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Evangélicos e apostas esportivas: líderes opinam sobre o que fazer para lidar com o problema

Apostas online estão tirando comida da mesa dos brasileiros. Líderes cristãos discutem como agir para conter essa influência nociva sobre a igreja.

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Christianity Today January 18, 2025
Illustration by Elizabeth Kaye / Source Images: Getty / Pexels

Em 2023, o governo brasileiro legalizou as apostas esportivas online. Em 2024, os jogos de azar se tornaram onipresentes, alastrando-se pelo país.

No ano passado, os torcedores foram bombardeados por uma saraivada de anúncios de jogos de aposta, veiculados nos stories do Instagram de grandes influenciadores, nas camisas de times esportivos e em outdoors nas grandes cidades. De acordo com o Banco Central, os brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões por mês em apostas online, nos primeiros oito meses de 2024.

Recentemente, uma reportagem na Folha de S. Paulo mostrou que muitos pastores estão preocupados com as apostas esportivas e boa parte da “bancada evangélica” tem trabalhado para barrar a liberação de jogos de azar no Brasil. A maioria (61%) dos evangélicos ainda se opõe aos jogos de azar, em comparação com 53% dos católicos e 55% dos brasileiros em geral. No entanto, de acordo com outro relatório, cerca de um terço (29%) dos evangélicos admitem que já apostaram em sites do gênero, em comparação com 22% dos católicos. Um em cada cinco (21%) dos evangélicos diz ter dívidas de jogo, quase o dobro dos católicos.

A maioria dos evangélicos, aproximadamente 63%, também é considerada pobre — ganha apenas um salário mínimo por mês —, e compõe um grupo demográfico que tem sido especialmente suscetível ao jogo. Analistas do mercado de varejo culparam as apostas pela queda nas vendas de arroz e feijão entre os cidadãos mais pobres. Em agosto do ano passado, um quarto dos 20 milhões de beneficiários do Bolsa Família relataram já terem utilizado o dinheiro que recebem para fazer apostas.

À luz do impacto explosivo do jogo na vida dos brasileiros, a CT perguntou a seis pastores, especialistas e teólogos sobre como eles estão aconselhando outros cristãos a lidar com essa atividade viciante.

As respostas foram editadas para maior clareza.

Lucas Carvalho

Pastor e plantador de igrejas, Igreja Presbiteriana Videira em Brasília

Recentemente, ouvi o membro de uma igreja que pastoreio dizer que trabalhava no mercado financeiro, mas, quando questionei um pouco mais sobre sua ocupação, ele admitiu que “trabalhava” com apostas. Embora 50% da renda mensal da família já esteja totalmente comprometida com o pagamento de dívidas de jogo, ele afirmou categoricamente que era um trabalho legítimo que dava retorno financeiro, e disse que não via as apostas como um problema. Tentei explicar que apostas não são investimentos e que se algo o estava levando a endividar-se, esse algo era pecado, porque os crentes devem ter uma vida financeira honrada.

Mas mudar nosso comportamento financeiro sem alterar aquilo que temos como valioso na vida acaba sendo algo meramente cosmético. Por isso é importante fundamentar as famílias no evangelho de Cristo, aquele que, embora fosse rico, se fez pobre por nós (2Coríntios 8.9). Devemos nos lembrar de que tudo o que nos falta é encontrado em Cristo. Somente ele pode nos satisfazer. Nenhuma quantia de dinheiro pode nos dar o que só Cristo pode dar.

Pedro Pamplona

Pastor, Igreja Batista Filadélfia em Fortaleza, Ceará

Não sou ingênuo que chegue para pensar que nenhum membro da igreja [da qual sou pastor] está apostando, mas acredito que seja uma minoria. Tive que aconselhar um jovem pai em nossa igreja que estava perdendo uma parte significativa da renda de sua família em apostas esportivas. Fui cuidadoso e amoroso, mas também firme. Esta é uma situação inaceitável, e a igreja deve abordar casos como este com amor e firmeza.

Pastores e líderes devem ensinar não apenas sobre os perigos das apostas, mas principalmente sobre a ganância e o amor ao dinheiro. É esse desejo idólatra por riqueza que nos torna presas fáceis e clientes ideais para empresas desse ramo. Precisamos falar sobre educação financeira, fornecer uma sólida visão de mundo cristã do trabalho e confrontar aqueles que estão sendo dominados pelo vício e estão pecando por meio do mau uso de seus recursos. Além disso, é essencial criar um ambiente seguro para a pessoa confessar esse pecado e buscar ajuda pastoral.

Também é essencial lembrar aos membros de nossas congregações que “os que querem ficar ricos caem em tentação, em ciladas e em muitos desejos insensatos e nocivos, que levam os homens a mergulhar na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçar o dinheiro, se desviaram da fé e se afligiram com muitos sofrimentos.” (1Timóteo 6.9-10)

Fabiano Bohi Goulart

Pastor, Igreja A Família de Deus em Pelotas, Rio Grande do Sul

Em nossa comunidade [uma igreja pentecostal de classe média], embora ainda não tenhamos enfrentado o problema diretamente, já estamos abordando-o abertamente do púlpito.

As igrejas cristãs têm sido historicamente o centro da resistência organizada contra os vícios. Tornei-me cristão aos 14 anos, já visitei muitas denominações, e vejo que a pregação e a preocupação com o vício são uma presença constante nos púlpitos das igrejas brasileiras. Os centros de recuperação espalhados pelo Brasil quase sempre têm uma base confessional. Parcerias com agências missionárias que tenham treinamento especializado para ajudar pessoas que são vítimas desse vício em apostas são sempre importantes. Também ajudaria muito se incluíssemos cursos de educação financeira em nossos currículos de escolas bíblicas, ensinando às pessoas como o senhorio de Cristo traz cura para nossos relacionamentos econômicos.

Ana Carolina Caires Lopes

Membro da Primeira Igreja Batista Bíblica de Cidade Ademar (São Paulo), escritora do Ministério Graça em Flor e professora da plataforma Frutíferas

Em uma sociedade que constantemente enfrenta dificuldades financeiras, devido a uma economia falida e corrupta, nossos líderes precisam abrir os olhos para as novas estratégias que estão atraindo os cristãos e fazendo com que acreditem que existem atalhos, caminhos mais fáceis para o sucesso ou para pagar suas dívidas. O novo mercado de apostas continuará a se expandir, enquanto não for visto pelo que realmente é: um meio de espalhar a ganância e o amor ao dinheiro, “que é raiz de todos os males” (1Timóteo 6.10).

Precisamos ouvir mais, nas pregações, que servimos ao dono de todo ouro e de toda prata, que nosso reino não é deste mundo, que nossos olhos devem estar voltados para as coisas do alto e que nenhuma promessa humana contraria as promessas de provisão, cuidado e justiça do nosso Senhor.

Víctor Vieira

Pastor, professor e autor de best-sellers. É de Vitória, Espírito Santo, mas atualmente mora no Kansas

A primeira vez que as apostas esportivas me chamaram a atenção foi durante o intervalo de um jogo de futebol, quando ouvi a frase “Profetize na Bet!”[usada como slogan por uma empresa de apostas esportivas]. De alguma forma, comecei a perceber que aquela frase, naquela situação, estava intencionalmente fora de lugar. Ligar o verbo “Profetize” [que é intimamente associado à teologia da prosperidade] a apostas esportivas é comunicar ao apostador que, ao apostar, ele pode estar determinando sua prosperidade financeira de alguma forma. E naquele momento eu soube que, infelizmente, esse conceito ocuparia profundamente o coração de uma geração inteira.

O apóstolo Tiago nos ensina que somos tentados por nossa própria luxúria (Tiago 1.14-15). Em outras palavras, o desejo de enriquecer de forma rápida e fácil já está dentro de nós. O que as apostas esportivas fazem é fornecer a oportunidade de liberar esse desejo pecaminoso, e com o pecado vêm a morte e a destruição.

O jogo não é algo explicitamente citado na Bíblia como pecado, mas tentar ganhar a vida por meio de apostas é ganância, e enriquecer sem trabalhar é uma ilusão enganosa. Nem toda porta aberta, nem toda oportunidade é uma opção para o crente.

Nossas ações mostram a intenção e a inclinação do coração. O vício é idolatria, mesmo quando é socialmente aceitável ou regulamentado pelo governo. A falsa projeção que nós, cristãos, criamos de uma vida bem-sucedida, na qual supervalorizamos conquistas econômicas em detrimento de aspectos mais profundos da vida, faz com que nossa busca frenética por riqueza justifique ações que são incompatíveis com a nossa fé e o modo de vida que um discípulo de Jesus é chamado a abraçar.

Obedecer ao ensinamento de 1Tessalonicenses é fundamental nesse assunto: “Esforcem‑se para ter uma vida tranquila, cuidar das coisas que lhes dizem respeito e trabalhar com as próprias mãos, como nós os instruímos, a fim de que andem decentemente aos olhos dos que são de fora e não dependam de ninguém” (4.11-12).

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