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A epidemia das apostas esportivas: um problema que os cristãos não podem ignorar

Jogos de azar online não são necessariamente pecaminosos, mas certamente não são um uso cuidadoso da riqueza que Deus nos deu.

Christianity Today October 3, 2024
Ilustração de Elizabeth Kaye / Source Images: Getty

Nota da edição em português: este artigo foi escrito com base na realidade estadunidense, mas acreditamos que ele traz reflexões importantes também  para a igreja brasileira.

É bem provável que você conheça alguém que faz apostas esportivas. Com o aumento das apostas esportivas online, essa indústria agora fatura mais do que todas as principais ligas esportivas profissionais dos EUA somadas. Espera-se que os americanos apostem US$ 35 bilhões somente em jogos da NFL nesta temporada.

Essa não é uma tentação nova, mas acredito que o advento das apostas esportivas online aumenta consideravelmente o grau da seriedade com que os líderes cristãos devem abordar questões sobre a natureza moral e teológica dessas apostas.

As empresas de apostas esportivas online patrocinam as transmissões e a mídia esportiva, de modo que incentivos para apostar estão por todo lado, e é fácil participar. As pessoas podem se registrar e pagar [as apostas] com uns poucos toques no celular. Além disso, vinculá-las aos esportes faz com que pareçam algo mais inocente do que pôquer e blackjack.

Embora apostas esportivas em qualquer formato sejam atualmente ilegais em alguns estados norte-americanos de expressão — como a Califórnia, o Texas e a Geórgia — as apostas esportivas online agora são legais e estão disponíveis em grande parte do território norte-americano. Para estados como o Texas, onde moro e pastoreio uma igreja, parece provável que, com o passar do tempo, as apostas [offline] acabem sendo legalizadas também.

Quando falo com líderes cristãos e membros da igreja sobre apostas, frequentemente encontro hesitação. Há uma certa relutância entre os cristãos em tolerá-las, mas não há oposição suficiente para condená-las de forma aberta e direta. Acho que muitos cristãos não sabem bem o que fazer quanto à moralidade das apostas.

Para ser justo, as Escrituras não falam sobre apostas com o mesmo grau de clareza e de ênfase com que abordam outros males, como o adultério, a embriaguez e o roubo. Isso nos deixa com a seguinte pergunta: “É pecado apostar?”

Em Provérbios 13.11, vemos uma advertência contra a busca por riqueza fácil: “A riqueza que se ganha rápido diminuirá, mas a de quem ajunta pouco a pouco aumentará” (ESV). Somos repetidamente alertados sobre o amor ao dinheiro no Novo Testamento: “Conservem-se livres do amor ao dinheiro e contentem-se com o que vocês têm, porque Deus mesmo disse: ‘Nunca o deixarei, nunca o abandonarei’” (Hebreus 13.5).

Em Eclesiastes 5.10 é dito que dinheiro não satisfaz. E 1Timóteo 6.9-10 alerta que “ Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram com muitos sofrimentos”

Embora 1Timóteo chegue um pouco mais perto, ainda assim não é um comando direto para o cristão não apostar. No entanto, há muitas coisas que a Bíblia não proíbe especificamente, mas que cristãos de bom senso e comprometidos com as Escrituras reconhecem como coisas que são moralmente erradas. A Palavra de Deus não proíbe o uso de cocaína, mas não acredito que muitos cristãos tratariam o consumo de cocaína como algo moralmente neutro. As Escrituras não condenam explicitamente a rinha de cães [luta de cães], mas se alguém do seu pequeno grupo o convidasse para assistir seus cachorrinhos salsichas se enfrentarem no quintal, acredito que você não teria problemas em se opor a esse tipo de evento.

Embora todos os tipos de jogos de azar incluam risco, aposta e certa habilidade no jogo, nem todos os jogos de apostas devem ser medidos da mesma forma. Os casos extremos de disparate no jogo podem equivaler a pecado, mas será que é perverso apostar um sorvete com a minha filha quando jogamos Uno? Em especial quando não temos na Bíblia advertências claras a favor ou contra determinada coisa, a beleza da sabedoria que encontramos nas Escrituras é que elas nos fornecem princípios para vivermos com prudência.

A ética quanto ao jogo de apostas pode parecer nebulosa nas Escrituras, mas as considerações da Bíblia sobre explorar a situação dos pobres nada têm de nebuloso. Além da questão da moralidade individual, devemos ser honestos sobre a natureza predatória das apostas.

Os profetas de Israel rotineiramente castigam o povo de Deus por não cuidar dos pobres e por explorá-los. Muitos dos códigos de Israel sobre empréstimo de dinheiro são dados explicitamente para evitar que pessoas com muitos recursos lucrassem injustamente explorando pessoas com poucos recursos. E é para isso que a indústria das apostas foi criada: para explorar aqueles que estão ansiosos para ganhar dinheiro rápido, particularmente aqueles que sentem que não têm uma alternativa viável.

As grandes empresas do ramo têm sistemas em vigor que limitam os apostadores espertos (aquelas pessoas que fazem apostas excelentes), mas intencionalmente não limitam as pessoas que fazem apostas muito ruins. A expressão “a casa sempre ganha” não é meramente uma realidade estatística; é um sistema de “jogatina” que mantém o jogo lucrativo para quem paga as apostas.

Alguns leitores de hoje podem sugerir que a Bíblia não só é apática em relação à questão da aposta, como, na verdade, apoia o empreendimento. Provérbios 16.33 diz: “A sorte é lançada no colo, mas a decisão vem do Senhor”. Lemos que o sacerdote Zacarias foi escolhido por sorteio para queimar incenso (Lucas 1), e que também por sorteio foi escolhido o apóstolo que substituiu Judas — depois que os discípulos oraram para que o Senhor dirigisse essa seleção apostólica (Atos 1).

Essas passagens estão aprovando de forma implícita práticas como fazer apostas, assumir riscos ou qualquer outro tipo de jogo a dinheiro?

Presume-se erroneamente que lançar sortes no antigo Israel fosse um tipo de jogo aleatório voltado para algum ganho. Embora a prática continue envolta em certo mistério, sabemos que lançar sortes envolvia alguma forma de jogo com pedras. Alguns estudiosos sugerem que o Urim e o Tumim que o sumo sacerdote carregava eram usados ​​para lançar sortes, a fim de determinar a vontade de Deus. Vemos, no Antigo Testamento, que os sacerdotes eram selecionados e alguns deveres sacerdotais eram atribuídos por meio da prática de lançar sortes (1Crônicas 24.5, 31; 25.8; Neemias 10.34).

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O lançar sortes nunca foi acompanhado por apostas ou por lucro de qualquer tipo. Fica claro, então, que o sorteio entre o povo de Deus não era um jogo de azar para conquistar algum tipo de ganho financeiro, mas sim uma maneira prática de confiar no Senhor.

O lançar sortes não era uma prática imprudente, temerária, nem algo que visasse diversão ou riqueza; era uma forma simples e ligada à tradição de reconhecer que as decisões pertencem a Deus. No entanto, essas práticas descritivas nunca são prescritas como uma abordagem normativa para discernir a vontade de Deus, e não devem ser tratadas como tal. Muito menos devem ser tratadas como passagens em favor de apostas.

Apostar é pecado? Não acredito que os cristãos possam ver todos os exemplos de apostas como pecado. Apostar é um ato sensato? Raramente. Os cristãos devem fazer apostas? Como norma, acredito que eles devam evitar isso. Por quê? Bem, nem tudo que é lícito nos convém. Há coisas que não violam os ditames das Escrituras, mas não são sábias.

O jogo de apostas trata aquilo que Deus confiou aos nossos cuidados com atitude descuidada. Sua lógica é a exploração, e seu objetivo final é a aquisição rápida de riqueza, seja ganhando-a ou tomando-a. Os cristãos devem relutar em participar e apoiar jogos de azar de qualquer tipo, e acredito que os líderes cristãos devam começar o quanto antes a falar das apostas esportivas online com clareza e precisão.

Para colegas líderes de ministério, aqui estão cinco maneiras práticas de abordar esta questão:

1. Fale sobre dinheiro.

É simplesmente uma falha na estratégia de discipulado da igreja o fato de que a maioria dos cristãos não tem uma concepção positiva de riqueza. Se não fornecermos um relato coerente do que é riqueza, de como ela é obtida e de como ela pode ser administrada para o bem das famílias, comunidades e igrejas, não deveríamos nos surpreender se as pessoas a desperdiçarem.

A maioria dos cristãos em nossas igrejas recebeu aparentemente duas mensagens sobre dinheiro: a riqueza corrompe o homem e você deve dar com generosidade. Além da simples contradição entre essas duas mensagens, há uma falta de propósito e de visão em buscar, administrar e preservar a riqueza.

O cristão não deve adorar a riqueza, mas também não deve desperdiçá-la.

2. Ofereça oportunidades para a competição saudável e fraterna.

Muitos homens são atraídos por apostas esportivas por causa da natureza competitiva e comunitária dos esportes. Em uma era digital de solidão exacerbada, os homens estão migrando para apostas esportivas online para sentir o perfume de algo do qual sentem falta: a competição fraterna. 

Líderes cristãos de todos os tipos podem ajudá-los a se envolverem num discipulado holístico trazendo de volta meros convites para competições fraternas, que beneficiem os homens em suas igrejas e comunidades. Organize um torneio beneficente de algum esporte, monte um time de futebol ou crie uma liga esportiva na igreja. À medida que esses grupos forem integrados por homens envolvidos em uma comunidade movida pela competição saudável, você estará proporcionando a eles uma chance de colocar em prática algo melhor do que aquilo que as apostas esportivas online oferecem.

3. Fale profeticamente sobre vícios que são considerados respeitáveis ​​e “divertidos”.

Uma razão pela qual a igreja permanece em suspeito silêncio sobre jogos de azar é por eles não serem um dos nossos “vícios cruéis”. Não sentimos a mesma pressão para abordar as apostas que sentimos para abordar os vários tipos de gula ou a preguiça ou a amargura — por estes serem vícios de abdicação. Quando chega ao ponto de pecado, é algo próximo a um “pecado por omissão”. A gula consiste em abdicar do autocontrole, a preguiça consiste em abdicar de trabalhar e a amargura consiste em reter o perdão; já a aposta pode muitas vezes se tornar uma renúncia à mordomia.

Temos de considerar que a santificação inclui não só amadurecer para deixarmos de fazer aquilo que não deveríamos [fazer], mas também trabalhar para fazer aquilo que preferiríamos não fazer.

Como o Livro de Oração Comum confessa: “Deus misericordioso, confessamos que pecamos contra ti em pensamento, palavra e ação, pelo que fizemos e pelo que deixamos de fazer.”

O jogo de apostas, em suas piores formas, é deixar de exercer a mordomia. É “deixar de cuidar” daquilo que Deus confiou a nossas mãos.

4. Ajude as pessoas a verem que o sistema que permite a “indulgência inofensiva” em relação a uma pessoa é o mesmo que permite a exploração escravizante em relação a outra.

O cálculo dos apostadores e das empresas de jogos de azar é oferecer a ilusão de oportunidade, para que eles possam, eventualmente, tirar tudo dos participantes. Para alguns, perder 1.000 dólares no Super Bowl pode ser uma perda insignificante. Mas o mesmo sistema que permite a alguns essa brincadeira inofensiva tirará os últimos 100 dólares que um viciado em jogo deveria usar para suas compras de supermercado.

Existimos no contexto de comunidades. A busca por sabedoria e retidão frequentemente significará abrir mão de nossas liberdades de nos entregarmos a atividades que não são prejudiciais para nós, especificamente porque prejudicam e atrapalham os mais fracos entre nós.

5. Diga a seus líderes municipais, estaduais e nacionais que você não quer viver em lugares em que o vício é apoiado pelo Estado.

Mesmo que você não esteja convencido da imoralidade e do disparate dos jogos, é fato que o jogo gera força centrífuga para o vício. A prostituição, o tráfico e a venda de drogas ilícitas, bem como seu uso abusivo, e a violência são atividades que surgem a partir de centros de apostas. Onde quer que seja permitido que as apostas cresçam sem controle, a erva daninha da iniquidade crescerá de forma abundante.

Se realmente devemos “buscar a paz e a prosperidade da cidade” (Jeremias 29.7), então, devemos nos opor a que em solo fértil sejam cultivadas coisas que são obviamente perversas, malignas e desumanizantes. O jogo de apostas pode estar em uma zona cinzenta [e mais complexa] do ponto de vista ético, mas serve como um solo propício para vícios cuja pecaminosidade é flagrante e simples.

Para aqueles que possam acreditar que isso não passa de um moralismo do passado, e que estão convencidos de que esse mesmo tipo de raciocínio já foi invocado para reclamar de os “jovens dançarem” nas igrejas tradicionais da nossa juventude, eu digo: “Vocês podem estar certos”.

Mas eu, por exemplo, acho que poderíamos tirar mais proveito da moralização do evangelho nestes dias imorais em que vivemos. Continuo não convencido de que seja bom para nós fazermos de conta que questões da nossa vida cívica de caráter público, econômico e cultural estão melhores sem os princípios das Escrituras para guiá-las.

Se você estiver inclinado a discordar de mim, então, acho que tudo o que tenho a dizer é “que a sorte esteja sempre a seu favor”.

Kyle Worley é pastor na Mosaic Church em Richardson, Texas, e apresentador do podcast Knowing Faith [Conhecendo a Fé], com Jen Wilkin e J. T. English. Ele é o autor de Home with God: Our Union with Christ [Em casa com Deus: Nossa união com Cristo] e Formed For Fellowship [Formado para a comunhão].

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