Do Egito para a eternidade

A luta de Maria e José ecoa através das gerações

Christianity Today December 21, 2023
Phil Schorr

Depois que partiram, um anjo do Senhor apareceu a José em sonho e disse-lhe: "Levante-se, tome o menino e sua mãe, e fuja para o Egito. Fique lá até que eu lhe diga, pois Herodes vai procurar o menino para matá-lo".

Então ele se levantou, tomou o menino e sua mãe durante a noite, e partiu para o Egito, onde ficou até a morte de Herodes. E assim se cumpriu o que o Senhor tinha dito pelo profeta: "Do Egito chamei o meu filho".

Mateus 2.13-15

Quando minha mãe estava grávida de mim, aos nove meses, ela e meu pai tiveram que fugir repentinamente do país. Uma guerra havia estourado e os combates se espalhavam pelas ruas da capital onde viviam. Por causa do tipo de trabalho do meu pai, ele era alvo da guerrilha. Nossa família não estava segura.

Posso imaginar minha mãe, tantos anos atrás, carregando no ventre uma vida inocente, e me pergunto como ela se sentia. Imagino que ela estava com medo, sem saber como a situação se resolveria; imagino que meus pais se sentiram perdidos em meio àquele caos, confusos pela forma como seus planos de constituir uma família foram destruídos. Ninguém quer se tornar refugiado aos nove meses de gravidez.

A história registrada em Mateus 2.13-23 tornou-se cada vez mais vívida para mim ao longo dos anos, à medida que comecei a perceber suas semelhanças com a história vivida pela minha família. Posso imaginar Maria com o bebê nos braços. Imagino o medo, a confusão e o desespero que sentiram enquanto cogitavam sobre as implicações de dizerem sim àquilo para o qual Deus os havia chamado. Ninguém quer se tornar refugiado com um bebê nos braços. Mateus nos faz lembrar Oseias 11.1 no meio desta história cheia de profecias profundas: “Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu filho”. Apesar das circunstâncias sombrias e desesperadoras, Deus tinha um plano perfeito e um propósito que não seria frustrado. Embora fugir para escapar de um ditador assassino possa não parecer o amor de Deus em ação, vemos os planos maiores e fundamentais à medida que se cumprem. A experiência da família de Jesus, ao fugir para a terra do Egito e de lá voltando, é o cumprimento da mesma experiência de Israel no Êxodo. Palavras que antes descreviam a experiência do povo de Deus, da comunidade, agora falam do Messias, o Filho de Deus.

Quando penso na luta de Maria e José, e até mesmo de meus pais, lembro-me da sabedoria de Provérbios: “O coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor determina os seus passos” (Provérbios 16.9, CSB). Nós fazemos planos, achamos que sabemos como será o mover de Deus, mas só ele sabe verdadeiramente os passos que iremos dar. Às vezes, esses passos nos levam a lugares reconfortantes e familiares, e outras vezes nos levam para longe do único lar que conhecemos, para uma nova terra, onde conheceremos Deus como nosso verdadeiro e único consolo.

Meus pais conseguiram se estabelecer em uma nova casa, em um país estrangeiro. Eles foram capazes de criar suas filhas para conhecer e amar Jesus. Maria e José foram capazes de criar o próprio Jesus e juntar-se à história de Deus para resgatar o seu povo, cumprindo uma profecia há muito esperada, ao saírem daquela terra distante para estabelecer um reino novo e eterno. Durante esta época do Advento, mais uma vez fico impressionada com a forma como Deus teceu os fios do seu plano em desenvolvimento, de geração em geração.

Para refletir



Quando você reflete sobre as experiências da jornada de Maria e José, como isso aprofunda sua compreensão dos temores, das incertezas e dos caminhos inesperados que eles tiveram de seguir?

O cumprimento da profecia de Oseias 11.1, através da fuga e da saída de Jesus do Egito, destaca o plano e o propósito perfeitos de Deus que não podem ser frustrados. Como isso lhe dá esperança e segurança em sua própria vida?

Kristel Acevedo é autora, professora de Bíblia e diretora de formação espiritual na Transformation Church, nos arredores de Charlotte, na Carolina do Norte.

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À medida que o evangelicalismo cresce na América Latina católica, também cresce o secularismo

Um acadêmico colombiano avalia a situação do movimento, cerca de 150 anos após a chegada dos primeiros missionários protestantes.

Pessoas passam em frente a uma igreja católica, no Brasil.

Pessoas passam em frente a uma igreja católica, no Brasil.

Christianity Today December 21, 2023
Mario Tama / Staff / Getty / Edits by CT

Nos últimos anos, o crescimento do movimento evangélico na América Latina ganhou as manchetes. Mas Daniel J. Salinas, um historiador colombiano, fica ainda mais surpreso com o tempo que o movimento levou para se firmar de fato.

Os missionários protestantes chegaram à América Latina pela primeira vez há cerca de 150 anos, na década de 1870. Hoje, no Brasil e na Guatemala, a população evangélica é de 41% e 31%, respectivamente. Esses países são exceções ao lento crescimento do evangelicalismo vivido na maior parte da América Latina, que historicamente tem sido católica.

“O principal fator que tem desafiado o poder da igreja católica não tem sido o protestantismo, mas sim o secularismo”, disse ele. “Se você conversar com qualquer pessoa na América Latina, ela lhe dirá que é católica, mesmo que nunca tenha ido à igreja. A maioria das pessoas segue os rituais da religião predominante, mas não há compromisso com a doutrina dessa religião. Eles são batizados quando bebês, passam pela crisma e se casam na igreja, mas isso é tudo.”

Salinas cresceu frequentando uma igreja pentecostal em Bogotá, na Colômbia. Depois de trabalhar um tempo como engenheiro mecânico, ele sentiu que Deus o havia chamado a fazer mais com a sua vida, e serviu como missionário em locais como Uruguai, Equador, Bolívia e Paraguai. Atualmente, Salinas leciona em vários seminários, inclusive na Fundación Universitaria Seminario Bíblico de Colombia, em Medellín. Ele é o autor da obra Taking Up the Mantle: Latin American Evangelical Theology in the 20th Century [Vestindo o manto: Teologia Evangélica na Améria Latina do século 20], lançada pela Langham Global Library, em 2017.

Salinas conversou recentemente com Geethanjali Tupps sobre questões como a sua jornada como missionário na América Latina, as tensões históricas e as atuais na região, entre protestantes e católicos, e o impacto da história política sul-americana do século 20 sobre a igreja.

Que tipo de impacto os missionários protestantes tiveram, quando começaram a chegar [na América Latina] na década de 1870?

Os primeiros missionários — presbiterianos e metodistas, que chegaram no final dos anos 1800 e início dos anos 1900 — abriram hospitais e escolas, muitos dos quais ainda estão em funcionamento e são muito respeitados atualmente. No entanto, após as décadas de 1930 e 1940, a maioria dos missionários abriu apenas igrejas. Nada mais. Perdeu-se o interesse social do início.

Durante essa época, os missionários dos Estados Unidos que vinham para a América Latina eram vistos sobretudo não como pessoas que queriam disseminar sua fé, mas como aqueles que estavam tentando fazer com que os latino-americanos aceitassem melhor os Estados Unidos. De fato, é possível encontrar livros escritos por católicos que afirmam que os missionários protestantes eram espiões da CIA ou profissionais enviados pelos Estados Unidos para mudar nosso modo de viver e nossa cultura.

No geral, o crescimento foi lento e a situação era bem difícil. Muitos desses missionários provavelmente foram para junto do Senhor sem ver os resultados de seus esforços. Mesmo nas décadas de 1960 e 1970, a igreja evangélica ainda era muito pequena.

Como os governos latino-americanos reagiram ao movimento evangélico?

Não foi nada fácil para os missionários que vieram para a América Latina na virada do século 20. Os governos liberais eram abertos e muito receptivos em relação aos missionários, pois achavam que o protestantismo ajudaria a desenvolver o país. Mas, assim que presidentes mais conservadores chegaram ao poder, eles fecharam suas fronteiras.

Voltemos ao início dos anos 1900: Alguns países começaram a reconhecer a liberdade de religião e de culto. Durante anos, muitas constituições declararam que a religião oficial do país era a católica. A Argentina e a Colômbia sequer retiraram a exigência de que o presidente fosse católico, senão na década de 1990.

Hoje, bem poucas vezes se veem evangélicos sendo convidados pelos governos para participar dos diálogos que definirão as políticas públicas ou que ajudarão o país. O único momento em que os vemos se aproximarem dos evangélicos é antes das eleições, pois agora os candidatos estão percebendo que o voto evangélico pode fazer diferença para eles.

Quando servimos como missionários em Cochabamba, na Bolívia, em 1998, procuramos um lugar para comemorar o 40º aniversário da IFES [Sigla em inglês da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos] na América Latina. Uma escola católica tinha um belo local para eventos que estávamos interessados em usar; eles alugavam esse local para diferentes grupos. Quando fomos reservar o espaço dessa escola, porém, eles disseram que não reservariam, porque não somos católicos.

Que grupos o movimento protestante alcançou com maior eficácia?

Já nos anos 1900, as classes mais instruídas da população e os que eram ricos ou detinham algum poder político tinham abandonado por completo a religião, embora fosse a igreja católica que abençoava o presidente e o congresso.

Historicamente, as pessoas de classe baixa têm sido mais receptivas ao evangelho. Uma das razões para isso foi a acelerada urbanização. As pessoas estavam deixando os ambientes seguros e protegidos do campo, onde cresceram, em busca de novas oportunidades nas cidades. Mas elas chegavam à cidade sem uma rede de contatos; então, uma maneira de se conectar com outras pessoas era encontrando uma igreja evangélica, que geralmente oferecia uma rede de apoio para a sua vizinhança.

Na década de 1970, as igrejas evangélicas começaram a crescer. A liderança nessas congregações estava passando a ser mais local e menos estrangeira, tornando mais fácil para as pessoas se sentirem representadas ali. A maioria das igrejas não tinha nenhuma conexão com nenhuma agência ou missão estrangeira.

Por volta dessa época, muitos países também viveram ditaduras militares. Uma coisa que ainda não está clara para mim é o tipo de efeito que esses governos tiveram sobre as igrejas católicas e protestantes. Embora muitas pessoas tenham se desiludido com a igreja católica, que era uma aliada de muitos desses regimes, as igrejas evangélicas também se mantiveram caladas. Tanto as igrejas católicas quanto as protestantes não denunciaram de fato as injustiças cometidas pelas ditaduras militares, mas simplesmente ficaram de braços cruzados, enquanto aumentava o poder das ditaduras.

Até que ponto os evangélicos latino-americanos estão descobrindo uma identidade própria?

Nos primeiros anos em que os missionários chegaram, a igreja católica dizia: “Nós somos latino-americanos e a América Latina é católica. Se você é latino-americano, você é católico.” Ao chegar aqui, os evangélicos não perceberam como isso estava intimamente ligado à identidade das pessoas.

Levou muito tempo, mais de um século, para que essa forte conexão entre catolicismo e latino-americanismo se rompesse, e para que alguém sentisse que poderia ser latino-americano e evangélico sem se sentir um estrangeiro [em sua própria terra].

Como as mulheres moldaram a teologia latino-americana?

Em muitos lugares, as mulheres foram as primeiras a aceitarem o evangelho, e muitas das igrejas foram plantadas por mulheres e lideradas por mulheres. Com relação ao envolvimento da igreja, as mulheres sempre participaram disso, mas sua participação na produção de teologia é um desdobramento recente. Você encontra uns poucos nomes na década de 1970 e outros poucos na década de 1980. Beatriz Melano Couch (1931-2004), do Uruguai, é a primeira mulher protestante a obter um doutorado em teologia de que se tem notícia na América Latina.

Outras estudiosas com as quais estou familiarizado são Elsa Támez, que é mexicana e foi professora de estudos bíblicos na Universidad Bíblica Latinoamericana, e Nancy Bedford, atualmente professora do Garrett Evangelical Theological Seminary, e que nasceu na Argentina.

No grupo de bolsistas da Langham, temos pelo menos quatro mulheres que concluíram doutorados em teologia, missiologia ou em diferentes aspectos da teologia.

Você acredita que o movimento evangélico tem abordado as necessidades e preocupações sociais do povo latino-americano?

Isso é algo ainda mais recente.

Os teólogos latino-americanos têm sido muito importantes na maneira como contamos a história da conquista e como entendemos a invasão dos espanhóis. Não houve uma organização que fizesse com que os grupos autóctones operassem em conjunto. Em vez disso, diferentes cristãos autóctones estão expressando sua compreensão da fé cristã sem muito contato com outros grupos autóctones. Isso também é reforçado por fatores geográficos e linguísticos.

Que papel a imigração desempenhou na compreensão do movimento evangélico ou de outras formas de religião?

Nossos países são um caldeirão de muitas culturas. Na Colômbia, por exemplo, recebemos nos anos 1800 muitos libaneses e turcos. Alguns deles se miscigenaram completamente à população local, embora ainda seja possível identificá-los por seus sobrenomes.

Em contrapartida, se você for para o sul do Chile, verá que há muitas igrejas ali em que ainda se fala o alemão. Se for a algumas igrejas no sul da Argentina, o idioma falado é o inglês. Ainda há algumas das igrejas provenientes da França. Elas estão no canto sul da Argentina, do Chile, do Brasil e do Uruguai.

O Uruguai tem muitos alemães, especialmente menonitas, que foram inicialmente expulsos da Alemanha porque não queriam se alistar no serviço militar. Eles foram para a Rússia, e então estourou a Revolução Bolchevique. Há várias colônias menonitas no Paraguai, no sul do Brasil e no sul do Chile, e umas duas grandes na Argentina.

A influência ou o efeito da imigração sobre o evangelho é uma questão complexa, pois muitos cristãos que vieram eram menonitas, os quais, historicamente, têm sido comunidades fechadas para o resto da sociedade do país. Eles se mudaram para a América Latina em busca de proteção para educar seus filhos como quisessem, bem como para usar seu próprio idioma. Foi só recentemente que eles começaram a se abrir mais.

Tenho um amigo que trabalha na Igreja Presbiteriana Japonesa de São Paulo, no Brasil. A igreja e o ministério são bem grandes, e trabalham com a segunda ou a terceira geração de japoneses, que hoje são brasileiros, mas têm um primeiro culto celebrado em japonês, para a geração mais velha.

No Uruguai, quando eu era missionário, morava perto de uma família armênia. A igreja deles ainda tinha cultos em armênio, que eram frequentados pelos pais, enquanto os filhos iam aos cultos celebrados em espanhol.

Como você vê os países latino-americanos assumindo um papel mais ativo em missões?

Estive recentemente no Quênia para a Assembleia Global da SIM International. Conheci uma família boliviana de Cochabamba que trabalha no norte do Quênia, com somalis, uma família da Cidade do México que trabalha em Katmandu, no Nepal, e outro obreiro mexicano que trabalha na Índia.

O Brasil é um país grande que envia muitos missionários para todos os lugares, e sei que a Costa Rica e a Colômbia também são países que enviam muitos missionários. Temos os mesmos problemas que muitas missões têm, como, por exemplo, o desgaste, e muitos missionários que voltam para seus países completamente exauridos. Mas também temos histórias de coisas que estão acontecendo, de modo que é animador testemunhar tudo isso.

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O contraste entre duas mães

Como Maria e Isabel exaltam a Deus por meio da alegria mútua.

Christianity Today December 20, 2023
Phil Schorr

Naqueles dias, Maria preparou-se e foi depressa para a uma cidade da região montanhosa da Judéia, onde entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o bebê agitou-se em seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Em alta voz exclamou: "Bendita é você entre as mulheres, e bendito é o filho que você dará à luz!

Lucas 1.39-42

Muitas são as vezes que nos encontramos numa fase de vida semelhante à daqueles que nos rodeiam, e observamos como eles lidam com situações parecidas com as quais vivemos. Pode ser o namoro no ensino médio, a temporada de casamentos que começa na faculdade e continua pela década seguinte, ou especialmente o período em que nascem os filhos. Na vida, a competição pode ser o ponto fraco natural para este tipo de comparação; no relato de Lucas, porém, isso é completamente eclipsado pelo foco no reino vindouro de Deus.

O anjo Gabriel anunciou a Maria que ela daria à luz milagrosamente a um filho, e que sua prima Isabel também havia engravidado na velhice. Quando Maria visitou Isabel, certamente as duas mulheres devem ter notado em que ponto suas situações divergiam. A desgraça de Isabel entre o seu povo foi eliminada pela gravidez, enquanto a de Maria começou com a gravidez. O filho de Isabel foi dado através da instituição do casamento; o de Maria foi concebido pelo Espírito Santo.

A tensão que imagino ter marcado esse encontro é ainda agravada pelo Magnificat, o cântico de louvor entoado por Maria. Com a entrada iminente de Cristo no mundo, o cântico de Maria descreve o tipo de reino que ele veio estabelecer. É um reino que inverterá as normas sociais. Os orgulhosos serão dispersos, os ricos serão mandados embora de mãos vazias. Os humildes serão exaltados e os famintos serão saciados de coisas boas. Fica claro, quando lemos o Evangelho de Lucas, que Isabel foi exaltada e que Maria o foi ainda mais. Para olhares contemporâneos e sem discernimento, porém, Isabel tinha o direito de sentir orgulho, enquanto Maria não tinha direito algum.

Quão compreensível teria sido que Maria tivesse apenas procurado abrigo durante sua visita, ou que Isabel tivesse apenas lhe oferecido sua compaixão. Talvez ambas pudessem ter caído no constrangimento de não reconhecerem suas diferenças, enquanto se preparavam para os nascimentos que se aproximavam.

Mas Lucas não registra tensão nem tristeza entre as duas mulheres. Ele registra alegria. Para além da manifestação externa da gravidez de ambas, a semelhança mais importante entre elas era o peso do ato milagroso — a evidência de que Deus está presente, ativo e profundamente envolvido conosco. Como disse Charles Spurgeon sobre o cântico de Maria: “Ó, como devemos nos alegrar no Senhor, não importa o quanto possa nos custar nossa união com ele!”

A exultação de Isabel e o cântico de Maria me levam a fazer algumas perguntas pungentes: Será que os meus olhos procuram o mover de Deus, mesmo quando esse mover vai contra aquilo que é socialmente aceitável? Eu chamaria alguém de bendito ou bendita, mesmo que isso exigisse humildade em meus desejos mais profundos?

Porque ele é misericordioso, minha alma deve glorificar e meu espírito se alegrar. Como Isabel, quero exultar alegremente em meio às nossas diferenças ou, como Maria, quero cantar louvores mesmo diante da perseguição pela comunidade — não apenas por querer ser do contra, diferente, mas por me concentrar na glória vindoura do reino de Cristo.

Para refletir



Como o encontro entre Maria e Isabel desafia a nossa tendência de nos compararmos com os outros e de competirmos com eles?

De que forma Maria e Isabel demonstram humildade e alegria diante das expectativas e normas da sociedade?

Dorothy Bennett tem mestrado em teologia e arte pela Universidade de St Andrews. Atualmente é codiretora de uma empresa de vídeo marketing em Austin, Texas.

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Books

A Igreja Ortodoxa é mais evangélica do que você imagina

Entrevista com especialista afiliado à Lausanne discute quem está na igreja, a pertinência do proselitismo e o exemplo dado por Billy Graham na Rússia e na Romênia.

Igreja ortodoxa (esquerda), Igreja evangélica (direita)

Igreja ortodoxa (esquerda), Igreja evangélica (direita)

Christianity Today December 20, 2023
Illustration by Christianity Today / Source Images: Getty / Lightstock

Evangélicos e ortodoxos são aliados na fé?

Embora ambos confessem o Credo Niceno, a população da Ortodoxia nos Estados Unidos, que é menor, permanece obscura para a maioria dos fiéis americanos, especialmente quando comparada à de católicos. Muitos pensam na Ortodoxia como uma religião nominal com suas catedrais vazias lá na Europa Oriental e na Rússia.

No entanto, há também uma consciência quanto a um número nada insignificante de evangélicos convertidos à Ortodoxia, atraídos por suas raízes ancestrais e pela prática dos sacramentos.

Bradley Nassif conhece esses dois mundos. Criado no Kansas — onde seus avós libaneses, imigrantes, ajudaram a fundar a St. Mary’s Antiochian Orthodox Church [Igreja Ortodoxa Antioquiana de Santa Maria] —, sua transformação espiritual ocorreu por meio de sua congregação local, de um sermão de Billy Graham e da participação em um estudo bíblico no ensino médio. Mas, embora tenha permanecido em sua igreja de origem, ele se tornou diretor acadêmico do Fuller Seminary e agora é professor de Novo Testamento e diálogo ortodoxo-protestante, na Antiochian House of Studies, com sede na Califórnia.

John McGuckin, professor da Universidade de Oxford, disse que Nassif, líder da Iniciativa Lausanne-Ortodoxa (LOI), é “o maior especialista mundial” em diálogo ortodoxo-evangélico. A CT conversou com Nassif sobre seu livro lançado em 2021, The Evangelical Theology of the Orthodox Church [A Teologia Evangélica da Igreja Ortodoxa]:

Você disse: “Sou ortodoxo e, portanto, evangélico”. Como a Ortodoxia aborda os marcadores gerais da fé evangélica?

A Ortodoxia Oriental abraça o clássico quadrilátero de Bebbington de biblicismo, crucicentrismo, conversionismo e ativismo, mas o transcende, por meio de uma visão maximalista da Encarnação em sua vida litúrgica, sacramental e espiritual. O evangelho permeia a igreja — não apenas no que diz respeito a Jesus ter morrido por nossos pecados e à necessidade de fé pessoal, mas incluindo toda a história de Jesus, desde a criação até a consumação. Isso implica que a plenitude, a catolicidade da fé está formalmente presente na Igreja Ortodoxa. Então, sim, sou ortodoxo e, portanto, evangélico, em um sentido encarnacional, trinitário e holístico da palavra evangelho.

Quais são as diferenças teológicas mais significativas entre nós?

Muitas encontram-se na maneira como nos apropriamos do passado e em nossa compreensão da natureza da igreja. Os evangélicos e os ortodoxos têm um interesse comum na história cristã, mas os ortodoxos estão mais organicamente ligados ao passado do que nossos irmãos e irmãs evangélicos, cujas comunidades estão apenas vagamente conectadas à plenitude da fé e do regime do cristianismo histórico.

Os evangélicos parecem não saber que a igreja primitiva é a igreja ortodoxa. As congregações que eles encontram nas páginas da Antiguidade são tratadas como se fossem um corpo invisível de crentes, em vez de uma comunidade visível de igrejas ortodoxas locais. Essas igrejas compartilhavam da mesma fé e dos mesmos sacramentos, eram lideradas por bispos que estavam em comunhão uns com os outros na sucessão apostólica, algo que se estende até os dias atuais.

Em contraste, os evangélicos enfatizam o corpo invisível de Cristo como a base da unidade, e parecem satisfeitos em permitir a desunião visível existente no cristianismo atual. Os ortodoxos, entretanto, afirmam que isso é um antitestemunho prejudicial à verdade do evangelho.

Outra diferença fundamental de mentalidade está na hermenêutica da interpretação bíblica. Nós concordamos que a Bíblia é a fonte da revelação divina e o padrão pelo qual todas as crenças cristãs devem ser avaliadas. Mas discordamos quanto ao papel da comunidade cristã em testar nossas conclusões exegéticas, à luz da tradição apostólica que foi transmitida ao longo da vida da igreja. O Espírito Santo inspirou não apenas o processo de escrita das Escrituras, mas também sua interpretação.

Essa diferença ajuda a explicar por que as igrejas ortodoxas escaparam dos aspectos destrutivos da teologia protestante liberal, que permeiam as principais denominações e os círculos progressistas de hoje. A confiança na Sagrada Tradição impede que os intérpretes bíblicos tenham uma confiança idólatra em suas próprias conclusões exegéticas, testando-as em contraste com a fé comum da comunidade cristã mais ampla.

Pode ainda haver um consenso antigo e preservado de erros?

Nem tudo que foi recebido do passado tem o mesmo valor ou é necessariamente verdadeiro. A mentalidade ortodoxa é no sentido de “seguir os santos Padres”, conforme declarado no preâmbulo da Definição de Calcedônia (451 d.C.), mas não apela meramente para o passado, como se este fosse a única fonte da verdade. Antiguidade por si só não é prova da verdade; ela pode ser meramente um erro antigo! “Seguir os santos Padres” significa abraçar não apenas seu testemunho de fé, mas também seu método de raciocínio teológico.

Por exemplo, no oitavo século, o mundo ortodoxo viveu mais de 30 anos com o entendimento de que os ícones eram idólatras. Essa decisão foi aprovada pelos bispos no Concílio de Hieria, mas foi revogada em 787 d.C., pelo Sétimo Concílio Ecumênico em Niceia. Em ambos os casos, as fontes teológicas eram as mesmas: as Escrituras, os concílios anteriores e a tradição. A diferença no resultado é atribuída à orientação do Espírito Santo, dando testemunho ao longo do tempo através da recepção na igreja.

Aqui tocamos no mistério da doutrina ortodoxa da igreja, que protestantes e católicos geralmente acham difícil de entender. Nem as Escrituras nem o Papa são o único critério de verdade. Há um vínculo inseparável entre o Espírito Santo, que vive misteriosamente na igreja, e seus dogmas, adoração e vida espiritual.

A imagem de uma bela flor pode ilustrar esse ponto. Digamos que as raízes da flor representem a igreja. A igreja, por sua vez, está conectada ao caule, que representa a doutrina, e desse caule doutrinário brota uma bela flor, que é a vida espiritual e litúrgica da igreja. As raízes, o caule e a flor formam um todo, são uma coisa só.

Mas abraçar o caule doutrinário dos concílios de Niceia ou Calcedônia, como fazem os evangélicos, e, ao mesmo tempo, rejeitar a raiz que o produziu e a flor espiritual que dele brota, é algo que viola a integridade orgânica da flor. Isso separa o caule tanto de suas raízes vivificantes quanto de sua flor espiritual. Os ortodoxos acreditam que o Espírito Santo mantém intacta a flor inteira, pois a vida de uma parte da flor é a vida de todas as partes dela.

Evangélicos e ortodoxos, na reunião de junho de 2023 da Iniciativa Lausanne-Ortodoxa, em Derbyshire, Inglaterra.Courtesy of Lausanne-Orthodox Initiative
Evangélicos e ortodoxos, na reunião de junho de 2023 da Iniciativa Lausanne-Ortodoxa, em Derbyshire, Inglaterra.

Os evangélicos precisam se converter às crenças ortodoxas?

Conversão é uma palavra que se refere propriamente à nova vida que é dada por Deus, quando alguém se torna cristão. Nesse sentido, a maioria dos evangélicos que conheço já é convertida. Mas a questão de mudar a filiação de alguém a uma igreja é muito pessoal, e cada indivíduo deve responder por si mesmo.

A ortodoxia acredita que a igreja na Terra deve permanecer visivelmente unida. Como ficam, então, os evangélicos e outros cristãos que não estão visivelmente unidos a ela? Diferentes grupos ortodoxos responderiam de maneiras diferentes.

Um grupo mais rigoroso diz que qualquer pessoa que não seja ortodoxa não pertence à igreja. A graça pode estar ativa em igrejas não ortodoxas, mas as pessoas pertencentes a outras igrejas não podem ser consideradas membros. Portanto, os evangélicos, como todos os demais, devem se converter e se tornar ortodoxos ou correm o risco de perder a salvação.

Um grupo mais moderado, entretanto, acredita que, embora exista apenas uma igreja, há muitas maneiras de se relacionar com ela. Nesse espírito, não tenho dúvidas de que os crentes evangélicos já estão na igreja ortodoxa, o corpo de Cristo, mesmo que estejam visivelmente separados dela. Esse não é o testemunho que Deus deseja, mas se alguém está “em Cristo”, deve, em algum sentido, estar “na igreja”. Uma experiência espiritual muito mais plena, entretanto, pode ser encontrada na vida litúrgica e sacramental da Igreja Ortodoxa, para qualquer pessoa que assim desejar.

Ao redor do mundo, quantos ortodoxos são, “portanto, evangélicos”?

Todos os ortodoxos são evangélicos na doutrina, mas nem sempre na prática. Com muita frequência, vivemos em um gueto dourado, cercados de tesouros teológicos, mas em pobreza espiritual. Esse é o elefante na sala que remonta, no mínimo, ao quarto século, quando o cristianismo se tornou a religião oficial de Roma. Não estou dizendo que a união entre igreja e Estado foi inerentemente errada, mas ela teve suas deficiências, entre as quais estão o formalismo sem vida e a fé nominal.

Os sermões de São João Crisóstomo oferecem um testemunho eloquente do estado carnal do cristão comum. Pouco mudou ao longo dos séculos desde então. Felizmente, o surgimento do monasticismo, no quarto século, salvou a integridade do cristianismo, ao preservar o espírito evangélico da igreja.

No entanto, devemos honrar os ortodoxos, por preservarem a fé durante a dura perseguição e a humilhação social sofrida sob os domínios islâmico e comunista. Mas, como uma flor de primavera que brota após o degelo do inverno, o cristianismo ortodoxo está passando por um renascimento no século 21.

E, espiritualmente, embora a Ortodoxia nos Estados Unidos compartilhe do mesmo desafio do nominalismo que existe em terras ortodoxas tradicionais, ela parece mais viva devido, em grande parte, à influência renovadora dos convertidos evangélicos. De muitas maneiras, a Igreja Ortodoxa na América está na melhor condição espiritual que já esteve na vida.

Uma vez que despertou de novo para a centralidade do evangelho, o que a Igreja Ortodoxa deve fazer de diferente, para evangelizar seu próprio povo?

A Ortodoxia não pode nutrir seu povo simplesmente oferecendo mais liturgias, palestras e sermões do tipo “esforce-se mais”. Em vez disso, uma ênfase robusta no evangelho deve se tornar central em cada ação vivificante da igreja — em sua pregação, em seus ritos litúrgicos, nos sacramentos, em sua obra missionária e em seus currículos educacionais.

Isso não é ciência de foguetes; é uma ênfase no ABC da fé. A transformação espiritual começa, a princípio, com a renovação dos nossos votos batismais, por meio do arrependimento e da fé em Cristo como Senhor e Salvador, contando com a capacitação do Espírito Santo para a vida cristã.

A renovação chega à paróquia aos poucos, em uma pessoa de cada vez; portanto, começamos por nós mesmos. Líderes e leigos devem se perguntar se abraçaram conscientemente o chamado de Jesus para “tomar a sua cruz e segui-lo” (Marcos 8.34).

A dádiva da salvação exige uma resposta. Às vezes, as pessoas precisam de um questionamento gentil sobre sua posição em relação a Cristo. Isso pode ser feito durante todo o ano litúrgico, por meio dos sermões, do aconselhamento, dos estudos bíblicos, de visitas domiciliares ou simplesmente tomando uma xícara de café. Independentemente de como aconteça, o evangelismo interno e o chamado ao discipulado são a receita para uma paróquia vibrante.

Isso é necessário para sua salvação do inferno ou apenas para viverem a plenitude da vida cristã?

Só Deus sabe! Depende da posição de cada indivíduo no relacionamento com Deus. Alguns acham que são cristãos só porque são de um país ortodoxo; outros são religiosos, mas estão perdidos. Muitos foram negligenciados espiritualmente e precisam de cuidados pastorais. Em geral, os ortodoxos são bastante receptivos ao evangelho, quando ele é apresentado claramente por um membro amoroso e confiável da igreja.

O simples fato de o evangelho estar na igreja não significa que nosso povo tenha entendido e se apropriado de sua mensagem. Nossos mestres místicos, como São Simeão (século 10) e São Macário do Egito (quarto século), nos lembram da necessidade de uma experiência consciente de Deus no coração.

Embora o arrependimento leve a essa consciência, para alguns, essa percepção da vida de Deus na alma pode surgir repentinamente, enquanto, para outros, surge apenas gradualmente, à medida que obedecem aos mandamentos.

Especialmente no mundo ortodoxo, como os evangélicos podem ajudar a espalhar o evangelho?

Os evangélicos devem primeiro examinar suas próprias atitudes e objetivos. Eles acreditam que a Ortodoxia não é o verdadeiro cristianismo? Os ortodoxos precisam de uma conversão evangélica?

Os missionários podem promover seu trabalho em terras ortodoxas aprendendo primeiro o máximo que puderem sobre a fé e sua influência na herança cultural.

O monasticismo, por exemplo, é em sua essência a personificação do chamado de Jesus para “tomar a sua cruz e me seguir” (Lucas 9.23). Estude os ícones e os santos. Leia Dostoiévski e ouça Tchaikovsky. As conversas sobre esses tópicos também são uma boa maneira de construir pontes com o clero.

Um sucesso maior entre os ortodoxos pode vir por meio de um lembrete do testemunho do evangelho já presente nos escritos de seus próprios líderes mais estimados.

Seu livro observa que os evangélicos às vezes são discriminados no mundo ortodoxo.

Reconhecendo a grande preocupação com o proselitismo de missionários evangélicos em terras ortodoxas, os ortodoxos também precisam entender quem são os evangélicos. Com muita frequência, eles são agrupados indiscriminadamente junto com seitas e cultos que rejeitam a divindade de Cristo e a Santíssima Trindade.

Acho que o Senhor ficaria satisfeito se mais líderes ortodoxos pudessem entender a diferença entre as formas populares e às vezes menos sofisticadas de evangelicalismo que vemos na TV ou na Internet e a respeitável herança teológica da erudição evangélica — como a que está presente na Iniciativa Lausanne-Ortodoxa (LOI).

Mas, com ou sem um melhor entendimento mútuo nos países ortodoxos, o melhor para a fé é que se protejam os direitos de todas as pessoas viverem sem discriminação. As liberdades humana e religiosa estão no centro da compreensão bíblica e patrística da imagem de Deus, pois o único amor que vale a pena receber é o amor que é dado livremente.

Qual é a sua esperança para a unidade da igreja?

Já estamos unidos em Cristo, mas essa unidade é imperfeita — qualquer coisa além disso requer concordância total na fé. Mas não podemos tomar a Ceia juntos, por exemplo, já que temos crenças tão diferentes sobre a presença real de Cristo na Eucaristia.

Não acredito que cristãos ortodoxos e evangélicos um dia venham a se tornar visivelmente unidos, e não vejo problema com isso. Há muitas diferenças que não devem ser minimizadas em prol de uma unidade superficial. Nossa unidade imperfeita, no entanto, pode ter um testemunho mais perfeito, quando apoiamos nossa proclamação mútua de Cristo como Senhor e Salvador.

Podemos fazer isso por meio de ações sociais para socorrer os pobres, defender o nascituro e o casamento heterossexual monogâmico e por meio do “evangelismo cooperativo” defendido por Billy Graham. Anos atrás, bispos ortodoxos de alto escalão apoiaram publicamente as campanhas de Billy Graham na Rússia e na Romênia, com a condição de que todas as pessoas ortodoxas que se apresentassem para dedicar suas vidas a Cristo fossem encaminhadas de volta a uma igreja ortodoxa para acompanhamento.

Juntos, que Deus nos dê essa mesma humildade e esse mesmo amor mútuos, em prol de Cristo e de sua igreja mundial.

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Os 20 artigos mais lidos em português da Christianity Today em 2023

As acusações de abuso contra Mike Bickle, fundador do IHOP; O avivamento de Asbury; Os conselhos de Pedro para os cristãos que invadiram o Congresso brasileiro.

Christianity Today December 20, 2023

In this series

Leia os principais artigos em português publicados em 2023 pela CT, organizados em ordem crescente de popularidade.

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Por que José é conhecido como o santo silencioso

Como ouvir os direcionamentos de Deus, quando as coisas parecem dar errado.

Christianity Today December 19, 2023

Foi assim o nascimento de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Por ser José, seu marido, um homem justo, e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente.

Mas, depois de ter pensado nisso, apareceu-lhe um anjo do Senhor em sonho e disse: "José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados".

Mateus 1.18-21

José é conhecido como o santo silencioso. Embora seu papel na história de Cristo não seja pequeno — pois é dele, José, a linhagem real que Jesus atribui a si mesmo; também é dele a profissão que Jesus adota —, José não diz sequer uma única palavra em nenhum dos Evangelhos. Este é um tema nas histórias que cercam o nascimento de Jesus: Zacarias em silêncio no templo e José silenciosamente considerando como proceder, enquanto Maria e Isabel irromperam em declarações proféticas, fazendo as primeiras proclamações do evangelho.

Mas só porque José não fala isso não deve nos levar a pensar que ele seja passivo. Na verdade, José nos é apresentado como um homem de atitudes firmes, que brotam de sua rica vida interior. Somos informados de que, ao saber que sua futura esposa estava grávida, ele não rompeu imediatamente o noivado, sujeitando-a a constrangimento público e, possivelmente, a algo muito pior. Apesar do que pudesse ser tentado a fazer qualquer noivo ferido, alguém que estivesse sofrendo pela dor recente de uma aparente infidelidade, José, em vez disso, traça um plano misericordioso e sábio.

A única descrição que recebemos do caráter de José é que ele é “fiel à lei” (Mateus 1.19). Assim, sem divulgar a ninguém a situação de Maria (pelo que nos é dito), ele traça um plano que é, ao mesmo tempo, fiel à lei e gracioso para com ela. José chega a essa decisão através de uma reflexão particular, e, segundo podemos presumir, com muito sofrimento também, ainda que toda a sua dor e a sua generosidade permaneçam sob a superfície. O santo silencioso tem uma virtude que ferve debaixo dessa superfície, onde o seu domínio próprio, mesmo em face d injustiça que sofreu, o contém e permite que ele não apenas tolere, mas também proteja Maria, que era a fonte de sua dor.

E, como acontece com muitas pessoas que tomaram decisões difíceis dentro de si, algo ainda mais profundo brota de dentro de José: um sonho e, com ele, um anjo. Este sonho deve ter surgido como um consolo, como uma garantia, e envolto em uma grande dose de confusão. Nada disso está registrado. Somente nos é dito que José, que era justo e fiel à lei, à Palavra do Senhor, foi também fiel a esta palavra do anjo. Dentro de si, mais uma vez, ele resolve agir, sem proferir qualquer discurso profético.

José deixou que as pessoas pensassem que ele, um homem sério e que tinha domínio próprio, engravidou Maria num momento de falta de controle. Ele tomou sobre si a vergonha de Maria, talvez prenunciando o que Jesus faria por toda a humanidade. E fez tudo isso sem dizer sequer uma palavra.

O nosso é um mundo mergulhado em palavras. Em José, o santo silencioso, vejo uma forma diferente de ser — baseada em silêncio e ação, segundo a qual às vezes as palavras mais importantes são aquelas que não falamos.

Para refletir



Ao refletir sobre as ações silenciosas, mas decisivas de José, o que podemos aprender sobre o poder da força silenciosa e do domínio próprio em nossa vida pessoal? Como podemos cultivar uma postura semelhante de silêncio e ação em meio a situações desafiadoras?

Considere o papel dos sonhos e da orientação divina na história de José. Como podemos estar sintonizados com a voz e a orientação de Deus em nossa própria vida? Como podemos discernir a sua vontade e confiar na sua liderança, mesmo quando vivemos situações que podem ser confusas ou desafiadoras?

Joy Clarkson é escritora, editora e doutoranda em teologia. Ela é editora de livros e cultura da Plough.

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A natureza criada aguarda, com grande expectativa…

…que os cristãos levem a sério as mudanças climáticas. E na COP28, irmãos cristãos aguardaram o mesmo.

Christianity Today December 19, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Unsplash

A 28ª reunião anual da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas — popularmente chamada COP28 — terminou recentemente em Dubai. Participei da conferência como representante da organização Christian Climate Observers Program [Programa de Cristãos Observadores do Clima, cuja sigla em inglês é CCOP], que trouxe 30 líderes emergentes de todo o mundo para darem seu testemunho nos eventos da conferência. A COP28 inclui negociações intensas, com representantes de 200 países, sobre ações climáticas, além de algo semelhante a uma feira mundial, com pavilhões de quase todos os países, bem como muitos grupos de interesse diferentes.

Um grupo que foi visivelmente sub-representado na conferência é a igreja dos Estados Unidos. A conferência teve um pavilhão religioso pela primeira vez, e nele vi apresentações feitas por muçulmanos, judeus e muitos cristãos de outras partes do mundo. Mas, com exceção dos americanos envolvidos através da organização CCOP, não vi mais ninguém representando os cristãos dos EUA.

Talvez isso não seja surpreendente. Os cristãos são menos propensos do que outras pessoas em nosso país a pensar que as mudanças climáticas são um problema sério, e os evangélicos, em especial, têm ainda menos preocupação com o meio ambiente do que qualquer outro grupo religioso americano. Com o seu pessoal cético em relação ao clima, eles tendem a argumentar que existem “problemas maiores no mundo” e que, de qualquer forma, “Deus está no controle do clima”.

Esses argumentos para essa falta de ação podem soar realistas, práticos e até mesmo bíblicos. Mas ignoram temas bíblicos mais profundos, como amor, justiça e responsabilidade pela criação que Deus compartilhou com a humanidade, aqui deste lado da eternidade — e também do outro lado, que virá depois.

É verdade que muitas pessoas têm problemas mais imediatos do que as mudanças climáticas; porém, quando se compreende a escala do risco que corremos nesse aspecto, é difícil imaginar uma ameaça que seja mais séria do que essa — pois é uma ameaça ao estilo de vida e aos meios de subsistência de tantas pessoas, e até mesmo à própria vida.

Não é à toa que o Departamento de Defesa reconhece as mudanças climáticas como um multiplicador de ameaças, algo que amplifica o potencial perigo para a segurança nacional dos EUA devido a guerras, imigração e catástrofes naturais. E quando ouvimos relatos diretos de pessoas que estão sendo afetadas hoje por mudanças climáticas, a gravidade do problema é palpável.

Participei de uma sessão na COP28 em que foi dada a palavra ao representante de Tuvalu. Ele falou com paixão sobre sua pequena nação insular no Pacífico Sul, onde o local mais elevado fica a apenas dois metros acima do nível do mar. Famílias já tiveram de se deslocar para longe da costa, devido ao aumento do nível do mar, e agora as tempestades inundam os seus campos e poços com água salgada, tornando-os inutilizáveis.

O representante de Tuvalu ficou consternado com a falta de progressos significativos na COP28 para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. “Como posso voltar para casa, depois desta reunião, e dizer ao meu povo que o futuro do nosso país não está garantido e que o mundo parece não se importar?”, foram suas palavras, no apelo que ele fez à assembleia.

O grupo em que estamos, da organização CCOP, reuniu-se com o Rev. James Bhagwan, secretário-geral da Conferência de Igrejas do Pacífico. Ele também deu seu testemunho sobre a catástrofe iminente para os 15 milhões de habitantes destas nações insulares, 90 por cento dos quais são cristãos. Eles se perguntam por que os irmãos cristãos na América [e em outros países também] parecem tão pouco dispostos a ouvir os seus clamores, relatou Bhagwan. “Não somos seus próximos?” ele perguntou, fazendo alusão à parábola do Bom Samaritano (Lucas 10.25-37). “Nossas vidas valem menos do que o conforto de vocês?”

Se apelos à fé ou à justiça não nos motivam, acrescentou Bhagwan, talvez devêssemos considerar um ângulo mais pragmático: “Não estou lutando apenas pelos habitantes das ilhas do Pacífico; estou lutando por vocês também. Isso vai acontecer conosco primeiro, mas, no futuro, acontecerá com vocês, e então será tarde demais para fazer algo a respeito.”

Uma resposta comum a estes apelos é este segundo argumento, apresentado por pessoas que não acham que as mudanças climáticas sejam uma preocupação séria: Deus está no controle, dizem elas, por isso, realmente não importa o que fazemos. Perguntei a Bhagwan como ele responderia a essa visão. “Essas pessoas precisam de uma dose de teologia do arco-íris”, ele respondeu com uma risadinha. “Nossas ilhas estão sendo destruídas pela água; porém, depois do dilúvio, no tempo de Noé, Deus colocou um arco-íris no céu e prometeu nunca mais destruir a Terra com água. Portanto, [o que está acontecendo] não deve ser obra de Deus desta vez. Somos nós!”

Eu, pessoalmente, apontaria para a igreja americana textos que vão além de Gênesis, até o Apocalipse: Precisamos de uma escatologia melhor. Muitos cristãos acreditam que, porque este mundo é o nosso lar temporário, não importa o que façamos com ele. Podemos extrair e exaurir os recursos da Terra, e tratá-la como um aterro sanitário, pensam eles (ou agem e votam como se assim pensassem), porque ela será substituída pelo céu por toda a eternidade.

Acredito que haja uma maneira melhor e mais bíblica de olhar para a intenção de Deus para o nosso mundo — para o que significa para ele estar no controle e qual é o papel que ele quer que desempenhemos no seu plano de redenção. A Terra, como a conhecemos, não é o nosso lar definitivo, mas também não está totalmente desconectada do nosso lar definitivo. O teólogo N. T. Wright nos lembra que o Novo Testamento não diz que a Terra será completamente destruída e que todos nós seremos levados para algum céu imaterial. Somos o povo da ressurreição. E a ressurreição não é uma segunda criação ex nihilo; é uma transformação do que existe no presente.

O corpo terreno de Jesus não permaneceu no túmulo nem simplesmente desapareceu. Foi transformado em um corpo ressurreto, que não era limitado pelas mesmas leis naturais. Mas, o crucial é que o seu corpo ressurreto ainda trazia as cicatrizes causadas pela forma como o seu corpo terreno foi tratado (João 20.24-29).

Os céus e a Terra serão transformados e renovados, na consumação do reino de Deus (Apocalipse 21.1). Esta criação redimida durará por toda a eternidade, e não mais será sujeita à deterioração, como é o nosso universo atual. Mas será que ela também trará as cicatrizes pela forma como a tratamos? Nosso comportamento atual estabelece parâmetros para o que a Terra restaurada pode vir a ser? Nesta época do Advento, também poderíamos nos perguntar se Deus não está esperando para inaugurar plenamente o reino (2Pedro 3.9), em parte porque ainda não aprendemos a cuidar de sua criação.

Os nossos problemas climáticos são complexos, e não estou propondo soluções simples. Mas existe um caminho para o cuidado: comece a aprender sobre isso e a orar por aqueles que estão na linha da frente dos impactos climáticos (e, talvez, junte-se aos Climate Intercessors [Intercessores pelo Clima]). Em seguida, tome medidas para reduzir a sua própria pegada de carbono e sugira que a sua igreja também tome medidas neste sentido. E considere envolver-se com organizações como a CCOP, a Evangelical Environmental Network [Rede Evangélica Ambiental, cuja sigla em inglês é EEN], a BioLogos (para a qual trabalho) e A Rocha, todas elas organizações que levam a sério tanto a fé cristã quanto a ciência climática.

O que fazemos aqui e agora tem importância para a eternidade, e não apenas para as nossas almas. Corpos são importantes, a Terra é importante, a água é importante. Bhagwan sugeriu que poderíamos aprender algo sobre isto com a cultura dos nativos das ilhas do Pacífico, a qual reconhece que os seres humanos “são parte da criação” e dependem da Terra e do mar para prosperar.

Nós, cristãos — entre todas as pessoas — deveríamos compreender este aspecto da nossa dependência de Deus. Deveríamos ter um interesse ativo na prosperidade presente e no futuro eterno do planeta e de seus habitantes. Na igreja dos Estados Unidos [bem como na igreja de outros países], temos sido apáticos em relação ao mundo de Deus; é hora de nos preocuparmos com isso.

Jim Stump é vice-presidente de programas na BioLogos, apresentador do podcast Language of God e autor do recente lançamento The Sacred Chain: How Understanding Evolution Leads to Deeper Faith (HarperOne, primavera de 2024).

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O suspense do sim de Maria

Como uma resposta corajosa ecoa pela eternidade

Christianity Today December 18, 2023
Phil Schorr

Perguntou Maria ao anjo: "Como acontecerá isso, se sou virgem?"

O anjo respondeu: "O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Assim, aquele que há de nascer será chamado santo, Filho de Deus.

Também Isabel, sua parenta, terá um filho na velhice; aquela que diziam ser estéril já está em seu sexto mês de gestação. Pois nada é impossível para Deus".

Respondeu Maria: "Sou serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a tua palavra". Então o anjo a deixou.

Lucas 1.34-38

No capítulo 1 de Lucas, somos apresentados a um belo relato de como o anjo apareceu a Maria, como ela o ouviu e como respondeu com coragem: “Sou serva do Senhor, que aconteça comigo conforme a tua palavra.” As palavras ali contidas devem inspirar em cada leitor fervoroso sentimentos de reverência e admiração, mas acima de tudo de gratidão. Esses poucos versículos de Lucas são um dos grandes pontos de virada — ou momentos decisivos — de toda a Bíblia. Eles são uma resposta a outro ponto de virada, trágico, que está em Gênesis: o momento da desobediência de Eva.

A escolha de Eva teve consequências terríveis para todos nós. Seu sim à serpente barrou e diminuiu nossa verdadeira humanidade — embora, é claro, a serpente tivesse prometido exatamente o oposto! Mas se Eva deu as costas para Deus e levou consigo a todos nós, então, quando Maria volta sua face para ele, por livre e espontânea vontade, o seu sim corajoso para Deus acolhe Jesus no mundo. Em Jesus, cada pessoa pode agora escolher, se quiser, receber as boas-vindas de Deus. Esse seu acolhimento estende-se tanto à plenitude da vida aqui na terra, mesmo com todas as suas limitações, quanto à vida eterna com ele.

Nosso Deus é o Deus da liberdade e do amor; ele não age pela força. Em vez disso, espera amavelmente pelo nosso assentimento, pelo nosso sim ao seu amor. Ao lermos esses versículos, quase prendemos a respiração e adentramos ao drama daquele momento: Deus se oferece para vir ao mundo como nosso Salvador, e Maria, naquele momento, fala por todos nós. O que ela dirá? Oferecerá ela toda a sua vida para ser renovada, para ser transformada para sempre? Ou acaso ela rejeitará o fardo?

Devemos sentir o silêncio terrível, a agonia do suspense, entre os versículos 37 e 38 do primeiro capítulo do Evangelho de Lucas, e, então, ao ouvirmos a resposta de Maria, devemos sentir grande alívio e alegria. O sim de Maria não só muda tudo para sempre, mas também é para nós um exemplo para a própria vida cristã. Agora, também nós somos chamados a não temer, mas sim a estar abertos, a dizer para Deus: eu sou teu servo (tua serva), que aconteça comigo conforme a tua palavra. No soneto abaixo, procurei evocar um pouco do suspense e da importância deste momento.

Enxergamos tão pouco, ficamos na superfície, Calculamos o exterior de todas as coisas, Preocupados com nossos próprios propósitos. E nos escapa o cintilar das asas dos anjos, Que brilham ao nosso redor, em sua alegria, Num redemoinho de círculos, olhos e asas que se abrem, Eles guardam o bem que pretendemos destruir, Uma centelha oculta da glória no mundo de Deus. Mas, naquele dia, uma jovem parou para ver Com olhos e coração abertos. Ela ouviu a voz; A promessa de Sua glória ainda por vir, Enquanto o tempo parou, para ela fazer sua escolha; Gabriel se ajoelhou e nem sequer uma pluma moveu-se, A própria Palavra estava aguardando a palavra de Maria. Este soneto, “Anunciação”, foi extraído de Sounding the Seasons (Canterbury Press, 2012) e foi usado com a permissão do autor.

Para refletir



Ao pensar sobre a resposta de Maria à mensagem do anjo, de que modo o “sim” corajoso da mãe de Jesus ao plano de Deus inspira e desafia você, em sua jornada pessoal de fé?

De que formas, assim como Maria, você pode cultivar um espírito de compreensão e submissão?

Malcolm Guite é ex-capelão e membro emérito no Girton College, Cambridge. Ele dá aulas e palestras sobre teologia e literatura.

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Neste Natal, apegue-se às coisas certas

Abrir mão de pessoas e coisas nos torna mais esperançosos.

Christianity Today December 18, 2023
CottonBro / Pexels

Durante a época do Natal, é comum termos alguns produtos que são tidos como indispensáveis, e que, com toda certeza, veremos nos jornais matinais e nos anúncios pagos das mídias sociais. Este ano, porém, a grande história em torno das compras de fim de ano tem sido a ansiedade em relação às cadeias de suprimentos e aos preços, e a dúvida se conseguiremos comprar todas as coisas que queremos a tempo de desembrulhá-las no dia 25 de dezembro.

Como cristãos, sabemos que não devemos deixar que as coisas deste mundo tenham tanta influência sobre nós. Com frequência, deixo coisas que minha família já não usa tanto nas caixas de coleta da Goodwill [rede norte-americana de brechós], e toda vez volto para o carro com as palavras nada me faltará ecoando em minha cabeça. E, no entanto, assim que a placa do centro de doações começa a se distanciar em meu retrovisor, eu retomo o hábito de comprar coisas de que realmente não preciso.

Recobro minha consciência nos momentos em que me concentro mais na primeira parte da frase do Salmo 23.1: “O Senhor é meu pastor”. Essa lucidez é como o primeiro dia em casa, depois de voltar de um acampamento ou depois de viajar para um lugar distante.

Tenho tudo o que preciso. E ele está comigo onde quer que eu vá.

Penso no que Wendell Berry descreve como a “alegria de resistir às promoções” toda vez que fecho uma aba de compras on-line, decidindo que sobreviverei sem as coisas que tinha colocado no meu carrinho de compras. Quando essa temporada de promoções e de estresse nos pressionar, precisamos nos esforçar para resistir. Mas a substância do que constitui a nossa verdadeira esperança persiste e nos ajuda a superar tudo isso.

A esperança, porém, requer prática. Continuo me esquecendo de abrir mão de todo tipo de coisa que você possa imaginar. Sou apegada a sapatinhos de bebê, a jeans velhos que me iludo que ainda vou usar algum dia e a utensílios práticos que prometem facilitar as tarefas na cozinha, mas que, na verdade, só ocupam espaço e tempo. Como podemos nos libertar dessas coisas que nos possuem e, em vez disso, fortalecer nossa capacidade de ter esperança?

Podemos praticar o contentamento e a gratidão, é claro. Se tudo o que temos pertence a Deus, isso exige que façamos um levantamento honesto do que já nos foi dado. E se já pertencemos a Deus, então, não precisamos adquirir coisas para encontrar nossa importância ou nossa segurança.

Aprender a abrir mão de coisas já é algo bastante difícil. É ainda mais difícil aprender que “nada me faltará” muitas vezes também significa abrir mão de pessoas que amamos.

Nossa família está espalhada do Oregon à Califórnia, do Colorado ao Missouri e à Flórida. Eu gostaria que morássemos mais perto. E quando meus filhos mais velhos estão fora, em algum acampamento de verão, e seus quartos ficam silenciosos, a ausência deles me faz prestar atenção nos artefatos ligados a quem eles são: seu sorvete favorito, uma determinada música que toca no rádio, o boné de beisebol enfiado debaixo do sofá, os sapatos sujos de lama ao lado da porta dos fundos.

Oro por meus filhos e meus parentes, quando sinto saudades deles. Mas também celebro a maneira como essas pessoas que amo estão aproveitando a vida que Deus lhes concedeu para viver, exatamente onde foram chamadas a vivê-la. Quando abro meu coração para os grandiosos planos de Deus, adquiro uma visão mais completa das formas como Deus está trabalhando neste mundo. E deixar ir é parte do que torna isso possível.

No casamento, nas amizades e na vida em família, o amor é construído em uma plataforma de trampolim. Amar é receber, deixar ir, lançar e enviar. Toda a dádiva que os filhos recebem de seus pais, embora imperfeita, está enraizada nessa coragem primordial de amar e deixar ir, na confiança de que, seja qual for o espaço em aberto, Deus o preencherá com sua presença.

Quando Jesus foi elevado às nuvens, depois de seu tempo na Terra, seus amigos ficaram confusos com sua partida. Mas, em sua ascensão, Jesus disse: “Não me segure” (João 20.17). Jesus teve que partir, abrindo espaço para enviar um companheiro ainda mais próximo. Ele enviou o Espírito Santo para estar não apenas ao nosso lado, mas dentro de nós. A nova dádiva era algo que sequer poderíamos saber como pedir.

A mudança é uma constante em nossas vidas. Crianças pequenas crescem. Os suéteres favoritos ficam velhos. Até mesmo os céus se desgastarão. É por isso que continuamos trabalhando para não depositar nossa esperança em nada daquilo que voltará ao pó ou às caixas de doação da Goodwill. Podemos nos abrir mão de tudo isso, pois cada vez que o fizermos, estaremos abrindo espaço para que o Deus que permanece o mesmo nos ofereça mais de si mesmo.

E quanto mais recebermos de Deus, maior se tornará nossa capacidade de amar uns aos outros e às coisas que conservamos, sem sermos apegados demais nem pegajosos.

Sandra McCracken é cantora e compositora, e mora em Nashville. Ela também apresenta o podcast da CT Slow Work e o novo estudo bíblico em vídeo Exploring the Psalms [Explorando os Salmos]. Siga-a no Twitter @Sandramccracken.

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Culture

O Natal é um mito (que se tornou fato)

Na “infinitude reduzida à infante”, a Encarnação satisfez a esperança de todas as culturas.

Christianity Today December 18, 2023
WikiMedia Commons

Em 1º de novembro, dia de Todos os Santos, minha esposa e eu costumamos contar histórias sobre os santos que mais nos marcaram. Este ano, compartilhei com minha família a história da conversão de C. S. Lewis.

Por algum tempo, ele andou oscilando à beira do precipício da fé, incapaz de resolver suas dificuldades intelectuais com o cristianismo. Em uma caminhada noturna por Oxford, acompanhado de seus amigos Hugo Dyson e J. R. R. Tolkien, ele expressou sua objeção essencial.

Tudo o que importa, disse Lewis, pertence ao domínio do mito.

Lewis tinha grande afeição pela mitologia nórdica, algo que remontava à sua juventude na Irlanda do Norte. Para ele, no entanto, mito tinha a ver com criação de significado, ao passo que a história tratava de fatos não passíveis de serem repetidos, coletados e analisados de forma empírica. A grande tragédia da existência humana era que mito e história não se cruzavam e nunca poderiam fazê-lo.

Lewis — assim como o pensador alemão G. E. Lessing antes dele — descreveu a “feia lacuna"” que há entre a história e a teologia. Independentemente de quão radiante tenha sido sua vida, um homem chamado Jesus, que viveu 2.000 anos atrás, nunca poderia ser nada mais do que uma figura inspiradora.

As respostas de Dyson e de Tolkien foram eletrizantes: Nesse caso, disseram eles, o mito havia se tornado fato. Tudo o que era eterno e místico — a profunda magia do mundo — era real e estava encarnado na pessoa de Cristo. Ele não foi simplesmente uma figura histórica, mas sim o Deus Criador que havia encarnado para salvar os seres humanos que criara.

Com essa resposta, Lewis subitamente conseguiu juntar as peças. Como ele escreveu mais tarde para seu amigo Arthur Greeves, “a história de Cristo é simplesmente um mito verdadeiro: um mito que atua em nós da mesma forma que os outros [mitos], mas com a tremenda diferença de que realmente aconteceu”.

Por meio do Filho de Deus, houve um verdadeiro casamento entre o céu e a Terra. Deus abraçou a matéria na pessoa de Jesus. A Encarnação aconteceu em um só lugar, mas foi “difundida” e “comunicada” em todos os lugares, como escreveu Henri de Lubac, padre e estudioso jesuíta.

Em sua “infinitude reduzida à infante”, como disse Gerard Manley Hopkins, a descida de Deus ao mundo em carne humana não foi simplesmente para nos dignificar ou para estar conosco em nossas alegrias e tristezas. O céu desceu à Terra para que as coisas da Terra pudessem ascender ao céu.

A ideia de uma união entre céu e Terra repercute muito em mim, por ser surpreendentemente não individualista. Ela envolve uma compreensão intensa da pessoa humana. Como ocidentais modernos, muitos de nós andamos por aí com uma compreensão distorcida da pessoa humana como “indivíduo autônomo, autodirigido e terapeuticamente orientado”, nas palavras do sociólogo Christian Smith.

Mas se simplesmente seguirmos o insight de Lewis, seremos capazes de ver de imediato o quanto essa visão [distorcida] fica aquém. Lewis parece dizer que somos os mitos que nos criaram. Somos as histórias que herdamos — que dão forma às nossas esperanças e definem nossa visão de vida boa. A ideia de o mito se tornar um fato é uma ideia inerentemente de afirmação cultural, porque os mitos surgem apenas dentro de culturas.

Uma pessoa é, portanto, algo infinitamente maior e mais sagrado do que um indivíduo intercambiável. Cada um está envolvido em teias relacionais, narrativas, geográficas e institucionais que são essenciais para a identidade pessoal e o florescimento. A Encarnação demonstra que essas formas culturais não são um mero acidente da história, nem são simplesmente fruto da pecaminosidade humana. A intenção de Deus é reformular, sutil e gentilmente, essas formas culturais distorcidas, até que elas expressem a forma de integridade que Ele projetou para elas.

Lewis reconhecia tudo isso. Mas preciso reconhecer que Lewis foi um inglês de sua época, e é neste ponto que acho necessário me separar dele. Seu cristianismo tinha uma tonalidade distintamente inglesa. Mas, se ele estava certo, então a Encarnação significa que não existe uma cultura distintamente cristã. Os mitos que preparam o caminho para Cristo não são apenas mitos nórdicos ou greco-romanos. O cristianismo não é uma religião ocidental, nem branca. E não se expressa de forma adequada exclusivamente em inglês.

Sabemos disso ao estudar a igreja global. As redes de diáspora e a imigração estão impulsionando o ressurgimento do cristianismo em lugares pós-cristãos, ao passo que a migração e a miscigenação de culturas têm sido os principais motores da propagação do evangelho na história. Como Andrew Walls argumentou certa vez, o cristianismo é sempre uma encarnação — algo que se traduz para uma cultura já existente, mas que a subverte e atrai pessoas dessa cultura para Cristo. É exatamente essa “infinita capacidade de tradução”da fé cristã que a distingue de outras religiões do mundo.

Como um latino que cresceu e continua a servir em contextos predominantemente brancos e de língua inglesa, fiquei surpreso ao ver Jesus sendo honrado e glorificado por músicos pentecostais dominicanos como Lizzy Parra e Ander Bock. Fiquei impressionado ao conhecer colegas anglicanos da Nigéria que adoram Jesus com uma energia e uma intensidade que me dão esperança na obra viva e ativa do Espírito Santo. Minha fé se expandiu, depois de ter conhecido iranianos que perderam tudo, mas seguem um Jesus que fala farsi.

Em todas essas expressões culturais, vemos o cumprimento da profecia de Isaías — de que todas as nações virão a Sião (Isaías 2.2; 60.3). Cristo é o desejo de todas as nações, pois ele tem trabalhado semeando graça preparatória entre todos os povos. Como disse Lewis, o Senhor está presente nos “bons sonhos” de cada grupo de povos; são os mitos desses povos que os preparam para que recebam Jesus, quando ele vier.

A Encarnação alcança todas as áreas da existência humana. É uma parte essencial da esperança que celebramos no Natal. Não há nenhuma cultura humana na qual Jesus seja um estrangeiro. Os mitos — de todas as nações — tornaram-se fato em Jesus Cristo. É difícil negar o poder da Encarnação, quando vemos comunidades vibrantes de cristãos que, quando louvam o nome de Jesus, não se parecem nem soam como nós.

Vemos que Cristo veio salvar toda a humanidade. É disso que nos lembramos quando encontramos o Cristo na manjedoura.

Jonathan Warren Pagán é um sacerdote anglicano que vive e serve em Austin, Texas.

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