George Floyd deixou um legado cristão em Houston

Como pessoa de paz, “Big Floyd” abriu oportunidades ministeriais em comunidades carentes.

Christianity Today June 2, 2020
Nijalon Dunn / Courtesy of Resurrection Houston

Os Estados Unidos conhecem George Floyd a partir de vários minutos de filmagens de celular, capturadas durante seus últimos momentos de vida. Mas, na região de Houston chamada "Third Ward", Floyd é conhecido pela forma como viveu por décadas — um mentor para uma geração de jovens e uma "pessoa de paz" que liderava ministérios na área.

Antes de se mudar para Minneapolis, em busca de uma oportunidade de emprego por meio de um programa de trabalho cristão, o homem de 46 anos passou quase toda a vida na Third Ward, localidade historicamente de pessoas negras, onde, segundo seus parceiros de ministério, era chamado de "Big Floyd" e considerado um "OG" — líder comunitário e mediador veterano.

Floyd falava sobre quebrar o ciclo de violência que viu entre os jovens e usou sua influência para trazer ministérios externos à área, a fim de promover discipulado e evangelismo, principalmente no projeto habitacional de Cuney Homes, conhecido localmente como "os tijolos".

“George Floyd era uma pessoa de paz, enviada pelo Senhor, que ajudou o evangelho a avançar em um lugar em que nunca morei”, disse Patrick PT Ngwolo, pastor da Resurrection Houston, que prestava serviços em Cuney.

"A base para alcançarmos essa região e as centenas de pessoas que alcançamos até agora foi construída pelo esforço de pessoas como Floyd", disse ele à Christianity Today.

Ngwolo e outros líderes conheceram Floyd em 2010. Ele era um convidado imponente, de 2 metros de altura, que apareceu em um show beneficente que organizaram para a Third Ward. Desde o início, Big Floyd deixou suas prioridades claras.

“Ele disse: 'Eu amo o que vocês estão fazendo. A vizinhança precisa, a comunidade precisa e, se vocês se interessam pelos negócios de Deus, então quero participar'”, relatou Corey Paul Davis, um artista de hip-hop cristão que congrega na Resurrection Houston. “Ele disse: 'O que você precisar, aonde quer que vá, diga que o Floyd disse que vocês são do bem. Eu estou com vocês.'”

A igreja expandiu seu envolvimento na área, realizando estudos bíblicos e ajudando com compras e o transporte a consultas médicas. Floyd não apenas forneceu acesso e proteção; ele ajudava a igreja a realizar cultos, torneios de basquete, churrascos e batismos comunitários.

“Ele ajudou a carregar a banheira do batismo, por acreditar que as pessoas tomariam uma decisão de fé e seriam batizadas bem ali, no meio da comunidade. Ele achou isso incrível”, disse Ronnie Lillard, que se apresenta com o nome de Reconcile. “O que ele dizia aos rapazes sempre mostrava que Deus supera a cultura de rua. Acho que ele queria ver os jovens largarem as armas e seguirem Jesus em vez de ficar pelas ruas.”

Mais de 50 pessoas foram mortas, nos últimos anos, no que as autoridades descrevem como uma guerra de gangues que se espalha pela Third Ward e pelo sudeste de Houston.

Por conta própria, pode ser difícil para pessoas de fora ganharem confiança ou, até, transitarem por ali em segurança. O “selo de aprovação”, concedido por alguém como Floyd, é crucial para o discipulado urbano, que, para ser eficaz, exige acesso, direção e contexto.

“Sua fé era preciosa para a Third Ward, região que foi radicalmente transformada pelo evangelho, e sua missão estava capacitando outros crentes a entrar e levar o evangelho adiante”, disse Nijalon Dunn, que foi batizado em Cuney. “Há coisas que Floyd fez por nós que nunca saberemos até o outro lado da eternidade. Houve momentos em que teríamos a Igreja nos Tijolos até as três horas da tarde e, às 16h30, pessoas começavam a dar tiros diretamente nas quadras de basquete.”

Dunn compartilhou fotos de Floyd em seu batismo e em jogos de basquete. O nome de usuário de Floyd nas redes sociais incluía o nome "BigFloyd4God".

Homenagens e orações de lamento de companheiros cristãos apareceram nas mídias sociais quando as notícias da morte de Floyd se espalharam. No Twitter, Davis descreveu Floyd como "a definição de 'Seja a mudança que deseja ver'" e compartilhou uma homenagem em vídeo que foi vista 1,1 milhão de vezes. O popular artista cristão de hip-hop Propaganda repostou as reflexões de outros artistas que conheciam Floyd, dizendo: "Ele era amigo dos meus amigos".

Floyd se mudou para Minnesota por volta de 2018, relatou sua família ao jornal Houston Chronicle. Ele se mudou para participar de um programa de discipulado e para buscar emprego, de acordo com pastor Ngwolo. "Um 'garoto dos tijolos' não sai da Third Ward e vai para Minnesota!" ele disse. Floyd disse a Dunn que tinha planos de voltar no próximo verão.

Apesar de que ele nunca conseguirá voltar para casa, será "imortalizado na comunidade da Third Ward para sempre", disse Lillard. “O mural com sua imagem estará nas paredes. Todo jovem em crescimento conhecerá George Floyd. As pessoas que o conheceram pessoalmente se lembrarão dele como uma luz do bem. Os caras das ruas olharão para ele e pensarão: 'Cara, se ele pode mudar de vida, eu posso mudar a minha'. ”

Líderes do ministério ouviram membros da comunidade Third Ward chamarem Floyd de irmão, tio ou mesmo pai, porque não tinham figuras masculinas mais velhas para servir como influência positiva.

Os presentes se reuniram na noite de terça-feira para uma vigília de oração no Emancipation Park, local histórico da Third Ward que já foi o único parque aberto para negros em Houston durante a era Jim Crow de segregação. Ngwolo se reunirá esta semana com pastores da área para lamentarem juntos.

O vídeo viral de Floyd pressionado contra o chão de asfalto por um policial de Minnesota se junta a uma quantidade devastadora de filmagens feitas por telefones celulares que mostram o uso da força por policiais contra homens negros. Os amigos de ministério de Floyd disseram que, quando chegou a notícia, eles não estavam prontos para assistir a outro vídeo do gênero tão pouco tempo após terem visto as imagens de Ahmaud Arbery sendo baleado enquanto corria na Geórgia e as de uma mulher ligando para o telefone de emergência da polícia por conta de um homem negro que estava observando pássaros no Central Park de Nova York. Mas, então, Lillard mandou uma mensagem de texto: Era Big Floyd.

Esse tipo de assassintato gera muita descrença entre eles. Afinal, eles também são homens negros. Apesar de sua inocência, sua fé e suas boas ações, eles têm suas próprias histórias de suspeita, humilhação e ameaça da parte das autoridades, disse Lillard à CT.

E, agora, eles foram obrigados a se lembrar de um homem que eles conheciam como um gigante gentil, uma inspiração para a vizinhança e uma força positiva de mudança. Mas eles também dizem que isso não deveria importar. Ele era um companheiro exemplar e isso deveria ter sido suficiente para mantê-lo longe do tratamento agressivo que viram no clipe viral. A família e os apoiadores de Floyd dizem que os policiais envolvidos — que foram demitidos do departamento — deveriam ser acusados de assassinato.

O pastor Ngwolo ainda está tentando digerir as notícias, mas um tema ao qual ele sempre volta é o derramamento de sangue inocente. Depois que o ego e a animosidade de Caim o levaram a matar Abel, as Escrituras nos dizem: “O Senhor disse: 'O que você fez? Eu escuto! O sangue de seu irmão clama por mim do chão'” (Gênesis 4.10).

“Se você avançar dois mil anos, há outro inocente sofredor cujo sangue falou de coisas melhores do que o de Abel. […] O sangue de Jesus diz que ele pode nos redimir nestes tempos sombrios e perigosos”, disse Ngwolo. “Tenho esperança porque, assim como Abel é um tipo de Cristo, também vejo meu irmão [Floyd] como um tipo de Cristo, apontando-nos para uma realidade maior. Deus realmente nos ouve. Ele ouve o grito de Floyd, mesmo do chão em que agora ele está. A vingança acontecerá — ou na cruz ou no dia do julgamento.”

Traduzido por Mariana Albuquerque

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