A cultura das celebridades no meio cristão

Adoramos as conversões de pecadores famosos, mas essa obsessão pode não ser tão centrada no evangelho quanto parece.

Christianity Today January 12, 2024
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Getty / Unsplash

Nós adoramos celebridades cristãs. E não me refiro apenas a palestrantes e a pastores que ganham status de celebridade no mundo cristão. Refiro-me a celebridades famosas do mundo secular — como Justin Bieber, Kanye West, Daddy Yankee ou a mais recente delas, Hulk Hogan — que se convertem ou fazem uma profissão de fé pública.

Em certo sentido, é bom e correto regozijar-se com isso, pois é uma extensão da “alegria [que há] na presença dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende” (Lucas 15.10). Mas aplaudir de longe as profissões de fé das celebridades não é exatamente o mesmo que se alegrar ao testemunhar um arrependimento verdadeiro. E, se não formos cuidadosos, podemos acabar nos agarrando a algo sem consistência, à procura dos sinais mais sutis de que nossas celebridades favoritas são crentes — mesmo que elas estejam dando pouco ou nenhum fruto (Mateus 7.15-20).

Esse hábito de procurar cristãos em posições de destaque é popular e alcança todas as linhas culturais e políticas. Nossa família assistia reunida aos jogos de futebol americano, quando eu era criança, e sempre que um jogador apontava para o céu, depois de um touchdown, minha mãe dizia (às vezes brincando, às vezes não): “Aposto que ele é cristão!” Ela e minhas irmãs fazem a mesma coisa agora com os membros de bandas de K-pop, e eu já tive uma colega de quarto que era discretamente obcecada por Justin Bieber e orava com regularidade por sua salvação.

Crentes de ambos os lados do espectro político estão ansiosos para provar que seus políticos favoritos são realmente salvos — como aqueles que afirmam que o ex-presidente Donald Trump foi (repetidamente) conduzido [por pastores] na oração do pecador, ou aqueles que apontam a frequência do presidente Joe Biden às missas como um sinal de fé genuína.

No outono passado, assim que se espalhou a notícia do falecimento do ator Matthew Perry, cristãos começaram a fazer circular citações da autobiografia dele, que detalhavam um encontro poderoso que Perry teve com Deus. Apenas algumas semanas antes, cristãos estavam vasculhando as páginas do novo livro de memórias de Britney Spears, em busca de indícios de fé — que estão lá, juntamente com seu relato sobre ter aprendido a Cabala com Madonna e a revelação de que ela não tem “ideias rígidas sobre religião”.

O sincretismo religioso de Britney Spears é uma das razões pelas quais essa ânsia de encontrar migalhas de fé não é uma simples esperança cristã: é algo que nos incentiva a fazer vista grossa para sérios desvios da ortodoxia básica, em nosso entusiasmo por reivindicar a fé de alguma alma famosa.

Mais recentemente tem havido um debate, nos círculos evangélicos, sobre Ayaan Hirsi Ali, uma intelectual muçulmana que se tornou nova ateia, e cuja [posterior] conversão pública descreve suas razões para aderir ao cristianismo, mas não menciona Jesus. Enquanto alguns dizem que ela é apenas uma nova crente que ainda não sabe escolher as palavras certas, outros especulam que ela não aderiu propriamente à fé cristã, mas aceitou a visão de mundo judaico-cristã como uma ferramenta sociopolítica.

Além disso, nossa obsessão por conversões de celebridades evidencia um tipo de favoritismo que as Escrituras proíbem explicitamente (Gálatas 2.6; 1Timóteo 5.21). Tiago 2 nos adverte sobre isso: “Meus irmãos, como crentes em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, não façam diferença entre as pessoas, tratando-as com favoritismo”, pois “se vocês de fato obedecerem à lei real encontrada na Escritura que diz: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’, estarão agindo corretamente. Mas se tratarem os outros com favoritismo, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores” (v. 1,8,9).

O regozijo que há no céu parece ser imparcial, mas o maior regozijo aqui na Terra é frequentemente reservado aos pecadores famosos. Afinal de contas, será que nos alegramos com o mesmo entusiasmo, quando pessoas de outros setores se tornam crentes? Será que pulamos de alegria, quando descobrimos que nosso encanador é cristão? Será que ficamos igualmente ansiosos por sinais de que pessoas comuns, como nosso vizinho ou nosso colega de trabalho, estão se achegando à fé em Jesus?

É claro que a conversão do nosso vizinho provavelmente não fará com que o cristianismo pareça mais legal, enquanto as conversões de celebridades podem fazê-lo. É difícil imaginar que isso não seja um fator [que colabora] para esse fenômeno. Talvez, pensamos, a conversão pública de uma pessoa famosa ajude a causa do cristianismo.

É bem verdade que a Bíblia deixa claro que todos nós somos chamados a usar nossos talentos para glorificar a Deus (Mateus 25) — e isso pode incluir fama mundial, popularidade entre nossos pares ou uma consideração geral por nossas boas obras (1Pedro 2.12). Mas o ministério terreno de Jesus não dependia do status social elevado dos convertidos. Ele não buscou os abastados ou altamente conceituados, mas sim os marginalizados que tinham pouco ou nenhum poder e influência.

O Antigo e o Novo Testamentos são consistentes, do início ao fim, em demonstrar que Deus escolhe as coisas tolas para envergonhar as sábias, exalta os insignificantes para envergonhar os presunçosos e concede maior valor a pessoas que o mundo considera mais inúteis (1Coríntios 1.28).

De fato, no corpo de Cristo, diz Paulo, “os membros que pensamos serem menos honrosos, tratamos com especial honra”, pois “Deus estruturou o corpo dando maior honra aos membros que dela tinham falta”. Por quê? A fim de que “não haja divisão no corpo, mas, sim, que todos os membros tenham igual cuidado uns pelos outros. Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele” (1Coríntios 12.23-27).

Quando exaltamos indevidamente os que já são exaltados, podemos cometer uma falha ao cuidar dessa parte do corpo de Cristo, ainda que de uma maneira diferente. Corremos o risco de prestar um grande desserviço às próprias pessoas que admiramos, especialmente quando são novos crentes e, portanto, vulneráveis em sua fé. Embora a Bíblia exorte repetidamente contra o orgulho (Provérbios 8.13; 1Pedro 5.5; Tiago 4.6), elogiar cristãos famosos é um incentivo [ao orgulho].

A honra indevida também pode obrigar novas celebridades cristãs a serem líderes em um período da fé em que seria melhor se elas fossem meros seguidores. No último outono, Kat Von D, empresária e celebridade da televisão — e também ex-ocultista — postou um vídeo de seu batismo público no Instagram. Sua publicação foi compartilhada novamente por inúmeros fiéis entusiasmados, mas ela deixou claro, em um vídeo posterior, que provavelmente não falará muito sobre sua fé nas mídias sociais: “Se você começou a me seguir porque acha que esse espaço vai se tornar uma espécie de página de memes cristãos, saiba que isso não vai acontecer.”

“Não há uma razão maior por trás disso, eu só não me sinto preparada para ser uma garota-propaganda do cristianismo”, continuou Von D. “Acho que ainda estou aprendendo e, à medida que aprender, estarei mais preparada.” Isso é sábio, pois, como Tiago aconselhou: “Meus irmãos, não sejam muitos de vocês mestres, pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor” (Tiago 3.1). O discipulado sólido deve vir em primeiro lugar, especialmente para aqueles que têm grandes audiências.

O próprio Jesus Cristo, apesar de ficar famoso, não é um superstar — e seus seguidores também não são chamados para serem famosos. As histórias de conversão que divulgamos não devem ser tributos ao estrelato secular, mas sim testemunhos da graça de Deus. Não vamos orientar nossa estratégia de evangelismo para alcançar famosos à custa de desamparados, e vamos parar de procurar celebridades para validar nossa fé.

Stefani McDade é editora de teologia da Christianity Today.

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