Culture

O neoateísmo finalmente aprendeu como destruir o cristianismo

O “cristianismo” cultural de Richard Dawkins tem potencial para esvaziar nossa fé com muito mais eficiência do que ataques diretos.

Christianity Today April 11, 2024
Ilustração: Christianity Today / Fonte da imagem: Unsplash

Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore. Para recebê-la, inscreva-se aqui.

Um dos ateus mais notórios também teve o seu momento “venha para Jesus”. E descobriu, finalmente, uma maneira de minar a religião cristã que ele tanto detesta. Mas, ao contrário de seus esforços anteriores, esse pode realmente funcionar.

Richard Dawkins, autor de The God Delusion, está entre os mais reconhecidos proponentes do neoateísmo ou novo ateísmo, um movimento que rejeita a existência de Deus e que teve sua época de ouro há 15 ou 20 anos. De fato, ele foi um dos “quatro cavaleiros” do movimento, juntamente com Christopher Hitchens, Sam Harris e Daniel Dennett.

O que havia de “novo” em todo esse movimento dificilmente seriam os argumentos, que eram, no geral, um Bertrand Russell requentado. A novidade estava no ânimo beligerante de tudo isso. O público podia sentir um senso vicário do contraculturalismo sarcástico, quando ouvia Hitchens ridicularizar não apenas televangelistas ou padres abusivos, mas também dizer que Madre Teresa era uma fraude. Esse caráter teatral acabou se desgastando com o tempo, até que mesmo colegas ateus pareciam envergonhar-se dele.

Mas eis que Dawkins ressurge das cinzas, em um vídeo que viralizou, e desta vez defendendo o cristianismo… ou quase isso. Por um lado, ele observa a queda da frequência às igrejas e da identificação cristã em seu país, o Reino Unido, e diz que, em certo nível, ele fica feliz em ver isso. Contudo, por outro lado, Dawkins continua, ele se sente “ligeiramente horrorizado” ao ver a promoção do Ramadã no Reino Unido. Afinal de contas, ele é um cristão que vive em um país cristão.

Para que ninguém fique confuso, Dawkins deixou claro que ele é um “cristão cultural, […] e não um crente”. Ele adora os hinos, as canções de Natal e as catedrais — ou seja, tudo que diz respeito ao cristianismo, exceto, bem… exceto Cristo. “Gosto de viver em um país culturalmente cristão”, disse Dawkins, “embora eu não acredite em uma única palavra da fé cristã”.

Nesse caso, ser cristão cultural é um conceito com um significado distinto para Dawkins, e que equivale a “não ser muçulmano”. É uma forma de definir quem somos nós e quem são eles com base nos costumes nacionais, e não com base em qualquer preocupação quanto a quem Deus é (ou se ele existe).

Lembrei-me de imediato de um trecho da série de televisão Ramy, em que o personagem principal, interpretado por Ramy Youssef, conversa com um empresário judeu sobre as semelhanças entre as experiências dos judeus americanos e dos muçulmanos americanos. Uma das principais semelhanças, segundo Ramy, é a “ausência do Natal”.

Não consigo pensar em nenhum dos meus amigos e conhecidos judeus ou muçulmanos que definiriam o fato de ser judeu ou de ser muçulmano dessa forma (e tenho certeza de que nem o próprio Youssef diria que isso resume tudo). Mas suspeito que existam algumas pessoas para as quais esse sentimento é a parte principal de sua identidade nos Estados Unidos, e para as quais a questão não é se Deus realmente estava lá no monte Sinai ou em Meca, mas sim quem faz parte desse nós e quem são eles. O tipo de “cristianismo” proposto por Dawkins apenas substitui a “ausência do Natal” pela “plenitude do Natal”, pela “plenitude da Páscoa” ou, mais precisamente, pela “ausência do Ramadã”.

Há mais ou menos quinze anos, alguns amigos meus cristãos ficaram apavorados com o neoateísmo. Eles consideravam o discurso dos “quatro cavaleiros” como sinal de algum tipo de catástrofe, da qual esses ateus eram uma vanguarda. No entanto, o projeto não deu certo. Sim, algumas partes do mundo ocidental continuaram a se secularizar, mas, dentre todas as razões para a perda da fé, é provável que não estejam os argumentos da obra de Dawkins, The God Delusion.

Se eu fosse um aprendiz, um verdadeiro defensor do Diabo, e estivesse aconselhando os ateus sobre a melhor forma de realmente destruir a igreja, o tipo de cristianismo cultural explicitamente desiludido de Dawkins não seria a minha proposta. O ateísmo explícito não funcionará, pelo menos de início. As pessoas nutrem uma certa atração por pertencer e por adorar. No entanto, eu proporia o impulso básico do que Dawkins disse, embora vinculado a uma retórica que ainda soasse religiosa. Atacar o cristianismo raramente funciona; cooptá-lo é o que geralmente funciona.

O ímpeto de transformar a religião em uma maneira de provar a própria identidade cultural contra os “forasteiros” sempre encontrará um público ávido. Para aqueles que adoram a própria carne — definida em termos de raça, região, classe, identidade política, o que quer que seja — ter um mascote que possam chamar de “deus” sempre será útil. Projetar tudo aquilo que eles amam — a respeito de seu próprio povo, de sua nação e de si mesmos — em um mascote inquestionável e incontestável pode gerar coesão. Eles podem até chamar esse mascote de “Jesus”.

Esse tipo de “cristianismo” esvazia a religião cristã com muito mais eficiência do que as tentativas diretas de convencer as pessoas de que Deus é uma ilusão. Ele derrota o cristianismo ao substituir o Deus vivo por um deus que é, de fato, uma ilusão.

Funciona para reprimir a consciência que, na noite mais profunda, diz: “O Deus que você está adorando é uma projeção do seu grupo; o grupo que você está adorando é uma projeção de você mesmo”. E elimina a fé cristã que exige não a conformidade exterior, mas sim um novo nascimento, a renovação da mente e a união com o Cristo vivo. Em seguida, esse tipo de “cristianismo” passa a habitar a casca dessa religião, paganizando-a, até que possa jogar fora essa casca.

Essa mudança final não demora muito. E essas religiões definidas por sangue e solo nunca se contentam em valorizar seu próprio sangue e seu próprio solo. Com o tempo, elas passam a derramar o sangue de outras pessoas e a roubar o solo de outras pessoas.

O problema com o “cristianismo cultural” de Dawkins, portanto, não é o fato de ele confessá-lo em voz alta; é o fato de muitas pessoas terem a mesma opinião dele, mas não confessarem isso… ainda. O cristianismo não tem a ver com hinos nacionais, capelas em vilarejos e canções de Natal à luz de velas. E certamente não tem a ver com usar alavancas da cultura ou do Estado para coagir outras pessoas a fingirem que são cristãs, quando não são.

Se o evangelho não for real, o evangelho não funciona. O paganismo genuíno sempre vencerá o cristianismo fingido.

O apóstolo Paulo advertiu que, nos últimos dias, os falsos mestres lançariam mão de tudo o que as pessoas desejam — prazer, poder, pertencimento, ego — para introduzir um tipo de religião com “aparência de piedade, mas negando o seu poder” (2Timóteo 3.5). O diabo é suficientemente inteligente para usar o cristianismo oco e cultural a fim de nos tornar ateus a longo prazo, e também para perceber que a melhor maneira de derrubar uma cruz é substituindo-a por uma cultura, uma coroa ou uma catedral — ou até por uma árvore de Natal.

Mas lembre-se de uma coisa: Jesus está vivo e consciente de tudo. E ele também é um cavaleiro.

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública da revista.

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