Nota da edição em português: este artigo foi escrito originalmente ainda no período da pandemia da COVID-19, mas acreditamos que ele tenha ensinamentos importantes para a nossa realidade atual.
A jornada do Advento, da escuridão para a luz, tem me tocado de forma tangível desde que comecei a morar na Escócia. No solstício de inverno, o sol nasce pouco antes das 9 horas da manhã e se põe pouco depois das 15h30. Depois disso, a luz do sol aumenta substancialmente a cada dia, lembrando-me da expectativa que temos como cristãos relacionada à luz e à vida que Cristo trará quando vier.
Essa jornada pessoal do Advento rumo à luz renova minha esperança neste ano sombrio. A pandemia forçou o cancelamento da viagem para os EUA, resultando no período mais longo que já fiquei sem ver minha família. Há vários meses já o governo escocês não permite que nos reunamos com outras pessoas em casa. Não só desejamos o fim da pandemia; mais do que qualquer outra coisa, desejamos ver, tocar e abraçar nossos amigos e familiares. Esperávamos ter uma pequena amostra desse paraíso durante o feriado de fim de ano, com a suspensão das restrições do Reino Unido por cinco dias, para permitir a reunião de oito pessoas, frente a frente, nas chamadas “bolhas natalinas”. Mas uma nova cepa do vírus acabou com a nossa esperança. De repente, cinco dias tornaram-se um. Famílias devastadas cancelaram seus planos de viagem. A maioria sabia que a reunião [de cinco dias] não seria perfeita nem duradoura, mas não esperava por essa notícia. Voltamos a um confinamento nacional no Boxing Day [feriado comemorado no dia 26 de dezembro] e ao desejo de nos reunirmos novamente, de uma vez por todas.
A esperança, vista como um bem precioso, levou-me à passagem do Advento em Marcos 13.24-37. Nela, Jesus promete voltar como o Filho do Homem e reunir os crentes desde os confins da Terra. Quão grande será esta suspensão de restrições!
A promessa de Jesus faz parte de um discurso mais extenso para seus discípulos (Marcos 13.1-37; veja também Mateus 24.1-25; Lucas 21.5-36). Saindo do complexo do templo em Jerusalém, os discípulos ficam maravilhados: “Veja, Mestre, que grandes pedras e que grandes edifícios!", ao que Jesus responde: “Não restará aqui pedra sobre pedra; todas serão derrubadas” (Marcos 13.2, NRSV). Isso os deixa confusos! Deve significar o fim do mundo. Jesus se senta no Monte das Oliveiras, em frente ao templo, e alguns de seus discípulos lhe perguntam ansiosos quando essas coisas (a destruição do templo) acontecerão e qual será o sinal de que todas essas coisas (o fim dos tempos) estão prestes a se cumprir (v. 4).
Jesus responde ampliando a visão deles para além da destruição do templo. O fim do templo não é o fim do mundo, mas sim parte das dores de parto que dão origem a uma nova era.
Onze ordens para “vigiar” e “ficar alerta” impedem os crentes de se deixarem desviar não só por falsos mestres, mas também por falsos sinais, devido a desastres naturais ou guerras — ou talvez até mesmo por uma nova pandemia de coronavírus.
Essas dores de parto ocasionam um período de crescente tribulação, marcado por sofrimento extraordinário e engano (v. 5-23). Jesus adverte contra os falsos messias que usarão falsos sinais para persuadir os crentes de um fim que ainda não aconteceu. Onze ordens para “vigiar” e “ficar alerta” impedem os crentes de se deixarem desviar não só por falsos mestres, mas também por falsos sinais, devido a desastres naturais ou guerras — ou talvez até mesmo por uma nova pandemia de coronavírus. Essas dores caóticas impulsionam o novo nascimento, durante o qual os crentes avançam, tomando suas cruzes para seguir a Jesus. Eles suportam o sofrimento e proclamam fielmente o evangelho a todas as nações pelo poder do Espírito (v. 9-13). A “profanação” que precede a destruição do templo culmina de forma devastadora nas contrações (v. 14-23). Os crentes não devem se deixar distrair, desanimar ou enganar, como se algo estranho estivesse acontecendo. “Fiquem atentos” contra os sinais enganosos do fim, diz Jesus, “Eu já contei tudo antes mesmo que acontecesse”.
Na segunda parte da resposta de Jesus, ele expõe o fim das dores de parto e a bem-vinda intervenção de Deus, que liberta seu povo para a nova era (v. 24-27). O discurso de Jesus muda a perspectiva no tempo e no espaço. “Naqueles dias, [em algum momento] depois daquele sofrimento”, o caos na terra ascende para um caos no céu. Os sinais genuínos da vinda do Messias fazem com que todo o universo entre em colapso: O sol e a lua escurecem, as estrelas caem, os corpos celestes tremem. Mais do que a convulsão cósmica, estrelas cadentes e céus tremulantes representam a derrota dos poderes demoníacos em conflito com Deus. Em glorioso triunfo, Jesus desce como o Filho do Homem, com seus santos anjos, para unir os eleitos da Terra em uma família completa, a família de Cristo.
A autodesignação de Jesus como “Filho do Homem” nos Evangelhos vem de Daniel 7.13-14, passagem em que Deus ordena “alguém semelhante a um filho de um homem” para governar um reino eterno para o povo sofredor de Deus (NVI). Ao longo de Marcos, Jesus é esse Filho do Homem com autoridade na Terra. Como Filho do Homem, Jesus sofre, morre, ressuscita e volta para julgar o mundo com justiça e fazer novas todas as coisas. Em Marcos 13, Jesus volta como Filho do Homem para finalmente esmagar todo o caos e trazer o reino para o bem de seu povo.
O discurso de Jesus pode nos confundir devido à grande profundidade de campo. Na fotografia, a profundidade de campo mede a distância entre o objeto mais próximo e o mais distante — uma profundidade de campo rasa faz com que nosso olho se concentre na pessoa da foto e não nas montanhas ao fundo. Em Marcos, porém, Jesus revela toda a paisagem das dores de parto e do parto em si em um único quadro, cuja profundidade de campo é ampla e coloca tudo em foco. Os leitores de hoje ainda enxergam a grande profundidade de campo no discurso de Jesus, mas reconhecem um intervalo de tempo muito maior entre o parto e o nascimento. Enquanto esperamos e trabalhamos com expectativa, a vinda de Cristo tem necessitado um trabalho de parto prolongado — não porque o Senhor seja lento, mas porque ele é paciente (2Pedro 3.9).
Embora confusa, essa ampla profundidade de campo é crucial para a esperança. Os escritos apocalípticos, como Daniel, primeiro, e Apocalipse, depois, revelam uma realidade além da que podemos ver a olho nu. Atualmente, percebemos o mal, o pecado e seus efeitos, a violência, a enfermidade e a separação física devido à pandemia; mas os escritos apocalípticos revelam que Deus está conosco agora e está vindo para consertar um mundo que já não funciona. Essa visão apocalíptica não nega a realidade atual de nossa dor, mas nos desafia a fazer uma reformulação fiel dela. Ao olhar para a paisagem toda, nossos olhos conseguem ver que o mal de nossa época não tem poder duradouro, porque Deus já determinou seu fim. É como Samwise diz em O Retorno do Rei, de Tolkien: “Será que tudo o que é triste vai se tornar falso?” Sim, o Rei está chegando!
Em Marcos 13.24-27, Jesus nos assegura que, nele, Deus endireitará tudo o que deu errado. O Filho do Homem vem para o seu povo. Em 1Tessalonicenses 4, Paulo também assegura à igreja que mantenha a esperança. No tempo de Deus, uma reunião pública superará qualquer coisa parecida com o que o fim da nossa pandemia pôde proporcionar:
Pois o próprio Senhor descerá do céu, com grande voz de comando, com voz de arcanjo e com o clamor da trombeta de Deus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois disso, nós, os que estivermos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para encontrar com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre. Portanto, encorajem-se uns aos outros com estas palavras. (v. 16-18)
Cristo virá, Deus sabe quando (Marcos 13.32). Para nós, o chamado é para permanecermos fortes e vigilantes, obedientes e incentivando-nos mutuamente. Qualquer isolamento que vivamos nos tempos de hoje intensifica nosso anseio pelo novo nascimento que ocorrerá em Cristo, e nada nos separará novamente. E, assim, dizemos neste Advento: “Vem, Senhor Jesus”.
Elizabeth Shively é professora sênior de estudos do Novo Testamento e diretora de ensino na School of Divinity, St. Mary's College, Universidade de St. Andrews, Escócia.
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