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Caso Mike Bickle destaca desafios ligados à prevenção e à exposição de abusos sexuais

O escândalo revela problemas na abordagem das igrejas brasileiras à questão.

Mike Bickle, fundador do IHOPKC.

Mike Bickle, fundador do IHOPKC.

Christianity Today December 6, 2023
Image: Courtesy of IHOPKC

A mais de 8.000 quilômetros da Casa Internacional de Oração de Kansas City (IHOPKC), as acusações feitas contra Mike Bickle abalaram os evangélicos brasileiros e forçaram uma conversa sobre como as igrejas lidam com os abusos.

Dwayne Roberts — fundador da Casa de Oração de Florianópolis (FHOP), no sul do Brasil — está entre os líderes que emitiram uma declaração pública sobre Bickle, há pouco mais de um mês. No mesmo dia, a FHOP tornou-se a primeira igreja a se dissociar de Bickle, devido ao que Roberts e Vinicius Sousa, pastor sênior da FHOP, chamaram de “sérias alegações de abuso pastoral”.

No coração da ilha de Florianópolis, em uma cidade com mais de meio milhão de habitantes, a FHOP funciona como casa de oração, base missionária e igreja local. Foi criada há uma década, pelos americanos Dwayne e Jennifer Roberts, que também figuravam entre os primeiros integrantes da equipe da IHOPKC.

A FHOP tem uma presença significativa nas redes sociais: mais de 250 mil seguidores no Facebook e no Instagram e perto de 500 mil inscritos no YouTube. Através do grupo FHOP Music, a igreja ganhou destaque no cenário gospel brasileiro, tendo suas músicas classificadas entre as mais tocadas do gênero.

O impacto da FHOP e do próprio Mike Bickle se estende além de Florianópolis e alcança todo o mundo carismático no Brasil, o país mais evangélico da América do Sul. Agora, um grande número de líderes tem reagido com tristeza e perplexidade ao recente escândalo.

“Existem líderes carismáticos excêntricos e desequilibrados de quem se poderia esperar tais coisas”, disse Marcondes Soares, pastor da Igreja Episcopal Carismática do Brasil em Recife, Pernambuco. “Mas Bickle era considerado um líder sensato e altamente respeitado.”

Bickle vislumbrava um movimento global de oração que cresceria a partir da IHOPKC, e dedicou especial atenção para o Brasil nos últimos anos. Durante uma turnê por seis cidades do país, em 2018, ele proclamou que a igreja no Brasil estava à beira do avivamento mais significativo de sua história: “Creio que a mão de Deus repousa de maneira singular sobre o corpo de Cristo no Brasil, preparando-o para um impacto global.”

Nove dos livros de Bickle foram traduzidos para o português. Crescendo em Oração: Um verdadeiro guia para conversar com Deus é um dos títulos mais aclamados entre os carismáticos brasileiros.

Em seu canal JesusCopy no YouTube, que conta com dois milhões de inscritos, o pregador Douglas Gonçalves fez várias entrevistas com Mike Bickle, a última delas em março de 2023. No ano passado, Bickle fez o discurso principal na conferência JesusCopy para jovens, cujo tema foi “Lidere como Jesus”.

Israel Subirá, compositor, pregador, produtor de conteúdo e filho do proeminente pastor brasileiro Luciano Subirá, passou um ano como estudante na IHOPKC. Ele descreveu esse período como o tempo em que orou mais intensamente em sua vida: “Passei a maior parte do tempo no Kansas na sala de oração. E foi incrível!”

A FHOP trouxe para o Brasil o foco do movimento na intercessão contínua. Arthur Martins, pastor da Igreja Presbiteriana República, em Curitiba, Paraná, disse que “sua influência é notável”, sendo que a abordagem da FHOP provocou um avivamento entre as reuniões de oração das igrejas locais, impactando particularmente a geração mais jovem.

“Mergulhar neste ambiente naturalmente nos leva a buscar as intenções do Senhor para o mundo e o papel que a igreja desempenha no cumprimento de sua vontade”, disse Letícia Santos, missionária de tempo integral na FHOP há quatro anos. Ela descreve a experiência como um momento de inflexão em sua vida.

Mas a FHOP também atraiu algumas críticas. Ronaldo Crispim, pastor da Igreja Presbiteriana Bereia, em Goiânia, Goiás, expressa preocupação com o que considera uma visão reducionista na teologia do culto da FHOP e uma ênfase exagerada em apenas dois elementos: oração e louvor. Além disso, ele questiona a espiritualidade introspectiva e verticalizada que é intrínseca ao conceito de “casa de oração”, interpretando-a como desconetada da cultura e isolada da vida cotidiana.

Agora, tanto seguidores como críticos estão tentando lidar com as notícias das acusações contra Bickle e os contínuos apelos para que seja feita uma investigação independente.

“No ambiente eclesiástico dos EUA, isso é muito comum. A cada dois meses aparece alguém de uma megaigreja com problemas nessa área. Infelizmente isso não me assusta, mas me entristece”, diz Naamã Mendes, pastor da Igreja Presbiteriana Independente, em Maringá, Paraná, e que também já foi pastor em Miami.

Não é usual que as alegações de abuso sejam publicamente expostas no contexto evangélico brasileiro. Em geral, esses assuntos são tratados no âmbito eclesiástico, raramente chegando às autoridades legais.

No Brasil, o silêncio em torno do abuso sexual é emblemático, pois as igrejas muitas vezes ignoram as questões ligadas à resposta e à prevenção ao abuso.

“Eu desconheço qualquer tipo de esforço colaborativo por parte de pastores e líderes brasileiros com vistas à prevenção do abuso sexual no âmbito das igrejas”, disse Zé Bruno Santos, membro da Igreja Pentecostal Batista El Shaday, em Arapiraca, Alagoas.

Zé Bruno, host das lives “Entre Amigos” no YouTube, vê uma oportunidade para a igreja de Bickle modelar uma resposta para seguidores em todo o mundo. Nas redes sociais, ele disse:

Tenho acompanhado este caso com atenção e estou surpreso pela forma como a instituição IHOPKC, ou melhor, seus líderes, o têm conduzido.

A meu ver, trata-se de um divisor de águas no mundo carismático, não entre os que são a favor ou contra Bickle, mas em relação à forma como os carismáticos lidarão com casos de abuso e injustiça no seio da comunidade de fé.

A declaração emitida pela FHOP sobre o caso Bickle, em 27 de outubro, enfatizou que a igreja condena veementemente e inequivocamente qualquer forma de falha moral, em qualquer circunstância, e disse que a equipe de liderança da FHOP se compromete a partilhar publicamente novas informações, à medida que os fatos forem elucidados.

Vinícius Sousa, pastor sênior da FHOP, porém, se absteve de fazer comentários sobre o assunto, por respeito aos seus amigos do Kansas, que, segundo ele, “estão passando por um momento difícil”.

Três semanas após as acusações terem vindo a público, os líderes da IHOPKC divulgaram um relatório inicial que afirmava que as questões levantadas em torno de Bickle “careciam de qualquer aparência de confiabilidade ou [que justique o] devido processo legal”. Os líderes da IHOPKC declararam que as “supostas vítimas” que eles identificaram não tinham credibilidade ou se retrataram e, portanto, era prematuro “trazer um terceiro para investigar”.

Os antigos líderes da IHOPKC que apresentaram as acusações contestaram a resposta, levantando preocupações de conflito de interesses entre os consultores jurídicos, e continuaram a apelar para uma investigação independente.

Na semana passada, o ministério e os acusadores continuavam em conflito. Ex-membros da equipe protestaram na oração 24/7 do ministério. Líderes se apresentaram para defender Bickle, e uma suposta vítima compartilhou sua história de abuso sexual no Relatório Roys.

“Em casos como este, o controle social é importante para pressionar as instituições quanto à transparência e à lisura do processo de identificação das vítimas e da melhor forma de ajudá-las”, disse Zé Bruno. “Pode até parecer piedoso por parte dos líderes pedir que nenhum comentário seja feito nas redes sociais, mas isso é ingênuo”.

Ziel Machado, pastor da Igreja Metodista Livre de São Paulo, avalia que esta problemática decorre de vários fatores. Dentre eles está o orgulho dos líderes em seu desejo de trabalhar de forma independente. “Além disso, quando há supervisão, esta tende a focar apenas na eficiência da tarefa sem considerar a vocação do pastor”.

Naamã Mendes preocupa-se com a idolatria e a proteção aos líderes carismáticos, algo que pode ocorrer como parte de uma estratégia para proteger o crescimento da igreja.

Ele conclui: “O bem-estar espiritual e emocional do pastor e da congregação muitas vezes fica em segundo plano, com os membros das igrejas sendo vistos como meras estatísticas, em vez de seres humanos merecedores de compaixão e de cuidado enraizados na graça e no amor de Deus.”

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