Ravi Zacharias International Ministries (RZIM), que já foi o maior ministério de apologética do mundo, vai parar de atuar com apologética este ano.
A CEO Sarah Davis anunciou aos funcionários, na manhã de quarta-feira, que, ao longo dos próximos seis meses, o ministério, já reduzido, passará a atuar como uma instituição de caridade que concede doações.
Ela planeja doar dinheiro a organizações que cumpram seu propósito original de defender a verdade do evangelho, bem como a organizações que cuidam de vítimas de abuso sexual.
“RZIM não pode e não deve continuar a operar como uma organização em sua forma atual. Tampouco acreditamos que podemos apenas mudar o nome da organização e seguir em frente fazendo a mesma coisa”, disse Davis, que é filha de Zacarias e lidera o ministério desde a morte dele, em maio de 2020.
Os palestrantes do RZIM tiveram convites cancelados desde que vieram à tona as acusações contra Zacarias, em setembro. Nos últimos meses, à medida que as acusações eram investigadas e, por fim, foi confirmado o abuso perpetrado por seu falecido fundador, diminuíram as doações para o ministério que antes arrecadava de 35 a 40 milhões de dólares.
A investigação detectou “culpa muito além do que poderíamos ter imaginado”, reconheceu Davis na quarta-feira.
“O RZIM, como ministério, tem passado por algo diferente de tudo o que já vimos na história evangélica moderna”, disse Davis. “Nós, como ministério, temos processado uma ampla gama de emoções, incluindo intensa dor pelas vítimas de abuso, repulsa pelas ações de Ravi, desilusão, desânimo, raiva e incerteza quanto ao futuro do ministério que amamos e servimos”.
O ministério está atualmente passando por uma ampla revisão de sua cultura e estrutura, capitaneada pela empresa de consultoria Guidepost Solutions. Davis disse à equipe que eles podem esperar demissões de cerca de 60% do quadro, a começar imediatamente, bem como mudanças de liderança quando a revisão for concluída, em um prazo de quatro a seis meses.
Nesse ínterim, a equipe de cada departamento está sendo instruída a “concentrar seus dons, habilidades e recursos” em “arrependimento, restituição, aprendizado e serviço”.
Em meio a uma auditoria externa de sua cultura corporativa e das alegações de abuso, o Ravi Zacharias International Ministries anunciou que mudará de nome. Também pede que outras vítimas se apresentem e denunciem o abuso e o assédio sexual que tenham sofrido por parte de seu falecido fundador, mundialmente famoso.
O relatório investigativo divulgado em fevereiro confirmou acusações contra o apologista que datam de 2004, e encontrou provas adicionais de abuso até alguns meses antes de sua morte, em maio de 2020. Mas, embora a investigação tenha sido conclusiva, não foi abrangente.
Em um comunicado divulgado no fim de semana, o Ravi Zacharias International Ministries (RZIM) reconheceu que pode haver muito mais vítimas. Esta é a primeira vez que o RZIM pede diretamente às vítimas que se apresentem.
A empresa de consultoria Guidepost Solutions fará relatórios por telefone e e-mail como parte de sua auditoria do RZIM, enquanto a advogada das vítimas, Rachael Denhollander, servirá como contato confidencial com as vítimas. Foram disponibilizadas linhas telefônicas para contato em inglês, espanhol e francês.
“Continuamos a sofrer profundamente pelas vítimas que foram tratadas de maneiras completamente contrárias ao evangelho”, escreveu a CEO Sarah Davis no comunicado oficial. “Também reconhecemos dolorosamente e cada vez mais as falhas organizacionais que ocorreram e o arrependimento que precisa ocorrer tanto no coração quanto na ação”.
Davis disse que a auditoria é abrangente e deve levar meses. Demissões são esperadas em breve.
O ministério também anunciou que está removendo os conteúdos produzidos por Zacharias do site do ministério e de suas mídias sociais. As 12 filiais internacionais do RZIM estão avaliando do forma independente suas atividades ministeriais e planos para o futuro.
Ministério sabia sobre a acusação anterior
Os principais líderes do RZIM nos Estados Unidos e na Ásia sabiam de acusações contra Zacharias desde 2008, pelo menos, quando um integrante da equipe indiana relatou ao chefe do conselho de Cingapura que Zacharias havia sido visto com uma mulher com quem não tinha laços de parentesco, em um hotel em Cingapura. Zacharias estava segurando a mão dessa mulher e parecia ter intimidade com ela. Zacharias disse que tudo não passava de um mal-entendido, e o ministério não investigou, de acordo com documentos internos aos quais a CT teve acesso.
O integrante da equipe levantou a questão novamente em 2012, junto com perguntas sobre viagens de Zacharias à Tailândia, onde ele possuía dois apartamentos — um para si e outro para uma massagista. O ministério também não investigou isso. Em vez de fazê-lo, o conselho de Cingapura abriu uma investigação completa para saber se esse integrante da equipe estava espalhando boatos sobre Zacharias.
“Os diretores chegaram ao consenso de que comentários depreciativos de qualquer tipo, por qualquer uma das partes, devem cessar imediatamente, pois não glorificam ao Senhor”, escreveu o presidente do conselho de Cingapura, em um e-mail de 2012, ao qual a CT teve acesso. “Temos todos a mesma convicção de que irmãos devem se reconciliar quando há mal-entendidos. […] O trabalho do RZIM está causando grande impacto sobre descrentes, e qualquer disputa que vier a público trará danos irreparáveis às partes envolvidas e à organização”.
Argumentos semelhantes foram apresentados em outros escritórios internacionais do RZIM. Integrantes da equipe na Índia, nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Canadá disseram à CT que foram demitidos quando levantaram preocupações semelhantes. A liderança apontava para a reputação de Zacharias. Ele era considerado como alguém irrepreensível e inquestionável.
A porta-voz do RZIM, Ruth Malhotra, em uma carta de 26 páginas ao conselho dos EUA, em que fala sobre a cumplicidade corporativa nos abusos cometidos por Zacharias, escreveu que a resposta estratégica da liderança às alegações apresentadas era “atrasar, negar, desafiar, difamar”. Segundo Malhotra, ela levantou dúvidas em 2017, quando Zacharias negou ter solicitado imagens sexuais explícitas de uma mulher no Canadá. Em vez de tentar responder às suas indagações, um líder sênior exigiu saber: “De que lado você está?”.
Após a investigação em 2021, o conselho dos EUA reconheceu os erros e prometeu uma revisão total da cultura e da liderança do ministério.
“Nossa confiança na negação de iniquidades morais por parte de Ravi e em suas explicações enganosas sobre e-mails e outros registros que se tornaram públicos foi totalmente equivocada”, disse o comunicado. “Também reconhecemos que, em situações de abuso prolongado, muitas vezes existem significativos problemas estruturais, além de problemas relativos à política e à cultura da organização. É imperativo que, onde essas particularidades existirem em nossa organização, tomemos medidas específicas para garantir que sejam devidamente diagnosticadas e tratadas”.
O conselho dos EUA é anônimo e a declaração não foi assinada por integrantes individuais. Não está claro quem escreveu a declaração ou se os integrantes do conselho concordaram com ela por unanimidade.
Reconhecimento internacional
Os 12 escritórios internacionais do RZIM também estão avaliando a própria cultura e tomando decisões sobre o futuro. A liderança nos respectivos países deve decidir se vão encerrar ou continuar as atividades, se vão permanecer afiliados ao ministério dos Estados Unidos ou separar-se dele, e se vão manter o nome de Zacharias ou abandoná-lo.
O ministério do Reino Unido e o ministério da América Latina anunciaram a intenção de se separar e estabelecer organizações apologéticas independentes. O conselho do ministério latino-americano fechou seu site após fazer essa declaração pública.
O RZIM da Espanha está avaliando os “próximos passos”, mas informou que recebeu “muitas expressões de encorajamento” para continuar fazendo apologética e evangelismo na Espanha.
A filial de língua alemã do RZIM, que atua na Alemanha, na Áustria e na Suíça, anunciou que fará um treinamento com a equipe sobre abuso e uma revisão de sua estrutura organizacional e da cultura interna.
“Olhando para trás, percebemos que nós, como instituto, tínhamos um viés sempre positivo em relação a Ravi Zacharias e que também confiamos demais nos mecanismos de controle interno do RZIM”, informou o ministério em um comunicado oficial. “Sentimos muito por essas falhas”.
O RZIM do Canadá está fechando as portas. “Nós reconhecemos a necessidade de uma abordagem apologética para o evangelismo”, o conselho canadense comentou. “Lamentavelmente, temos a convicção de que não é possível para o RZIM Canadá cumprir esse mandato no ambiente atual”.
O RZIM de Hong Kong, que atua no sudeste da Ásia e na Oceania, declarou que está considerando “todos os caminhos possíveis que honrem nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” e também disse: “Pedimos desculpas incondicionais pelo dano que causamos a outros por meio de nossa confiança indevida em Ravi”.
Os oficiais do RZIM na Índia e na Turquia traduziram o pedido de desculpas do conselho dos EUA, e publicaram as informações sobre a investigação, mas não fizeram declarações públicas individuais sobre o futuro desses ministérios. O RZIM do Oriente Médio não parece ter feito declarações públicas.
O RZIM da Romênia e o de Cingapura anunciaram períodos de oração e reavaliação.
O ministério romeno disse que está orando “para que Deus cure qualquer ferida causada pelas ações de Ravi Zacharias e qualquer decepção causada por essa notícia. Colocamos toda a nossa esperança em Sua graça e continuamos comprometidos em buscar e apresentar a #Verdade”.
O RZIM da África disse que sua principal prioridade é “orar pelas vítimas, ouvi-las e aprender com elas e seus advogados, buscar seu perdão, quando devido, e tomar as medidas que forem necessárias”.
Dois líderes africanos pediram desculpas pessoalmente a uma das vítimas. O ministério também está incentivando outras vítimas a se apresentarem.
“Dada a extensão da fraude e do abuso cometidos por Ravi”, pronunciou-se o ramo africano em sua declaração, “nós reconhecemos que pode haver muitas outras vítimas que sofreram, cujas histórias ainda não chegaram ao nosso conhecimento”.
Traduzido por Maurício Zágari