“Pois eu tive fome”: o versículo que os evangélicos do Brasil jamais podem esquecer

Seremos lembrados por nossas aspirações políticas ou por alimentar os famintos?

Christianity Today January 26, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: WikiMedia Commons / Unsplash / Pexels

No segundo semestre do ano passado, anunciamos um concurso de ensaios escritos em língua portuguesa por cristãos brasileiros. Esses ensaios foram meticulosamente revisados por nossas equipes editoriais de idiomas e, em seguida, avaliados anonimamente por uma equipe de juízes. Hoje, estamos empolgados em compartilhar o ensaio vencedor com nossos públicos de línguas portuguesa e inglesa. Para saber mais sobre como escrever para nós, envie-nos um e-mail para christianitytodaypt@christianitytoday.com.

Gerente de mídia global: Morgan Lee, Havaí, Estados Unidos
Diretora editorial em língua portuguesa: Marisa Lopes, Brasil
Coordenadora de projetos: Mariana Albuquerque, Brasil

Gostaríamos de expressar nossos sinceros agradecimentos aos juízes participantes da avaliação:

• Gutierres Fernandes Siqueira: jornalista, teólogo e autor de cinco livros.

• Renato Marinoni: pastor da Igreja Batista Metrópole, em São Paulo, e fundador do Instituto de Adoração, Cultura e Arte.

• Zé Bruno: influencer e host do videocast Entre amigos, um programa semanal com cristãos influentes ao redor do mundo.

No Censo de 2010, o número de evangélicos no Brasil chegou perto de um quarto, ou seja, a 22,2% do total da população. Muitos esperam que o número do novo levantamento demográfico seja ainda maior. Pelas estimativas mais otimistas, até 2040, o número de evangélicos superará o de católicos no país (que, segundo dados de 2010, representavam 64,4% da população.)

O fenômeno do crescimento evangélico traz à tona um tema que precisa ser discutido, sobretudo, pelos próprios cristãos: quais impactos concretos o testemunho deste contingente maior deveria ter no país? E, talvez, a pergunta mais importante: Como essa crescente influência dos evangélicos mudará a vida dos que mais sofrem?

À medida que os evangélicos crescem, o impacto de seu testemunho cristão no país também deveria ser maior. Mas qual tem sido o foco do nosso testemunho: aumentar nossa participação nas esferas de poder ou anunciar o Reino e cuidar dos que sofrem?

A fome no Brasil e na Bíblia

Em julho de 2022, a imprensa noticiou com destaque a informação de que o país havia voltado para o Mapa da Fome, de acordo com a FAO, oito anos após ter saído. Pelo menos 61 milhões de brasileiros enfrentam algum tipo de insegurança alimentar. A fome crônica atinge 4,1% da população. Os dados são alarmantes, principalmente porque o Brasil é um grande produtor agrícola mundial.

A fome é um problema global, presente na história da humanidade desde sempre. A narrativa bíblica, apesar de reconhecer a impossibilidade de zerar todo o sofrimento na presente era, evidencia um ponto indiscutível: Deus sempre está presente em meio ao sofrimento com a sua provisão.

Em Gênesis 46, por exemplo, em um cenário de fome, fica evidente a ação de Deus na ida de Jacó e seus parentes para o Egito, então governado por José, que, de forma estratégica, tinha feito do país um grande celeiro para o mundo da época.

Também devemos entender a parábola do Filho Pródigo (Lucas 15.11-32) sob a ótica da presença de Deus em meio ao sofrimento. Quando Jesus cita a extrema fome que se abate sobre a região onde o filho encontra-se, depois de gastar toda a sua parte da herança, podemos perceber o olhar de misericórdia do Pai por aquele jovem que começa a sofrer os efeitos da fome, tanto físicos (a escassez de alimentos) quanto espirituais (o distanciamento de seu Pai).

Em Deuteronômio 15, capítulo em que o povo de Deus é instruído sobre a prática do ano da remissão, vemos a preocupação e o cuidado de Deus em manter todo seu povo com um padrão de vida digno, no qual ninguém sofresse por falta de suprimento para necessidades essenciais. No versículo 11, há uma ordenança bastante clara a esse respeito: “Portanto, eu lhe ordeno que abra o coração para o seu irmão israelita, tanto para o pobre como para o necessitado de sua terra”.

Fome, crises econômicas, sociais e energéticas são frutos da Queda. Mas não significam que Deus tenha perdido o controle da história ou que tenha abandonado a humanidade ao próprio sofrimento. Ora, se Deus não nos abandona na dor, então, qual deve ser o papel do cristão em face do sofrimento?

A crescente influência dos evangélicos (em decorrência de seu crescimento numérico) levou grande parte da igreja a ser seduzida por sonhos de poder e de domínio e, com isso, a esquecer-se do foco principal de seu testemunho: o amor. No entanto, a Igreja no Brasil não deve alimentar uma visão triunfalista de crescimento e domínio.

Os cristãos não foram chamados, resgatados, tratados e separados pelo Senhor para que implantassem um sistema de poder. O apóstolo Paulo deixa bem claro, em Filipenses 3.20, que “a nossa cidadania está no céu”. Nossa função é anunciar o Reino pregando a Palavra, mas também trabalhando para que essa realidade afligida pelo pecado conheça a beleza e a grandeza do Senhor.

A fome é um dos exemplos do efeito devastador do pecado. Enquanto não chegar o tempo perfeito, em que viveremos no Reino de Deus, estaremos em luta contra o pecado e o sofrimento. Assim, além de exercer nosso papel como cidadãos, precisamos entender qual é o nosso papel como servos de Deus. Para isso, precisamos entender o que Deus tem feito no mundo, por meio de seus servos, para trabalhar em sintonia com o propósito perfeito dele. Bons exemplos de testemunho cristão certamente existem.

O testemunho cristão em meio aos que sofrem

Há 10 anos, Georg Emmerich, pastor metodista de Natal (RN), iniciou o “Igreja nas Ruas”, que nasceu de um diagnóstico: a igreja estava limitada às quatro paredes, mas havia sido resgatada para fazer a diferença lá fora.

Com o aumento de pessoas em situação de rua, Emmerich e outros irmãos decidiram começar um projeto que visava levar refeições diárias e um serviço de banho móvel para aquela população. Desde então, já foram 40 mil refeições servidas e mais de 10.400 banhos.

Em meados de 2020, ele e outros voluntários instalaram pias em diferentes pontos da Grande Natal, para que pessoas em situação de rua pudessem lavar as mãos e ter mais segurança na luta contra a COVID-19. Além dessas ações, foram realizados discipulados, internações de dependentes químicos e evangelizações.

Sinvaldo Queiroz, pastor na Igreja Batista da Cidade, em Vitória da Conquista (BA), foi idealizador da organização Casa da Vida, fundada por essa igreja para dar acolhida a acompanhantes de enfermos internados no hospital da cidade. Dessa experiência, nasceu o engajamento em outras ações, como a ajuda aos baianos afetados pelas fortes chuvas no final de 2021 e início de 2022. Em parceria com a Aliança Evangélica Brasileira, receberam voluntários de igrejas de todo o Brasil, que trabalharam na distribuição de alimentos e água, buscando manifestar compaixão e solidariedade. Queiroz acredita que o poder do belo testemunho de comunidades de fé centradas no Evangelho e entendedoras da integralidade da missão faz toda diferença, embora nem sempre seja mensurado.

Mas nem só de igrejas vive o testemunho cristão compassivo. No ano passado, a Junta de Missões Nacionais, ligada à Convenção Batista Brasileira, distribuiu mais de 600 itens (entre cestas básicas, litros de água mineral e leite) para famílias de baixa renda afetadas por três desastres naturais.

Outro exemplo é a Visão Mundial, que, em 2022, atuou em parceria direta com mais de 500 igrejas e mais de 1200 lideranças religiosas para melhor servir os mais necessitados. Thiago Crucciti, diretor nacional da Visão Mundial Brasil, destaca: “É necessário reforçar em nossas igrejas a mensagem de Cristo de cuidar dos necessitados. Nós, cristãos, devemos sair das igrejas e servir onde estão os vulneráveis”.

O projeto da Cristolândia, outro grande exemplo, surgiu em 2009, também desenvolvido pela Junta de Missões Nacionais (JMN), ligada à Convenção Batista Brasileira, para ajudar dependentes químicos. O projeto possui mais de 40 unidades em 9 estados, além do Distrito Federal.

Assim como a fome, a droga é outro exemplo da devastação do pecado. Iniciativas como a Cristolândia, de apoio e evangelização, deveriam ser replicadas por igrejas de todos os cantos do país. O que deve unir cristãos é justamente Cristo e o anúncio do seu evangelho e de sua presença em meio ao sofrimento. Afinal, ele é o Deus conosco, o Emanuel.

Mais evangélicos, mais amor, mais impacto

Fome, dependência química, violência, entre outras coisas, são todos sintomas do pecado, de uma sociedade adoecida e afastada de Deus. Embora todos esses males não sejam exclusivos do Brasil, com uma parcela tão grande de evangélicos, deveríamos exercer um papel mais ativo, orando, cobrando políticas públicas, fiscalizando o uso correto dos recursos públicos, mas também implementando projetos, a partir de nossas comunidades locais e organizações, que anunciem o Reino e aliviem o sofrimento.

Um bom começo é adquirirmos consciência de que devemos enxergar todas as áreas da nossa vida, e não somente nossa vida espiritual, a partir de uma cosmovisão cristã, e entendermos que não podemos ignorar os impactos do pecado que nos cercam. Nesse sentido, Gerson Pacheco, que dirigiu a Child Fund Brasil por 15 anos, ensina uma importante lição: a proclamação do Evangelho e a transformação social precisam andar juntas, mas são duas intervenções distintas.

Segundo ele, os evangélicos cumprem a ordenança de proclamar o Evangelho, mas não prestam tanta atenção a questões como a fome e a pobreza. Gerson alega que a igreja evangélica brasileira, em geral, não tem conhecimento e não trabalha com os dados da pobreza no Brasil. Por não usar esses dados, não adotar uma metodologia e não fazer um planejamento, grande parte de seus projetos limitam-se a mero assistencialismo. Por isso, não geram transformação nem impacto social.

Transformação social envolve não só o assistencialismo, mas também o cuidado e a sustentabilidade, o que exige conhecimento, tempo e dedicação. Não basta plantar, também é preciso regar, podar, adubar, se quisermos colher frutos e ter sustentabilidade em nossas iniciativas e eficácia em nosso testemunho.

O Brasil evangélico tem muito a aprender em termos de testemunho. E podemos começar atendendo às necessidades básicas das pessoas à nossa volta: “Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram” (Mateus 25.35-36).

Lucas Meloni é jornalista na Rádio Trans Mundial (RTM) brasileira, coordenador de Comunicação da Primeira Igreja Batista de São Caetano do Sul. É estudante de Teologia na Faculdade Teológica Batista de São Paulo (FTBSP) e autor do livro “Escritos de um Suburbano”.

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No Brasil, filho de pastor é preso por suposta pirâmide de criptomoedas

E outros resumos de notícias de cristãos ao redor do mundo.

Christianity Today January 18, 2023
Andriy Onufriyenko / Getty

O conhecido filho de um pastor pentecostal foi preso pela polícia federal e acusado de fraude financeira envolvendo criptomoedas. Patrick Abrahão, de 24 anos, promoveu seus esquemas de investimento para seguidores dele e de seu pai no Instagram, chegando a certa altura a prometer retornos anuais de 300%. Então, parou de pagar os investidores, enquanto Ivonélio Abrahão da Silva, fundador do Movimento Internacional Restaurando as Nações, procurava tranquilizá-los, dizendo que estava tudo bem. Pai e filho foram ambos apoiadores proeminentes de Jair Bolsonaro.

Nicarágua: Presidente fecha organizações cristãs sem fins lucrativos

O presidente Daniel Ortega suspendeu 2.600 organizações sem fins lucrativos na Nicarágua, em 2022, entre elas um orfanato, uma associação de teólogos e muitas outras organizações cristãs. Ele começou a reprimir as críticas em 2018, quando a polícia matou mais de 300 estudantes que protestavam, no conflito mais mortal que o país já viu desde a Guerra dos Contras. Em 2021, Ortega foi reeleito com vitória esmagadora, após prender oponentes e dissolver partidos de oposição. O governo barrou a entrada da imprensa estrangeira no país, rotulou integrantes da Igreja Católica de “golpistas”, prendeu vários padres, fechou estações de rádio religiosas e começou a perseguir organizações sem fins lucrativos. A enteada do presidente, que o acusou de abuso sexual em 1998 e cortou relações com ele, disse que Ortega está travando “uma guerra contra a verdade”.

Haiti: Oferece-se recompensa por sequestradores de missionários

O governo dos Estados Unidos diz que está “impondo consequências” aos três haitianos que lideram a quadrilha que sequestrou 17 missionários anabatistas, em 2021. Antony Blinken, secretário de Estado, anunciou que o governo dará 1 milhão de dólares por informações que levem à prisão de Joseph Wilson, conhecido pelo nome de Lanmò Sanjou; Jermaine Stephenson, também conhecido como Gaspiyay; e Vitel'Homme Innocent. A gangue 400 Mawozo sequestrou 17 missionários americanos e canadenses durante uma visita a um orfanato haitiano. Cinco foram libertados, possivelmente após o pagamento de resgate, e 12 escaparam, após dois meses. Especialistas dizem que a gangue haitiana tem uma influência política crescente.

Estados Unidos: Documento evangélico histórico em exibição

Uma cópia rara de um documento do Segundo Grande Despertarmento, que se pronunciava em defesa do “cristianismo evangélico simples”, está atualmente em exposição na Abilene Christian University, no Texas. A Declaração e Discurso de Thomas Campbell, publicada em 1809, é considerada um marco na história cristã americana. O documento rejeita os credos e as denominações e encoraja a unidade da igreja, através da “generosa liberalidade dos amigos sinceros do cristianismo genuíno”, bem como um compromisso com os fundamentos da fé. O autor e seu filho, Alexander, mais tarde uniram seu trabalho ao do revivalista de Cane Ridge, Barton W. Stone, formando o Movimento Stone-Campbell, que deu origem às Igrejas de Cristo, à Igreja Cristã Independente e aos Discípulos de Cristo. Existem apenas seis cópias restantes da Declaração.

Dinamarca: Democratas cristãos consideram se retirar da política

Um partido pró-vida de 51 anos não conseguiu nenhuma cadeira no parlamento dinamarquês, nas eleições de outono, obtendo apenas 0,5 por cento dos votos. Os democratas cristãos não vencem uma eleição nacional desde 2005, e a liderança do partido está considerando a possibilidade de se retirar completamente da política nacional. O aborto é irrestrito no primeiro trimestre da gravidez na Dinamarca, e permitido por uma ampla variedade de razões depois dessa fase.

Nigéria: Realização do primeiro festival nacional de hinos

O artista de reggae gospel, Buchi Atuonwu, organizou o primeiro festival nacional de hinos da Nigéria. Equipes de louvor e coros da Evangelical Church Winning All, da Fraternidade Pentecostal da Nigéria, da Igreja Católica e das igrejas Holiness de “vestes brancas” se reuniram na Universidade de Lagos para competir pelo prêmio máximo de 2 milhões de nairas nigerianas (cerca de 4.500 dólares). Atuonwu também montou um coro ecumênico de 2.022 vozes, para demonstrar a unidade da igreja. Ele disse que os grandes hinos que sustentam a fé devem ser celebrados.

Iraque: Cristão é morto em Bagdá

Um trabalhador humanitário cristão dos EUA foi morto a tiros, quando estava no carro, perto de sua residência, em Bagdá. Stephen Troell, professor do Global English Institute, foi atingido por um carro e depois morto por atiradores que estavam em outro carro, de acordo com a polícia local. Sua esposa e seu filho estavam com ele, mas não ficaram feridos. Ninguém reivindicou a autoria do ataque. Os ataques a estrangeiros são raros no Iraque, desde a derrota do Estado Islâmico, em 2017. O atual governo iraquiano — empenhado em reformar o sistema político estabelecido após a invasão dos EUA — recebeu recentemente uma moção de confiança no parlamento.

Rússia: Bíblias chinesas são distribuídas em Moscou

A organização Bibles for China distribuiu 50 mil Bíblias em chinês para igrejas em Moscou. O grupo tinha a princípio planejado distribuí-las no lado russo da fronteira Rússia-China, com a esperança de que alguns trabalhadores migrantes, empresários e compradores da China as aceitassem e, assim, as Escrituras chegassem a lares chineses. A pessoa-chave para a distribuição planejada fugiu da Rússia, no entanto, quando o governo começou a recrutar pessoas, em outubro, para lutar na guerra com a Ucrânia.

Hong Kong: Pastor é condenado por registrar depoimento em processo judicial

Um pastor foi condenado por sedição e sentenciado a um ano de prisão. Garry Pang Moon-yuen foi preso, depois de assistir ao julgamento de uma ativista que organizou uma vigília para lembrar o Massacre da Praça da Paz Celestial e de aplaudi-la no tribunal. As autoridades dizem ter encontrado vídeos no YouTube que mostram Pang tentando incitar a rebelião contra o governo. Pang, que já liderou a Oxford Chinese Christian Church na Inglaterra, vinha atuando no registro de depoimentos em processos judiciais. Ele argumenta que a polícia e os tribunais estão usando a antiga lei britânica e a recente Lei de Segurança Nacional para esmagar a dissidência democrática e garantir o aumento do controle autoritário.

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Books

Os 50 países em que é mais difícil ser cristão em 2023

O último relatório sobre a perseguição cristã considera a Nigéria e a África Subsaariana o epicentro da violência jihadista, enquanto a China lidera os esforços para redefinir os direitos religiosos.

A perseguição cristã é pior nestes 50 países, de acordo com a Lista Mundial de Portas Abertas 2023, agora em seu 30º ano de existência.

A perseguição cristã é pior nestes 50 países, de acordo com a Lista Mundial de Portas Abertas 2023, agora em seu 30º ano de existência.

Christianity Today January 17, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Image: Benne Ochs / Getty Images

Mais de 5.600 cristãos foram mortos por causa de sua fé no ano passado. Mais de 2.100 igrejas foram atacadas ou fechadas.

Mais de 124 mil cristãos foram retirados à força de suas casas por causa de sua fé, e perto de 15 mil se tornaram refugiados.

A África Subsaariana — o epicentro do cristianismo global — agora também é o epicentro da violência contra os cristãos, uma vez que o extremismo islâmico se espalhou para muito além da Nigéria.

E a Coreia do Norte está de volta ao primeiro lugar, de acordo com a Lista Mundial da Perseguição (World Watch List — WWL) de 2023, a última estimativa anual feita pela organização Portas Abertas nos 50 principais países onde é mais perigoso e difícil ser cristão.

Os registros preocupantes de martírios e ataques a igrejas realmente são mais baixos do que no relatório do ano passado. Mas a Portas Abertas enfatiza que eles são “um número menor absoluto” e rapidamente se nota que o declínio dos dados não sugere melhorias reais na liberdade religiosa.

Por exemplo, a redução no fechamento de igrejas foi “devida, em grande parte” ao fato de as autoridades chinesas terem fechado quase 7 mil igrejas nos dois anos anteriores. E a mudança do Afeganistão da 1ª. posição no ano passado para a 9ª. este ano “oferece pouco a comemorar”, pois é motivada pela forma que a maioria dos cristãos afegãos “se escondeu mais profundamente ou fugiu para o exterior”, após a tomada do poder pelo Talibã.

No geral, assim como no ano passado, 360 milhões de cristãos vivem em nações com altos níveis de perseguição ou de discriminação. Isso representa 1 em cada 7 cristãos em todo o mundo, inclusive 1 em cada 5 na África, 2 em cada 5 na Ásia e 1 em cada 15 na América Latina.

E, pela terceira vez em três décadas de acompanhamento, todas as 50 nações obtiveram pontuação alta o bastante para registrar níveis de perseguição “muito altos” na matriz de mais de 80 perguntas da organização Portas Abertas. O mesmo aconteceu com mais 5 países que ficaram bem próximo do ponto de corte [para figurar na lista].

O extremismo islâmico continua a ser a maior causa de perseguição (31 nações), especialmente na África Subsaariana, onde a Portas Abertas teme que a Nigéria em breve desencadeie “uma vasta catástrofe humanitária” por todo o continente. Os pesquisadores também observaram o quanto a China aumentou as restrições digitais e a vigilância, e está “ forjando uma rede de nações que buscam redefinir os direitos humanos — distanciando-os dos padrões universais e das liberdades religiosas”. Além desses, mais um país latino-americano, a Nicarágua, entrou na lista porque o governo autoritário vê cada vez mais os cristãos como vozes de oposição.

O objetivo das listas anuais da perseguição da WWL — que relatam como a Coreia do Norte entrou na competição, à medida que a perseguição foi ficando cada vez pior — é orientar as orações e ter como alvo uma ira mais eficaz, bem como, ao mesmo tempo, mostrar aos cristãos perseguidos que eles não foram esquecidos.

A lista de 2023 rastreia o período de 1º de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2022, e é compilada a partir de relatórios de campo feitos por mais de 4 mil funcionários da organização Portas Abertas, em mais de 60 países.

O relatório de hoje também marca os 30 anos da lista, feita pela primeira vez em 1993, após a queda da Cortina de Ferro. O que a organização Portas Abertas aprendeu [em todo esse tempo]?

Primeiro, fica claro que a perseguição continua a piorar. O número de países que atingiram o ponto-limite da WWL para serem rastreados aumentou de 40 em 1993 para 76 países hoje, e a pontuação média por país aumentou 25%.

No entanto, a maior ameaça à igreja não é externa, mas interna, conclui Frans Veerman, diretor-gerente de pesquisa da Portas Abertas. E o sentido de 1Coríntios 12 é que nenhum crente deve sofrer sozinho.

“A maior ameaça ao cristianismo”, disse ele, “é que a perseguição traz isolamento e, quando isso continua incessantemente, pode causar uma perda de esperança”.

Embora a violência e a pressão levem a traumas e a perdas significativos, Veerman observou como “inusitadamente, muitos dos que respondem os nossos questionários continuam a dizer que a maior ameaça não vem de fora, mas sim de dentro da igreja: ‘A próxima geração estará preparada para o tipo de perseguição que estamos testemunhando? Eles são fortes na sua fé e no conhecimento de Cristo e do evangelho?’”

“Isso mostra que o nível de resiliência da igreja é tão determinante para o seu futuro em um país quanto o nível de perseguição”, disse ele. “Portanto, as maiores ameaças para a igreja em países em que há perseguição são a diminuição da resiliência, causada pela perseguição incessante, e o sentimento de ter sido abandonado pelo restante do corpo de Cristo”.

Após trinta anos de pesquisa, a Portas Abertas aprendeu que essa resiliência necessária é encontrada quando estamos “ancorados na Palavra de Deus e na oração”, disse Veerman. Também ao sermos “corajosos”, uma vez que a igreja perseguida é com mais frequência “ativa na proclamação do evangelho”, bem como “vital e uma igreja que cresce contra todas as adversidades”.

Em suma, a igreja perseguida ensinou para a organização Portas Abertas a verdade de 1Coríntios 12.26: “Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele.”

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Onde os cristãos são mais perseguidos hoje

O Afeganistão não representa a única mudança substancial na classificação deste ano.

Cuba passou da 37ª para a 27ª posição, devido à intensificação das táticas repressivas contra líderes cristãos e ativistas contrários aos princípios comunistas. Antes das manifestações generalizadas em 2021, o país nem sequer classificava. Burquina Faso passou da 32ª para a 23ª posição, devido ao aumento da atividade jihadista, exacerbada por instabilidade semelhante nas nações vizinhas do Sahel. Moçambique passou da 41ª para a 32ª posição, devido à militância islâmica na sua região norte. E a Colômbia passou da 30ª para a 22ª posição, devido à violência direcionada contra os cristãos por parte de gangues criminosas.

Comores entrou na lista em 42º lugar, tendo subido 11 posições, devido ao aumento da paranóia do governo (apenas estrangeiros no arquipélago têm liberdade religiosa). E a Nicarágua entrou pela primeira vez na lista, tendo subido 11 posições e passando para a 50ª posição, devido à crescente repressão ditatorial, especialmente contra a Igreja Católica Romana.

Países onde é mais difícil ser seguidor de Jesus:


1. Coreia do Norte
2. Somália
3. Iêmen
4. Eritreia
5. Líbia
6. Nigéria
7. Paquistão
8. Irã
9. Afeganistão
10. Sudão
11. Índia

No geral, com exceção do Afeganistão que caiu oito posições, os 10 primeiros países da lista apenas trocaram de posição em relação à lista do ano passado [veja o quadro lateral]. O Sudão voltou ao grupo em 10º lugar, passando a Índia que, em 11º lugar, ainda pontua dentro do nível “mais extremo” de perseguição da organização Portas Abertas.

Surpreendentemente removida em 2021 da lista anual de Países de Preocupação Particular do Departamento de Estado dos EUA, depois de finalmente ser incluída em 2020, a Nigéria recebeu novamente atenção especial no relatório Portas Abertas, que observou:

A violência contra cristãos […] é mais extrema na Nigéria, onde militantes dos fulanis, do Boko Haram, do Estado Islâmico na Província da África Ocidental, entre outros, realizam ataques a comunidades cristãs, matando, mutilando, estuprando e sequestrando para fins de resgate ou de escravidão sexual.

Este ano também testemunhou essa violência se espalhar para a maioria cristã, no sul do país. […] O governo da Nigéria continua negando que isso seja perseguição religiosa, de modo que as violações dos direitos dos cristãos são praticadas com impunidade.

Repetindo o desempenho do ano passado, a nação mais populosa da África ficou em primeiro lugar em várias subcategorias da lista mundial da perseguição, nos quesitos cristãos mortos, sequestrados, agredidos ou assediados sexualmente, casados à força ou abusados física ou mentalmente, bem como em primeiro lugar no quesito casas e locais de negócio atacados por razões baseadas na fé. E novamente ficou em segundo lugar nos quesitos ataques a igrejas e deslocamento interno [forçado].

As violações da liberdade religiosa na Nigéria são emblemáticas de uma presença islâmica em rápido crescimento na África Subsaariana. O Mali passou do 24º para o 17º lugar. Burquina Faso passou do 32º para o 23º lugar, e o Níger passou do 33º para o 28º lugar. Mais ao sul, a República Centro-Africana (RCA) passou do 31º para o 24º lugar; Moçambique passou do 41º para o 32º lugar; e a República Democrática do Congo (RDC) passou da 40ª para a 37ª posição.

Os países de maioria cristã ocupam uma posição relativamente baixa entre os primeiros 50 da lista, e incluem Colômbia (22º), República Centro-Africana (24º), Cuba (27º), Moçambique (32º), República Democrática do Congo (37º), México (38º), Etiópia (39º), Camarões (45º) e Nicarágua (50º). (O Quênia e a Tanzânia por pouco não entraram na lista de 2023.)

Em relação à América Latina, a Portas Abertas observou:

A opressão direta de governos contra cristãos vistos como vozes de oposição é frequente na Nicarágua (50º), na Venezuela (64º) e em Cuba (27º), onde líderes cristãos foram presos sem julgamento por participarem nas manifestações do ano passado. Em muitos países da América Latina, o crime organizado se instalou, especialmente nas áreas rurais, para cristãos que se manifestam contra as atividades dos cartéis.

Dos primeiros 50 países da lista:

  • 11 têm níveis “extremos” de perseguição e 39 têm níveis “muito altos”. Outros cinco países, além desses 50 primeiros, também se classificam como países com um nível “muito alto” de perseguição: Quênia, Kuwait, Tanzânia, Emirados Árabes Unidos e Nepal. (Em seguida, a Portas Abertas rastreia outros 21 países com níveis “altos” de perseguição. As únicas nações em que esse nível subiu foram a Nicarágua e o Sudão, enquanto a Arábia Saudita e o Sri Lanka foram as únicas nações em que o nível caiu.)
  • 19 países ficam na África; 27, na Ásia; e 4, na América Latina.
  • 34 países têm o Islã como religião principal; 4 têm o budismo; 1 tem o hinduísmo; em 1 deles impera o ateísmo; em 1, o agnosticismo — e 10 seguem o cristianismo. (A Nigéria é 50/50, ou seja, metade muçulmana e metade cristã.)

A lista de 2023 incluiu dois novos países: Comores e Nicarágua. Dois países saíram da lista: Kuwait e Nepal.

Onde cristãos enfrentam o maior nível de violência:


1. Nigéria
2. Paquistão
3. Camarões
4. Índia
5. Burquina Faso
6. República Centro-Africana
7. Moçambique
8. Repúblia Democrática do Congo
9. Tanzânia
10. Mianmar
11. Colômbia
12. Níger

Período do relatório Portas Abertas: 1º de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2022

Outros aumentos dignos de nota incluem o Mali, que passou da 24ª para a 17ª posição, devido a ameaças de combatentes jihadistas e mercenários, no contexto de um governo fraco que associa alguns cristãos a interesses ocidentais. Da mesma forma, o Níger, nação do Sahel, passou do 33º para o 28º lugar, devido aos ataques contínuos de militantes islâmicos. E na América do Norte, o México passou do 43º para o 38º lugar, devido à violência de criminosos contra cristãos, que são considerados uma ameaça às atividades ilegais, bem como a pressões sociais enfrentadas pelos crentes indígenas que se recusam a seguir os costumes ancestrais.

Nem toda movimentação digna de nota foi negativa. A Portas Abertas observou a “promoção de maior tolerância” em vários países do Oriente Médio, incluindo Bahrein e Emirados Árabes Unidos. O Catar caiu 16 posições, passando do 18º para o 34º lugar, devido ao fato de nenhuma igreja ter sido fechada no ano passado. (No entanto, muitas igrejas domésticas anteriormente fechadas permaneceram fechadas.) O Egito caiu 15 posições, passando do 20º para o 35º lugar, devido a menos ataques relatados a propriedades cristãs. Omã caiu por razões semelhantes, passando do 36º para o 47º lugar, e a Jordânia caiu do 39º para o 49º lugar, por não ter registro de nenhum relato de cristãos terem sido forçados a deixar suas casas.

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Como os cristãos são perseguidos nesses países?

A organização Portas Abertas acompanha a perseguição em seis categorias — levando em conta a pressão social e governamental sobre indivíduos, famílias e congregações — e tem um foco especial nas mulheres. Muitas categorias registraram quedas este ano, embora algumas delas tenham atingido níveis recordes.

Quando a violência é isolada como categoria, os 10 principais perseguidores mudam drasticamente — apenas Nigéria, Paquistão e Índia permanecem [veja o quadro lateral]. Na verdade, 15 nações são mais mortais para os cristãos do que a Coreia do Norte. (Uganda teve o maior aumento de violência registrada, subindo 3,1 pontos, ao lado de Honduras, embora ambos os países não estejam entre os 50 primeiros na classificação. Depois da queda de 10 pontos do Afeganistão, o Catar teve a maior queda na violência, seguido por Sri Lanka e Egito. Do total de nações rastreadas, 12 não tiveram mudança na pontuação da violência, 27 diminuíram e 37 aumentaram.)

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Os martírios tiveram uma queda de mais de 275 em relação ao ano anterior, pois a Portas Abertas registrou 5.621 cristãos mortos por sua fé durante o período do relatório. Representando uma queda de 5%, o saldo continua sendo o segundo maior, desde o recorde de 7.106 mortes em 2016. A Nigéria respondeu por 89 por cento do total.

Onde os cristãos foram mais martirizados:


1. Nigéria: 5.014
2. Nome ocultado: 100*
3. Moçambique: 100*
4. República Democrática do Congo: 100*
5. República Centro-Africana: 61
6. Mianmar:42
7. Colômbia: 21
8. Índia: 17
9. México: 14
10. Honduras: 14

*Número estimado – Período do relatório Portas Abertas: 1º de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2022

A organização Portas Abertas é conhecida por favorecer uma estimativa mais conservadora do que outros grupos, que muitas vezes contabilizam 100 mil martírios por ano.

Onde os números não podem ser verificados, são dadas estimativas em números arredondados de 10, 100, 1 mil ou 10 mil, presumindo-se que são mais altos na realidade. E as tabulações de alguns países podem não ser fornecidas, por motivo de segurança, aparecendo sob a designação “N.N.” (sigla que significa “não identificado”) para países como Afeganistão, Maldivas, Coreia do Norte, Somália e Iêmen.

Sob esta rubrica, um país não identificado, Moçambique e a República Democrática do Congo seguem a Nigéria com uma contagem simbólica de 100 mártires. Em seguida, vêm a República Centro-Africana com 61 assassinatos registrados, Mianmar com 42, Colômbia com 21 e Índia com 17.

Uma segunda categoria rastreia ataques a igrejas e a outros edifícios cristãos, como hospitais, escolas e cemitérios, sejam eles destruídos, fechados ou confiscados. A contagem de 2.110 representa uma queda de 59% em relação ao ano passado, e é apenas cerca de um quinto da alta do relatório de 2020, cuja contagem foi de 9.488.

A China (16º), que voltou a estar entre os 20 primeiros em 2021 pela primeira vez em uma década, liderou o caminho, com metade dos ataques relatados a igrejas — embora tenha recebido uma contagem simbólica de 1 mil. Em seguida, Nigéria, Mianmar, Moçambique, República Democrática do Congo, Ruanda e Angola receberam a contagem de 100 ataques simbólicos. A Índia registrou 67 incidentes específicos, seguida pelo México com 42, Colômbia com 37 e Nicarágua com 31.

Países onde igrejas foram mais atacadas ou fechadas:


1. China: 1.000*
2. Nigéria: 100*
3. Mianmar: 100*
4. Moçambique: 100*
5. República Democrática do Congo: 100*
6. Ruanda: 100*
7. Angola: 100*
8. Índia: 67
9. México: 42
10. Colômbia: 37

*Número estimado – Período do relatório Portas Abertas: 1º de outubro de 2021 a 30 de setembro de 2022

A categoria de cristãos que foram detidos sem julgamento, presos, sentenciados e mantidos na prisão caiu para 4.542, um quarto abaixo do recorde de 6.175 do relatório do ano passado, mas é ainda o segundo maior total desde que a categoria é rastreada.

A Portas Abertas divide isso em duas subcategorias, com 3.154 cristãos detidos, o que representa uma diminuição de 34 por cento. A Índia liderou essa subcategoria com 1.711 casos e representou 54 por cento do total. Foi seguida por Eritreia com 244 casos e Rússia com 200; depois, por uma nação não identificada, Mianmar, China e Ruanda, cada qual com uma contagem simbólica de 100; após, vem Cuba com 80, El Salvador com 63 e Nigéria com 54.

A contagem de 1.388 cristãos presos, no entanto, manteve-se estável em relação aos 1.410 relatados no período anterior. Um país não identificado, Eritreia, China e Índia compuseram quase 90 por cento do total.

Outra nova alta foi registrada no número de cristãos sequestrados, com um total de 5.259 representando um aumento de 37% em relação ao período anterior. A Nigéria foi responsável por 90% do total, com 4.726 sequestros, seguida por Moçambique e República Democrática do Congo, com uma contagem simbólica de 100 incidentes cada, e depois, Iraque com 63, República Centro-Africana com 35 e Camarões com 25.

De longe, a categoria com o maior total foi a do deslocamento interno [forçado], com 124.310 cristãos forçados a deixar suas casas ou a se esconder por motivos relacionados à fé, uma queda de 43% em relação aos 218.709 do ano passado. Outros 14.997 cristãos foram forçados a deixar seu país, contra 25.038 no ano passado. Mianmar registrou 4 de 5 deslocamentos internos (seguida por Nigéria e Burquina Faso) e 2 de 3 refugiados contabilizados (seguida pelo Irã).

A Portas Abertas afirmou que várias categorias foram particularmente difíceis de contar com precisão, sendo a mais alta delas os 29.411 casos de abuso físico e mental, que incluem espancamentos e ameaças de morte. (A contagem do ano passado foi de 24.678 incidentes.) Das 72 nações avaliadas, 45 receberam números simbólicos. Nigéria e Índia tiveram os números mais altos (perfazendo dois terços da contagem), seguidas por uma nação não identificada, Mianmar, Moçambique, Indonésia, República Democrática do Congo e Ruanda.

Um total estimado de 4.547 casas e propriedades de cristãos foram atacadas em 2022, junto com 2.210 lojas e locais de negócio. Nesta segunda categoria, 27 dos 42 países receberam números simbólicos, sendo que a contagem de 1 mil, atribuída à Nigéria, excedeu a das próximas nove nações juntas (que receberam a contagem de 100 cada). Nigéria, Mianmar e República Centro-Africana tiveram as contagens mais altas na primeira categoria (uma contagem simbólica de 1 mil cada), com apenas a Indonésia e a Índia capazes de registrar casos reais (211 vs. 180). Eritreia, Síria, Iraque, Burquina Faso, Níger, Moçambique, República Democrática do Congo e Camarões completaram o grupo dos 10 primeiros e foram além, cada qual com uma contagem simbólica de 100 ataques.

Categorias específicas para mulheres também foram difíceis para os pesquisadores da organização Portas Abertas calcularem com precisão. Os casos de estupro e assédio sexual diminuíram de 3.147 para 2.126 contabilizados, liderados pela Nigéria, que teve quase metade do total, e 34 dos 47 países pontuando simbolicamente. Os casamentos forçados com pessoas não cristãs diminuíram de 1.588 para 717 registrados, outra vez liderados pela Nigéria, como o número de 22, o mais alto dos 34 países pontuados simbolicamente.

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Por que existem cristãos perseguidos nestes países?

A principal causa varia de país para país, e entender melhor as diferenças pode ajudar cristãos de outras nações a orarem e a lutarem com mais eficácia por seus irmãos e irmãs em Cristo que são perseguidos.

A Portas Abertas divide as principais causas de perseguição cristã em oito grupos:

Opressão islâmica (31 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam em mais da metade dos países que constam da lista da perseguição, entre os quais encontram-se 8 dos 10 primeiros da lista.

A maioria dos 31 países são nações oficialmente muçulmanas ou que têm maioria muçulmana; no entanto, 5 deles na verdade têm maiorias cristãs: Nigéria, República Centro-Africana (24º), República Democrática do Congo (37º), Moçambique (32º) e Camarões (45º). (Além disso, este é o principal fator impulsionador em 15 países com perseguição suficiente a ponto de ser rastreada pela organização Portas Abertas, embora sejam classificados abaixo do ponto de corte da lista, entre eles, o Quênia e a Tanzânia, países de maioria cristã.)

Paranoia ditatorial (9 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam em nove países, a maior parte deles de maioria muçulmana — Síria (12º), Uzbequistão (21 º), Turcomenistão (26º), Bangladesh (30º), Tajiquistão (44º) e Cazaquistão (48º) — mas também na Eritreia (4º), Cuba (27º) e Nicarágua (50º). (Além destes, em seis países que estão sendo rastreados: Angola, Azerbaijão, Bielorrússia, Burundi, Ruanda e Venezuela.)

Opressão comunista e pós-comunista (4 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam em quatro países, todos na Ásia: Coreia do Norte (1º), China (16º), Vietnã (25º) e Laos (31º).

Nacionalismo religioso (3 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam em três nações, todas elas asiáticas. Os cristãos são visados principalmente por nacionalistas hindus na Índia (10º) e por nacionalistas budistas em Mianmar (14º) e no Butão (40º). (E também em três países que estão sendo acompanhados: Israel, Nepal e Sri Lanka.)

Crime organizado e corrupção (2 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam na Colômbia (22º) e no México (38)º. (E também em três países que estão sendo acompanhados: El Salvador, Honduras e Sudão do Sul.)

Protecionismo denominacional cristão (1 país): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam na Etiopia (39º).

Intolerância secular (0 países) e opressão por clãs (0 países): A Portas Abertas rastreia essas duas causas de perseguição enfrentadas pelos cristãos, mas nenhuma delas é a principal causa em nenhum dos 50 países que figuram na lista de 2023.

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Como comparar a Lista Mundial da Perseguição (WWL) a outros relatórios importantes sobre perseguição religiosa?

A organização Portas Abertas acredita que seja razoável dizer que o cristianismo é a religião mais severamente perseguida do mundo. Ao mesmo tempo, observa que não há documentação comparável para a população muçulmana do mundo.

Outras avaliações da liberdade religiosa em todo o mundo corroboram muitas das descobertas do relatório da Portas Abertas. Por exemplo, a última análise feita pelo Pew Research Center sobre hostilidades governamentais e sociais em relação à religião descobriu que os cristãos foram assediados em 155 países em 2020, mais do que qualquer outro grupo religioso. Muçulmanos foram perseguidos em 145 países, seguidos por judeus, em 94 países. O detalhamento corresponde aos dados [do levantamento] da Portas Abertas. China, Eritreia e Irã estão classificados entre os 10 primeiros países da lista da Pew que praticam assédio governamental, enquanto Índia, Nigéria e Paquistão são classificados entre os 10 primeiros em que há hostilidade social. Afeganistão e Egito constam em ambos os quesitos.

A maioria das nações que estão na lista da Portas Abertas também aparece na lista anual do Departamento de Estado dos EUA, que nomeia e condena governos que “se envolveram ou toleraram violações sistemáticas, contínuas e flagrantes da liberdade religiosa”.

Entre os primeiros classificados da lista anual de Países de Preocupação Particular do Departamento de Estado dos EUA encontram-se Mianmar (14º na Lista Mundial da Perseguição — LMP — de 2023), China (16º), Cuba (27º), Eritreia (4º), Irã (8º), Coreia do Norte (1º), Nicarágua (50º), Paquistão (7º), Rússia (que saiu da LMP no ano passado), Arábia Saudita (13º), Tajiquistão (44º) e Turcomenistão (26º). Uma lista de vigilância especial de segundo nível inclui Argélia (19º), República Centro-Africana (24º), Comores (42º) e Vietnã (25º).

O Departamento de Estado americano também faz uma lista de Entidades de Preocupação Particular, isto é, de agentes não governamentais que geram perseguição, todos ativos em países da lista da Portas Abertas. Entre eles estão o Boko Haram e o Estado Islâmico na Província da África Ocidental, ambos na Nigéria (6º lugar na Lista Mundial da Perseguição); o Talibã, no Afeganistão (9º); o Al-Shabaab, na Somália (2º); o Hayat Tahrir al-Sham, na Síria (12º); os houthis, no Iêmen (3º); o Wagner Group, por suas atividades na República Centro-Africana (24º), e o ISIS-Grande Saara e o Jamaat Nasr al-Islam wal Muslimin, no Sahel.

Enquanto isso, a Comissão de Liberdade Religiosa Internacional dos EUA (USCIRF, em inglês) em seu relatório de 2022 recomendou as mesmas nações para a lista de Países de Preocupação Particular, com o acréscimo de Nigéria (6º), Índia (11º), Síria (12º), e Vietnã (25º). Para a lista de monitoração do Departamento de Estado, a USCIRF recomendou as mesmas nações, com exceção de Comores e com o acréscimo do Azerbaijão (país não classificado entre os 50 primeiros da lista, mas monitorado pela Portas Abertas), Egito (35º), Indonésia (33º), Iraque (18º), Cazaquistão (48º), Malásia (43º), Turquia (41º) e Uzbequistão (21º).

Todas as nações do mundo são monitoradas por pesquisadores e equipes de campo da organização Portas Abertas, mas uma atenção mais profunda é dada a 100 países, com foco especial nos 76 deles que registram níveis “altos” de perseguição (que pontuam mais de 40 em uma escala de 100, feita pela organização Portas Abertas).

A CT publicou anteriormente as classificações da Lista Mundial da Perseguição dos anos de 2022, 2021, 2020, 2019, 2018, 2017, 2016, 2015, 2014, 2013 e 2012, incluindo um destaque sobre onde é mais difícil ter fé. A CT também perguntou a especialistas se os Estados Unidos devem integrar as listas de perseguições e compilou as histórias mais lidas da igreja perseguida em 2019, 2018, 2017, 2016 e 2015.

Leia o relatório completo da organização Portas Abertas sobre a Lista Mundial da Perseguição de 2022 aqui.

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Por que a cor da pele de Jesus importa

O fato de ele ser de uma minoria étnica molda como ministramos hoje.

Christianity Today January 17, 2023

Após uma de minhas palestras recentes, uma estudante universitária cristã se aproximou de mim e perguntou se os negros se sentiam desconfortáveis com o fato de Jesus ser branco. Eu respondi: “Jesus não é branco. O Jesus histórico provavelmente se parecia mais comigo, uma pessoa negra, do que com você, uma pessoa branca”.

Não fiquei chocada com a suposição dessa aluna de que Jesus era descendente de europeus, nem com a certeza com que ela afirmou isso. Quando estou em ambientes cristãos nos Estados Unidos, encontro essa suposição com tanta frequência que passei a acreditar que é a suposição padrão sobre a aparência de Jesus. De fato, o Jesus branco está por toda parte: um Salvador branco com cerca de 9 metros de altura fica no centro do campus da Biola University; esse Jesus branco aparece retratado na maioria dos cartões de Natal; e a recente minissérie do History Channel, The Bible, apresentou dramaticamente um Jesus branco para mais de 100 milhões de telespectadores. Na maior parte do mundo ocidental, Jesus é branco.

Embora o Cristo Senhor transcenda a cor da pele e as divisões raciais, o Jesus branco tem consequências reais. Com toda a probabilidade, se você fechar os olhos e imaginar Jesus, imaginará um homem branco. Sem ter intenção nem consciência disso, muitos de nós nos tornamos discípulos de um Jesus branco. O Jesus branco não é apenas algo impreciso, mas também pode inibir nossa capacidade de honrar a imagem de Deus em pessoas que não são brancas.

Jesus de Nazaré provavelmente tinha uma tez mais escura do que imaginamos, não muito diferente da pele de cor azeitonada, tão comum entre os habitantes do Oriente Médio nos dias de hoje. O erudito bíblico de Princeton, James Charlesworth, chega a ponto de dizer que Jesus tinha “provavelmente [a pele] morena escura e bronzeada pelo sol”. As primeiras representações de um Jesus adulto o mostravam com um “aspecto oriental” e pele morena. Mas, por volta do sexto século, alguns artistas bizantinos começaram a retratar Jesus com pele branca, barba e cabelo repartido ao meio. E essa imagem se tornou o padrão.

No período colonial, a maior parte da Europa Ocidental exportou sua imagem de um Cristo branco para todo o mundo, e esse Jesus branco com frequência moldou a maneira como os cristãos entendiam o ministério e a missão de Jesus. Alguns cristãos do século 19, ansiosos para justificar as crueldades da escravidão, fizeram de tudo para apresentar Jesus como um homem branco. Ao negar a verdadeira identidade de Jesus como parte de uma minoria oprimida e de pele escura, os proprietários de escravos foram ainda mais capazes de justificar a hierarquia senhor-escravo e de lançar no esquecimento o ministério de Jesus para libertar os oprimidos (Lucas 4.18).

Como judeu, Jesus era parte de uma minoria étnica no Império Romano. Os judeus eram marginalizados por romanos, gregos e outros grupos não judeus em muitas cidades imperiais. Quando criança, Jesus foi alvo de infanticídio sancionado por um governante, fugiu para o Egito como refugiado e enfrentou a exploração dos cobradores de impostos romanos. Ao longo de sua vida, ele conheceu a dor de ser membro de um grupo étnico cujas cultura, religião e experiências eram marginalizadas por aqueles que estavam no poder.

Uma vez que Jesus pertencia a uma minoria étnica, somos compelidos a reavaliar quem ele era e com quem se identificou, enquanto cumpria sua missão. Quando as pessoas que viviam às margens se reuniam, Jesus estava entre elas — não apenas porque ele ministrava a elas, mas porque ele era uma delas. Como parte de uma minoria étnica, Jesus não apenas se importava com as pessoas que eram vítimas da violência sancionada por Roma, ele mesmo era uma vítima dessa violência. Jesus não apenas se importava com os refugiados, ele era um refugiado. Jesus não apenas se importava com os pobres, ele era pobre. Para Jesus, o ministério significava conhecer a partir de dentro a dor dos mais marginalizados da sociedade.

Hoje, para seguir Jesus em sua missão, em geral devemos escolher um amor que se baseia na solidariedade. Muitos cristãos bem-intencionados ministram por sobre uma lacuna social, mas pessoas brancas podem ministrar a pessoas pretas sem realmente vê-las como iguais, e pessoas de alta renda podem servir a pessoas de baixa renda sabendo pouco sobre suas vidas cotidianas. A identidade étnica e a posição social de Jesus exigem que não apenas ministremos a pessoas marginalizadas, mas que estejamos ao lado delas como Jesus está.

Isso envolve ver como válidos e valiosos perspectivas e costumes culturais que não sejam europeus, ouvir a pessoas marginalizadas e demonstrar com nossas palavras e ações que tanto a libertação espiritual quanto a social são centrais para o evangelho.

Antes, porém, aqueles que ainda enxergam um Cristo branco devem se perguntar se são capazes de adorar um Jesus de pele escura, e se irão fazê-lo.

Christena Cleveland é professora associada de práticas de reconciliação na Divinity School da Duke University.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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Books

Morre Jack Hayford, pastor pentecostal que escreveu ‘Majesty’

O líder quadrangular enfatizou o louvor e escreveu o cântico de adoração mais popular da década de 1990.

Jack Hayford

Jack Hayford

Christianity Today January 17, 2023
Jack Hayford Ministries / edits by Rick Szuecs

Jack Hayford, líder da Igreja Quadrangular que ensinou aos evangélicos que Deus está entronizado entre os louvores do seu povo, morreu no domingo (8 de janeiro), aos 88 anos.

Hayford foi pastor por muitos anos da Igreja no Caminho, em Van Nuys, Califórnia; autor de “Majesty” [no Brasil, Adorai em Majestade] e mais de 500 outros cânticos de louvor e adoração; e foi também o quarto presidente da Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular. Ele ministrava regularmente para pastores seminários de uma semana que expandiram e moldaram a visão de adoração dos evangélicos. Hayford convenceu uma ampla gama de pessoas não apenas a levantar as mãos ocasionalmente enquanto orava e a aceitar a glossolalia como uma linguagem especial de oração, mas também, o que é mais importante, a ver a adoração como algo central para a obra da igreja.

“A adoração tem sido muitas vezes mal interpretada como um prelúdio musical”, escreveu Hayford, “e não como o meio pelo qual nós, enquanto povo de Deus, convidamos o domínio de seu reino a ser estabelecido na Terra. Salmos 22.3 diz que o rei dos reis está literalmente ‘entronizado’ entre nossos louvores. Onde quer que o povo de Deus se reúna para adorar, nos tornamos uma habitação para a sua presença”.

Hayford foi um pentecostal que construiu pontes, foi pastor de pastores, e muito fez para promover práticas de renovação carismática. Mesmo pessoas historicamente céticas em relação ao pentecostalismo foram atraídas por Hayford.

“Acho que os pastores sentem nele o que desejam ser”, disse Lloyd Ogilvie, um ministro presbiteriano que trabalhou em estreita colaboração com Hayford, em 1989. “Ele está enraizado no cristianismo histórico, tem o fogo e o dinamismo de um carismático, entende a relevância da responsabilidade social, e tem a capacidade de mobilizar os indivíduos. […] Geralmente não se encontram todas essas qualidades combinadas em uma só pessoa.”

Certa vez, a CT o chamou de “pentecostal padrão ouro”, citando o fundador da Charisma Media, Stephen Strang, que disse: “O pastor Jack se enquadraria em uma categoria de estadista quase sem igual”.

Hayford nasceu em Los Angeles, em 1934, e foi o filho mais velho de Jack Hayford e Dolores Farnsworth Hayford.

Seus pais não eram cristãos e não oraram, quando Jack, ainda bebê, desenvolveu uma enfermidade nos tendões do pescoço que poderia ser fatal. Um primo de Farnsworth, no entanto, entrou em uma igreja quadrangular em Long Beach, Califórnia, sabendo que a denominação pentecostal, fundada por Aimee Semple McPherson, acreditava em milagres e que um dos quatro “quadrados” do evangelho que a igreja ensinava era a cura. O primo deixou na igreja um papel com o nome e o diagnóstico de Hayford e pediu às pessoas que orassem.

Eles disseram que orariam.

“No dia seguinte, meus pais começaram a perceber que as coisas haviam mudado”, disse Hayford, compartilhando seu testemunho 80 anos depois. “Nos dias seguintes, o médico disse: ‘Este bebê está bem. Não há nada de errado com ele.’ E o médico não só declarou que eu estava curado, como se recusou a aceitar o dinheiro dos meus pais para pagar as poucas parcelas que iria cobrar, porque, disse ele, ‘não tive nada a ver com a cura deste bebê. Isso deve ter sido algo que Deus fez.’”

Os pais de Hayford louvaram a Deus pela cura. Um ano depois, eles foram à mesma igreja e aceitaram a Jesus, enquanto a congregação cantava: “Whoever will may come” [hino cristão norte-americano].

O pai de Jack Hayford deixou a igreja pouco tempo depois, entretanto, quando ouviu duas mulheres comentando sobre seu hábito de fumar. Ele ficou afastado da igreja por uma década. Dolores Hayford, sua mãe, não ia à igreja sem o marido, mas frequentava os estudos bíblicos (e com o tempo tornou-se professora e passou a ensinar a Bíblia) e insistia que seus filhos frequentassem a escola dominical. Como a família se mudava, o jovem Jack foi enviado para igrejas Quaker, Metodista, Presbiteriana, da Aliança Cristã e Missionária e Quadrangular.

Hayford aceitou Jesus pessoalmente aos 10 anos. Ele discerniu um chamado para o ministério na escola secundária, mas duvidou de seu chamado, quando seus professores o pressionaram a ir para uma faculdade estadual para estudar ciências ou jornalismo ou ambos. No último momento, com o incentivo de um professor luterano, Hayford decidiu ir para uma escola bíblica, em vez de ir para uma faculdade estadual. Ele voltou para o sul da Califórnia e se matriculou no Faculdade Bíblica L.I.F.E., da Igreja Quadrangular.

Ele conheceu e se casou com Anna Smith na faculdade. Ambos se tornaram ministros da Igreja Quadrangular e trabalharam com o departamento de jovens da denominação nacional até 1969, quando os Hayfords se tornaram pastores de uma congregação em Van Nuys.

Esta havia sido uma das primeiras igrejas quadrangulares, mas, no final dos anos 60, estava diminuindo e só podia alegar uma frequência regular de cerca de 25 pessoas. O lugar parecia sufocante e Hayford se perguntou, por um tempo, se ele havia cometido um erro terrível.

Então, ele sentiu-se movido a purificar a igreja com louvor.

“Enquanto eu caminhava pelo santuário”, ele recordou mais tarde, “eu dizia: ‘Louvado seja o teu nome, Jesus, aleluia, Senhor!’ e batia palmas —‘Louvado seja o teu nome, ó Jesus, aleluia’. Eu literalmente cantava as palavras, batendo palmas. Eu estava consciente de que estava desafiando algo na atmosfera daquele lugar.”

Hayford fez isso por mais de um ano até que, em um domingo, a igreja começou a mudar e o espírito do lugar parecia diferente, como se houvesse ar para respirar novamente. Depois disso, a igreja começou a crescer. Hayford convenceu-se da centralidade da adoração na vida da igreja.

Ele também mudou sua visão em relação aos não pentecostais, algo que se mostraria crítico durante o restante de seu ministério. Hayford descreveu isso como uma revelação. Ele estava parado em um semáforo, perto da Igreja no Caminho, e viu uma igreja batista na esquina. Ele sentiu que Deus lhe dizia para orar por aquela igreja e sentiu um grande amor pelos batistas.

Então, uns dias depois, ele viu uma próspera congregação católica e percebeu que sentia ciúmes da igreja. Ele perguntou a Deus por que ele permitia que uma igreja que estava errada sobre coisas importantes florescesse. E sentiu a resposta de Deus: “Por que eu não ficaria feliz com um lugar em que, todas as manhãs, o testemunho do sangue de meu Filho é levantado do altar?” Hayford se comprometeu a construir pontes da igreja pentecostal para outros cristãos e a se conectar com eles sempre que possível, para louvar a Deus.

A igreja de Hayford cresceu para uma frequência semanal de cerca de 10 mil pessoas, até o final da década de 1980. Sua influência foi além de Van Nuys, com seus livros, seu envolvimento no Promise Keepers e em outras organizações paraeclesiásticas, bem como as palestras que ministrava em conferências sobre adoração.

Em A History of Contemporary Praise & Worship [Uma história sobre o louvor e a adoração contemporâneos], os estudiosos Lester Ruth e Lim Swee Hong dizem que Hayford se tornou o mais conhecido mestre de teologia e prática de louvor e adoração, apresentando a muitos a “liturgia” pentecostal que fluía do canto congregacional a falas durante o louvor, oração em pequenos grupos criados espontaneamente e instrução bíblica, tudo voltado para a adoração a Deus.

Pode ser que as ideias de Hayford sobre adoração tenham se difundido ainda mais, no entanto, com seu cântico de adoração mais popular, “Majesty ”. De 1989 a 1994, essa foi a música mais cantada nas igrejas americanas, mais do que qualquer outra, de acordo com dados da Christian Copyright Licensing International [Empresa que disponibiliza informações e recursos para igrejas e detentores de direitos autorais]. Permaneceu entre as 10 mais cantadas até o início dos anos 2000. O cântico “Majesty” também foi publicado em 34 hinários, entre publicações das igrejas batista, anglicana e metodista episcopal africana.

“Então exaltai, levantai nas alturas o Nome de Jesus”, diz a música. “Magnificai, vinde glorificar, Jesus Cristo, o Rei. / Majestade, adorai a Sua Majestade. / Jesus morreu e é agora glorificado, o Rei de todos os reis!”

Hayford escreveu essa música durante as férias, na Inglaterra. Ele e a esposa, Anna, visitaram o Palácio de Blenheim, local de nascimento de Winston Churchill. Isso inspirou Hayford a pensar sobre a “autoridade do reino” que tinham os cristãos. Ele pensou em como Jesus veio não apenas para perdoar pecados, mas também para ajudar a humanidade a restabelecer sua “relação real” com o Rei dos reis.

“‘Majesty’ também é uma declaração do fato de que nossa adoração, quando feita em espírito e em verdade, pode nos alinhar com Seu Trono de tal forma que Sua autoridade do Reino flua para nós — para em nós transbordar, nos libertar e ser canalizada através de nós”, escreveu Hayford.

Hayford também exerceu uma crescente autoridade terrena entre pentecostais e evangélicos. Em 1997, ele lançou uma série de TV na Trinity Broadcasting Network chamada Teach Us to Pray [Ensina-nos a orar], e alguns anos depois iniciou uma série de rádio. Em 1996, ele fundou o King's College and Seminary, em Los Angeles, que também tinha uma Escola de Cuidado Pastoral e, por mais de uma década, ofereceu cursos intensivos populares para pastores, uma vez por mês.

Hayford recusou por duas vezes a nomeação para presidente da Igreja Quadrangular, mas foi finalmente persuadido a aceitar o cargo em 2004, quando o presidente anterior, Paul Risser, foi forçado a renunciar depois de perder 15 milhões de dólares em dois esquemas de investimento fraudulentos. Risser foi contratado para substituir John Holland, que também perdeu dinheiro no que a igreja considerou uma “falha grave em administrar segundo as normas estabelecidas”. Hayford tirou a denominação do escândalo, reestruturou a liderança e estabeleceu uma base financeira para a denominação.

Como pastor de pastores de outras igrejas além da Igreja Quadrangular, Hayford também concordou em ajudar a restaurar ao ministério vários homens que tinham caído em desonra. Ele fez parte da equipe que concordou, em 2007, em trabalhar com Ted Haggard, o presidente da Associação Nacional de Evangélicos que confessou ter comprado metanfetamina de um prostituto.

“Ele tem a capacidade de pegar pastores que estão esgotados ou frustrados ou o que quer que seja”, disse um dos membros do conselho da igreja de Haggard, “de pegar alguém que está passando por algo tão difícil quanto a situação de Ted Haggard, e tratar do que precisa ser tratado.”

Haggard abandonou o processo de restauração após um ano. Em 2022, ele foi acusado de abusar sexualmente de vários jovens em sua nova igreja.

Hayford, por sua vez, alertou líderes da igreja a não confiarem demais nas estruturas formais de responsabilização e controle. Um ministério frutífero tinha de ser fundamentado em oração e comunhão com Jesus, estudo regular da Bíblia, pureza pessoal e autodisciplina. O relacionamento do pastor com Deus, dizia ele, é a única garantia segura.

“Em última análise”, disse ele a CT, “é a única coisa que manterá minha transparência perante qualquer outra pessoa — minha esposa, minha congregação e até perante mim mesmo”.

Randy Remington, atual presidente da Igreja Quadrangular, disse que Hayford foi um dos grandes líderes da história da denominação.

“Na família Quadrangular, nós ‘penduramos a chuteira dele’, por assim dizer. Nunca haverá outro Jack Hayford”, disse Remington à Charisma. “O pastor Jack foi um embaixador do Reino cuja influência transcendeu as fronteiras denominacionais, geracionais e globais.”

Hayford foi precedido por sua esposa, Anna, que morreu em 2017. Ele deixa sua segunda esposa, Valarie, e quatro filhos: Rebecca, Jack III, Mark e Christa. A Igreja Quadrangular está preparando um culto memorial online.

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Conselhos de Pedro para os cristãos que invadiram o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto

O apaixonado apóstolo compreendia o zelo religioso. Mas somente mudou o mundo quando mudou seu coração sobre como canalizar esse zelo.

Protestantes, apoiadores do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, ajoelham-se para rezar enquanto invadem o Palácio do Planalto em Brasília, Brasil.

Protestantes, apoiadores do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, ajoelham-se para rezar enquanto invadem o Palácio do Planalto em Brasília, Brasil.

Christianity Today January 11, 2023
Edits by Christianity Today / Source Image: Eraldo Peres / AP Images

Como brasileiro, vou me lembrar do dia 8 de janeiro de 2023 como um dos piores dias para a democracia do meu país. Como evangélico, vou me lembrar dessa data como um dos dias mais sombrios para a igreja do meu país.

No domingo passado, dezenas de cidadãos revoltados chegaram a Brasília e invadiram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, destruindo móveis, danificando pinturas, quebrando janelas e agredindo jornalistas. Os extremistas são partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro e acreditam erroneamente que a eleição de 2022 foi fraudada.

Vídeos do ataque de domingo mostram a violência desses vândalos. Mas também revelam que alguns manifestantes carregavam Bíblias e oravam antes de entrar no Congresso, assim como cantavam hinos, enquanto eram detidos pela polícia federal – ações que sugerem que muitos eram evangélicos, importante base de eleitores do ex-presidente.

Infelizmente, a semente desse extremismo que atingiu seu auge no domingo foi plantada e cultivada, em parte, por igrejas evangélicas que apoiaram e fizeram campanha para Bolsonaro nas últimas eleições, e ajudaram a aprofundar a polarização, o discurso de ódio e a radicalização. Em sua desmedida defesa de Bolsonaro, alguns líderes evangélicos converteram um político rude, violento e avarento em um “homem de Deus”.

Além da forma como muitos na igreja evangélica cultivaram um relacionamento inapropriadamente próximo com Bolsonaro, ao longo de sua presidência e de sua campanha para reeleição, muitos líderes cristãos têm tido dificuldades para exibir frutos do Espírito significativos ao se envolverem na política. Ao mesmo tempo em que conclamam publicamente a igreja a defender os valores da família, muitos pastores demonstram ter problemas com questões relacionadas a ódio, rancor, ira, facções e arrogância em relação a oponentes políticos — obras da carne que, segundo Paulo, impedem a entrada no reino de Deus (Gálatas 5.19-21).

Nos últimos anos, as igrejas têm nutrido um relacionamento frouxo com a verdade e muitas vezes compartilharam de forma irresponsável teorias da conspiração. Em 2022, alguns cristãos afirmaram que grupos de esquerda lutavam pela legalização da pedofilia. Desde que Lula saiu vitorioso no segundo turno da eleição, em outubro, muitos cristãos se juntaram a vários de seus compatriotas, sugerindo que o segundo turno foi resultado de fraude eleitoral. Dois dias depois do ataque de domingo, o Instituto Atlas divulgou uma pesquisa que revelou que 67,9% dos evangélicos no Brasil acreditam que Lula não ganhou a eleição, 64,4% acreditam que o ataque se justifica e 73,8% pensam que Bolsonaro não é responsável por isso.

Após as eleições, bolsonaristas montaram acampamentos em frente a quartéis por todo o país, pedindo a intervenção dos militares e a retirada de Lula do poder. Dias atrás, enquanto a polícia de Belo Horizonte desmontava um acampamento, um homem orava a Deus, em um hebraico ruim: “Yauh, Yauh (uma corruptela do termo Yahweh), por favor, não permita, Yauh”.

A oração era fervorosa e desesperada. Também soava sincera e revelava uma teologia que fomentou o desespero, o fanatismo e a disposição revolucionária — provavelmente encorajada a partir de algum púlpito. Os ingredientes para desconstruir uma democracia e manchar o testemunho cristão estavam bem ali. Um prenúncio da tragédia que estava por vir.

Receio que tenhamos visto os frutos das piores tendências da igreja neste domingo, entre os quais figura o ressentimento contra o presidente e contra os próprios irmãos e irmãs brasileiros, uma aversão à verdade e a disposição de abraçar a violência, em vez de protestos não violentos, quando as coisas não saem da maneira desejada. Contudo, evitar esse estado de coisas em futuras eleições que tenham resultado diferente do esperado não será algo que alcançaremos mudando o resultado da eleição a favor de outro partido. Em vez disso, para os cristãos de todas as convicções políticas, isso somente acontecerá quando nos enxergarmos na vida e no exemplo do apóstolo Pedro — e, tendo feito isso, acatarmos seu conselho para nós, à medida que vivermos nossa fé em circunstâncias adversas ou em contextos com os quais nem sempre concordamos.

O apóstolo Pedro, a paixão e a mudança de coração

A Bíblia contém histórias de seres humanos que cometem erros, pecam e, no entanto, são chamados por Deus ao arrependimento e à conversão. O apóstolo Pedro é uma dessas pessoas. Pedro aparece nos Evangelhos como alguém que ama Jesus ardentemente, mas é propenso a fazer declarações precipitadas, egoístas e, às vezes, a tomar decisões violentas. Pedro, com frequência e de forma passional, perde a linha, briga com Tiago sobre quem se sentará à direita de Jesus um dia, diz a Jesus que nunca o negará e corta a orelha de um homem, quando Jesus é preso. Mesmo depois de ter sido perdoado por Jesus, por tê-lo negado três vezes, e após ter difundido o evangelho durante o primeiro Pentecostes, Pedro mais tarde lutou para superar sua xenofobia em relação a compartilhar Jesus com os gentios.

Nunca se acanhando em usar as emoções que trazia na manga, poucos anos depois de suas explosões emocionais e equivocadas, Pedro escreve aos cristãos, aconselhando aqueles que desejam viver sua fé com ousadia.

Antes, santifiquem Cristo como Senhor no coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, façam isso com mansidão e respeito, conservando boa consciência, de forma que os que falam maldosamente contra o bom procedimento de vocês, porque estão em Cristo, fiquem envergonhados de suas calúnias (1Pedro 3.15-16).

A exortação para que “santifiquem Cristo como Senhor no coração” imediatamente coloca em ordem nossas prioridades e nos pede para verificar a questão da idolatria. Vale destacar que Pedro está escrevendo para pessoas que acreditavam em Jesus, mas ainda assim está pedindo aos cristãos que se certifiquem de que estão centrados no Senhor. Isso inclui não apenas acreditar em Jesus, mas também seguir sua palavra e seu exemplo em nossas ações. Fato relevante para nossa situação atual é que Jesus não compactuou nem com o nacionalismo, nem com a sedição — duas tendências políticas esperadas em parte do messianismo da época. Pelo contrário, Jesus não só elogiou samaritanos, como também agregou entre os discípulos zelotes e publicanos — anticoloniais e colonialistas.

Falando a cristãos que vivem em um mundo hostil, o apóstolo Pedro — o mesmo Pedro que antes, por acreditar em uma fé agressiva e covarde, cortou a orelha de Malco e negou Jesus por três vezes — explica como devemos responder à pessoa que pedir a razão da esperança que há em nós. Pedro usa dois substantivos: mansidão (πραΰτητος), que significa “humildade” e “gentileza”, e respeito (φόβου), que significa “reverência” ou “temor”. Quando usada para se referir a pessoas, a palavra mansidão expressa uma atitude de humildade ou submissão. Da mesma forma, a palavra respeito se refere a um sentimento de profunda consideração pelo outro.

Ter uma boa consciência é um tema comum em 1Pedro; a palavra “consciência” aparece em algumas versões de 1Pedro 2.19 e também em 3.21. Em ambos os casos, o contexto fala da atitude de submissão e respeito que os cristãos devem ter, mesmo quando são maltratados ou perseguidos.

Quando achamos que fomos injustiçados, muitas vezes podemos sentir que temos o direito de quebrar as regras, distorcer a verdade ou adotar o lema de que “os fins justificam os meios”. Entretanto, se pararmos um momento para refletir, logo conseguiremos perceber que essas são precisamente as ações que desacreditam os cristãos aos olhos do mundo. Na verdade, Pedro quer que nosso caráter seja tão nobre que – vale a pena repetir essas palavras mais uma vez – “os que falam maldosamente contra o bom procedimento de vocês, porque estão em Cristo, fiquem envergonhados de suas calúnias”.

Portanto, qual é a relação entre Pedro e os cristãos que promoveram a desordem em Brasília no domingo ou os que, com sua influência, tiveram alguma responsabilidade pelo ataque? A vida de todos eles revela que o zelo religioso pode assumir proporções exageradas e transformar-se em idolatria, ocupando o lugar que pertence somente ao Senhor. Como Pedro nos ensina, viver de acordo com os ensinamentos de Jesus significa tê-lo como o Senhor supremo em nossa vida. Mesmo aqueles de nós, cristãos, que podem (ingenuamente) pensar que jamais participariam de algo como o ataque do último domingo são capazes de reconhecer que, com frequência, pecamos e falhamos nessa área do senhorio de Jesus.

Os evangélicos precisam passar pela mesma metanoia, ou conversão espiritual, pela qual passou o apóstolo Pedro. Talvez essa transformação tenha acontecido quando ele começou a seguir duas instruções de seu Mestre: em vez de cortar orelhas, “Guarde a espada” (João 18.11), e em vez de negar Jesus por medo ou covardia, “Pastoreie as minhas ovelhas” (João 21.16).

Gutierres Fernandes Siqueira é jornalista, teólogo e autor de cinco livros, entre eles Quem tem medo dos evangélicos? (Editora Mundo Cristão.) Ele vive em São Paulo e é membro da Assembleia de Deus (Ministério do Belém).

Reportagem com contribuição de Marisa Lopes e Mariana Albuquerque

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Luz do Mundo, Esperança das Nações

Leitura devocional para a Epifania.

Leituras devocionais do Advento 2022.

Leituras devocionais do Advento 2022.

Christianity Today January 6, 2023
Stephen Crotts

Epifania:

Neste dia, celebramos a visita dos Magos e sua adoração a Jesus. Refletimos sobre a revelação da identidade e propósito de Jesus para os povos do mundo.

Leia Mateus 2.1-12 e Isaías 49.6; 60.3

Quando tornaram a ver a estrela, encheram-se de júbilo. Ao entrarem na casa, viram o menino […] e, prostrando-se, o adoraram. (MATEUS 2.10-11)

Ao longo da história, a humanidade sempre olhou para o céu noturno em busca de sinais do alto. Essa propensão levou muitos a adorarem estrelas e corpos celestes. Em Gênesis 1, os termos sol e lua não são usados; em vez disso, eles são descritos como luminares maior e menor (v. 16), provavelmente para evitar os nomes que comumente eram evocados na adoração de ídolos no antigo Oriente Próximo.

No entanto, para revelar sua aliança, Deus logo usaria essa mesma tendência humana de buscar por sinais nas estrelas: Ele ordenou a Abraão que olhasse para o céu e visse as inúmeras estrelas, prenunciando a bênção de sua descendência para as nações. Centenas de anos depois, porém, quando os filhos de Abraão foram exilados para a Babilônia, parecia que as trevas das nações haviam tragado a luz. A esperança parecia estar perdida.

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Em Mateus 2, porém, encontramos uma inesperada reviravolta redentora! Encontramos os magos — provenientes de uma elite conhecida pela astrologia (e idolatria) e, provavelmente, vindos da mesma região onde o povo de Deus havia sido exilado —, homens cujo conhecimento dos céus os levou a crer na promessa de Abraão. Será que as histórias contadas por Daniel e os exilados na Babilônia finalmente aconteciam? Provavelmente se aventurando na mesma jornada de 1.400 quilômetros, da antiga Babilônia até Jerusalém, que os exilados fizeram em sua volta, tantos anos antes, os magos buscavam uma resposta para uma única pergunta: “Onde está o recém-nascido rei dos judeus?” (Mateus 2.2).

Sua indagação revelava um profundo anseio espiritual: “Vimos sua estrela […] e viemos adorá-lo” (Mateus 2.2). A jornada deles era o cumprimento da visão profética de Isaías e uma antecipação do que estava por vir: “Eu farei de vocês luz para as nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra” (49.6, ESV). A “luz menor” da estrela apontava os magos para a “luz maior”, na pequena cidade de Belém, que era brilhante o suficiente para iluminar as nações. A luz veio ao mundo, e as trevas não a venceram.

A luz da Epifania — a aparição de Deus na vinda de Jesus — continua a oferecer esperança a todas as nações que tateiam no escuro, em busca da verdade divina. E, como os magos nos mostram, esta é uma notícia boa demais para guardarmos para nós mesmos! Esses sábios do Oriente continuam a nos ensinar que nós também devemos viajar por toda parte para compartilhar a notícia de que Jesus é a Luz do Mundo e a esperança das nações. Como as Escrituras nos dizem: “Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pedro 2.9).

Rasool Berry atua como pastor na área de ensino na The Bridge Church, no Brooklyn, Nova York. Ele também é o anfitrião do podcast Where Ya From?

Reflita em Mateus 2.1-12 e Isaías 49.6; 60.3.


O que a visita dos magos revela sobre a identidade e o propósito de Jesus? Como o Espírito está levando você a responder a Jesus, a Luz do Mundo?

A apatia costumava ser uma virtude. Mas é o vício oculto da nossa cultura.

O que é a acídia e como ela se tornou um inimigo de nossa alma.

Christianity Today January 4, 2023
Illustration by Chidy Wayne

O conceito de apatia tem uma longa história no mundo ocidental. Não somos a única cultura a tratá-lo como algo “legal”, “bacana”. Os grandes filósofos do passado debateram sobre seu significado e valor. De fato, entre certos filósofos gregos, a apatia era uma das maiores coisas a que se poderia aspirar. O termo grego apatheia significa “sem pathē” (sem paixões); no pensamento de alguns filósofos, as paixões muitas vezes se referem a emoções violentas como amor, medo, tristeza, ira, inveja, luxúria, dor ou prazer que surgem em resposta ao mundo lá fora.

Overcoming Apathy: Gospel Hope for Those Who Struggle to Care

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Crossway

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Segundo os estoicos, por exemplo, os sábios — aqueles que desejam uma vida próspera — são indivíduos totalmente livres de paixões. Em outras palavras, os sábios não são vulneráveis aos altos e baixos da vida neste mundo. Eles são autossuficientes; os acontecimentos exteriores da vida “apenas roçam a superfície” de suas mentes, como observa Martha Nussbaum em The Therapy of Desire [A terapia do desejo]. O objetivo da vida é o que poderíamos chamar de “impassibilidade” ou serenidade da alma. Mesmo grandes filósofos não estoicos, como Aristóteles, reconheciam o valor de se limitar as paixões, pois acreditavam que a boa vida estava reservada aos apáticos.

Os primeiros pensadores cristãos estavam bem cientes da antiga tradição filosófica de pensamento que valorizava a apatia. Curiosamente, como seus antecessores filosóficos, eles buscaram aplicar o conceito de apatheia não apenas aos seres humanos, mas também a Deus.

Aqueles que fizeram algum curso de introdução à teologia podem ter encontrado o termo impassibilidade nas discussões sobre os atributos de Deus. A impassibilidade é uma tradução do termo grego apatheia para o latim, e foi um conceito muito discutido entre os pais da igreja.

Segundo o teólogo Pavel Gavrilyuk, falar de Deus como alguém impassível é dizer que “ele não tem as mesmas emoções que os deuses dos pagãos; que seu cuidado pelos seres humanos é livre de interesse próprio e de qualquer associação com o mal”. Impassibilidade significa que Deus não é dominado por emoções, nem tem suas emoções afetadas por nada que seja externo a ele.

Embora possa ser apropriado atribuir “emoções” a Deus, a impassibilidade (ou apatheia divina) exclui aquelas que lhe são impróprias. Assim, por exemplo, quando falamos de Deus como amor, na verdade estamos falando de um Deus apaixonado. Mas é uma paixão impassível, um amor que não é ditado pelo mundo exterior. Em outras palavras, diferente de nós, Deus não está sujeito a paixões violentas. Apatheia é outra maneira de se referir à imutabilidade e à solidez da afeição de Deus por tudo o que ele é e por tudo o que ele fez.

De acordo com alguns pensadores da igreja antiga, a apatia humana é um estado de ser virtuoso e uma imagem da própria virtude de Deus. Uma pessoa dotada de apatheia é alguém que dominou suas paixões por meio da disciplina e alcançou um verdadeiro amor por Deus. De acordo com Evágrio de Ponto, um monge do quarto século, “O amor é fruto da impassibilidade”. Apatheia era algo a ser buscado, o ápice de uma vida bem ordenada que examinou a si mesma e submeteu-se.

No entanto, o tipo de apatia com que lidamos nada tem a ver com a tentativa consciente de nos fortalecer contra os altos e baixos da vida ou com a tentativa de cultivar um desapego do mundo que gere amor por Deus. Acredito que, para os cristãos primitivos, o conceito que melhor se aproxima do que chamaríamos hoje de apatia não é apatheia, mas sim um termo nada palatável — preguiça (ou acídia).

Quando pensamos em preguiça, podemos pensar em uma criatura que se move lentamente ou em alguém viciado em televisão, que passa o dia todo de pijama, em frente à TV, comendo potes de sorvete Ben & Jerry's. No entanto, os cristãos descreveram a passividade de maneira muito mais rica.

A acídia é um termo grego que significa literalmente “indiferença, letargia, exaustão e apatia”. Um dos primeiros e mais influentes pensadores sobre a acídia foi Evágrio de Ponto. Ele compilou uma lista de oito tentações mortais, que mais tarde se transformaram no que hoje conhecemos como os sete pecados capitais. Embora ele seja um desconhecido para muitos de nós, suas reflexões sobre as dimensões espirituais da apatia são inspiradoras:

A acídia é uma afeição intangível, que desvia nossos passos, nos leva ao ódio pela diligência, a uma batalha contra a solitude, a um tempo tempestuoso para a salmodia, à preguiça de orar, a um afrouxamento da ascese [autodisciplina estrita], à sonolência inoportuna, ao sono recorrente, à opressão da solidão, ao ódio da própria cela, a ser contrário às obras ascéticas, a ser um oponente da perseverança, à mordaça da meditação, à ignorância das escrituras, a tomar parte na tristeza.

A acídia é uma companhia constante. Tem como alvo as práticas espirituais que pretendem nos trazer vida, como a oração, a solitude, a leitura das Escrituras, o trabalho árduo e a perseverança em fazer o bem. Em suas instruções práticas aos colegas monges sobre vários vícios, Evágrio de Ponto dedica mais espaço a descrever a acídia do que a qualquer outra coisa.

Da mesma forma, outro monge e importante pensador, João Cassiano, descreve a acídia como uma inquietação que nos leva a perseguir tudo, exceto nossos deveres mais importantes. A acídia distrai. Ela nos torna preguiçosos e lentos em relação às nossas responsabilidades espirituais e práticas. É uma preguiça seletiva que torna atrativo todo o restante.

Uma escritora mais atual, Nicole M. Roccas, faz uma síntese bastante útil da acídia em Time and Despondency [Tempo e desânimo], apontando que ela pode assumir formas diferentes em pessoas diferentes. Por exemplo, pode se manifestar como (1) inquietação, incapacidade de terminar um livro, de orar mais longamente ou de terminar uma tarefa; (2) produtividade acompanhada de raiva ou tédio pelas coisas que está fazendo; ou (3) uma inclinação para dormir, comer, se preocupar e se distrair.

Um fio comum que une essas várias manifestações é a falta de propósito ou a falta de objetivo. As coisas são deixadas de lado, são feitas com o propósito errado ou sem qualquer propósito. Como observa Rebecca Konyndyk DeYoung em Glittering Vices [Vícios glamurosos], o coração fica insensível às “exigências do amor” — isto é, às coisas para as quais Deus nos chamou.

Em Creed or Chaos? [Credo ou caos?], Dorothy Sayers chama a acídia de “o pecado de não acreditar em nada, não se importar com nada, não procurar saber de nada, não interferir em nada, não desfrutar de nada, não amar nada, não odiar nada, não encontrar propósito em nada, viver para nada e apenas continuar vivo, pois não há nada pelo que a pessoa morreria.” Isso é indiferença sem propósito e sem objetivo.

A acídia, segundo os cristãos a conceberam ao longo da história, é realmente uma categoria que nos ajuda a entender o que conhecemos pelo nome de apatia. Como um diagnóstico da alma, ela aponta para o fato de que o que quer que esteja acontecendo em nós não é algo meramente psicológico ou emocional, mas também espiritual. De fato, a acídia parece ser caracterizada principalmente por sua resistência ao espiritual. E não é isso que achamos tão preocupante na apatia?

Importantes pesquisas psiquiátricas sobre a apatia têm sido feitas, especialmente entre pessoas com enfermidades graves como Alzheimer ou Parkinson.

No entanto, a pesquisa pode ser aplicada de forma mais ampla a todos os que estão tentando entender a apatia. Uma das definições mais comumente citadas descreve a apatia como uma falta de motivação que “não é atribuível a um nível reduzido de consciência, a um déficit intelectual ou a sofrimento emocional”.

Se a falta de motivação for acompanhada de falta de esforço, falta de interesse em aprender ou falta de emoção, então, o paciente pode ser clinicamente diagnosticado com uma patologia real. Alguns pacientes simplesmente relatam a apatia como “um levantar e ir embora” ou “a falta de uma faísca”. Essas frases fazem um excelente trabalho no sentido de articular um sentimento que muitos de nós compartilhamos.

No entanto, o valor da precisão clínica consiste em que, à medida que aprimoramos a definição da patologia, ficamos em melhor posição para tratá-la. Por exemplo, a apatia tem pontos em comum com outras patologias, como a depressão.

Além disso, os estudos sobre a apatia foram capazes de chegar a uma lista restrita dos vários fatores que contribuem para ela, como fatores ambientais ou biológicos. Por exemplo, imigrantes ou membros de minorias étnicas às vezes se adaptam às diferenças de cultura ou de idioma tornando-se apáticos. A mudança de cultura, ou a sensação de estar isolado dentro de uma cultura, interfere na sua busca de valores ou objetivos, e a apatia é apenas uma forma de lidar ou de se adaptar ao seu ambiente.

Estudos também mostram que o tipo de apatia que nos preocupa é, em grande parte, uma resposta adquirida ao mundo. Não é necessariamente algo com o qual alguém nasceu e, portanto, algo que se esteja destinado a ter pelo resto da vida. Pessoas relativamente saudáveis que ficam apáticas perderam o interesse pelas coisas — mas apenas por algumas coisas. Na verdade, o psicólogo Robert S. Marin define formas típicas de apatia como “apatia seletiva”.

A nossa apatia é justamente o oposto da apatia que nossos antepassados tanto prezavam.

O que é, então, a apatia? Quem precisamente é esse inimigo que está contra nós? Estamos a quilômetros (e a centenas de anos) de distância da antiga virtude da apatheia. Nossa apatia é justamente o oposto da apatia que nossos antepassados tanto prezavam. A nossa é uma apatia destituída de amor; a deles era definida pelo amor. A nossa condena a autodisciplina; a deles exigia a autodisciplina.

A apatia não é depressão profunda, nem desespero, nem desânimo. Não é o mover misterioso do fiel cristão a tatear nas trevas em direção a Deus. Em vez disso, é uma postura medíocre que oscila entre a confusão e o desengajamento.

A apatia, como a literatura da psicologia nos deixou cientes, é basicamente um déficit de motivação, de esforço, de interesse, de iniciativa e de desejo por coisas que antes considerávamos significativas. É um distúrbio psicológico, possivelmente não da mesma magnitude que tem a depressão clínica, mas ainda assim debilitante à sua maneira. A acídia apenas descreve o desânimo que sentimos em relação às coisas do Espírito; é um nome para a dimensão espiritual da apatia.

A apatia é uma patologia psicológica e espiritual, na qual experimentamos um amortecimento prolongado da motivação, do esforço e das emoções, bem como uma resistência às coisas que fariam a nós mesmos e a outros florescer.

É um pecado que se expressa como inquietação, falta de objetivo, preguiça e falta de alegria para com as coisas de Deus. Não é apenas uma parte do comportamento adulto mais altamente evoluído, algo como ser alguém descolado demais para se importar com as coisas. É uma patologia.

A Escritura fala do pecado como uma doença que contamina todas as pessoas, desde que originou-se em Adão (Romanos 5.12), e que continua vivo em nós, produzindo todo tipo de mal (7.8,20). A Bíblia também afirma que éramos escravos do pecado, que precisavamos ser libertados do cativeiro (João 8.34-36; Romanos 6.6). Finalmente, o pecado é descrito como transgressão da Lei (1João 3.4), que traz condenação (Romanos 5.18; 6.23) e requer propiciação (3.23-25; 1João 2.2).

Na obra Not the Way It’s Supposed to Be [Não do jeito que deveria ser], Cornelius Plantinga descreve o pecado como o “vandalismo” do shalom. O shalom, biblicamente falando, significa “florescimento universal, integridade e deleite” — o jeito que as coisas deveriam ser. Nós violamos o shalom quando nos voltamos contra a boa ordem que Deus estabeleceu. Nós a subvertemos quando vivemos de modo que prejudica o nosso bem-estar e a nossa alegria, bem como os dos outros. E porque o shalom tem a ver, em última análise, com o nosso relacionamento com o Criador, sua vandalização é direcionada a Deus.

Como escreve Plantinga,

O pecado não é apenas a violação da lei, mas também a violação da aliança com o salvador. Pecar é macular um relacionamento, é entristecer o pai divino e benfeitor, é trair o parceiro a quem nos unimos por um vínculo sagrado.

Essa mácula acontece por meio de nossas ações, bem como de nossas atitudes. A apatia é uma doença da alma; é uma deformidade do coração que precisa ser curada. A apatia, do modo que muitos de nós a experimentamos, é uma forma de escravidão. Parece que não conseguimos sair dela, e nos vemos regularmente nos rendendo a seus avanços.

Em última análise, a apatia, como recusa de amar aquele que mais inspira e mais merece amor, é um crime moral e espiritual. É um pecado em seu sentido mais básico. Suas origens podem ser misteriosas, mas sua orientação não é. É uma frieza para com Deus e uma indiferença para com as coisas que trazem shalom — duas atitudes que precisam ser perdoadas, vencidas e curadas.

Devemos lamentar nossa apatia, embora não a lamentemos como aqueles que não têm esperança. Deus é conosco e por nós em nossa apatia.

Uche Anizor é professor associado de teologia na Talbot School of Theology. Conteúdo adaptado e traduzido de Overcoming Apathy, por Uche Anizor©2022. Usado com permissão da Crossway, um ministério editorial da Good News Publishers. Todos os direitos reservados.

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Books

A teologia do futuro

Estudiosos da Bíblia, teólogos e filósofos costumavam trabalhar juntos. N. T. Wright acredita que eles precisam voltar a fazer isso.

Christianity Today January 2, 2023
Illustration by Sarah Gordon

“Irmãos, deixem de pensar como crianças” (1Coríntios 14.20) A admoestação de Paulo aos coríntios é ainda mais urgente para nós, nos dias de hoje. Embora os cristãos devessem ser como crianças com respeito ao mal, ele insistia que deveriam ser adultos quanto ao modo de pensar. Para tanto, Paulo constantemente procurava ensinar às pessoas não apenas o que pensar, mas como pensar. Isso continua sendo vital. As várias disciplinas agrupadas sob o título de “teologia” ou “divindade” estão em posição única para dar continuidade a este projeto.

As pessoas hoje em dia costumam comentar sobre o declínio do diálogo civilizado e racional em todas as esferas da vida. A teologia tem uma oportunidade de dar o exemplo desse diálogo genuinamente interdisciplinar do tipo que precisamos tão urgentemente, até porque, em razão de sua própria natureza, deveria preencher a lacuna entre a academia e o mundo mais amplo.

Os grandes teólogos do passado — como Agostinho, Tomás de Aquino, Lutero e Calvino — tentaram trazer a Bíblia, a filosofia e a teologia para um diálogo compartilhado. À medida que cada um desses campos avança, eles precisam ainda mais um do outro.

O desafio do nosso tempo

Apesar do que pensam os críticos cínicos, a fé cristã está crescendo e se expandindo. O Pew Research Center estima que haverá 3 bilhões de cristãos até 2050, a maioria deles em países com poucas oportunidades de educação superior ou complementar e com oferta mínima de seminários. Contudo, sem estudo teológico rigoroso, no sentido mais amplo, a igreja global ficará vulnerável a ensinos distorcidos ou desequilibrados. Em particular, não estará preparada para abordar os grandes questionamentos que o mundo em geral está fazendo e que surgem com novas roupagens a cada geração e a cada mudança cultural.

Os mais familiarizados com alguns dos escritos teológicos e estudos bíblicos de teor mais negativo das gerações anteriores, muitas vezes de tom cético e destrutivo, podem se perguntar se algo de útil pode agora vir de tais disciplinas.

Além disso, a especialização acadêmica cada vez maior fez com que as diferentes disciplinas continuassem a caminhar isoladas. O estudo bíblico, incluindo a teologia bíblica, muitas vezes opera como se as teologias sistemática, histórica e filosófica não existissem. Os teólogos, por sua vez, ignoram os estudos bíblicos históricos, em geral com a desculpa de que estão estudando Tomás de Aquino ou Agostinho (ou quem quer que seja) e que, como esses grandes homens leram suas Bíblias intensamente, isso já é o suficiente.

Assim, de forma nada surpreendente, quando estudiosos de diferentes áreas participam dos seminários uns dos outros, às vezes nos perguntamos o que será que está acontecendo. Isto é um problema tanto para as disciplinas em si quanto para um tipo de estudo teológico mais voltado para fora, que possa servir de auxílio, em termos criativos e construtivos, tanto para as igrejas quanto para o cristão comum em todo o mundo. Devemos abordar esses problemas se quisermos aproveitar as oportunidades diante de nós.

Quarenta anos atrás, a maioria dos filósofos acadêmicos teria rido da sugestão de que o teísmo cristão pudesse explicar e abordar as grandes questões da vida, do mundo, do sofrimento e assim por diante. Esse riso se transformou em apreciação, à medida que o ateísmo assumido do passado agora parece mais problemático.

Um novo movimento, a “teologia analítica”, surgiu da tradição da filosofia analítica, anteriormente cética. Ainda em seus estágios iniciais, esse movimento usa as ferramentas afiadas do pensamento crítico para expressar a fé, em vez de desconstruí-la. Busca a transparência, a responsabilidade, a clareza de expressão, a análise rigorosa e a argumentação lógica.

Da mesma forma, muitos teólogos, nas décadas de 1960 e 1970, assumiram uma crítica “iluminista” das crenças tradicionais. Hoje, muitos voltaram os holofotes céticos para o próprio Iluminismo, propondo novas maneiras de expressar velhas crenças.

O mesmo é verdade, ao menos em parte, em relação aos estudos bíblicos. Alguns estudiosos do passado tentaram reduzir a Bíblia para que se adequasse aos pressupostos do século 18. Agora, esses próprios pressupostos estão sob escrutínio — não de modo a que possamos voltar a um fundamentalismo irracional, mas para que possamos explorar com uma mentalidade mais aberta o que os textos estavam dizendo em seu próprio tempo.

Todos esses são sinais de esperança. Ainda assim, sem uma tentativa de integração, eles podem acabar cada um cantando a sua parte sozinho, no seu canto, em vez de se juntarem para formar uma rica harmonia que poderia remodelar a melodia da fé em todo o mundo. Costumamos dizer que damos valor ao trabalho interdisciplinar, mas poucos são os acadêmicos que têm tempo ou interesse de olhar para além de seus próprios campos de estudo.

Alguns programas, no entanto, estão trabalhando para integrar a teologia com outras disciplinas, entre eles, por exemplo, os da Duke Divinity School, do Fuller Seminary e do Wheaton College, nos Estados Unidos; os das Universidades de Durham e de Oxford, na Grã-Bretanha; e os da Universidade de Innsbruck, na Áustria. Mas poucos programas de estudo atendem ao que tanto precisamos: uma colaboração entre os estudiosos da Bíblia, da filosofia e da teologia.

Sinais de esperança

Na própria instituição em que atuo, a Universidade de St Andrews, o recém-fundado Logos Institute for Analytic and Exegetical Theology [Instituto Logos para Estudo das Teologias Analítica e Exegética] está tentando fomentar esse tipo de colaboração. O instituto oferece uma abordagem única para o estudo teológico, na qual traz a teologia sistemática, o estudo bíblico e a filosofia para um diálogo.

O objetivo é abordar as grandes questões da fé no mundo mais amplo. O que significa a palavra Deus? A quem ou a que a palavra pode se referir? O que significa ser humano? O que podemos e devemos dizer sobre Jesus? E sobre a criação — sobre a origem do mundo e sobre o próprio mundo? O que as alegações cristãs tradicionais sobre a reconciliação realmente significam na prática, bem como na teoria? E, em meio a tudo isso: Como adquirimos conhecimento? Existe algum tipo de conhecimento cristão específico, só para cristãos, ou qualquer pessoa pode participar?

Muito da teologia sistemática recente chegou a essas questões de forma oblíqua, enquanto estudava as grandes mentes do passado. Isso é vital. Não podemos reinventar as rodas que nos foram legadas por autores do passado, mesmo que alguns dos eixos possam estar danificados e que possam faltar alguns raios.

Da mesma forma, os especialistas bíblicos às vezes insinuam que, uma vez que descobrimos o que Mateus, Oseias ou quem quer que seja estava realmente dizendo, damos por encerrado nosso trabalho. Isso ainda pode deixar o leitor se perguntando o que essas ideias antigas podem significar para o mundo de hoje, tão diferente.

Claro, aqueles que acreditam na autoridade das Escrituras afirmam que a Bíblia está em um patamar mais elevado do que o dos teólogos subsequentes, por mais veneráveis que sejam. Mas colocar em prática o que isso significa requer muitas mentes envolvidas no trabalho. Felizmente, agora estamos vendo muitos estudiosos importantes abordarem esse desafio. Esse é mais um sinal de esperança.

Por exemplo, o Logos Institute conseguiu envolver em seu ensino e em suas discussões teólogos como Oliver Crisp, Sarah Coakley, Tom McCall, Alan Torrance e Andrew Torrance; teólogos filosóficos como C. Stephen Evans, Eleonore Stump, Peter van Inwagen, Linda Zagzebski e Mike Rea; e exegetas como David Moffitt, Amy Peeler e Richard Bauckham.

O diálogo gerado entre esses estudiosos está inspirando uma nova geração de jovens teólogos. Entre eles,há um contingente significativo de mulheres — lembrando que as mulheres, durante a maior parte da história da igreja, não foram incentivadas a participar do ensino nem da pesquisa teológica. Sob a liderança de Christa McKirland, fundamos a Logia, uma organização irmã dentro do Logos Institute, que incentiva acadêmicas mais jovens, ao modelar um envolvimento teológico de alto nível.

Nossa tarefa, portanto, é entender das maneiras mais claras, rigorosas e profundas que pudermos — a partir da Bíblia e no âmbito da teologia cristã — o que exatamente a fé cristã ensina. Para isso, precisamos do que há de melhor no pensamento de várias disciplinas, no contexto de uma comunidade diversificada. Os resultados de tal estudo precisam ser interpretados em relação a todos os demais aspectos da vida e disseminados apropriadamente em nosso mundo, tantas vezes confuso, que regularmente lança novas questões, ao mesmo tempo em que retoma as antigas.

As três disciplinas

O que acontece, quando exegetas, teólogos e filósofos abordam as grandes questões sobre Deus e o mundo através de todas essas lentes em conjunto?

Primeiro, a Bíblia

Teólogos e filósofos cristãos em geral alegam que seu pensamento é fundamentado nas Escrituras. Mas eles raramente dedicam ao texto o tipo de atenção mais próxima que se espera dos estudos bíblicos contemporâneos. Pode ser que isso se deva em parte ao ensino pouco útil sobre a Bíblia que alguns deles receberam, mas ainda assim é lamentável. O envolvimento dos teólogos com as Escrituras muitas vezes recai em textos-prova, com pouca consideração pelos mundos de pensamento dos autores e suas intenções originais.

Isso pode permitir que a teologia e a filosofia cristãs acabem em mera especulação, fundamentadas em nada mais do que as intuições do pesquisador e em algumas partes da tradição pós-bíblica. As inadequações desse método são evidentes: é como tentar regar um jardim, depois de ter primeiro desconectado a mangueira da torneira. Pode ter restado um pouco de água na mangueira, mas não vai muito longe.

A erudição bíblica contemporânea tem, na realidade, produzido muitos novos e empolgantes insights que teólogos e filósofos poderiam captar e desenvolver. Meu próprio trabalho, especialmente sobre Jesus e Paulo, enfoca muitas questões que se encaixam diretamente em questões teológicas mais amplas. Poucos teólogos se tornarão especialistas em erudição bíblica; a perícia bíblica, porém, deve ocupar seu lugar à mesa da teologia. Como em toda pesquisa científica inovadora, o trabalho em equipe colaborativo é o nome do jogo.

A teologia

O contrário também é verdade: os estudiosos da Bíblia precisam se envolver com os teólogos. As exigências do estudo especializado tornam isso difícil. Os especialistas bíblicos costumam ficar nervosos com o que consideram generalizações a-históricas. Mas os próprios autores bíblicos nunca pretenderam fornecer um mero diário de suas reflexões pessoais. Eles escreveram em fé e obediência, para edificar e dirigir o povo de Deus. A boa pesquisa histórica deve levar isso em consideração.

A história, afinal, envolve sondar as mentes de pessoas que pensam diferente de nós, e esse esforço sempre envolve imaginação empática. Dessa espiral constante de deleite e conhecimento surgem regularmente tanto o sentido do texto, como algo diferente de nós mesmos, quanto o sentido do texto que, no entanto, dirige-se a nós e, por meio de nós, ao mundo que nos cerca. E, como acontece com todos esses eventos mentais e espirituais, esta é uma rica combinação entre arte e ciência.

Neste ponto, o estudioso da Bíblia não pode ignorar o fato de que os teólogos travaram uma luta com esses significados mais amplos antes de nós, tendo já elaborado estruturas mais amplas de ideias e refinado pontos específicos. A teologia, ela própria alimentada pela pesquisa bíblica, retroalimenta a erudição bíblica: levantando questões, questionando pressupostos, tentando interpretar todas as implicações dos sentidos originais e procurando colocar tudo isso em diálogo com as principais questões de nossos dias.

A filosofia

O pensamento cristão construtivo e missional precisa se comunicar para além da igreja, no âmbito do mundo secular mais amplo. Aqui, os filósofos — e de forma mais ampla os críticos culturais — podem prestar um serviço inestimável, ao avaliar as questões críticas levantadas pelas alegações cristãs. Um bom exemplo é a maneira pela qual os filósofos cristãos ajudaram os crentes a enfrentar as objeções levantadas pelos “quatro cavaleiros” do ateísmo moderno (Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Daniel Dennett e Sam Harris).

Existem também os conhecidos desafios modernos: O que podemos dizer sobre outras religiões, por exemplo, e como abordamos o constante problema do mal? Depois, há questões do conhecimento em si: Quando alguém cita a afirmação “Eu sei que meu Redentor vive”, que tipo de conhecimento é esse, e ele pode ser justificado? Os filósofos cristãos fizeram um trabalho espetacular em consolidar o poder explicativo incomparável do teísmo cristão e em abrir novas perspectivas para os teólogos explorarem.

Em suma, cada uma dessas três disciplinas tem um papel vital a desempenhar na vocação do pensamento cristão. Se quisermos nos envolver de forma fiel e responsável com as alegações de verdade que estão no cerne da fé cristã, é crucial que mais mulheres e homens busquem esse diálogo interdisciplinar entre os diferentes campos do conhecimento. Um estudo mais focado continua sendo vital, mas a discussão teológica contemporânea fica seriamente prejudicada quando a especialização se transforma em isolamento. Pelo bem da igreja, a minha esperança é que isso possa mudar.

N. T. Wright é professor de Novo Testamento e cristianismo primitivo no St Mary's College, na Universidade de St Andrews, na Escócia. Seu último livro é Paul: A Biography (HarperOne, 2018).

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Stephen Crotts

Semana 4: Emanuel


À medida que passamos pelos eventos que cercam o nascimento de Jesus, contemplamos a encarnação. Jesus — o Deus Poderoso, o Príncipe da Paz, a Luz do Mundo —se fez carne e habitou entre nós. Conforme a profecia de Isaías previu, ele é “Deus conosco”. Jesus é Emanuel.

Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz. Ele estenderá o seu domínio, e haverá paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, estabelecido e mantido com justiça e retidão, desde agora e para sempre. (ISAÍAS 9.6-7)

Leia Isaías 7.14 e 9.1-7


Celebre

com alegria o nascimento de Jesus.

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