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Quando a doutrina deve dividir e quando a unidade deve prevalecer?

Como a “triagem teológica” nos ajuda a escolher nossas batalhas em questões de fé.

Christianity Today May 1, 2020
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Andrii Afanasiev / EyeEm / Getty Images / Xevi Casanovas / Aaron Burden / Alex Grodkiewicz / Unsplash

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Ecumênico. Não denominacional. Em certos círculos do evangelicalismo, esses são palavrões. (“Catolicidade” é outro). Os críticos dizem que essas palavras representam uma teologia fraca ou rasa – cuja convicção básica é que as convicções não importam muito, desde que todos possamos nos dar bem. Para alguns, esses conceitos representam uma ameaça potencial à missão da igreja ou mesmo ao próprio evangelho.

Outros crentes têm uma visão mais amigável da linguagem conciliatória. Sem comprometer suas convicções fundamentais, eles querem construir pontes com várias igrejas e organizações cristãs ao redor do mundo, unindo-se em missão sempre que possível. Esses princípios são fundamentais para o trabalho de grupos como o Movimento de Lausanne, o Evangelicals and Catholics Together, a Reforming Catholic Confession e o Center for Baptist Renewal (onde atuo como diretor editorial).

No entanto, mesmo aqueles de nós que defendem o ideal de “cristianismo puro e simples”, de C. S. Lewis, acham difícil pô-lo em prática, especialmente por conta de divisões teológicas e denominacionais arraigadas.

Muitos anos atrás, Albert Mohler popularizou a expressão "triagem teológica". Embora o conceito básico compartilhe um certo parentesco com outros chavões cristãos, ele desencadeou uma conversa atual sobre como e por quê os cristãos concordam, discordam ou concordam em discordar sobre vários pontos da teologia.

O termo triagem, é claro, vem do campo da assistência médica. Refere-se às escolhas que os profissionais médicos são obrigados a fazer nas mais difíceis circunstâncias, quando a enxurrada de pacientes (ou a escassez de recursos) garante que alguns casos sejam priorizados. No campo da teologia, então, praticar triagem significa determinar quais crenças são mais urgentes ou fundamentais do que outras. Mais especificamente, muitas vezes o conceito significou classificar as reivindicações teológicas em três categorias: a primária (em que os cristãos devem acreditar), a secundária (em que denominações ou grupos podem discordar) e a terciária (em que indivíduos ou igrejas locais podem discordar em sua denominação ou grupo).

Em seu livro Finding the Right Hills to Die On: The Case for Theological Triage, o pastor e teólogo Gavin Ortlund aborda as questões básicas levantadas por uma mentalidade de triagem: quando a doutrina deve dividir e quando a unidade deve prevalecer? Ortlund expõe as bênçãos e os perigos das convicções teológicas, oferecendo conselhos sobre a importância relativa das doutrinas que consideramos queridas.

Sectarismo e Minimalismo

Ortlund descreve sua própria estrutura para a triagem teológica da seguinte forma: doutrinas do primeiro nível são essenciais para o evangelho. As doutrinas de segunda ordem são urgentes para o funcionamento saudável da igreja no nível local e denominacional. As doutrinas da terceira categoria são importantes – mas não importantes o suficiente para justificar a separação entre os cristãos. E as doutrinas de quarta categoria são aquelas que, em última análise, não são essenciais para a ministração do evangelho ou a colaboração entre os crentes.

No entanto, antes mesmo de começarmos a falar sobre os detalhes da triagem teológica, argumenta Ortlund, precisamos providenciar uma limpeza essencial do terreno. Especificamente, precisamos resolver os dois principais obstáculos que se põem no caminho: sectarismo e minimalismo.

O perigo do sectarismo doutrinário é que ele cria divisão desnecessária entre irmãos e irmãs em Cristo. Fundamentalistas rígidos tratam todas as reivindicações da verdade cristã como de primeira importância, de modo que quase não há diferença entre afirmar a ressurreição corporal de Cristo e dizer que a Bíblia condena a dança como pecaminosa. Há pouco ou nenhum espaço para discordar do sectário doutrinário. No entanto, como Ortlund adverte, a triagem teológica não é tão simples quanto separar a verdade do erro e não dar lugar a quem professa esse último. "O caráter do evangelho é complexo", ele escreve. “Contém verdade e graça, convicção e conforto, arestas duras da lógica e profundas cavernas de mistério. Ele é, em um momento, tão revigorante quanto uma brisa fria e, em outro, tão nutritivo quanto uma refeição quente.”

De fato, como Ortlund argumenta, vemos essa tensão em ação no exemplo de Jesus. Por um lado, ele não tinha medo de purificar o templo ou denunciar os fariseus, geralmente usando uma linguagem que parecia qualquer coisa menos mansa e suave. Por outro lado, Jesus se descreve como "gentil e humilde de coração" (Mateus 11.29) e as Escrituras o registram dividindo o pão com pecadores.

No "extremo oposto do espectro" do sectarismo, como Ortlund coloca, está o perigo do minimalismo doutrinário. Se não formos cuidadosos, afirma ele, essa mentalidade rapidamente leva à indiferença doutrinária ou à teologia sem espinha dorsal. É aqui que a triagem entra em jogo: embora certas doutrinas sejam menos essenciais que outras, Ortlund escreve, "o fato de uma determinada doutrina não ser importante para a salvação ou para estabelecer uma parceria não significa que não possa ser importante em nenhum sentido".

Por fim, ele argumenta que qualquer ensinamento das Escrituras é importante, mas a difícil tarefa da triagem é determinar os graus relativos de importância. A maioria das pessoas reconhece, por exemplo, que afirmar a divindade de Cristo é mais importante para a crença e a prática cristãs do que, digamos, determinar a idade da terra ou ordenar os eventos dos últimos dias. Ainda somos chamados a pensar profundamente em questões de terceiro e quarto escalão, mas também devemos reconhecer que os cristãos fiéis podem chegar a opiniões diferentes sem comprometer a unidade nas coisas que realmente importam.

Pondo em prática a triagem

Na segunda seção de seu livro, Ortlund se torna prático, descrevendo o que ele chama de "Triagem Teológica em Ação". O objetivo da triagem é conciliar verdade e amor, ele escreve, e isso "exigirá que cultivemos a habilidade de classificar a importância de diferentes doutrinas".

No capítulo 4, “Por que vale a pena lutar pelas doutrinas primárias”, Ortlund diz que as doutrinas de primeiro escalão são essenciais para a crença e a prática cristãs, porque separam o cristianismo de outras religiões ou representam um “ponto material do evangelho (como na justificação).” Ele inclui a Trindade, o nascimento virginal e a justificação somente pela fé entre esses compromissos inegociáveis. Como sabemos quais doutrinas são primárias? Ortlund oferece vários critérios, que se resumem à clareza e à significância bíblicas, à relevância para o caráter de Deus, ao efeito sobre outras doutrinas e ao consenso geral entre os cristãos do passado e do presente. Em vez de examinar doutrinas específicas no vácuo, devemos perguntar sobre seu efeito cumulativo sobre como alguém lê a Bíblia, entende o evangelho e cresce em piedade. No final, argumenta Ortlund, vale a pena lutar por algumas doutrinas porque, se as ignorarmos, "não somos servos fiéis de Cristo e não seremos eficazes no avanço de seu reino".

As doutrinas secundárias são a categoria mais complexa, argumenta Ortlund. Elas "fazem uma diferença notável na maneira como entendemos e articulamos o evangelho", escreve ele, "embora sua negação não constitua geralmente uma negação do evangelho". Entre esses assuntos secundários, ele lista os modos de batismo, o papel dos dons espirituais e o debate complementar-igualitário. Parte da razão pela qual as doutrinas secundárias são tão complexas, sugere Ortlund, é que elas não podem ser consideradas em um vácuo. Sua validade depende, em grande parte, de seu relacionamento com o próprio evangelho e o contexto em que são proclamadas ou observadas.

Finalmente, Ortlund explica por que não devemos nos dividir a respeito das doutrinas terciárias. Usando o milênio e a idade da Terra como exemplos de doutrinas terciárias, ele afirma: "Você não deveria travar a maioria das batalhas que pode." Com relação ao momento exato do milênio, ele observa que a Bíblia não nos diz muita coisa, e o que ela nos diz é notoriamente difícil de interpretar. Antes de qualquer coisa, ele escreve, desacordos persistentes sobre o milênio ao longo da história da igreja devem nos "induzir à humildade e ao cuidado em nossos julgamentos". Com relação à idade da Terra, Ortlund afirma que pontos de vista diferentes “são menos relevantes na prática para a organização de uma igreja local ou seu culto, evangelismo e testemunho do evangelho do que várias outras doutrinas”. Invocando vários teólogos proeminentes que divergiram sobre esse assunto, ele mostra que não se pode torná-lo um teste decisivo para fidelidade ou salvação.

Uma bússola, não uma lista de verificação

Ortlund conclui com um apelo à humildade teológica, lembrando-nos que “desacordos sobre doutrinas relativamente menores podem causar uma destruição incalculável quando abordados em uma atitude de direito e desdém”. Em vez disso, "a humildade nos ensina a navegar pela vida com sensibilidade a respeito do que não sabemos e do que não sabemos que não sabemos". Essa postura de humildade nos encoraja a ouvir atentamente e estar dispostos a aprender com os outros.

Finding the Right Hills to Die On é um livro fino, com cerca de 150 páginas. Mesmo assim, Ortlund acerta ao apresentar, de maneira clara e útil, a idéia da triagem teológica e sua importância para a vida e a prática cristãs. Enquanto alguns podem querer ver Ortlund expôr sua hierarquia doutrinária preferida de maneira mais explícita, ele aponta corretamente que nenhum sistema de categorização está livre de erros. Portanto, em vez de oferecer uma lista de verificação, seu livro fornece um tipo de bússola. Os leitores que navegam na densa floresta da diversidade doutrinária podem considerá-lo um dispositivo útil para conhecer a verdade e o amor.

Brandon D. Smith é professor adjunto de teologia e Novo Testamento na Universidade de Cedarville, diretor editorial do Center for Baptist Renewal e apresentador do podcast Church Grammar.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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