Precisamos mais de um Salvador do que de um Estado

Uma nação cristã não pode desistir do próprio Cristo.

Christianity Today November 5, 2021
Illustration by Rick Szuecs / Source images: Envato Elements / Wikimedia Commons

Há alguns anos, um amigo católico romano lamentou comigo que ele teve de ir a uma igreja evangélica para ouvir “bons e velhos hinos sobre o sangue de Cristo”. Ele achava inconcebível que uma igreja estruturada em torno da presença real do corpo e do sangue de Cristo na missa fosse tão relutante em cantar sobre o sangue de Cristo.

Ele compartilhou, porém, que estava ficando cada vez mais difícil ouvir músicas que falam do sangue de Cristo, até mesmo nas igrejas evangélicas. “As igrejas de vocês onde se acha pouco sofisticado cantar sobre ser lavado no sangue [de Cristo] alcançam sucesso suficiente; então, elas optam por canções mais espirituais e abstratas”, disse ele. “Mas quando encontramos evangélicos pobres e feridos, é aí que se ouve: poder, poder, poder que opera maravilhas no sangue do Cordeiro”.

Ele disse ainda: “Eu sei que todos vocês desejam alcançar pessoas para Cristo — mas, tenho a impressão que, quando têm de optar entre conforto e sangue, muitos de vocês estão fazendo a escolha errada”.

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Sempre lembro dessa conversa quando penso em como muitos de nós estamos alarmados com algo às vezes chamado de nacionalismo cristão — seja em sua tendência mais comum e menos virulenta de religião civil do tipo “Deus e o país”, ou nas formas mais explícitas e aterrorizantes, em que temos visto símbolos cristãos serem cooptados por movimentos etnocêntricos ou nacionalistas demagógicos e autoritários.

Sim, isso degrada a credibilidade e o testemunho da igreja. Concede uma legitimidade que é delegada àquilo que a própria Bíblia denuncia, e transforma a igreja em uma serva cativa do que só pode ser chamado de ídolo. O que costumamos deixar escapar, porém, é que o que esses movimentos nacionalistas oferecem em troca é sangue.

Há uma razão pela qual vemos a igreja americana dividida por julgamentos de heresia que ressurgiram. É bem menos provável que essas inquisições tratem de questões essenciais da doutrina cristã — como a Trindade, o nascimento virginal ou a ressurreição corporal — do que sobre algum assunto relacionado à política populista. Em nosso mundo, a política não trata mais de filosofias de governo, mas sim de identidade (“Whole Foods vs. Walmart”). E em mundo assim, nacionalidade e política, mesmo no que têm de menos importante e trivial, parecem muito mais reais para as pessoas do que as próprias realidades do reino de Deus que Jesus descreveu em termos como uma semente sob o solo ou o fermento que age através do pão ou o vento que sopra nas folhas.

A partir desse ponto, não é preciso um salto para ver, em um dos exemplos menos nocivos, que os Estados Unidos estão em aliança com Deus para bênção ou maldição, da mesma forma que o Israel do Antigo Testamento estava. Ou mesmo para ver, de forma muito mais sombria, a separação militante do antigo Israel das outras nações como justificativa para a superioridade étnica ou como permissão para eliminar implacavelmente — de forma literal ou digital — aqueles que identificamos como “eles” em oposição a “nós”.

Essas ideias interpretam de forma equivocada a história bíblica da redenção e resultam em um tipo de analfabetismo bíblico forçado que, em última análise, leva a um tipo de evangelho herético da prosperidade nacional.

Mas o que talvez seja ainda mais importante é que essas fusões entre Estado-nação ou uma identidade étnica ou uma causa partidária ou mesmo um vago “avivamento de valores” prejudicam nosso entendimento do próprio cerne do evangelho: a cruz de Jesus Cristo.

Por exemplo, é verdade que em 2Crônicas 7 Deus prometeu “curar a terra” em que o povo se arrependeu, orou e buscou sua face (v. 14). Mas isso foi na construção do templo, um templo que foi dedicado com sangue de bois e ovelhas, um templo no qual a presença de Deus estava centrada em um propiciatório. Tudo isso — o sangue, o templo, o propiciatório, as bênçãos, as maldições — apontava para Cristo, o único mediador entre Deus e a humanidade, e nele cumpriu-se.

Se não nos vemos como alguém que está diante de Cristo, por meio de sua carne e de seu sangue e por meio de sua mediação contínua, encontraremos outras coisas para preencher o vazio — entre elas, alguns movimentos horríveis de ressentimento focado em “pátria e sangue”. Contudo, se nos vemos como um templo que foi comprado com sangue, se nos vemos como aqueles que foram edificados juntos pelo Espírito, crucificaremos nossa necessidade de “usar” o cristianismo para nos levar a algum outro objetivo — sejam eles objetivos nobres, como os valores da família e a união nacional, ou objetivos desprezíveis como nativismo ou violência. Não precisamos de um Barrabás, de um César ou de uma Besta para lutar por nós. Precisamos de um Cordeiro ofertado por nós. Nada mais pode nos tornar íntegros novamente. Nada que não seja o sangue de Jesus.

Russel Moore é o responsável por liderar um novo Projeto de Teologia Pública da Christianity Today.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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O antídoto para a igreja de celebridades é a igreja pura e simples

Precisamos redescobrir a adoração que funciona sem a nossa ajuda.

Christianity Today October 29, 2021
Illustration by Chanelle Nibbelink

Chris Rock uma vez compartilhou em uma entrevista como ele desenvolve um novo material para comédias standup. Como muitos comediantes consagrados, ele aparece em pequenos clubes do gênero, sobe ao palco com cinco ou dez minutos de piadas, desenvolve uma ou duas de cada vez e acrescenta o que funcionou a sua próxima turnê ou especial.

Rock sabe que o público tem tanta probabilidade de reagir ao fato de que ele é Chris Rock quanto às piadas em si. Então, quando faz essas pequenas apresentações, ele conta as piadas com o mínimo de personalidade possível. Ele quer crer que aquelas piadas “poderiam ser contadas até atrás da cortina”, disse ele. Se elas funcionarem, ele sabe que, quando juntar a essas piadas a sua personalidade no palco, todos vão morrer de rir.

Eu pensei nisso muitas vezes enquanto trabalhava no podcast da CT, The Rise and Fall of Mars Hill. Ele conta a história da megaigreja de Seattle que ganhou destaque no início de 2.000, atraiu 15 mil pessoas em 15 locais, e fechou suas portas depois que o fundador, Mark Driscoll, renunciou em 2014. Em muitos aspectos, Mars Hill foi um caso isolado. Mas, de muitas maneiras importantes, não foi.

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Driscoll era um comunicador e provocador excepcionalmente talentoso, embora o fenômeno do pastor celebridade seja endêmico agora nas megaigrejas. Mars Hill inovou no uso de produção de música e vídeo, de tecnologia e mídia social; porém, aquilo em que Mars Hill foi pioneira já é amplamente adotado por igrejas influentes de hoje e é o que as define, em grande medida.

As ferramentas de tecnologia e a celebridade que construíram Mars Hill continuam a se espalhar, e são a tentação tanto em congregações menores quanto nas grandes. Não aprendemos a lição de que essas ferramentas formavam uma arquitetura frágil: a igreja não sobreviveria à saída de Driscoll.

Essas ferramentas são compreensivelmente sedutoras. Elas imprimem vigor ao ministério da mesma maneira que Chris Rock faz quando imprime sua personalidade (nada religiosa) em suas piadas. E embora a tecnologia não seja necessariamente má — a imprensa colocou nas mãos de bilhões de pessoas comuns a Bíblia, o Livro de Oração Comum e os hinários — ela também não é neutra. Pode atingir nosso corpo e nossa imaginação de maneiras que solapam a mensagem do evangelho, que fala sobre morrer para nós mesmos e humildemente colocar as necessidades dos outros antes das nossas.

E assim, passamos a usar vídeos com ampliação de imagem para projetar pastores e líderes de louvor grandiosos, sem nos perguntar quais outras mensagens pode estar transmitindo essa tecnologia usada principalmente em shows de rock e comícios políticos. Importamos subwoofers e máquinas de fumaça. Líderes usam smartphones e tablets para leitura no palco. Ministérios de adoração distribuem guias de estilo para dizer o que os membros da banda devem usar no palco (isso acontece, não estou inventando), e nos reunimos em ambientes sem janelas e climatizados, que param o tempo, como cinemas e cassinos.

Nesse contexto, se a maioria dos líderes cristãos que encontramos são homens e mulheres jovens e carismáticos com sorrisos perfeitos, o que acontece quando encontramos alguém de fala calma, manso e que não feito para o Instagram? Alguém que não possui a presença carismática de uma celebridade nem uma história de conversão impressionante? Alguém com o tipo de autoridade espiritual que confundiu o mundo do primeiro século, quando Jesus não exigia poder nem o demonstrava sob comando?

Temo que vamos perder pessoas assim. Podemos até vir a rejeitá-las e a condená-las abertamente. Talvez até já tenhamos feito isso.

Driscoll costumava dizer que odiava ouvir a maioria dos pregadores, pois eram enfadonhos e pouco envolventes. Em vez desses pregadores, ele aprendeu com os comediantes de stand-up, entre eles Chris Rock. Acontece, porém, que Driscoll não tinha a ética mais profunda que vemos na arte de Rock: a ética que sabe que o conteúdo do material é mais importante do que a apresentação. E que esse conteúdo tinha que funcionar sem a influência dele.

Chip Stam, que foi meu mentor até sua morte, em 2011, certa vez me disse: “Um crente maduro é facilmente edificado”. Com isso ele quis dizer que, se os cristãos se encontrassem em um lugar onde a Palavra de Deus estava sendo pregada, Jesus estava sendo adorado e o Espírito estava presente no coração de seu povo, então eles deveriam sair dali encorajados — quer a experiência tivesse sido superficial, barulhenta, quieta ou pouco familiar.

Passei a pensar nisso como um convite à “igreja pura e simples”, uma postura que reconhece que as coisas mais significativas, quando uma igreja se reúne, são aquelas que poderiam sobreviver ao colapso da igreja ou mesmo de uma civilização — como já aconteceu.

Após uma década de colapso moral de líderes cristãos, como seria se a igreja renovasse seu compromisso com algo como essa visão de uma “igreja pura e simples”? Se, em vez de experiências fabricadas de cultos dominicais altamente produzidos, nos reuníssemos em torno da Palavra e do Espírito, da confissão e da certeza, do pão e do vinho.

Pode parecer uma temporada no deserto, mas a igreja já superou isso antes. Espero — e creio — que possamos fazer isso mais uma vez.

Mike Cosper é o diretor de podcasts da CT.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Bancos vazios nas igrejas são uma crise de saúde pública.

Os americanos estão desistindo da igreja com muita rapidez. Quem vai pagar o preço são nossas mentes e nossos corpos.

Christianity Today October 29, 2021
Illustration by Ryan Johnson

O reverendo William Glass é um sacerdote e teólogo anglicano, fluente em cinco idiomas, que possui um currículo impressionante em marketing. Sua história não é de privilégios, no entanto. Na visão de Glass, a igreja salvou sua vida.

Glass cresceu desesperadamente pobre em um estacionamento de trailers na Flórida. Sua família ia à igreja talvez uma vez por ano, mas sua formação religiosa era, em suas palavras, “alcoólatra do sul”. Seu pai ou não estava presente ou era abusivo, ele não tinha amigos íntimos, e quando ia à escola, era um tormento. Ainda na adolescência, ele começou a controlar o estresse com drogas e álcool.

Mas, certa vez, Glass visitou um grupo de jovens presbiterianos para “impressionar uma garota”. Isso não mudou tudo da noite para o dia: ele continuou a ter uma vida difícil, incluindo a convivência com sem-tetos. Mas Glass também tinha amigos em algumas igrejas que cuidavam dele durante as crises, ajudavam-no a se manter conectado [ao grupo] e lhe mostravam outra maneira de viver.

Na visão de Glass, a igreja acima de tudo ofereceu a ele “capital social e relacional” que era escasso nas outras comunidades fragmentadas de sua vida. “Os laços que formei na igreja”, diz ele, “significavam que, quando a situação piorava, havia outra coisa a fazer além da próxima coisa ruim”.

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O caso de Glass pode ser dramático, mas ilustra um padrão documentado em nossa sociedade: as pessoas descobrem que suas vidas social e pessoal melhoraram — e às vezes sua vida foi até salva fisicamente — quando vão à igreja com frequência.

Em 2019, o Instituto Gallup relatou que apenas 36% dos americanos veem a religião organizada com “grande confiança”, ante 68% em 1975. Os autores do estudo especulam que essa tendência foi impulsionada, em parte, pelas falhas morais e crimes cometidos por instituições e líderes religiosos que foram amplamente divulgados.

O declínio na confiança nas igrejas foi acompanhado por declínios acentuados tanto no número de membros quanto na frequência. O Grupo Barna descobriu que, há 10 anos, em 2011, 43% dos americanos disseram que iam à igreja toda semana. Em fevereiro de 2020, esse índice havia caído 14 pontos percentuais, para 29%.

Mas quando descrevem os motivos pelos quais raramente ou nunca vão à igreja, os escândalos não ganham destaque. Em vez disso, as pessoas que se consideram cristãs são mais propensas a dizer que praticam sua fé de outras maneiras (44%) ou que há algo de que não gostam no culto (38%).

Quer haja indignação ou não envolvida, a experiência mais comum dos cristãos que não vão à igreja parece ser menos uma escolha deliberada e mais uma troca de hábitos. Melhor dizendo, uma grande parte dos cristãos está optando por seguir sozinho, mudando sua fé para espaços tão privados que nem mesmo a igreja tem permissão de entrar.

Obviamente, essa tendência reduz a frequência e o número de membros que vão à igreja. Mas uma consequência menos óbvia até recentemente é que também está prejudicando o bem-estar daqueles que pararam de frequentar a igreja. Um corpo considerável de pesquisas desenvolvidas nas últimas décadas sugere que a história de Glass é um exemplo poderoso de uma realidade mais ampla: a participação religiosa promove intensamente a saúde e o bem-estar.

Isso significa que o crescente descontentamento dos americanos com a religião organizada não é apenas uma má notícia para as igrejas; também representa uma crise de saúde pública, que tem sido amplamente ignorada, mas cujos efeitos devem aumentar nos próximos anos.

Claro, o objetivo do evangelho não é baixar sua pressão arterial, mas sim conhecer e amar a Deus, conforme você é conhecido e amado por ele. Temos de distinguir entre o florescer imperfeito que é possível nesta vida e a felicidade e alegria perfeitas que se tornarão plenas na vida futura.

Infelizmente, é difícil encontrar grandes conjuntos de dados sobre a vida no céu. Mas podemos estudar a forma imperfeita de felicidade, ou seja, os aspectos de saúde, bem-estar e integridade que pertencem a esta vida, e as maneiras pelas quais as comunidades religiosas contribuem para eles. E eles também são preciosos para Deus.

Mas, afinal, quais são os benefícios que a frequência à igreja traz para a saúde pública? Considere de que modo isso parece afetar os profissionais de saúde. Algumas de minhas pesquisas (isto é, algumas pesquisas feitas por Tyler) examinaram o comportamento desses profissionais ao longo de mais de uma década e meia, usando dados de um Estudo da saúde dos enfermeiros, que acompanhou mais de 70 mil participantes.

Os médicos que disseram frequentar cultos religiosos com regularidade (e, dada a composição religiosa da América, esses cultos foram, em grande parte, em igrejas cristãs de um ou outro tipo) tinham 29% menos probabilidade de ficarem deprimidos, cerca de 50% menos probabilidade de se divorciarem e cinco vezes menos probabilidade de cometerem suicídio do que aqueles que nunca frequentavam.

Talvez a descoberta mais surpreendente de todas foi que os profissionais de saúde que frequentavam cultos semanalmente tinham 33% menos probabilidade de morrer durante um período de acompanhamento de 16 anos do que as pessoas que nunca frequentavam. Esses efeitos são de magnitude grande o suficiente para fazer uma diferença prática e não apenas uma diferença estatística.

A educação religiosa também afeta profundamente a saúde e o bem-estar ao longo da vida das pessoas. Descobrimos que a frequência regular ao culto ajuda a proteger as crianças dos “três grandes” perigos da adolescência: depressão, abuso de substâncias e atividade sexual prematura. As pessoas que frequentaram a igreja quando crianças também têm maior probabilidade de crescerem felizes, perdoarem, terem um senso de missão e propósito e serem voluntárias.

Um dos meus estudos mais recentes (feito por Tyler) com profissionais de saúde indica que os que frequentam cultos religiosos tiveram muito menos “mortes por desespero” — mortes por suicídio, overdose de drogas ou álcool — do que pessoas que nunca compareceram a cultos, o que reduziu essas mortes em 68% para mulheres e 33% para homens no estudo.

Nossas descobertas não são únicas. Uma série de estudos feitos por pesquisas grandes e bem planejadas descobriu que a frequência a cultos religiosos está associada a maior longevidade, menos depressão, menos suicídio, menos tabagismo, menos abuso de substâncias, maior sobrevida ao câncer e a doenças cardiovasculares, menos divórcio, maior apoio social, vida com maior significado, maior satisfação com a vida, mais participação no voluntariado e maior engajamento cívico.

As descobertas são extensas e crescentes. Importantes estudos recentes foram conduzidos por clínicos e cientistas sociais como Harold Koenig, Byron Johnson, Ellen Idler, David Williams, Robert Putnam, David Campbell e W. Bradford Wilcox, juntamente com nossa equipe de pesquisadores do Programa de Prosperidade Humana na Universidade de Harvard.

Embora alguns dos primeiros estudos sobre este tópico tenham sido metodologicamente fracos, o estudo e a pesquisa tornaram-se cada vez mais fortes, e muitas dessas descobertas são agora consideradas bem estabelecidas. A frequência a cultos religiosos melhora de forma impactante a saúde e o bem-estar das pessoas.

Todas as religiões são complexas, consistindo em crenças doutrinárias, devoções pessoais e vários tipos de observância comunitária. Será que certos aspectos específicos da prática religiosa influenciam esses impactos na saúde de forma mais intensa do que outros?

Nossa pesquisa sugere que especificamente a frequência a cultos religiosos tem bem mais poder na previsão da saúde do que práticas religiosas privadas ou uma religiosidade ou espiritualidade autoacessada. É evidente que a identidade religiosa e a espiritualidade privada podem ainda ser muito importantes e significativas no contexto da vida religiosa, mas seus efeitos sobre a saúde e o bem-estar não parecem ser tão fortes quanto aqueles decorrentes dos encontros regulares com outros fiéis.

A observância religiosa parece diminuir a depressão e aumentar a satisfação com a vida, particularmente ao expandir as redes de apoio social dos participantes, bem como ao promover o otimismo ou a esperança e um sentido para a vida.

Apenas cerca de um quarto do efeito da frequência a cultos religiosos sobre a expectativa de vida parece decorrer diretamente dessa rede maior de apoio social; o efeito em parte parece depender da maneira como a observância religiosa diminui a depressão e o tabagismo e aumenta o otimismo, a esperança e o senso de propósito.

A razão para a queda de cinco vezes na taxa de suicídios entre os frequentadores de culto não está inteiramente clara, mas pode ter a ver com uma combinação de fatores de proteção, incluindo o que as igrejas ensinam sobre acabar com a própria vida, bem como o apoio social encontrado na comunidade e menores riscos de depressão e de abuso de álcool.

Uma combinação semelhante de apoio e ensinamentos que desencorajam o divórcio e a infidelidade conjugal e encorajam o amor e o serviço mútuo provavelmente também ajuda a explicar as taxas mais baixas de divórcio entre os que frequentam cultos religiosos. No entanto, esses resultados positivos para o casamento provavelmente também dependem dos muitos programas, dentro das comunidades religiosas, que apoiam famílias e casamentos, e dos níveis maiores de satisfação com a vida e menores de depressão para os que praticam a religião no contexto da vida de casado.

Outra via importante pela qual o culto religioso leva à saúde e ao bem-estar pode passar pelo perdão. Muitas religiões conectam o perdão que Deus concede aos pecados humanos ao perdão que concedemos uns aos outros. Judeus religiosos buscam o perdão de Deus no Dia da Expiação (Yom Kippur), mas somente depois de terem buscado o perdão uns dos outros no dia anterior (Erev Yom Kippur). Para os cristãos, perdoar é uma parte inegociável de sua prática da fé. Muitos cristãos pedem a Deus diariamente que “perdoe nossas dívidas, assim como nós perdoamos nossos devedores” (Mt 6.12), muito embora, mesmo sem essa oração, a Bíblia ensina que os cristãos devem perdoar (Mt 6.15).

Experimentos para ajudar as pessoas a serem mais complacentes (assim como uma revisão da literatura que classificou as descobertas de muitos estudos) indicam que o perdão está relacionado a menos depressão e a mais esperança. O perdão parece atingir esses efeitos ao promover maior controle sobre as emoções da pessoa e ao oferecer uma alternativa para reprimir a raiva ou ruminar incessantemente a respeito dela.

Em síntese, existem várias maneiras pelas quais a frequência a cultos religiosos pode influenciar positivamente o bem-estar físico e mental de uma pessoa, entre as quais estão o fornecimento de uma rede de apoio social, a oferta de orientação moral clara e a criação de relações de prestação de contas para reforçar um comportamento positivo.

Se você estivesse tentando mapear os fatores que afetam o bem-estar dos fiéis, esse mapa se pareceria mais uma teia do que um fluxograma. As vias causais em cada um desses casos são numerosas, sobrepostas e provavelmente se reforçam mutuamente. Nas igrejas, cada fator que causa bem-estar é potencializado pela combinação com outros fatores.

Não nos surpreende, porém, o fato de que cada uma dessas causas — rede de apoio social, orientação moral e prestação de contas — seja apontada como o papel da igreja no Novo Testamento.

Por exemplo, no Evangelho de Mateus, Jesus prescreve um sistema de prestação de contas escalonado para seus seguidores, o tipo de estratégia que pode ajudar as pessoas a viverem bem umas com as outras (18.15,16). Os cristãos, como comunidade, são chamados a ajudarem uns aos outros a se arrepender, a mudar e a se reconciliar.

A carta aos Hebreus destaca a importância do ensino da igreja, especialmente quando vivido com os outros: “E consideremos como nos incentivarmos ao amor e às boas obras, sem deixar de nos reunir, como é hábito de alguns, mas encorajando uns aos outros, e ainda mais à medida que vemos o Dia se aproximando”(10.24,25, ESV).

Essa prática regular de incentivo e exortação pode explicar alguns dos efeitos da participação em cultos religiosos no apoio social, na redução do divórcio, nos maiores significado e propósito para a vida, na maior satisfação com a vida, em mais doações de caridade, em mais voluntariado e em maior engajamento cívico.

Muitos cristãos, entretanto, experimentam a frequência à igreja não como uma espécie de envolvimento particularmente cativante em um clube, mas como um encontro com o Deus que se fez carne. Na Bíblia, assim como na igreja, vemos o poder de Deus ao lado de forças que podemos estudar.

A metáfora que o apóstolo Paulo faz da igreja como um corpo também pode nos ajudar a entender parte do poder da vida religiosa em comunidade. Em sua primeira carta aos Coríntios, Paulo escreve: “Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora tenha muitos membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, formam um só corpo, assim também com respeito a Cristo. […] O olho não pode dizer à mão: ‘Não preciso de você!’ E a cabeça não pode dizer aos pés: ‘Não preciso de você!’ […] Ora, vocês são o corpo de Cristo, e cada um de vocês é parte desse corpo”(12.12, 21, 27).

Por meio de seus diversos dons e da ajuda que proporcionam uns aos outros, os membros das igrejas são apoiados na fé religiosa e no crescimento espiritual, mas também em questões mais mundanas, desde cuidados durante uma doença até ajuda para encontrar trabalho após uma demissão.

As imagens ligadas ao corpo de que Paulo faz uso não são meramente uma metáfora, mas uma afirmação sobre a intensidade e a realidade da presença de Cristo na igreja e por meio dela. No livro de Atos, as experiências da igreja até parecem contar como as próprias experiências de Cristo: Quando, na estrada de Damasco, Jesus confronta o ainda incrédulo Saulo a respeito de seus ataques à igreja, ele pergunta: “Por que você me persegue?” (At 9.4).

Pensar na igreja como corpo de Cristo estabelece um “dossel sagrado” (para usar uma expressão do sociólogo Peter Berger) sobre todos os aspectos da vida comunitária cristã. Neste contexto, as injunções morais não são apenas bons conselhos, mas repercutem o fogo e o trovejar do monte Sinai, enquanto o servir a pobres e presos não é simplesmente uma boa ação, mas um ministério que Cristo aceita como se fosse feito para ele (Mt 25.37-40). Não é de admirar que a participação em tal comunidade tenha efeitos transformadores em muitos aspectos da vida.

Desnecessário dizer que as pessoas geralmente não se tornam religiosas para acrescentar anos a suas vidas. Não são as tabelas atuariais que fazem os convertidos; é o testemunho dos santos, inclusive os testemunhos mais comuns; a beleza de uma cantata de Bach ou de um hino de Wesley ou mesmo de um sucesso de rádio; as experiências cotidianas de amor, bondade e perdão (para não mencionar a ação do Espírito Santo).

No entanto, está claro que a religião tem implicações importantes para a saúde pública.

Como demonstra a história de William Glass, as comunidades religiosas fornecem uma forte rede de segurança social que outras instituições não podem substituir facilmente. Isso tem implicações importantes, não apenas para as próprias comunidades religiosas, mas também para o aconselhamento e os cuidados de saúde, para políticas públicas e para indivíduos e famílias.

Em primeiro lugar, todos os crentes religiosos deveriam ficar contentes em saber que a frequência aos cultos em particular impacta intensamente a saúde e o bem-estar, e é natural que eles queiram espalhar a notícia.

Mas a promoção da frequência aos cultos não deve ser deixada apenas sob a responsabilidade de frequentadores da igreja e pastores. Por exemplo, podemos nos indagar se médicos não deveriam perguntar a seus pacientes religiosos sobre a frequência aos cultos, quando perguntam sobre tantos outros comportamentos.

Os resultados da pesquisa sobre religião e saúde não implicam que os médicos devam “prescrever” universalmente a frequência a cultos religiosos. Os agnósticos ficariam compreensivelmente relutantes em recitar o Credo apostólico, mesmo que pensassem que isso ajudaria em sua depressão. O devido cuidado também deve ser tomado para com aqueles que, no passado, tiveram experiências negativas ou mesmo sofreram algum abuso em comunidades religiosas; porém, algumas breves perguntas sobre a trajetória espiritual da pessoa já podem ajudar a orientar os profissionais.

Para a maioria dos cristãos, cuja fé lhes diz para se reunirem com outros fiéis, ouvir um médico perguntar se eles têm participado de cultos pode encorajá-los de uma forma que seu pastor ou um membro da família não pode.

Além do nível pessoal, nossas políticas públicas também devem assegurar que as instituições que oferecem esses benefícios possam continuar a fazê-lo.

Economizar dinheiro do governo não é o principal motivo pelo qual as instituições podem obter isenções fiscais. Ainda assim, sempre que reavaliarmos o status de isenção de impostos das igrejas vale a pena levar em conta o quanto de aumento na saúde e no bem-estar nossa nação obtém em decorrência dos cultos religiosos.

A participação religiosa não é simplesmente uma questão relacionada às liberdades civis, mas também uma importante preocupação de saúde pública. Como tal, deve figurar com mais destaque nas discussões de políticas públicas sobre suicídio e outras tendências sociais preocupantes, como o aumento da depressão entre adolescentes ou o declínio nas taxas de casamento.

Quando tentamos resolver problemas sociais, todos nós — e não apenas os cristãos — devemos nos lembrar do papel que a religião desempenha na vida das pessoas. Por exemplo, preocupados com o aumento das taxas de suicídio nos Estados Unidos, muitos pesquisadores e pareceristas se concentraram em fatores importantes, como a prescrição excessiva de opioides ou o declínio nos empregos da indústria.

Nossa própria pesquisa indica que o declínio da frequência a cultos religiosos é responsável por cerca de 40% do aumento nas taxas de suicídio nos últimos 15 anos. Se o declínio na frequência pudesse ter sido evitado, quantas vidas poderiam ter sido salvas?

Os benefícios da participação religiosa para a saúde pública ressaltam a importância de promover e proteger as instituições religiosas e a liberdade religiosa. Eles também sugerem a necessidade de mudanças significativas na forma como as contribuições das instituições religiosas são retratadas na mídia, na academia e além.

Obviamente, muita coisa mudou em meio à pandemia da COVID-19. Muitas comunidades religiosas tiveram de mudar, e decidir se iriam se reunir presencialmente e como iriam fazê-lo por um tempo, para evitar a propagação da doença. Muitas encontraram maneiras de compensar essa perda, pelo menos parcialmente, mudando para cultos virtuais e webcasting, criando grupos de discussão ou de estudo bíblico online, ou ainda encorajando maior devoção, oração e rituais nos contextos pessoal e familiar. Algumas comunidades até criaram a oração e a confissão “drive-through”.

Cada um dessas novas formas certamente é melhor do que nenhuma participação religiosa. No entanto, provavelmente nenhuma delas será um substituto totalmente adequado para os encontros presenciais e a comunidade.

Uma pesquisa recente do Barna Group descobriu que cerca de um terço dos “cristãos praticantes” deixaram de participar do culto comunitário durante a pandemia, e esse grupo relatou níveis mais altos de ansiedade e depressão do que aqueles que ainda adoram de alguma forma.

Quando a atual pandemia passar, será importante retomar as reuniões e os cultos presenciais, em vez de depender inteiramente de alternativas remotas. Além disso, precisamos de uma perspectiva sobre os custos reais para a saúde pública das medidas para mitigar a pandemia. Há um custo real no declínio temporário da frequência aos cultos, o que pode levar a mudanças permanentes nos hábitos de adoração.

Há um perigo aqui que os líderes religiosos devem considerar. Um grande número de igrejas em todo o mundo proclama um “evangelho da prosperidade”, dizendo que Jesus dará a seus seguidores saúde e riqueza, se eles tão-somente tiverem fé suficiente (e tiverem feito “investimentos” suficientes por meio de doações) para reivindicá-la.

Não há razão para pensar que Deus agirá dessa forma, seja com base na Bíblia ou nas descobertas de nossas pesquisas. Por um lado, muitos dos resultados positivos promovidos pela observância religiosa não são caminhos fáceis para a prosperidade, mas sim maneiras de cultivar um espírito de esperança, de perdão e de disciplina em face dos muitos desafios da vida. A conversão de Glass deu-lhe novos recursos para lidar com suas provações e seus problemas, mas dificilmente lhe ofereceu um bilhete de loteria premiado.

Por outro lado, não está claro até que ponto ingressar em uma comunidade religiosa realmente melhora a saúde e o bem-estar das pessoas que entram para uma comunidade apenas com o objetivo de melhorar sua saúde e seu bem-estar, mas há razões para suspeitar que os benefícios não serão tão incríveis neste caso.

Considere uma analogia: o casamento beneficia os cônjuges de muitas maneiras, mas o faz mais intensamente quando os cônjuges amam e desfrutam um do outro por quem são. Talvez, o mesmo aconteça com a religião: como C. S. Lewis sabiamente observou, “mire no céu e você terá a terra ‘por acréscimo’; mire na terra e você não obterá nenhuma das coisas”.

Finalmente, esta pesquisa tem implicações em nível mais individual. Para cerca de metade de todos os americanos que acreditam em Deus, mas não frequentam cultos regularmente, a relação entre frequência a cultos e saúde pode constituir um convite para voltar à vida religiosa comunitária.

Há algo sobre a experiência religiosa comunitária que parece importante. Algo poderoso acontece ali, que melhora a saúde e o bem-estar; e é muito diferente do que vem da espiritualidade solitária, isolada.

Essa pesquisa deve desafiar o número crescente de americanos que se identificam como “espirituais, mas não religiosos”, ou que nutrem dúvidas sobre a religião organizada, a considerar se suas próprias jornadas espirituais não poderiam ser mais bem realizadas em uma comunidade de adoradores com ideias semelhantes e sob a disciplina de uma tradição de fé e prática testada e comprovada.

Nossa pesquisa sugere que aqueles que deixam de se reunir (Hb 10.25) provavelmente perdem algo da experiência religiosa que é poderoso tanto para a saúde quanto para muitos outros aspectos. Os dados são claros: ir à igreja continua sendo fundamental para o verdadeiro florescimento do ser humano.

Tyler J. VanderWeele é professor de Epidemiologia da cátedra John L. Loeb e Frances Lehman Loeb, na T. H. Chan School of Public Health de Harvard, e diretor do Human Flourishing Program da Harvard University. Brendan Case é diretor associado de pesquisa do Human Flourishing Program da Universidade de Harvard e autor de The Accountable Animal: Justice, Justification, and Judgment (T&T Clark).

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Suicídio de adolescentes: igreja não pode passar mensagens contraditórias sobre saúde mental

Como os ministérios podem ajudar a conseguir o apoio de que os jovens precisam.

Christianity Today October 22, 2021
Don't Give Up Signs

Neste verão, apareceu nos gramados por toda a cidade uma enxurrada de placas que testemunhavam o que havia acontecido em nossa região, no ano anterior. Vários suicídios de adolescentes abalaram nossa pacata comunidade do Vale Willamette, no Oregon, e as pessoas ficaram compreensivelmente consternadas.

Fizemos os tipos de perguntas que as comunidades devem enfrentar, quando ficam chocadas e abaladas por tragédias semelhantes: Por quê? Por que os adolescentes estavam tirando sua vida? Quem era o culpado por seu desespero? O que poderia ser feito para conter a maré de perdas?

As placas brancas e pretas, não maiores do que aquelas que proliferam durante a temporada de eleições, foram a resposta de uma mãe a essas perguntas. Em uma manhã de um fim de semana, Amy Wolff colocou 20 placas pela cidade, cada uma com um slogan singular: “Você é importante”. “Não desista.” “Seus erros não te definem.” “Você é digno de amor.” Em apenas algumas semanas, a campanha de Wolff se espalhou para outras comunidades do Oregon e de estados vizinhos.

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Evidências de relatos sugerem que jovens, incluindo alunos das escolas de Newberg, encontraram esperança nessas mensagens; Wolff conta ter ouvido pessoas que foram encorajadas a não desistir de viver, apesar de seu desespero.

No entanto, para nossa comunidade — e para muitos outras em que uma morte autoimposta é inaceitável — uma pequena campanha de positividade, ainda que significativa, não pode ser o fim dos esforços para combater o suicídio de adolescentes. Embora afirmar que “Você é importante” seja um passo significativo para ajudar aqueles que lutam com o diagnóstico de doenças mentais, as comunidades precisam tomar outras ações relevantes para alcançar aqueles que lutam a cada momento com o desespero e a ideação suicida, especialmente em idade tão jovem.

De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, a taxa de suicídio de garotas de 15 a 19 anos dobrou entre 2007 e 2015, e houve um aumento menor, embora significativo, nas taxas de suicídio de garotos. Um artigo da Time, no final de 2016, apontou que, embora tenha havido um aumento substancial de adolescentes com depressão, o país não viu um crescimento correspondente nos recursos para alternativas de saúde mental.

Segundo um estudo de 2014, mais de três milhões de adolescentes nos Estados Unidos tiveram um episódio depressivo grave no ano anterior e, ainda assim, a maioria das escolas e comunidades continuam despreparadas para enfrentar esses desafios. Dadas essas estatísticas surpreendentes, os jovens de nosso país enfrentam uma grande crise de saúde mental: uma crise que a igreja e sua missão a favor da vida precisam enfrentar com urgência e compaixão.

Agora, como nunca antes, os cristãos estão reconhecendo a necessidade de alcançar pessoas com diagnóstico de saúde mental. Escritores como Sarah Lund e Amy Simpson mencionam o estigma que muitas vezes acompanha a doença mental e desafiam os leitores a vê-la pelo que ela é: um problema de saúde causado por mudanças fisiológicas no cérebro e que pode trazer grande sofrimento, especialmente se não for tratado.

No entanto, para muitos, o estigma da doença mental permanece, e aqueles na igreja que recebem esse diagnóstico muitas vezes sofrem em silêncio. Tendo ouvido que a alegria do Senhor é a sua força ou que eles precisam apenas orar mais para serem curados, ou ainda que a felicidade acompanhará os que creem, muitos que sofrem de doenças mentais mantêm seus diagnósticos em envergonhado segredo.

Um desses que sofreram em silêncio foi Madison Holleran, uma atleta da Ivy League que, com alguns meses em seu primeiro ano de faculdade, tirou a própria vida em 2014. Sua história é contada no excelente livro de Kate Fagan, What Made Maddy Run: The Secret Struggles and Tragic Death of an All-American Teen. Na obra, Fagan — uma colunista da ESPN — narra os últimos meses da vida de Madison Holleran, usando entrevistas com familiares e amigos, junto com seus textos, e-mails e contas de mídia social, para reunir as possíveis forças que levaram Holleran a tomar sua decisão final.

Pelo que parecia, a vida de Holleran era perfeita, e as plataformas de mídia social da jovem de 18 anos mostravam uma identidade sempre feliz e sempre positiva. Mesmo durante sua longa batalha de meses contra uma doença mental que se agravava, Holleran tentou demonstrar ser uma persona diferente, tornando sua morte ainda mais chocante para muitos que a conheciam bem.

Enquanto Fagan se abstém de identificar qualquer razão singular pela qual Holleran tenha tirado sua própria vida, sua obra sugere que o estresse de ser uma atleta universitária teve uma participação nisso. A experiência de Holleran como corredora de cross-country da Penn State reflete a intensa pressão exercida sobre os jovens atletas.

O que é mais significativo é o fato de a maioria das pessoas com doenças mentais apresentar o início de seu transtorno no final da adolescência ou no início da idade adulta; para muitos, a transição para a faculdade agrava os sintomas, ao mesmo tempo em que isola a pessoa que sofre desse transtorno, que muitas vezes fica longe do apoio da família e de amigos próximos. A conectividade propiciada pela internet faz pouco para mitigar esse isolamento; no caso de Holleran, compelida a apresentar as melhores imagens possíveis de sua vida na Penn, as redes sociais intensificaram sua solidão, em vez de aliviá-la.

Parte dos relatórios de Fagan incluía a análise dos textos de Holleran e seu histórico de navegação. Embora não haja nenhuma indicação de que ela tenha sofrido bullying online, este é outro medo dos pais que acompanham o acesso à Internet e sua relação com o suicídio, provavelmente por um bom motivo. Em um recente processo judicial, Michelle Carter foi considerada culpada de homicídio involuntário por convencer seu namorado a tirar a própria vida; o documentário Audrie and Daisy (Netflix) fornece evidências assustadoras de que o bullying online pode ter consequências devastadoras, especialmente para meninas adolescentes que foram abusadas sexualmente.

Infelizmente, uma simples campanha com placas dizendo que “Você é importante” provavelmente não teria sido suficiente para alcançar alguém que lutava tão intensamente com uma doença mental, como Holleran presumivelmente lutou. Ainda assim, a ideologia sobre a qual a campanha foi fundada deve estar no cerne do engajamento da igreja para com os jovens que lutam com o diagnóstico de doenças mentais: a ideia de que cada pessoa é importante, pois cada uma é portadora da imagem de nosso Criador.

Muitas vezes, porém, nossas igrejas têm passado mensagens contraditórias, na melhor das hipóteses. Algumas congregações transmitem que nossos erros realmente nos definem e que os marginalizados não são realmente importantes o suficiente para instituirmos qualquer mudança real e duradoura na maneira como as igrejas atuam. O legalismo aparentemente rígido de alguns cristãos transmite a sensação de que precisamos ser perfeitos — quase que sem pecado — para fazer parte de uma comunidade cristã; não é surpreendente que uma simples pesquisa no Google sobre “ser perfeito como cristão” produza mais de cinco milhões de fontes. Embora reconheçamos nossa imperfeição como seguidores de Jesus, também ouvimos que aqueles com fé não lutarão — ou, com certeza, não mencionarão suas lutas em suas igrejas.

Quando li What Made Maddy Run, eu me perguntei como a vida de Holleran e a campanha “Você Importa” de Wolff poderiam inspirar as igrejas a pensarem de forma diferente sobre jovens de suas comunidades que sofrem de doenças mentais. O que significaria deixar que os jovens soubessem — realmente soubessem — que eles são importantes? O que significaria deixá-los saber que seus erros não os definem e que não devem desistir de viver, mesmo quando os desafios do diagnóstico de doenças mentais os deixarem atordoados?

Um dos mitos em torno do suicídio é que quanto mais é discutido, mais provável é que os jovens pensem em recorrer a ele. Pesquisas mostram que esse não é o caso e que falar sobre ideação suicida não aumenta o risco de suicídio. As igrejas precisam discutir o suicídio mais abertamente com seus jovens, e aqueles que têm lutado contra pensamentos de automutilação (e acredite, essas pessoas existem em todas as congregações) estão na posição perfeita para ajudar a impulsionar essas discussões.

Em minha comunidade natal, Nate McIntyre, conselheiro de admissões da George Fox University, tem falado para grupos de ensino fundamental e médio sobre suas experiências com depressão, ansiedade e pensamentos sobre suicídio. As palestras de McIntyre têm sido uma forma de abordar o suicídio de adolescentes diretamente com eles, permitindo que vejam que pessoas reais passaram por isso e sobreviveram (e até prosperaram) apesar da doença mental.

As discussões que tiram o estigma do suicídio também exigem que mudemos a linguagem que usamos para falar sobre esse assunto. Podemos estar inclinados a dizer que o suicídio é um “ato egoísta” ou que os jovens “desistiram de viver”, mas é importante reformular nossa linguagem para reconhecer que, na maioria das vezes, o suicídio surge da doença de uma pessoa e como tentativa de acabar com um sofrimento profundo e persistente. Sabendo disso, dizer, por exemplo, que alguém “cometeu suicídio” é problemático, pois a conotação é que o suicídio é um crime a ser cometido, e não um trágico ato de desespero.

Identificar o desespero que pode acompanhar a doença mental pode ser um trabalho difícil, assim como caminhar ao lado de quem enfrenta os desafios de ser pai de um adolescente com doença mental. A tendência humana de evitar o desconforto às vezes significa que aqueles que estão lutando enfrentam um isolamento cada vez maior, quando o que mais precisam é de conexão com outras pessoas. No entanto, estar confortável é território dos privilegiados. Os seguidores de Jesus são chamados a se aproximar, e não a se afastar, daqueles que precisam de apoio, amor e reconhecimento da sua existência e dignidade, independentemente dos desafios que enfrentam.

Finalmente, aqueles que trabalham com jovens nas igrejas precisam fazer da prevenção do suicídio uma prioridade, por meio de discussões e fóruns, mas também informando os adolescentes sobre os recursos disponíveis para eles em suas comunidades locais. Esse esforço precisa ser abrangente e não deve ter como alvo apenas aqueles que supomos estar deprimidos. A obra What Made Maddy Run fornece o lembrete importante de que, às vezes, não conseguimos identificar com facilidade aqueles que estão lutando, e é crucial treinar todos os adolescentes para reconhecerem os sinais de alerta que podem levar ao suicídio.

Quando não existirem recursos, é imperativo que as próprias igrejas preencham a lacuna, fornecendo uma rede de apoio para as pessoas em sua comunidade que estejam passando por dificuldades. E as igrejas precisam permanecer conectadas aos jovens adultos em suas congregações, uma vez que eles se formem no ensino médio e sigam em frente. Como Fagan observa em What Made Maddy Run, este é um momento crucial para os jovens, e conexões autênticas com outras pessoas, em casa ou em qualquer outro lugar, são vitais.

Meus filhos e eu conversamos sobre as mortes de adolescentes que ocorreram em nossa cidade natal; eles estão começando a entender a gravidade da doença mental e também como chegar nos colegas que estão passando por dificuldades. Sou grata pela campanha “Você Importa” promovida por Wolff, pois gerou consciência em minha cidade natal, e tenho mais confiança de que, se meus filhos precisarem de ajuda, eles encontrarão muitos recursos e uma comunidade amorosa para apoiá-los. Também sou grata pelo fato de que outras igrejas locais estejam mudando o discurso sobre o suicídio. A Igreja Red Hills, de Newberg, até mesmo fez um componente central de sua declaração de missão dizer que “não há problema no fato de a pessoa não estar bem”, e está fazendo um trabalho intencional e necessário para alcançar aqueles que estão sofrendo.

Nestes tempos em que adolescentes desesperados são bombardeados com um milhão de imagens dizendo que todo mundo está bem, esse é o tipo de mensagem que eles precisam ouvir. O livro What Made Maddy Run, de Fagan, deixa esse ponto claro. E assim, como o livro de Fagan também informou minha compreensão da doença mental, pretendo fazer desta obra uma parte regular do seminário que ensino. Assim como outros adolescentes, quero que os alunos, a começar pelos da George Fox University, reconheçam que eles são importantes. Essa é a mensagem que eles precisam ouvir, não uma ou duas vezes, mas continuamente.

Melanie Springer Mock é professora de inglês na George Fox University e autora ou editora de cinco livros, incluindo Worthy: Finding Yourself in a World Expecting Someone Else (publicado pela Herald Press em abril de 2018). Seus ensaios e resenhas foram publicados em The Nation, The Chronicle of Higher Education, Adoptive Families e Mennonite World Review, entre outros. Ela, o marido e os filhos moram em Dundee, Oregon.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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O casamento cristão exige que sondemos nossos desejos, não que os ocultemos

Ser fiel a um cônjuge requer viver em comunidade, buscar a Deus diariamente e aprender com nossos irmãos e irmãs celibatários.

Christianity Today October 22, 2021
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Alexander Krivitskiy / Jake Pierrelee / Roksolana Zasiadko / Unsplash / Pexels

Neste verão, meu marido e eu celebramos 20 anos de casados. Estamos juntos agora por quase tanto tempo quanto vivemos solteiros — uma façanha que se tornou possível pelo fato de nos casarmos logo que saímos da faculdade.

Em um passado não muito distante, casais que se casavam jovens estabeleciam as bases para uma vida juntos. Valores culturais, religiosos e pessoais significavam que esses casamentos fundados na “pedra angular” acabariam passando naturalmente pelas bodas prata, rubi e ouro. Se o casamento era feliz, fiel ou mesmo seguro muitas vezes não vinha ao caso.

Hoje, porém, nossa visão cultural sobre o divórcio mudou, assim como nossa compreensão do casamento. Enquanto no passado os laços sociais e culturais mantinham o casamento (às vezes prendendo vulneráveis em uniões abusivas e perigosas), hoje o peso recai sobre os indivíduos. Para ficarem juntos, os casais agora devem querer ficar. Hoje a pergunta não é se somos felizes em nosso casamento, mas se poderíamos ser mais felizes fora dele.

Para tornar as coisas ainda mais difíceis, a natureza mutável do casamento significa que esperamos mais de nosso cônjuge. A famosa terapeuta de relacionamentos Esther Perel observa que pedimos à mesma pessoa que nos forneça pertencimento e identidade, continuidade e transcendência, conforto e ousadia, previsibilidade e surpresa.

“Estamos pedindo a uma só pessoa”, diz Perel, “o que antes uma aldeia inteira costumava oferecer”.

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E quando temos expectativas assim tão altas, inevitavelmente ficaremos desapontados. Perel chama esse enigma de “crise do desejo” porque, no casamento moderno, o desejo desempenha um papel desproporcional não apenas no sentido de unir os casais, mas também no sentido de que permaneçam casados.

Então, o que devemos fazer? Como buscarmos a fidelidade em uma cultura que eleva o desejo acima de tudo? A questão não é se seremos atraídos por outra pessoa que não seja nosso cônjuge, mas o que faremos quando isso acontecer. Como reagiremos — não quando estamos infelizes — mas quando pensamos que poderíamos ser potencialmente mais felizes? Cultivamos e alimentamos essas atrações, permitindo que fervam em fogo lento?

“Para caminhar segundo uma ética sexual sagrada e saudável”, escreve Dorothy Greco em sua obra Marriage in the Middle:Embracing Midlife Surprises, Challenges, and Joys, “devemos refutar os ensinamentos equivocados e reconhecer quando a cultura está nos induzindo ao erro”.

Mas, em vez de cerrar os dentes e perseverar até o fim, Greco sugere que o caminho para a fidelidade de longo prazo passa por compreender melhor o desejo e a atração. “Também precisaremos reconhecer o poder da sexualidade que nos foi dada por Deus”, ela continua, “nos tornar conscientes de nossas áreas de tentação e encontrar o equilíbrio entre autocontrole e expressão sexual”.

Infelizmente, muitos de nós somos pegos de surpresa pela tentação, em parte porque não entendemos nossas próprias atrações e desejos. Em vez de aprender a sondar esses sentimentos, muitas vezes optamos por reprimi-los e furgir, apenas para ficar surpresos quando somos arrebatados por uma conexão ou atração inesperada por outra pessoa.

“A repressão e a fuga têm nome cristão, mas estilo de vida pagão”, escreve Rachel Gilson. Confiam na vontade para suprimir o desejo, em vez de confiarem em Cristo para transformá-lo. Uma das maiores acusações contra essas abordagens, na opinião de Gilson, é que “ninguém precisa de Jesus Cristo para colocá-las em prática”. E “um sistema que não precisa de Jesus não é significativamente cristão”.

A esse respeito, é essencial aprendermos a encarar o desejo de frente, não para minar a fidelidade, mas sim para buscá-la.

Para orientação, podemos olhar para os cristãos que já estão trilhando esse caminho da autoconsciência, especialmente aqueles cuja experiência em termos de atração não foi perfeita nem simples. Pessoas de minorias sexuais, por exemplo, muitas vezes estão profundamente cientes das atrações que sentem precisamente porque não se alinham com as de seus pares. E essa consciência lhes concede a perspectiva e o conhecimento de que o restante de nós precisa.

A comunidade evangélica despendeu muita energia para conversação debatendo e até policiando o modo que membros fiéis de minorias sexuais definem sua experiência relativa à atração. Eles podem se dizer gays, ou isso eleva a identidade sexual acima da identidade em Cristo? (Tanto o encontro nacional da Convenção Batista do Sul quanto a Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana da América abordaram de alguma forma essa questão neste verão).

Embora esses debates sejam importantes, talvez nosso tempo fosse mais bem empregado aprendendo com irmãos e irmãs que estão sacrificialmente comprometidos com o ensino cristão tradicional sobre o casamento. Suas experiências relativas à atração (ou à falta de atração) não culminarão em casamento ou em uma união estável, o que significa que eles são os únicos adequados para nos ensinar a como lidar fielmente com as nossas experiências.

A vida deles atesta o fato de que sentir atração por alguém não significa que tenhamos de ficar com essa pessoa, da mesma forma que sentir atração por alguém que não seja seu cônjuge não significa o fim de seu casamento.

Aprender a sondar os desejos e as atrações que sentimos — e a como distinguir um do outro — tem o potencial não apenas de acabar com o distanciamento entre LGBTs e crentes heterossexuais, mas também de preparar os casais para uma fidelidade vitalícia. Essa clareza e nuance trilharão um longo caminho, quando você se sentir atraído por alguém que não seja seu cônjuge.

Mas ter como objetivo um casamento para a vida inteira requer ainda mais do que conhecer os próprios desejos. Devemos entender que, embora o desejo de ser conhecido e amado seja dado por Deus, querer que uma única pessoa satisfaça todas essas necessidades não é algo que vem de Deus.

Talvez seja hora de resgatarmos a comunidade.

Quando os autores do Novo Testamento falam sobre a vida sexual das pessoas, eles o fazem no contexto da comunidade dos crentes. Ao contrário de nossa noção moderna de casamentos e famílias nucleares como blocos distintos na construção da sociedade, as epístolas refletem a visão de uma comunidade maior na qual os casamentos e as famílias existem. E esta comunidade é composta por muitos membros diferentes, todos reunidos como corpo de Cristo.

Nesse sentido, comunidades saudáveis apóiam o casamento para a vida inteira, não por pressão ou expectativa dos pares, mas por expandir os tipos de relacionamento que cada cônjuge pode acessar. Aqui, na família de Deus, podemos aprender a nos relacionar como pais, mães, irmãs e irmãos. E, com esses relacionamentos, aprendemos a ser maridos e esposas melhores, ao mesmo tempo em que amenizamos o quanto esperamos um do outro.

Mas nesse ponto também devemos ter cuidado. Um grupo de pessoas não pode se tornar nossa fonte suprema de vida, amor e transcendência, não mais do que qualquer outra pessoa pode. Viver fielmente em comunidade e no casamento significa aprender o que muitos de nossos irmãos e irmãs solteiros já sabem.

Nas palavras da escritora Vivian Warren: “O amor de Jesus nunca falhará como os amores humanos costumam falhar; ele também me levará para o outro mundo quando chegar a hora”.

Com base nesse amor, podemos voltar às nossas uniões como pessoas inteiras, comprometendo-nos novamente com a vocação do casamento. Não confiamos em nossos desejos nem mesmo nos anos que já investimos nessa relação. Em vez disso, fazemos nossos votos diariamente e confiamos que aquele que promete nos guardar fielmente até o fim também nos manterá fiéis uns aos outros.

Hannah Anderson é autora de Made for More, All That’s Good, and Humble Roots: How Humility Grounds and Nourishes Your Soul.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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Postar sem cessar? Como as redes sociais remodelam nossa vida de oração

Embora a intercessão no Instagram possa parecer um fenômeno exclusivo do século 21, os cristãos do primeiro século já oravam à distância.

Christianity Today October 14, 2021
Illustration by Cassandra Roberts / Source image: Duncan1890 / Getty

Milhares de pessoas oraram por Sarah Walton. A maioria delas Sarah nunca chegou a conhecer.

Nos últimos dez anos, Sarah Walton, a co-autora do best-seller Hope When It Hurts, sofreu com uma doença crônica, várias cirurgias para uma lesão debilitante no pé, estresse financeiro decorrente da perda do emprego do marido e uma mudança pelo país com quatro crianças que também têm problemas de saúde significativos e necessidades especiais.

Todos os dias, seus canais nas redes sociais recebem notificações de que seus amigos estão intercedendo por ela.

“Quando entro no Facebook ou no Instagram, vejo pessoas de todo o país dizendo que estão orando”, ela me disse. “Eles deixam emojis de mãozinhas orando. Eles enviam mensagens pelo direct com as coisas específicas pelas quais oraram naquela manhã”.

Os parceiros de oração de Sarah não são todos seus amigos no sentido tradicional da palavra — ela nunca compartilhou um café ou uma conversa cara a cara com muitos deles —, mas são cristãos que se importam o suficiente para pedir a cura dela a Deus.

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Em uma era online — e especialmente durante uma pandemia que transferiu muitas das interações para as plataformas virtuais — a experiência de Sarah Walton não é algo estranho. A maioria de nós já viu pedidos para orar por alguém nas redes sociais, e muitos de nós já reservamos um momento para orar.

Interceder no Instagram pode parecer um fenômeno exclusivo do século 21, mas as pessoas já oravam à distância no primeiro século. Como suas cartas testificam, o apóstolo Paulo tinha por hábito orar por pessoas que não estavam com ele — e às vezes até por pessoas que nunca conheceu.

A mídia social é uma ferramenta imperfeita para a oração; suas interações superficiais e efêmeras não se prestam prontamente ao trabalho árduo da batalha espiritual. Mas o exemplo de oração de Paulo nos desafia de várias maneiras — ensinando-nos como é possível usar até mesmo o TikTok para o bem espiritual.

Proximidade

“Quem é meu próximo?”, pergunta que um intérprete da lei fez a Jesus (Lucas 10.29), é uma pergunta importante para a nossa época. Nas mídias sociais, atualizações de pessoas da nossa igreja local aparecem lado a lado com solicitações de amizade de pessoas que nunca conhecemos. Queremos genuinamente amar nosso próximo, mas os limites da proximidade online se estendem pelo mundo todo. E todos precisam de oração.

Rosaria Butterfield, autora de The Gospel Comes with a House Key, não está no Twitter, nem no Facebook ou no Instagram. Ela não posta em um canal do YouTube nem usa o aplicativo do Clubhouse. Em vez disso, ela se comprometeu a amar seus próximos — literalmente falando, seus vizinhos de porta e aqueles que moram na sua rua.

Rosaria usa exclusivamente uma plataforma de rede social baseada na vizinhança e chamada Nextdoor. “Eu dou uma olhada na Nextdoor pela manhã para ver como posso orar por meus vizinhos, mas também para saber como posso ajudá-los”, ela me disse. “Uma dose diária passeando com o cachorro de alguém, tirando o lixo de outra pessoa e abrindo espaço na mesa de casa para o filho de outra pessoa participar do homeschooling me faz bem à alma. Também é bom para toda essa coisa de amar a Deus e ao próximo”. Para Rosaria Butterfield, o trabalho de orar pelos outros fica melhor quando unido ao trabalho tangível de dar a essas pessoas uma mão amiga. E ela só consegue fazer isso quando prioriza a proximidade.

Paulo também valorizou os relacionamentos de oração enraizados em interações face a face. Em sua carta aos colossenses, Paulo elogia Epafras, o pastor de Colossos. Epafras lutava em oração pelas pessoas de sua congregação — pessoas que compartilhavam refeições e assumiam o ministério com ele —, e continuou a orar por elas quando estava fisicamente distante (Colossenses 4.12,13). Embora a mídia social nos dê inúmeras oportunidades de orar por quase qualquer pessoa, Paulo nos ensina a começar com as pessoas de nossa igreja ou que moram na mesma rua.

Mutualidade

As pessoas em nossas igrejas e comunidades locais também estão mais propensas a orar por nós. Os pedidos de oração publicados nas redes sociais costumam ser uma via de mão única — mas os relacionamentos de oração florescem melhor quando são mútuos. Todas as vezes que Paulo orava pelas igrejas, ele também pedia que orassem por ele (1Coríntios 1.4-9; 2Coríntios 1.11). Ele não mandava um emoji com mãozinhas unidas em oração apenas; ele convidava as igrejas para um relacionamento.

Há um ano, Alex e Maggie Halbert vêm levantando sustento para mudarem para o campo missionário em Honduras. Eles regularmente enviam e-mails com necessidades de oração e pedidos de ajuda financeira para igrejas dos Estados Unidos inteiro. Certo dia, porém, sua caixa de entrada trouxe uma surpresa. “Uma das igrejas que nos sustentam nos enviou pedidos de oração”, disse Alex. “Isso nos encorajou e nos deu um senso mais profundo do que significa sermos parceiros em prol do evangelho. Sentimos que poderíamos ser participantes, e não apenas destinatários”.

Invisibilidade

Recentemente, o Facebook vem testando um recurso de “postagem de oração” que permite que as pessoas compartilhem pedidos de oração e respondam a eles. Com um clique, os usuários podem notificar o autor da postagem — e o resto do mundo — de que estão orando pelo pedido.

Esses símbolos visíveis de oração podem ser encorajadores para um amigo necessitado, mas também criam perigo espiritual para a pessoa que está orando. O desafio, disse Rosaria Butterfield, é que “a maioria das plataformas de rede social privilegia a sinalização de virtude em detrimento da própria virtude”. O próprio Jesus nos lembra que a obra da oração é melhor realizada em secreto (Mateus 6.6), contexto em que ninguém pode ficar impressionado com a nossa piedade.

Obviamente, a atração das mídias sociais geralmente se baseia no que é visível. Para usuários de plataformas como Instagram e Facebook, a experiência gira em torno da capacidade de compartilhar imagens ou vídeos — permitir que amigos e seguidores vejam algo. A oração, em contraste, é uma ferramenta espiritual usada em locais secretos para fins espirituais. E esses fins geralmente são invisíveis.

Quando Paulo orava por outros cristãos, suas orações se concentravam em objetivos espirituais invisíveis. Ele orava para que eles tivessem sabedoria, conhecimento de Cristo, esperança, riquezas espirituais, confiança no poder de Deus e amor pela igreja (Efésios 1.17-23). Ninguém consegue postar fotos de nenhuma dessas coisas.

Embora certamente seja bom e correto orar por respostas tangíveis — por exemplo, por cura física (Tiago 5.13-18) e pelo pão nosso de cada dia (Mateus 6.11), coisas pelas quais recebemos ordem para orar —, não podemos permitir que a natureza visual das interações online limite nossas petições (ou alimente nosso orgulho). Só porque não há fotografia, não significa que o Senhor não esteja trabalhando.

Tenacidade

“A oração muda as coisas”, disse Sarah Walton, “mas a oração também muda as pessoas que oram”. Ela relata as maneiras pelas quais Deus mudou seu próprio coração ao longo de anos de provações. Embora ela orasse por atos específicos de cura, agora ela ora frequentemente para que Deus lhe mostre mais de si mesmo.

“Se as pessoas orassem por mim apenas uma ou duas vezes, não teriam a chance de ver como meu coração e minhas próprias orações amadureceram ao longo desta jornada”, disse ela. As pessoas que permanecem — seja na vida real, seja online — são as que podem ver o que Deus está fazendo na vida de Sarah. Uma das características mais marcantes das intercessões de Paulo era a sua tenacidade. Ele relatou às igrejas que orou por elas “noite e dia” (1Tessalonicenses 3.10), por um longo período de tempo. Cristo também encorajava seus seguidores a “orar sempre e nunca desistir” (Lucas 18.1). Em um mundo de stories online que desaparecem em um intervalo de 24 horas, o Senhor se delicia com a longevidade.

Na verdade, não é errado orar uma vez por alguém, mas assim talvez nunca vejamos qualquer resultado. As respostas às orações geralmente vêm depois de um longo período de tempo. As pessoas que conseguem ver o que Deus está fazendo são as que continuam por perto, orando e esperando misericórdias temporais e crescimento espiritual.

A rolagem sem fim do feed de notícias das redes sociais e sua gratificação instantânea podem não ser ideais para cultivar uma rica vida de oração, mas a situação não é desesperadora. O exemplo de Paulo — de proximidade, mutualidade, invisibilidade e tenacidade — pode moldar nossos hábitos de oração. Suas orações deliberadas, escritas à bico de pena, mudaram o mundo. Talvez, se seguirmos seu exemplo, nossas intercessões no Instagram façam o mesmo.

Megan Hill é editora da rede The Gospel Coalition e autora de vários livros, incluindo Praying Together e Partners in the Gospel.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

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Não espere pela esperança. Trabalhe por ela.

Mesmo durante uma pandemia, temos o dever de antever a bondade de Deus.

Christianity Today October 8, 2021
Nataliia Chubakova / Getty Images

A primeira coisa a ser cancelada foi a viagem que ela ganhou para Boston. Em seguida, foi seu estágio de verão na companhia de teatro local, seguido pelo curso de negócios que ela queria fazer para obter crédito na faculdade. Dezoito meses de decepções finalmente vieram à tona na semana passada, enquanto eu e minha filha de 17 anos estávamos discutindo uma possível viagem de formatura. “Mãe,” — interrompeu ela, com a voz levemente trêmula — “eu não consigo falar sobre isso. Não aguento ficar empolgada. Dói demais quando as coisas são canceladas”.

Os comentários dela me lembraram dos danos colaterais provocados pela pandemia: a capacidade de sonhar, planejar e ter esperança no futuro.

Como cristãos, acreditamos que a esperança é parte importante de nossa fé compartilhada, bem como de nossa caminhada pessoal. Mas as Escrituras sugerem algo mais radical: a esperança não é privilégio dos naturalmente otimistas; é responsabilidade de todos os que creem. A esperança é o meio pelo qual alinhamos não apenas nossos planos, mas também a nós mesmos com Deus. É assim que caminhamos em direção ao futuro que ele está preparando para nós, a fim de nos juntarmos a ele lá.

Talvez a passagem mais citada (e mais mal compreendida) sobre olhar para o futuro com esperança seja Jeremias 29.11: “‘Pois eu sei os planos que tenho para vocês’, declara o Senhor, ‘planos para fazê-los prosperar e não para prejudicar vocês, planos para lhes dar esperança e um futuro’”.

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Os cristãos muitas vezes interpretam isso como uma promessa genérica de que “coisas boas estão à espera na próxima esquina”. Se apenas mantivermos uma atitude mental positiva, podemos saber que Deus tem #bênçãos guardadas.

Contextualmente falando, no entanto, esta promessa foi feita aos judeus recentemente exilados na Babilônia. O remanescente fiel acatou as advertências de Jeremias de se submeter ao julgamento vindouro, e agora, na Babilônia, eles receberam uma carta dele dizendo-lhes para se estabelecerem ali. Na esteira das incertezas e perdas, eles são convidados a assumir compromissos de longo prazo, como casar, construir casas e plantar jardins.

Imagine como seria difícil construir uma casa quando cada pedra os lembrava daquelas que eles perderam. Como seria difícil plantar sementes, sabendo quanto tempo levam para crescer e que eles ainda podiam estar na Babilônia quando isso acontecesse. Como seria difícil casar, constituir uma família e trazer novas vidas ao mundo, quando seus entes queridos acabaram de ser ceifados desta terra.

A promessa de Deus não é um ímã de geladeira. É um chamado para o árduo trabalho da esperança. E esse trabalho da expectativa, como podemos chamá-lo, é o que nos leva adiante de várias maneiras.

No mínimo, nos ensina a confiar em uma pessoa, e não em nossos planos. Como Tiago coloca, temos de dizer: “Se for a vontade do Senhor, viveremos e faremos isto ou aquilo” (4.15). Significa apoiar-se na verdade de que “o ser humano planeja seu caminho, mas o Senhor determina seus passos” (Provérbios 16.9).

Mas confiar o futuro a Deus não significa negar nossas dificuldades presentes nem deixar de planejar por nós mesmos o futuro. Assim como devemos evitar a positividade superficial, também devemos evitar o fatalismo, especialmente quando revestidos de uma linguagem espiritual.

Durante uma recente coletiva de imprensa, por exemplo, o governador do Mississippi, Tate Reeves, sugeriu que os sulistas tinham menos medo da COVID-19 porque acreditavam no céu. “Quando você crê na vida eterna — quando crê que viver nesta terra é apenas um pontinho na tela”, disse ele, “então, você não precisa ter tanto medo das coisas”.

Embora nossa esperança em Deus seja uma esperança eterna, ela não ignora nossa vida presente como um “pontinho na tela”. Nossa esperança é tão relevante para nossas experiências presentes quanto para as futuras, precisamente porque nossa vida terrena carrega consigo expectativas e promessas próprias: envelhecer para ver os netos crescerem, realizar um projeto ligado a sua paixão ou deixar um legado para aqueles que virão depois de você. A esperança realiza o árduo trabalho de desejar essas coisas, mesmo quando as confiamos a Deus.

E aqui está algo ainda mais surpreendente. O capítulo 11 de Eclesiastes sugere que se render aos planos de Deus, na verdade, leva a mais planejamento, mais expectativa e a um senso cada vez maior de possibilidades na vida presente. Em vez de nos deixar desamparados, colocar nossa confiança em Deus nos dá o que precisamos para continuar trabalhando e esperando.

“Quem olha o vento não plantará; quem olha para as nuvens não colherá”, escreve o Pregador. “[Mas] assim como você não conhece o caminho do vento, nem como o corpo é formado no ventre materno, também não pode entender a obra de Deus, o Criador de todas as coisas” (Eclesiastes 11.4-5).

Aqueles que ficam à espera do “momento certo” — quando tudo estiver perfeito e não houver ameaça de perda — nunca planejarão nem plantarão nada. Mas o fato de não sabermos o que o futuro nos reserva também significa que não sabemos quais coisas boas Deus está planejando. Assim, o Pregador conclui, “lance sua semente pela manhã e à noite não deixe suas mãos paradas, pois você não sabe o que terá sucesso, se isto ou aquilo, ou se ambas as coisas serão igualmente boas” (v. 6 ).

É precisamente porque não conhecemos os planos específicos de Deus que devemos nos ocupar em imaginar uma centena de maneiras diferentes pelas quais ele possa estar trabalhando. Pois, enquanto alguns (ou até mesmo muitos) de nossos planos são fadados ao fracasso, os de Deus não são. Com isso em mente, podemos dar um passo de esperança e expectativa.

Como Andy Crouch observou recentemente: “O antídoto para tantas de nossas ansiedades […] é, paradoxalmente, entrar em um cenário de risco mais amplo, no qual a ansiedade será menor porque nossa confiança, nossa obediência e, por fim, nossa maturidade serão maiores”.

Ao ceder o controle do futuro a Deus, garantimos que teremos um futuro. Pode não ser aquele que antecipamos nem mesmo aquele que escolheríamos, mas ficamos encorajados por saber que seus planos não podem ser frustrados.

Essa é a natureza surpreendente da esperança cristã. É uma esperança que passa pelo sofrimento e pela perda porque sabe que Deus determina nossos passos. É a mesma esperança que Jesus demonstrou quando “pela alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e se assentou à direita do trono de Deus” (Hebreus 12. 2).

No final, os exilados judeus podiam assumir compromissos de longo prazo, como casar, construir casas e plantar jardins, não porque haviam perdido a esperança de retornar a Israel, mas porque colocaram sua esperança em Deus. Eles confiaram que, um dia, ele cumpriria suas promessas, quando e como achasse adequado. Enquanto isso, eles poderiam seguir em frente com a vida que ele lhes dera. Eles podiam planejar com expectativa porque confiavam que Deus planeja com expectativa.

Da mesma forma, “as pessoas que acreditam na ressurreição, e no fato de que Deus criará um mundo totalmente novo, no qual tudo será finalmente restaurado”, diz N. T. Wright na obra Surprised by hope [Surpreendidos pela esperança], “estão incessantemente motivadas a trabalhar por este mundo novo no presente.”

Isso não diminui a dor de planos frustrados ou oportunidades perdidas. Mas significa que nossa confiança em Deus aumenta. À medida que ela aumenta e que Deus se mostra fiel, nossa capacidade de ter esperança virá à tona mais uma vez. Ao confiarmos o futuro a Deus, descobrimos que as perspectivas que temos das possibilidade ampliam-se e nossos sonhos renovam-se. Nós nos sentimos capazes de voltar à obra que ele nos confiou, acreditando que “aqueles que com lágrimas semeiam, com cânticos de júbilo ceifarão” (Salmos 126.5).

Hannah Anderson é autora de Made for More, All That’s Good, and Humble Roots: How Humility Grounds and Nourishes Your Soul.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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Cuidado com falsos mestres que têm boa doutrina e má ética

Líderes despreparados proclamam Cristo em palavras, mas o negam na vida. O que podemos aprender com suas falhas.

Christianity Today October 6, 2021
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Sindre Strøm / Pexels

Nos últimos anos, temos visto reiteradamente pastores-mestres famosos passarem por quedas de alturas enormes, e com uma exposição extremamente pública. Bill Hybels, pastor-fundador de Willow Creek, renunciou em abril de 2018, após alegações de assédio sexual e abuso de poder.

James MacDonald, pastor fundador da Harvest Bible Chapel, foi demitido em fevereiro de 2019, por criar uma cultura de medo e intimidação e permitir a má gestão financeira. Carl Lentz, pastor da Hillsong East Coast, foi dispensado em novembro de 2020 por “falhas morais”, incluindo um caso de adultério, e agora é acusado de abuso sexual.

Como sacerdote anglicana e professora de teologia, observei essas histórias virem a público com profunda tristeza e um pouco de raiva. Minha frustração não é apenas pelas pessoas e comunidades prejudicadas por esses líderes, mas também pela forma como a vida desses pastores contradizia e minava o evangelho que pregavam. Sou constrangida a examinar minha própria vida também.

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Embora os detalhes das histórias variem, todos eles eram homens que tinham o conteúdo doutrinário “certo” em seus livros e sermões. No entanto, com suas atos, eles negavam a Cristo e desviavam pessoas muito antes de suas falhas serem publicamente conhecidas. Esses pastores-mestres confessavam Cristo com a boca, mas o negavam com o restante do corpo. Eles foram (e são) um tipo diferente de falso mestre: os hereges de coração.

O exemplo de Mark Driscoll — cuja história agora está sendo revisitada em profundidade, através do podcast The Rise and Fall of Mars Hill — ilustra o que estou dizendo. Ele nega a humanidade plena das mulheres em palavras e atos, defende visões profanas de gênero e sexo, se enfurece com orgulho impenitente, se engaja em autopromoção habitual e manipula e abusa dos outros. Por que, então, ele conseguiu por tanto tempo evitar ser denunciado como falso mestre?

Do ponto de vista intelectual, ele pode ter o que muitos consideram ser o conteúdo doutrinário correto. Mas ele ensina com todo o seu ser — com palavras e atos —, e não apenas com doutrinas explicitamente nomeadas. E é o seu ensino encarnado que faz com que os fracos tropecem, desvia muitos e afasta outros tantos de Cristo.

A história serve como proveitoso ponto de referência. Os primeiros credos resumem tanto o evangelho quanto a doutrina cristã central. Eles contêm aquilo que foi entregue aos cristãos — aquilo que a palavra “tradição” significa — e também o que a igreja tinha concluído que era essencial preservar e passar adiante.

Os cristãos acreditaram e confessaram esses ensinamentos ou doutrinas fundamentais por dois milênios. E devemos continuar a fazê-lo, não de forma verbal, mas com a convicção do coração e da mente. A igreja aprendeu através dos tempos que negar as doutrinas centrais de nossa fé é negar a Cristo.

Na verdade, qualquer um cujo ensino vá contra as doutrinas básicas de nossa fé pode ser corretamente chamado de falso mestre. Mas esta não é a única maneira de negar a Cristo.

Sim, o Novo Testamento fala de falsos mestres cuja doutrina nega os elementos centrais do evangelho apostólico. O apóstolo Paulo frequentemente condena e adverte contra aqueles que refutam o evangelho por meio do conteúdo de suas instruções (veja Gálatas 1.6; Colossenses 2.20; 1Timóteo 1.3). Mas também há casos em que o falso ensino é equiparado a comportamento, prática ou estilo de vida.

Considere, por exemplo, a Epístola de Judas (e seu paralelo em 2Pedro 2). Adoramos citar a admoestação de Judas para “batalh[ar] pela fé que uma vez por todas foi confiada aos santos” (Jd 1.3, NRSV). Mas o que exatamente essa fé acarreta?

Judas continua: “Pois certos intrusos se infiltraram entre vocês, pessoas que há muito tempo foram destinadas a esta condenação como ímpias, que pervertem a graça de nosso Deus com licenciosidade e negam nosso único Mestre e Senhor, Jesus Cristo” (v. 4) .

Judas nos incentiva a confrontar quem vive de forma ímpia e licenciosa. A ênfase na prática continua pelo restante da curta epístola, acrescentando mais detalhes sobre a negação da fé por falsos mestres. Eles “contaminam a carne, rejeitam a autoridade” e participam de “obras ímpias” (v. 8,15). Além disso, eles “são murmuradores, descontentes; satisfazem os próprios desejos; são bombásticos no falar, lisonjeando as pessoas em benefício próprio”(v. 16).

Resumindo, os falsos mestres contra os quais Judas adverte estão negando a Cristo não necessariamente por meio de sua doutrina, mas por meio de seu comportamento.

Um ponto forte do movimento evangélico nos Estados Unidos tem sido a ênfase na ortodoxia, ou seja, na doutrina correta. Apesar da natureza não estruturada do evangelicalismo, seus líderes, igrejas e instituições há muito procuram ensinar e adorar da forma correta. Como de fato devem. Mas também há uma miopia histórica de longa data quando se trata de incorporar a doutrina na prática diária. Vemos isso com mais clareza, talvez, na história do racismo e dos evangélicos americanos.

Considere, por exemplo, pastores-mestres evangélicos como George Whitefield, que não só escravizou negros — muitos dos quais eram seus irmãos e irmãs em Cristo — mas também lutou para garantir a instituição da escravidão no estado da Geórgia.

Considere também pastores-mestres como Douglas Hudgins, pastor da Primeira Igreja Batista de Jackson, Mississippi, e um dos mais influentes pregadores Batistas do Sul em seus dias. Ele obstruiu o movimento pelos direitos civis e resistiu vocalmente aos esforços de integração, levando sua igreja a banir os cristãos negros das assembleias religiosas.

Mesmo levando em conta as várias camadas de seus contextos históricos, ainda assim é surpreendente estudar esses homens e sua indiferença ao sofrimento e à libertação dos negros. Talvez faça sentido, então, o fato de que Whitefield, Hudgins e outros mantiveram a doutrina e a prática amplamente divorciadas umas das outras.

Ao menos em parte devido a essa história, alguns evangélicos adotaram suposições falsas ou simplificadas sobre a conexão entre doutrina e prática. Mas, como o historiador Jemar Tisby disse recentemente: “Temos de entender que a teologia não é apenas algo que se declara, mas que se vive”.

Como disse o teólogo William Cavanaugh, na verdade, relegar o cristianismo ao reino das proposições doutrinárias inevitavelmente nos leva a “limitar o alcance da fé cristã não ao corpo inteiro do crente, mas ao espaço entre as orelhas”.

Aqueles que adotam essa abordagem mais compartimentada com frequência presumem que a doutrina correta levará inevitavelmente à prática correta. Esse simplesmente não é o caso. Em contrapartida, alguns crentes voltam a atenção para seus atos sem se preocupar com os compromissos doutrinários que sustentam (ou que contradizem) esses mesmos comportamentos.

Fundamentalmente, a ortopraxia e a ortodoxia são inseparáveis. A ação correta é alimentada e dirigida pela verdade bíblica e teológica. E a ortodoxia só é importante e substantiva quando se concretiza na prática fiel. Não podemos ter uma sem a outra. Ambas caminham juntas.

Nosso Senhor pregou boas novas que pressupunham uma integração total entre fé e ação: “Se me amardes, guardareis os meus mandamentos ” (João 14.15, ênfase acrescentada). “Todo aquele que ouve estas minhas palavras e as põe em prática será como um homem sábio, que edificou a sua casa sobre a rocha” (Mateus 7.24). Ou simplesmente: “Siga-me” (Lucas 5.27; João 1.43).

Não é nenhuma surpresa que Jesus tenha dito aos apóstolos antes de sua ascensão: “fazei discípulos de todas as nações”, batizando-os em nome do Deus triúno, e “ensinando-os a obedecer a tudo o que eu vos ordenei ” (Mateus 28.19,20). Sua vida e seu ministério deixam claro que aquilo que ensinamos aos outros abrange tanto o que trazemos na mente quanto o que fazemos com o corpo.

Mas como exatamente usamos o rótulo de “falsos mestres” para aqueles que negam a Cristo e desviam pessoas com suas vidas?

Para começar, teremos de considerar mais do que o conteúdo de seus sermões, preleções feitos em conferência ou livros, e olhar também para a forma e o padrão da vida dessa pessoa. Por um lado, isso parece tão óbvio. Mesmo assim, é essencial para proteger a igreja dos falsos mestres.

No livro de Tito, Paulo lista virtudes cristãs como ser hospitaleiro, ter domínio próprio e ser amigo do bem como pilares para a capacidade de um bispo “pregar a sã doutrina” (1.8,9). (Curiosamente, não há nenhuma menção a personalidade, carisma ou habilidade de falar em qualquer uma das epístolas pastorais).

Certamente, quando consideramos o padrão de comportamento de alguém como parte do que potencialmente o qualifica como um falso mestre, a avaliação da liderança se torna muito confusa com extrema rapidez. Como pastora e mestra, por exemplo, estou perfeitamente ciente de minhas fraquezas e falhas. O escrutínio da minha vida seria difícil e até doloroso. Mas eu devo fazê-lo de qualquer modo.

O fogo purificador do juízo de Deus é para nosso bem. Uma vida caracterizada por contínuas práticas impenitentes e anticristãs — especialmente no caso de líderes — resulta na negação de Cristo e do poder do evangelho. Estamos vendo as imensas consequências desse tipo de heresia todos os dias, mas nem sempre a denominamos dessa forma.

Para ser bem clara, não estou incentivando o “cancelamento” de ninguém. Minha esperança é que a igreja possa melhorar na avaliação de práticas corruptas que qualificam um líder como um falso mestre, mesmo que essa pessoa adote todos os elementos reconhecíveis da ortodoxia cristã.

Na verdade, se a igreja vai se dedicar ao trabalho de discernir os verdadeiros mestres dos falsos — e acho que devemos mesmo —, então somos chamados a fazê-lo de uma forma que seja fiel aos exemplos de Cristo e de seus apóstolos.

Jesus disse que “cada árvore é reconhecida pelo seu próprio fruto” (Lucas 6.44). Talvez seja hora de começarmos a acreditar nessas palavras e a agir de acordo com elas.

Emily Hunter McGowin é professora-assistente de teologia no Wheaton College. Ela é autora de Quivering families e de um livro que será lançado na época do Natal (InterVarsity Press).

Traduzido por: Mariana Albuquerque.

O socorro do céu para famílias monoparentais

Como mãe solteira, sou responsável por uma tarefa para a qual não sou forte o bastante para arcar sozinha. E a oração me lembra que não estou sozinha.

Christianity Today September 30, 2021
Illustration by Abigail Erickson

Na maioria dos dias, acordo atrasada já no instante em que meus pés tocam o chão. Enquanto corro para o meu trabalho, certifico-me de que meus dois filhos adolescentes estão onde precisam estar. Então, como muitos pais e mães que são sozinhos, meus filhos e eu habitamos dois mundos diferentes, e mantemos contato apenas por mensagens de texto ou telefonemas ocasionais. Não era isso que eu havia planejado quando, nos corredores da faculdade bíblica, imaginava meu futuro lar cristão. Eu me via como esposa, mãe e dona de casa, trabalhando como voluntária na escola dos meus filhos e ministrando em nossa igreja. Na vida real, por vários anos fui capaz de ficar em casa, ser voluntária na escola dos meus filhos e levá-los para jogar futebol e ao parquinho. Mas, quando meus filhos tinham nove e onze anos respectivamente, um divórcio que eu não queria me colocou em uma situação que eu não havia previsto para mim mesma. Minha vida virou de cabeça para baixo e tive de me reorientar para funcionar nessa nova vida.

Quando se está sozinho na tarefa de ser pai ou mãe

Os pais e mães sozinhos costumam se sentir sobrecarregados por sua incapacidade de ser e fazer tudo o que acham que devem pelos filhos. Sinto-me sobrecarregada por arcar sozinha com o peso financeiro da minha família. Sinto-me sobrecarregada por ter de definir sozinha questões sobre a educação e as atividades extracurriculares dos meus filhos. Acima de tudo, sinto-me sobrecarregada por ser a única pessoa em minha casa que exerce uma influência cristã sobre a vida dos meus filhos.

Dia após dia, sinto-me responsável por uma tarefa que não sou forte o bastante para carregar sozinha. Muitas vezes penso na doce promessa que Jesus fez a seus discípulos, antes de subir aos céus: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14.18). Se houve alguém que ficou com uma tarefa demasiado grande para si, estes foram os discípulos de Jesus! Mas Jesus prometeu que não os abandonaria à própria sorte, para que descobrissem por si mesmos como desempenhá-la.

Meu divórcio me fez sentir como órfã, alguém que fora deixada sozinha para enfrentar circunstâncias que ameaçavam me afogar. Embora o divórcio possa mudar as circunstâncias de maneira drástica para pais e filhos, ele não muda o nosso Deus. Deus sempre foi a estrela que norteia a minha vida; porém, o fato de me perder nas tempestades renovou minha profunda necessidade de me centrar nele diariamente, a fim de encontrar meu caminho nessas novas circunstâncias que se apresentavam. Mesmo quando me sinto profundamente sozinha, sei que uma coisa é verdade: Deus não me deixou órfã para enfrentar tudo isso.

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Teologia prática para famílias monoparentais

Há muito tempo sinto que os teólogos precisam escrever sobre as coisas profundas de Deus de um modo que torne evidente seus benefícios práticos. Essa noção intensificou-se nos anos posteriores ao meu divórcio. Nós, pais, precisamos conhecer o caráter de Deus por nós mesmos, e precisamos acreditar nisso para o bem de nossos filhos. Deus é nosso Pai, Deus é nosso Salvador e Deus é nosso socorro. Essas verdades sobre o caráter de Deus são importantes em nossa vida diária.

A oração, portanto, faz a ponte entre as lições de teologia de um livro-texto e o nosso relacionamento pessoal com Deus. Ela nos permite conhecer nosso Deus transcendente de maneiras imanentes. Dele, por meio dele e para ele são todas as coisas, Paulo diz em Romanos 11.36. A oração conecta o trono de Deus, com todo o poder do mundo, ao meu quarto, com todas as suas tensões matinais e imediatas.

O pão nosso de cada dia

Três orações das Escrituras têm sido especialmente benéficas, pois fazem uma ponte entre meu conhecimento intelectual de Deus e o conhecimento profundo de meu relacionamento com ele e que me sustenta como mãe solteira. A primeira é a Oração do Senhor (Mt 6.9-13; Lucas 11.2-4). Os discípulos se aproximaram de Jesus, em Lucas 11, com um pedido: “Ensina-nos a orar”. Jesus respondeu com um modelo essencial, que pode nos guiar quando nos sentirmos sobrecarregados demais para fazer algo por conta própria. Essa oração nos lembra que nosso Pai que está no céu também é o Pai de nossos filhos. Ele é nosso “coparceiro” do céu nessa tarefa de criar nossos filhos, o soberano que ouve nossos apelos para que seu reino venha a nossas famílias — para que ele seja obedecido em nossa casa da mesma forma que os anjos lhe obedecem no céu.

De todos os fardos que há em meu coração como mãe solteira, este é o que mais pesa. Meus filhos vão amar a Deus? Eles honrarão seu nome? É claro que as famílias compostas de pai e mãe compartilham desses fardos pelos filhos. Mas existe um esforço particular no caso dos pais e mães sozinhos — pode parecer impossível até mesmo fazer nossos filhos entrarem no carro para ir à igreja.

Mykisha, uma amiga que também é mãe solteira, e eu conversamos sobre essa luta para apenas levar nossos filhos à igreja. Cada vez que tenta sair de casa com os filhos, Mykisha diz que se sente sobrecarregada. Seus meninos têm menos de seis anos. Os meus são adolescentes. Em ambos os lares — onde somos a única influência positiva do grupo familiar para ir à igreja ou para ler a Bíblia em casa —, porém, alivia nosso coração lembrar que, em última análise, é de Deus o trabalho de atrair nossos filhos para si mesmo. Nessa tarefa de criar nossos filhos, Deus é o “coparceiro” do céu que não se esquiva de suas responsabilidades de conduzir seus filhos para si mesmo. Ele nos ajuda a colocá-los no carro para ir à igreja.

Quando eu era uma mãe casada e dona de casa, recebia os amigos dos meus filhos em nossa casa. Cuidava para que meus filhos fossem socializados com atividades extracurriculares. Planejava suas refeições. Agora, que me vejo incapaz de fazer a maior parte dessas coisas, eu oro: “Pai, dai a eles e a mim o pão nosso de cada dia”. Todos os dias, preciso que Deus multiplique meus míseros cinco pães e dois peixes de tempo e dinheiro, de modo a atender mais necessidades em minha vida do que eu, como mãe solteira, conseguiria atender de forma racionalmente possível.

A Oração do Senhor nos guia a orar também para que Deus liberte nossos filhos do maligno. Tentei proteger meus filhos da tentação. Mas estou dolorosamente ciente dos limites de minha influência como mãe solteira de dois rapazes adolescentes. Devemos nos apoiar em Deus para fazer o trabalho pesado também aqui. Podemos trazer esses fardos para nosso coparceiro do céu por meio da oração, pois ele ama nossos filhos ainda mais do que nós, e está preparado para fazer por eles tudo o que não podemos fazer sozinhos.

Abre nossos olhos, Senhor

Outra oração que tem sido uma dádiva para mim sempre que estou no meu limite é a oração de Paulo em Efésios 1.17-21. Paulo orou pelos crentes em Éfeso, pedindo que “os olhos de [seus] corações fossem iluminados” para as profundas verdades teológicas que ele estava tentando lhes transmitir. O apóstolo queria que eles aplicassem de forma prática a teologia que ele estava lhes ensinando. Como pais solteiros, podemos nos beneficiar da oração: Esclarece-me, Deus. Abre os meus olhos.

Podemos até acreditar nas coisas certas sobre o caráter de Deus em termos teóricos; muitos dias, porém, precisamos que Deus nos coloque nos olhos lentes novas, para que possamos vê-lo na vida real. Ajuda-me a ver a esperança da minha vocação em ti, meu Deus. Ajuda-me a ver teu poder em ação na minha vida e na vida de meus filhos. Paulo enfatizou que o poder que ressuscitou Cristo da sepultura é o mesmo que opera em nós e em nossos filhos. Paulo orava para que Deus iluminasse nossas mentes. Eu oro por isso também. Ajuda-me a ver essas verdades em minha vida hoje.

Oração sem palavras

A última oração bíblica na qual me apoio como mãe solteira está registrada em Romanos 8.26: é uma oração sem palavras. Naqueles momentos em que não consigo sequer formular palavras e até mesmo o Espírito apenas geme, ainda há oração verdadeira entre mim e Deus. Nos momentos em que atravesso os vales mais baixos na vida, quando tropeço em fardos pesados demais para se expressarem em palavras, resta uma ponte para a sala do trono de Deus, onde posso encontrar graça e ajuda em meus momentos de necessidade. Minha desolação — a angústia que fui deixada para suportar sozinha, nesses momentos de crise que os pais atravessam — na verdade serve como a força que me leva a alguém maior do que eu, ao meu socorro, meu Salvador, meu Pai.

A oração sem palavras e que se expressa por gemidos é um elemento central em minha vida. Recentemente, meu filho adolescente compartilhou comigo algo que me magoou profundamente — algo sobre o qual eu simplesmente nem sabia como instruí-lo. Eu entrei no carro e clamei a Deus, enquanto dirigia. Eu clamei com palavras, mas também sem palavras. Chorei por meu filho e chorei por mim mesma. Tanto minhas palavras quanto meus gemidos, por mim e por meu filho, foram ouvidos na sala do trono de Deus.

Podemos gemer na sala do trono de Deus, mas também podemos encontrar descanso lá. Essa é a nossa esperança quando enfrentamos fardos que não conseguimos carregar sozinhos. Há descanso, paz e socorro na sala do trono. Por meio de Cristo Jesus, não há ali condenação (Rm 8.1). Em vez disso, nela encontramos aquele que carrega nossos fardos conosco e por nós. Quando oro, às vezes uso a imaginação para me ver ali, na sala do trono de Deus, depositando meus fardos nos braços estendidos de Deus. A Escritura me ensina a chegar a ele com ousadia e segurança, a confiar nele para lidar com esses fardos. Depois, posso relaxar e tirar uma soneca, pois outra pessoa está no comando.

Ajuda aos cansados

“Ela fez o que pôde”, disse Jesus sobre a mulher que ungiu seus pés com óleo, em Marcos 14.8 (CSB). Que declaração simples, mas poderosa. Ela fez o que pôde. Os pais solteiros também precisam dessa reafirmação de nosso Pai Celestial.

Jesus, temos certeza, é a representação exata de nosso Pai do céu (Hb 1.3). Ele acena para que venhamos a ele, quando estivermos cansados, e nos promete descanso (Mt 11:28). Ele nos convida — na verdade, nos ordena que venhamos a ele no tempo da necessidade, para receber sua graça e misericórdia (Hb 4.16). Do mesmo modo que a mulher que ungiu os pés de Jesus, como pais solteiros também fazemos o que podemos, mesmo estando dolorosamente cientes de tudo o que não podemos fazer. Por meio da oração, trazemos as faltas imanentes em nossa vida para aquele que tem recursos transcendentes. Na sala do trono de Deus, nosso coparceiro soberano nos permite enfrentar nossos dias — mesmo os mais estressantes — com a esperança de que não faremos tudo isso sozinhos.

Wendy Alsup é mãe, professora de matemática e autora. Seu livro mais recente é Companions in Suffering: Comfort for Times of Loss and Loneliness.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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Books

Nossa teologia da oração é mais importante do que nossos sentimentos

Por anos, orei como se meu relacionamento com Deus dependesse disso. Agora vejo a oração de forma diferente.

Christianity Today September 29, 2021
Illustration by Cassandra Roberts

Por um período da minha vida cristã, fui conhecida como a pessoa certa quando o assunto era oração. Se você tivesse um pedido de oração, poderia ter certeza de que eu o acrescentaria à minha lista e oraria por você todas as manhãs, durante meu momento de reflexão. Por anos não passou sequer um dia sem que eu gastasse tempo intencionalmente em oração. Se você me perguntasse o que eu faria se estivesse cansada ou desanimada, eu diria — com toda a franqueza — que não conhecia nada mais revigorante ou encorajador do que me ajoelhar e orar.

Se você tivesse curiosidade em saber sobre os diferentes tipos de oração, eu teria lhe contado como aprendi a orar por meio da sigla ACAS (adoração, confissão, ação de graças, súplica) e que, depois, descobri que também se pode orar escrevendo um diário e louvando. Eu teria compartilhado o que aprendi com Richard Foster e Dallas Willard, praticando a oração como silêncio e quietude, integrando a oração em toda a vida, ao estilo do Irmão Lawrence, usando as orações ricas e significativas de Paulo (que foram compiladas em um livreto minúsculo de Elisabeth Elliot), e, eventualmente, mostrando meu apreço pelas palavras eloquentes do Livro de Oração Comum.

Eu adorava ler sobre oração, falar sobre oração, tentar diferentes tipos de oração e encorajar outras pessoas em sua vida de oração. E, acima de tudo, adorava a doce intimidade da própria oração. Também lia e estudava a Bíblia todos os dias, embora a oração fosse o centro do meu relacionamento com Deus.

Então, um belo dia, sem aviso, razão nem explicação, aquela sensação de doce intimidade se foi. A vida de oração que eu passara anos cultivando dava a impressão de ter desaparecido. Meu próprio relacionamento com Deus parecia ameaçado.

Uma estação de seca?

Eu estava seguindo todas as mesmas práticas e disciplinas, mas elas não pareciam estar funcionando. Continuei a separar tempo para orar todos os dias, mas minha experiência era nitidamente diferente. Alguns dias eu não conseguia encontrar palavras para me expressar. Outros dias eu não conseguia manter o foco. Depois disso, eu me perguntava se eu estava orando, se estava sonhando acordada, se minhas preocupações haviam roubado meu tempo de oração, se eu tinha adormecido ou se tinha feito um pouco de cada uma dessas coisas.

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O que mais me preocupava é que eu não sentia a presença de Deus naquela época. Embora eu tivesse aprendido que minha fé não dependia de meus sentimentos, acostumei-me a ter um sentimento de conexão espiritual com Deus, durante a oração, que eu não experimentava em nenhum outro momento. Quando essa intimidade desapareceu, fiquei hesitante.

Era sobre isso que C. S. Lewis estava falando em sua obra The Screwtape Letters [Cartas de um diabo a seu aprendiz], quando escreveu que Deus “mais cedo ou mais tarde […] se retira, se não de fato, pelo menos de [nossa] experiência de consciência”? Será que eu estava, enfim, entrando neste “período de depressão”, como Lewis o chamou? Lewis estava certo, quando disse que “as orações oferecidas no estado de aridez são as que mais lhe agradam”? Ou isso era a noite escura da alma, a qual João da Cruz descreveu? Será que os anos de luta de Teresa de Ávila com a oração, bem como seu esboço da jornada da alma ao longo dos diferentes estágios de ascensão a Deus poderiam me ajudar a entender o que eu estava passando?

Apesar de toda a sabedoria que os recursos clássicos e contemporâneos sobre oração oferecem, o que Deus finalmente me ensinou foi que minhas lutas com a oração surgiram não porque eu estivesse vivendo um período de aridez ou um novo estágio de oração, mas porque — ironicamente, como agora posso ver — eu havia transformado a oração em algo muito importante.

Reposicionando a oração

Eu não precisava de outro método de oração ou de ler mais um livro sobre oração. O que eu precisava era de uma teologia da oração que fosse fiel à Bíblia. Aquela que havia embasado minha vida de oração por anos estava, no fim das contas, distorcida.

Escrevi acima que “a oração era o centro do meu relacionamento com Deus”. Hoje, vejo nisso todos os tipos de bandeiras vermelhas de alerta. Eu orava como se meu relacionamento com Deus dependesse disso, quando, na verdade, meu relacionamento com Deus não depende de uma prática espiritual, mas sim de sua graça e misericórdia reveladas em Jesus Cristo, pelo poder do Espírito Santo. Em vez de acolher a oração como um meio de graça que Deus poderia usar para fortalecer meu relacionamento com ele, eu entendia a oração como a âncora desse relacionamento — e colocava todo o peso e a confiança na oração. Então, quando minha vida de oração parecia ter chegado ao fim, fiquei sem amarras e à deriva.

Embora eu certamente acreditasse que era salva pela graça, e não por obras, também pensava que meu relacionamento diário com Deus dependia essencialmente de meus momentos de oração — o que acabou deixando minhas orações muito parecidas com “obras”. Com base em minhas conversas com outros crentes e estudantes ao longo dos anos, tenho a impressão de que muitos de nós encaramos a oração dessa forma — como algo que temos de fazer —, o que nos faz sentir culpa ou vergonha por não estarmos orando o suficiente. Ou nos faz acreditar que estamos distantes de Deus porque não temos orado. A Bíblia, porém, oferece uma imagem bem diferente da oração.

‘A segunda palavra’

Na oração, respondemos com gratidão ao Deus que já nos alcançou em Cristo. Oramos “Pai nosso”, como Jesus nos ensinou, porque já fazemos parte da família da aliança de Deus. Fomos adotados por Deus, por meio de Cristo e do Espírito. A oração é uma prática de família, não algo que fazemos para encontrar nosso caminho ou para manter nosso lugar nessa família, mas sim algo que fazemos porque somos parte da família. A oração é sempre responsiva por natureza; nela, estamos respondendo ao Deus que nos criou, nos redimiu e nos chamou para sua família.

Eugene Peterson descreve a oração como um “discurso de resposta”. Ele escreve em Working the Angles: “A oração nunca é a primeira palavra; é sempre a segunda palavra. Deus tem a primeira palavra. Orar é responder a um discurso; não é principalmente ‘falar’, mas ‘responder’. Essencial para a prática da oração é compreender plenamente essa qualidade secundária”. E isso, que vale para todo o nosso relacionamento com Deus — pois depende da ação anterior de Deus — também vale para a oração. O Deus que deu origem à criação, o Senhor que chamou Abrão a uma aliança com ele, o Verbo que se fez carne para que nos tornássemos filhos de Deus, é o mesmo Deus a quem respondemos em oração.

Não entramos em nossos momentos de oração como iniciadores, com todo o peso sobre nossos ombros, mas como respondentes a um Deus que graciosamente nos deu tudo o que precisamos para estar em um relacionamento com ele. Isso — ou seja, o fato de que, por causa da obra salvífica de Cristo na cruz, podemos estar em um relacionamento com Deus — não é uma simples verdade do passado, mas também inclui a presença do Espírito Santo em nossa vida no presente. O Espírito Santo, aquele por quem clamamos “Aba , Pai” (Gálatas 4.6), nos foi dado como nosso Conselheiro permanente para estar conosco para sempre (João 14.16). O Pai nos deu o Espírito para nos unir a Deus em Cristo e fornecer orientação, enquanto vivemos cada dia como filhos de Deus. À luz disso, Agostinho muitas vezes chamou o Espírito Santo simplesmente de “o dom”.

Orando com o Espírito

Isso tem implicações reais em nossa vida de oração. Peterson escreve na obra Christ Plays in Ten Thousand Places:

Se o Espírito Santo — a maneira de Deus estar conosco, operando por meio de nós e falando conosco — é a maneira pela qual se mantém a continuidade entre a vida de Jesus e a vida da comunidade de Jesus, a oração é a principal forma pela qual o comunidade recebe e participa ativamente dessa presença, desse operar e falar. A oração é a nossa forma de estarmos diligentemente presentes para Deus, que está presente para nós no Espírito Santo.

Isso nos livra de pensar que a oração gire em torno de nossa postura ou das “palavras certas” que dissermos. A oração faz parte desse estar atento ao Deus que já está conosco; ao Deus que já opera em nós, em nossas comunidades e no mundo; e ao Deus que deseja que participemos de sua obra contínua.

Ao orar, dependemos do Espírito, quer o reconheçamos quer não. Pois “não sabemos o que devemos orar, mas o próprio Espírito intercede por nós por meio de gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os nossos corações conhece a mente do Espírito, porque o Espírito intercede pelo povo de Deus segundo a vontade de Deus” (Romanos 8.26-27). Paulo não está simplesmente dizendo: “Quando você não conseguir encontrar as palavras, o Espírito o ajudará”. A Escritura está prometendo que o próprio Espírito está intercedendo por nós o tempo todo! Nunca sabemos plenamente pelo que devemos orar, e está tudo bem que seja assim. O Espírito tomará tudo o que oferecemos, por mais ricas ou miseráveis que sejam nossas palavras, por mais presentes ou distraídos que nos sintamos, e intercederá por nós segundo a vontade de Deus. Graças a Deus!

Em Apocalipse 5, João descreve a visão do Cordeiro imolado sobre um trono, rodeado por anciãos que caíram em adoração. Cada um deles está segurando “taças de ouro cheias de incenso, que são as orações do povo de Deus” (v. 8). É incrível imaginar esta cena: nossas orações comuns e diárias alcançam a presença de Deus. E nada nesta passagem sugere que somente chegam àquelas taças de ouro as orações eloquentes ou as orações oferecidas por aqueles que alcançaram a quietude absoluta da mente e do espírito. Em tudo o que oferecemos, independentemente do que sentimos ou não, o Espírito toma nossas palavras ou nossos gemidos ou nossos momentos de silêncio, intercede por nós e os refina de acordo com a vontade de Deus, e os oferece a Deus, como incenso perfumado que sobe ao Cordeiro no trono.

O próprio Cristo ora por nós

Não apenas o Espírito está ativamente presente em nossa vida de oração, mas o próprio Jesus está intercedendo por nós. No livro de Hebreus, lemos sobre o “sacerdócio contínuo” de Cristo e a maneira como “ele vive sempre para interceder por [nós]” (7.24-25). Cristo se ofereceu como sacrifício pelos nossos pecados, de uma vez por todas, e continua a mediar em nosso favor, enquanto serve no santuário, sentado à direita do Pai (7.27—8.2). Isso inclui orar em nosso nome, do mesmo modo que os sumos sacerdotes da Antiga Aliança, que ofereciam não apenas sacrifícios, mas também orações em nome do povo. O sacerdócio contínuo de Jesus enfatiza ainda que nunca estamos sozinhos quando oramos. Todas as nossas orações são envolvidas pelas intercessões contínuas de nosso Salvador.

Por nós mesmos, somos impotentes diante de Deus e inteiramente dependentes da salvação que foi tornada possível por Jesus Cristo. Da mesma forma, não somos menos dependentes da graça de Deus para nossa vida de oração. Como James B. Torrance coloca em Worship, Community, and the Triune God of Grace [Adoração, Comunidade e o Deus Triúno da Graça]:

O Deus a quem oramos e com quem temos comunhão sabe que queremos orar, tentamos orar, mas não conseguimos orar. Então, Deus vem a nós como homem em Jesus Cristo para nos substituir, orar por nós, nos ensinar a orar e conduzir nossas orações. Deus, em sua graça, nos dá o que ele mesmo busca de nós — uma vida de oração — ao nos dar Jesus Cristo e o Espírito. Portanto, Cristo é verdadeiramente Deus, o Deus a quem oramos. E ele é verdadeiramente homem, o homem que ora por nós e conosco.

Quando oramos, podemos confiar em Jesus Cristo, que está sempre orando por nós e conosco.

Dietrich Bonhoeffer chega a dizer que a oração de Cristo, por meio de nós, é o que faz de nossa oração uma verdadeira oração. A oração não é fundamentalmente para derramarmos diante de Deus nossas palavras, nosso coração ou nossas emoções. “A oração cristã”, escreve Bonhoeffer em Life Together, “toma sua posição no terreno sólido da Palavra revelada e não tem nada a ver com caprichos vagos e egoístas. Oramos com base na oração do verdadeiro Homem Jesus Cristo […] Podemos orar corretamente a Deus somente em nome de Jesus Cristo”.

Quando oramos “em nome de Jesus”, reconhecemos que nossas orações dependem de Jesus Cristo, o que nos liberta. Quando não estamos conscientes da presença de Deus em oração, tudo bem. Pois estamos sempre conectados pelo Espírito ao ministério contínuo de oração de Jesus, quer sintamos isso ou não. Quando a oração não proporciona a sensação de intimidade que esperamos, podemos encontrar alegria em saber que nossa união com Cristo está segura. Quando o sofrimento e a tristeza tornam difícil orar, podemos descansar na realidade de que o Espírito Santo e Jesus Cristo continuarão a interceder em nosso favor. Quando passamos por períodos de seca, podemos perseverar na fé, lembrando que nossa experiência de oração não é fundamental. O próprio Jesus Cristo é o fundamento, a Palavra de Deus, que vive sempre para interceder por nós.

Palavras emprestadas

Mais de 20 anos se passaram desde que minha vida de oração foi virada de cabeça para baixo. Durante aqueles anos, Deus a reconstruiu de modo a estar alicerçada sobre o firme fundamento do próprio Cristo, e não em minhas expectativas ou experiências. À medida que minha compreensão teológica da oração se aprofundou, regozijei-me em saber que minhas pequenas orações, por mais que humildes ou debilmente oferecidas, são parte de uma bela e contínua realidade trinitária. Encontrei libertação em saber que a oração é uma resposta a Deus, e uma resposta capacitada pela graça de Deus, e não uma obrigação que dependa de mim.

Ao longo dos anos, descobri que orar as palavras das Escrituras é algo que me faz lembrar dessas verdades teológicas libertadoras. Em seu livro Salmos: O Livro de Oração da Bíblia, Bonhoeffer escreve: “Aprendemos a falar com Deus porque Deus falou conosco e nos fala. […] A fala de Deus em Jesus Cristo nos encontra nas Sagradas Escrituras. Se quisermos orar com confiança e alegria, as palavras da Sagrada Escritura terão de ser a base sólida da nossa oração”. As palavras de Bonhoeffer soam verdadeiras para mim. Orar com palavras emprestadas da Bíblia foi uma maneira pela qual Deus reconstruiu minha vida de oração sobre uma base mais sólida, lembrando-me de que orar é responder a Deus, e não gerar meu relacionamento com Deus.

Orar os Salmos me faz lembrar que minhas orações estão enraizadas no contínuo ministério de oração de Jesus. O próprio Jesus orava regularmente os Salmos, durante seu ministério terreno. Quando fazemos o mesmo, Bonhoeffer sugere que encontramos o Cristo orante e que nossas orações se juntam às dele. Orar os Salmos me ajuda a abraçar a oração com “confiança e alegria”, como Bonhoeffer coloca, reconhecendo que minha vida de oração é totalmente dependente do Pai, do Filho e do Espírito Santo, não de mim mesmo.

Quando enfrentarmos tempos de desânimo na vida de oração, que a realidade de que Cristo ora por nós e o Espírito intercede por nós nos convide à alegria e à libertação. Nossas orações são uma resposta ao nosso Deus amoroso, que primeiro nos buscou.

Kristen Deede Johnson é reitora e vice-presidente de assuntos acadêmicos, bem como professora de teologia e formação cristã no Western Theological Seminary, em Holland, Michigan. Entre seus livros está The Justice Calling, escrito em co-autoria com Bethany Hanke Hoang.

Traduzido por: Mariana Albuquerque

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