Testamento, também na edição de setembro da CT).

Surpreendentemente, esse assunto ganhou muito pouca reflexão nas obras-padrão sobre a ética do Novo Testamento. Algo passou despercebido. O tratamento que o estado dispensa aos seus cidadãos não é um assunto estranho ao Novo Testamento, e os negros que procuram esses textos vão de fato encontrar socorro e esperança. Tomadas como um todo, essas passagens são absolutamente fundamentais para pensarmos sobre o futuro do policiamento nos Estados Unidos.

O Novo Testamento fornece as bases de uma teologia cristã de policiamento em duas passagens. A primeira é Romanos 13.1-7, um texto muito difamado e incompreendido. As palavras de Paulo sobre “a espada” dizem respeito diretamente à questão de como o estado policia seus cidadãos.

À primeira vista, os primeiros versículos de Romanos 13 podem não parecer um trecho produtivo para começar. Diz o texto:

Todos devem sujeitar-se às autoridades, pois toda autoridade vem de Deus, e aqueles que ocupam cargos de autoridade foram ali colocados por ele. Portanto, quem se rebela contra a autoridade se rebela contra o Deus que a instituiu e será punido. (Rm 13.1-2)

O foco dessa passagem parecem ser os indivíduos, não o estado. Além disso, Paulo diz às pessoas que se submetam às autoridades, porque quem está no poder foi posto lá por Deus. Aqueles que resistem correm o risco de se opor à vontade divina.

A falta de qualificação de Paulo, aqui, tem sido motivo de preocupação tanto para leitores leigos quanto para estudiosos. Como Leander Keck escreve em seu comentário de Romanos: “Não é a opacidade desta passagem que angustiou e dividiu os intérpretes, mas sua clareza”.

Paulo está argumentando que a resposta cristã adequada aos maus-tratos não é a revolução, mas a obediência? E nossa única esperança é, então, a correção escatológica dos erros do outro lado desta vida? Sim, essa imagem escatológica é importante, mas Paulo tem mais em mente. Suas palavras sobre submissão à autoridade devem ser lidas à luz de um contexto muito mais amplo.

Primeiro, temos de olhar para o estudo de Paulo sobre o faraó. Seu uso da narrativa do faraó é quase universalmente ignorado nos estudos de Romanos 13, mas fornece uma base essencial para uma teologia de policiamento biblicamente informada. Paul escreve:

Pois as Escrituras afirmam que Deus disse ao faraó: “Eu o coloquei em posição de autoridade com o propósito de mostrar em você meu poder e propagar meu nome por toda a terra” (Rm 9.17).

De acordo com o apóstolo, Deus é glorificado por meio do julgamento de reis iníquos. O faraó estava envolvido na exploração econômica, na escravidão e no tratamento severo de Israel, e Deus o removeu por causa de seu governo injusto e tirânico.

Como Paulo observa, a destruição de faraó por Deus foi decretada em parte por meio de Moisés. A história do faraó, então, nos dá um exemplo de Deus removendo autoridades por meio de agentes humanos. Mais especificamente, o interesse de Paulo nessa história mostra que sua proibição contra a resistência não é absoluta.

Em segundo lugar, temos de entender a visão de Paulo sobre o estado. Embora as palavras de Paulo aos indivíduos tenham recebido a maior parte da atenção dos exegetas, seus comentários sobre o estado fornecem um quadro mais completo.

O apelo de Paulo à submissão ao estado é baseado em uma descrição do que o próprio estado deve fazer:

Pois as autoridades não causam temor naqueles que fazem o que é certo, mas sim nos que fazem o que é errado. Você deseja viver livre do medo das autoridades? Faça o que é certo, e elas o honrarão, pois a autoridade é ministro de Deus para o seu bem. Mas, se você fizer o mal, então tenha medo, porque não é sem motivo que a autoridade traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar quem pratica o mal. (Rm 13.3-4).

Para entender essas palavras sobre a espada, precisamos compreender que, na época de Paulo, os soldados desempenhavam o papel de policiais. Eles eram uma “unidade organizada de homens sob comando oficial cujas funções envolviam manter a ordem pública e o controle do estado em um ambiente civil”, escreve Christopher J. Fuhrmann, em Policing the Roman Empire. Embora os soldados não funcionassem exatamente como os policiais modernos, eles eram, na verdade, o que havia de mais próximo de uma força policial.

Nos versículos 3 e 4, Paulo enfoca as autoridades, não os próprios oficiais. Ele parece reconhecer que a atitude de um soldado com os residentes da cidade será determinada em grande parte por aqueles que dão as ordens. O problema, se houver, não reside apenas naqueles que empunham a espada, mas naqueles que os comandam. Em outras palavras, o foco de Paulo aqui não está nas ações individuais, mas sim nas estruturas de poder.

Um estudante cuidadoso de Paulo pode objetar a essa interpretação apontando o versículo 3, onde Paulo diz que os governantes (que controlam a polícia) não são um terror para aqueles que praticam boa conduta. Ele afirma isso como um fato. No entanto, dada a capacidade de Deus de julgar nações e governantes por práticas corruptas, é evidente que Paulo está falando sobre um ideal. Seu mandato de “fazer o que é bom” pressupõe que os próprios governantes estão discernindo a diferença entre conduta correta e conduta errada. Essa pressuposição é a chave.

Claramente, Paulo sabe que alguns governantes são um terror para os que são bons. Seu estudo sobre o faraó, no capítulo 9, torna isso claro. No capítulo 13, Paulo passa a delinear as responsabilidades dos governantes sem abordar diretamente o problema dos governantes malignos. Nesse contexto mais amplo, somos livres para preencher a lacuna com sua referência ao Egito e ao relato bíblico mais amplo.

O que, então, o enfoque de Paulo nas estruturas de poder significa para hoje? A aplicação parece bastante evidente. Nos Estados Unidos, temos de enfrentar o fato de que o racismo foi baseado no pecado corporativo e institucional e alimentado pelo poder de policiamento do estado. Ao longo de séculos, não décadas, nosso governo elaborou leis destinadas a privar os negros de direitos. Essas leis foram, então, aplicadas pela espada do estado.

Pela lógica da teologia de Paulo, o mesmo governo que cria estruturas cívicas tem a responsabilidade de discernir o que é justo, desfazer quaisquer injustiças e corrigir os erros do sistema. Conclui-se, também, que nós, como cidadãos cristãos, temos o dever cívico de responsabilizar esses governantes ou as autoridades eleitas pelas ações de seus agentes ou oficiais.

A visão de Paulo sobre o policiamento também se origina de uma teologia cristã das pessoas. Essa teologia nos lembra que Deus é nosso criador e o estado é apenas um mordomo, um zelador. Ele não nos criou e não nos possui ou nos define. Com isso em mente, estamos sendo os cristãos que Deus nos chama para ser quando lembramos ao estado dos limites de seu poder.

Tomadas em conjunto, na narrativa mais ampla do Antigo e do Novo Testamentos, as palavras de Paulo apontam para uma direção clara. Sim, ele fala sobre a responsabilidade do cristão de obedecer ao governo. Isso é bom. Não queremos anarquia. E, sim, ele nos convida a reconhecer as potenciais boas realizações do governo. Mas as palavras sobre submissão vêm no contexto de sua exortação mais ampla, chamando os governos a administrar com justiça o seu poder.

E quanto aos policiais? Existe um modelo bíblico para os indivíduos que representam o estado? Se o soldado é o que havia de mais próximo de um policial moderno, então os encontros com soldados no Novo Testamento podem nos fornecer informações importantes. No Evangelho de Lucas, o ministério de João Batista nos dá uma visão clara e contundente do comportamento policial ideal.

Primeiro, é importante lembrar como João Batista atua na narrativa cristã mais ampla. De acordo com os escritores dos evangelhos, Deus designou João como arauto do Messias vindouro e da era messiânica. Todos eles o associam à figura descrita em Isaías: “Ele é uma voz que clama no deserto: ‘Preparem o caminho para a vinda do Senhor! Abram uma estrada para ele! […]'" (Lc 3.4-6). O chamado de João ao arrependimento é uma ordem de preparação para a chegada de Deus. Aqueles que o ouviam perguntaram: O que devemos fazer?

João respondeu com sugestões práticas para diferentes grupos. Um desses grupos são os soldados – ou, para nossos propósitos, os policiais. Ele lhes diz: “Não pratiquem extorsão nem façam acusações falsas. Contentem-se com seu salário” (Lc 3.14).

Se Romanos 13.3-4 enfoca as responsabilidades coletivas do estado, esse versículo de Lucas nos dá uma imagem das responsabilidades individuais de um policial. João condena a extorsão, mas o peso dessa crítica vai muito além de meros subornos. A extorsão envolve o uso do poder para atacar os fracos e só é possível quando os extorquidos não têm recurso. Claramente, então, João está preocupado com uma forma de policiamento em que os que detêm poder o usam a fim de explorar pessoas sem o mesmo poder.

Por isso, sua crítica às falsas acusações não deve ser separada da sua crítica à extorsão, já que as duas costumam andar juntas. Se uma pessoa que está sendo extorquida se recusa a obedecer, ela pode ser acusada de crimes que não cometeu.

Aqui, João pode ter em mente um soldado que envolve uma pessoa em um crime a fim de satisfazer o capricho de um governante ou para alcançar algum fim político. A história da crucificação de Jesus é o exemplo paradigmático. Ele é o verdadeiro inocente que, no entanto, foi assassinado pelo estado.

Quando o apóstolo João reconta as palavras de Pilatos “Eis o homem” (João 19.5), ele está em parte afirmando a humanidade de Cristo. Jesus é uma pessoa que merece ser tratada com dignidade. Hoje, os negros fazem essa mesma reivindicação de consciência sobre aqueles que nos policiam: vejam-nos como pessoas dignas de respeito, em todas as instâncias.

O tratamento de Jesus pelos soldados nos parece chocante, porque ele era inocente das acusações, mas mesmo os culpados não merecem zombaria e espancamentos. Conforme registrado em Lucas, João está chamando soldados em todas as circunstâncias para superar a tentação de desumanizar. Sua exortação aos oficiais reforça a exortação de Paulo ao estado: use seu poder para defender a dignidade inerente de todos os cidadãos e nunca use a espada para seus próprios fins.

Enquanto Paulo chama os governantes para exercerem bem seu poder, João chama os soldados, individualmente, não para atos heroicos de bravura física, mas para a virtude heroica. Tomada em conjunto, essa teologia de policiamento do Novo Testamento convoca o estado e seus oficiais a usar sua influência para proteger os fracos.

Esses princípios bíblicos e teológicos são fáceis de afirmar em termos abstratos, mas sua aplicação costuma ser mais complicada. Algumas pessoas acham que igreja e política não devem se misturar. A esfera da fé deve se sobrepor apenas modestamente (se tanto) aos assuntos de estado.

A história dos direitos civis nos dá um exemplo vívido dessa mentalidade.

Em 16 de janeiro de 1963, oito clérigos – dois bispos metodistas, dois bispos episcopais, um bispo católico romano, um rabino, um presbiteriano e um batista – escreveram uma carta aos cidadãos do Alabama intitulada “Um apelo por lei e ordem e senso comum”. Ela pedia o fim da violência em torno dos protestos pelos direitos civis e implorava que ambos os lados confiassem no sistema judicial. Porém, o texto falhou em se posicionar contra a segregação.

Três meses depois, em 12 de abril de 1963, esse grupo de oito redigiu outra carta. Ela continha uma crítica não tão velada a Martin Luther King Jr. e aos participantes do Southern Christian Leadership Council [Conselho Sulista de Liderança Cristã], que eles caracterizaram como “agitadores de fora”.

Eles questionaram o testemunho político de King e outros. Argumentaram que “ações como incitar ao ódio e à violência, por mais tecnicamente pacíficas que sejam, não contribuíram para a resolução de nossos problemas locais. Não acreditamos que estes dias de nova esperança sejam dias em que medidas extremas são justificadas em Birmingham”.

Essa crítica ao trabalho de King – e à tradição negra e cristã de protestar, que o sustentava – veio de uma espécie de consenso ecumênico sulista e branco. Batistas, metodistas, presbiterianos, católicos, episcopais e líderes judeus se opuseram a ele. A resposta de King, “Carta de uma cadeia de Birmingham”, foi dirigida não apenas a oito clérigos, mas a uma certa abordagem da fé que se concentrava mais na lei e na ordem do que nas exigências do evangelho.

Em sua resposta, King escreve:

Estou em Birmingham porque existe injustiça. Assim como os profetas do século 8 a.C. deixaram suas aldeias e levaram seu “assim diz o Senhor” muito além dos limites de suas cidades e, assim como o apóstolo Paulo deixou sua aldeia de Tarso e levou o evangelho de Jesus Cristo ao cantos longínquos do mundo greco-romano, sou compelido a levar o evangelho da liberdade para além da minha cidade natal. Como Paulo, devo responder constantemente ao apelo macedônio por ajuda.

Quase 60 anos após a publicação desta carta, os americanos ainda estão debatendo o papel da igreja em praça pública. A busca de King por uma sociedade justa era de fato análoga à obra de Paulo e dos profetas, ou era apenas política partidária? Sua crítica pública às estruturas de poder foi um elemento-chave de seu ministério pastoral ou uma distração dele? Para muitos cristãos negros, a resposta é evidente: nunca nos damos ao luxo de separar nossa fé da ação política.

As cartas do Novo Testamento dão suporte para essa integração estreita dos reinos espiritual e político.

De acordo com o estudioso do Novo Testamento J. Louis Martyn, Paulo acreditava que o mundo estava sob o domínio de poderes espirituais malignos antes da vinda do Messias. Como Paulo escreve em Gálatas, Cristo “entregou sua vida por nossos pecados, a fim de nos resgatar deste mundo mau” (Gálatas 1.3-4). Em Efésios, Paulo sugere que esses mesmos poderes têm domínio sobre os líderes e governantes terrestres (Efésios 1.21). As políticas sociais, políticas e econômicas dos governantes não redimidos, então, são uma manifestação das forças do mal a que Deus se opõe. Essas forças – junto com o problema do pecado humano – são os inimigos que Deus enviou seu Filho para derrotar.

Por essa razão, nossa delimitação moderna entre o mal espiritual e o mal político, quando lida de volta no pensamento de Paulo, é um anacronismo. O “mundo mau” pode ser entendido como o mal demoníaco da escravidão em Roma e, também, a exploração econômica da população pelos governantes. Ambos foram movidos pelas políticas da liderança romana corrupta e, em última análise, foram ditados por forças espirituais.

A conclusão é óbvia: chamar um sistema de maligno é uma avaliação política e também teológica. Quando os cristãos negros de hoje olham para as ações de policiais, líderes políticos e governos e os declaram iníquos, estamos fazendo uma afirmação teológica, da mesma forma que Paulo fez. Somos compelidos, nas palavras de King, “a levar o evangelho da liberdade”. Nosso protesto não é antibíblico. É essencial para nossa análise da condição humana à luz da própria visão de Deus para o futuro. Sua visão pode aguardar um tempo determinado, mas está chegando (Hc 2.1-4).

Para mim e muitos outros, a aplicação dessas verdades é profundamente pessoal. Minha esperança acerca das forças policiais não é muito complicada. Eu quero viver sem medo. Quando sou parado por causa de um sinal de trânsito, fico com medo porque a polícia tem sido fonte de terror em minha vida, na de meus ancestrais e na de meu povo.

Como pai, temo que meus filhos e filhas sintam o mesmo terror. Esse pavor vem de um governo nacional que sempre considerou nossa pele perigosa.

Para alguns, meu medo pode parecer injustificado. Estou tentado a listar estatísticas sobre os negros e nosso tratamento nas mãos da polícia. Mas não acredito que as estatísticas convencerão aqueles que são hostis à nossa causa. Além disso, as estatísticas são desnecessárias para nós, que carregamos no coração a experiência de ser negro neste país.

Os Estados Unidos, historicamente e no presente, não nos protegeram. Antes, usaram a espada para incutir um medo que foi transmitido, de geração a geração, em lares e igrejas de negros. Esse pavor, entretanto, nunca teve a palavra final. Em vez disso, os cristãos negros se lembraram de não temer aqueles que só podem matar o corpo. Em nossos momentos melhores e mais cristãos, exigimos nossa primogenitura como filhos de Deus. Mas esses direitos não devem ser comprados ao preço de nosso sangue ou terror. Uma teologia cristã do policiamento, então, é fundamentalmente uma teologia da liberdade.

Esau McCaulley é pastor da Igreja Anglicana na América do Norte, professor assistente de Novo Testamento no Wheaton College e autor de Reading While Black: African American Biblical Interpretation as an Exercise in Hope (IVP Academic), do qual este ensaio é adaptado.

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