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O surpreendente poder de subsistência do dispensacionalismo

Como doutrina teológica, ele está em declínio. Como força cultural e política, está mais influente do que nunca.

Christianity Today August 24, 2023
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: WikiMedia Commons / Getty

Meu pai viajou do Texas a Minnesota para minha formatura no seminário. Durante uma reunião antes da festa de formatura, ele estava conversando com meu orientador sobre o trabalho deste último na área de hermenêutica bíblica. E lhe perguntou, confuso: “Mas não é só você ler e entender a Bíblia? Ela [a Bíblia] não significa apenas aquilo que diz?”

The Rise and Fall of Dispensationalism: How the Evangelical Battle over the End Times Shaped a Nation

Sete anos depois, Nikki Haley, a candidata à presidência do partido republicano, deu início à sua campanha com um discurso prefaciado pelo televangelista, escritor e ativista John Hagee. Abrindo com uma oração, ele elogiou Haley, que pretendia ser a comandante-em-chefe dos Estados Unidos, como uma “defensora de Israel”.

Na mesma época, eu estava trabalhando em um artigo sobre o ceticismo dos evangélicos americanos em relação às mudanças climáticas causadas pelo ser humano. E tive de abordar uma pergunta inevitável: os evangélicos acham que não tem problema algum cometer abusos no planeta, pois todos estamos apenas esperando pelo arrebatamento? Como disse o apresentador da Fox News , Sean Hannity , em 2022: “Se [o mundo] realmente [vai] acabar em 12 anos, que se dane tudo isso! Vamos dar uma grande festa nos últimos 10 anos, e então, todos nós iremos para casa e veremos Jesus”.

A ligação entre esses três episódios é o tema da sagaz e nova história contada por Daniel G. Hummel em The Rise and Fall of Dispensationalism: How the Evangelical Battle over the End Times Shaped a Nation [Ascensão e queda do dispensacionalismo: como a disputa evangélica sobre o fim dos tempos moldou a nação]. O dispensacionalismo é comumente caracterizado como uma escatologia; porém, como Hummel demonstra em sua pesquisa — que cobre dois séculos do desenvolvimento dessa doutrina na igreja e nos meios acadêmico, político e cultural —, “o fim dos tempos é apenas uma dimensão da teologia do dispensacionalismo e de seu legado mais amplo”.

O modelo de interpretação bíblica baseado no “sentido puro e simples”[do texto], invocado por meu pai na conversa com meu orientador; a suposição de Hagee de que apoiar o estado de Israel é uma qualificação fundamental para um candidato à presidência dos Estados Unidos e a percepção generalizada de que os evangélicos não se importam com um planeta que apenas estamos esperando ser consumido pelo fogo — se qualquer dessas coisas lhe soa familiar, diz Hummel, “então, é porque você já viu padrões de pensamento que foram profundamente moldados pelo dispensacionalismo”.

A alegação de Rise and Fall é ambiciosa: Hummel propõe que o dispensacionalismo moldou não apenas o fundamentalismo ou o evangelicalismo americano, mas sim os Estados Unidos como um todo. Até hoje, segundo ele, o dispensacionalismo continua sendo “uma das tradições religiosas mais resilientes e populares da América, a qual ensinou os cristãos a aguardarem com grande expectativa o reino de Deus vindouro, que eliminará os reinos em guerra dos homens, mas que ainda não chegou”.

O dispensacionalismo, contudo, também circulou bem fora dos muros da igreja — tanto assim que “americanos das mais variadas origens” têm “uma visão essencialmente pré-milenista do futuro”, uma expectativa secularizada de “declínio da coesão social e crescentes ameaças à existência que [irão] terminar em uma catástrofe que definirá uma era”. Como corrente teológica formal, o dispensacionalismo sofreu um declínio acentuado nos últimos 50 anos. No entanto, como força cultural e política, sua influência está mais forte do que nunca. Nesse sentido, hoje somos todos dispensacionalistas.

Cinco partes

Embora Rise and Fall seja uma obra detalhada, não é difícil. Hummel escreve em prosa clara e acessível para leitores leigos, e seu interesse pelo dispensacionalismo não é algo meramente acadêmico. Criado em uma família cuja estante tinha as prateleiras de teologia abarrotadas de autores dispensacionalistas, ele agora trabalha para uma organização acadêmica cristã, na Universidade de Wisconsin-Madison, e publicou artigos aqui na CT.

Portanto, embora tenha uma perspectiva autoral, não se trata de uma obra polêmica. Tampouco assume o tom de um antropólogo culto que enfrenta sertões fundamentalistas. Hummel nunca é desdenhoso para com seus temas de estudo, embora não faça nenhuma tentativa de salvar ideias de vínculos com o dispensacionalismo que seus adeptos possam achar embaraçosas. Rise and Fall é um livro proficiente, e sua “grande contribuição” — como escreve em um prefácio brilhante o autor de Scandal of the Evangelical Mind, Mark A. Noll, — “é pegar uma história que ‘todo mundo conhece’ e mostrar que aquilo que ‘todos conhecem’ mal chega a arranhar a superfície.

A história começa delineando o escopo do dispensacionalismo como teologia. No esboço de Hummel, o dispensacionalismo abrange cinco grandes partes, com sua distinta linha escatológica temporal composta somente pelos eventos mais chamativos — o arrebatamento, a tribulação, o anticristo, a preservação divina de um remanescente de Israel, a Segunda Vinda, o Armagedom, a prisão de Satanás, o reinado de 1.000 anos de Cristo em Jerusalém, um segunda derrota de Satanás, o Juízo Final e uma eternidade abençoada com Deus.

Quais são as outras partes? O dispensacionalismo extrai seu nome da parte que mostrou ser a menos influente na cultura americana mais ampla: de sua teoria do tempo, que divide a história humana em “uma série de dispensações que inevitavelmente terminam com o fracasso dos seres humanos em cumprir suas obrigações para com Deus”. (Na maioria dos relatos, há sete dispensações no total, e estamos no final da sexta). Intimamente ligada a isso encontra-se a teoria da humanidade idealizada por esse sistema, que é estritamente dividida nos dois povos de Deus — a igreja e Israel, com seus respectivos propósitos celestes e terrenos para sempre distintos — e “as nações”, que são todos os outros povos.

O dispensacionalismo possui, também, “uma hermenêutica bíblica única”. No entanto, esta evoluiu ao longo do tempo, desde o investimento inicial “em leituras simbólicas, alegóricas e tipológicas da Escritura” até uma insistência em leituras “puras”, “de bom senso” ou “literais”, nos séculos 20 e 21, que tendem a “equiparar leituras não literais de passagens proféticas com rejeição da inerrância”.

E o dispensacionalismo tem uma teoria distinta da salvação, a única parte que pode rivalizar com sua escatologia em termos de como domina as concepções populares do evangelicalismo. Seu modelo de “graça gratuita” traz à mente a “oração do pecador” como episódio único ou a cena de “aceitar Jesus em seu coração” aos pés de um avivalista. Como explica Hummel, o dispensacionalismo “reduziu o nível da salvação a pouco mais do que um assentimento mental único à proposição de que Jesus é o Salvador” e superou “a compreensão americana mais ampla sobre ‘nascer de novo’”.

Feita essa descrição, Hummel volta-se para sua história propriamente dita. Ele traça o desenvolvimento do dispensacionalismo, desde pregadores dos Irmãos de Plymouth, como John Nelson Darby, na Irlanda rural, passando por igrejas institucionais como o complexo Moody de Chicago, na Era da Reconstrução e na Era Dourada, até as controvérsias fundamentalistas-liberais do início do século 20 e a ascensão, em meados do século 20, do que hoje chamamos de evangelicalismo. (A CT tem algumas participações especiais no material e seu fundador, Billy Graham, tem uma aparição prolongada.)

A segunda metade desta linha do tempo, por volta de 1920 em diante, provavelmente será de grande interesse para a maioria dos leitores, ou pelo menos para aqueles que abordarem o livro como observadores do evangelicalismo nos dias de hoje. Repleto de muitos personagens que ainda moldam ativamente a nação, é um relato devastador da comercialização do dispensacionalismo. O dispensacionalismo popularizado, que a maioria dos americanos hoje conhece, foi moldado, segundo Hummel, “não por teólogos, mas por pessoas desinteressadas ou sem preparo do ponto de vista teológico”, o que teve efeitos deletérios para o movimento evangelical e para a sociedade americana como um todo.

A consistência política do dispensacionalismo ao longo de décadas é particularmente impressionante. O próprio termo conservador, como rótulo político e teológico preferido, que há muito tempo é parte do mobiliário, tem raízes dispensacionalistas. O conceito de “sistema mundial” — termo de uma geração mais antiga de dispensacionalistas para designar “instituições, organizações e poderes estruturais interligados e dirigidos por elites que comandavam o mundo” — passou cem anos sem sofrer alterações. A insistência do evangelista Billy Sunday, em 1918, de que “nenhum homem pode ser fiel a seu Deus sem ser fiel a seu país” se encaixaria perfeitamente em muitos discursos republicanos de 2024. A pregadora pentecostal Aimee Semple McPherson se antecipou aos filmes da franquia God s Not Dead, com seu sermão de 1923 intitulado “Julgamento do professor universitário liberal moderno contra o Senhor Jesus Cristo”.

Até mesmo a última moda em conspiração de direita — alegações do tipo Vocês não possuirão nada. E vão ser felizes. Vocês vão comer inset os. E vão morar em cubículos. — já foi antecipada pelo autor de Left Behind, Tim LaHaye, em 1983, que afirmou que o objetivo dos “Illuminati, do Clube de Bilderberg, do Conselho de Relações Exteriores e, mais recentemente, da Comissão Trilateral” era “reduzir o padrão de vida em nosso país para que, algum dia, os cidadãos da América se juntassem voluntariamente à União Soviética”. O dispensacionalismo pop atribuiu “significado cósmico à mobilização dos eleitores cristãos” em gerações anteriores, observa Hummel, e faz o mesmo hoje.

Três perguntas

Os capítulos finais de Hummel trazem seu relato de uma memória muito recente, e me deixaram com três grandes questões: uma que ele levantou e duas que eu gostaria que ele tivesse pelo menos brevemente abordado.

A primeira dessa última categoria é uma questão de história. Hummel deixa claro que a questão do precedente teológico tem sido um ponto de discórdia em torno do dispensacionalismo em geral e da doutrina do arrebatamento em especial. Desde o início, Darby “insistiu que [suas inovações] eram resgates, e não novidades” e, no final do século 20, tanto dispensacionalistas quanto seus críticos “acusaram o outro [lado] de falta de precedentes pré-modernos […] com ambos os lados reivindicando apoiar-se nos pais da igreja.”

Como observa Hummel, o já falecido reconstrucionista cristão Gary North promoveu pesquisas “tentando desacreditar as origens do arrebatamento, rastreando-as até uma adolescente mentalmente instável, Margaret MacDonald, que teve visões em 1830, e de quem John Nelson Darby supostamente roubou a ideia de um arrebatamento iminente”. Hummel rotula essa história de origem como uma “teoria da conspiração [que] especialistas não parciais consideraram […] improvável”, mas ele não esclarece como Darby teve a ideia do arrebatamento ou até que ponto têm mérito as reivindicações de seu longo pedigree teológico.

Em segundo lugar, Hummel documenta o modo como convulsões políticas do passado desempenharam um papel na mudança da perspectiva americana dominante sobre o fim dos tempos. Por exemplo, segundo ele, os “dias de consenso pós-milenar [entre os cristãos americanos] terminaram na década de 1860”, quando “muitos evangélicos que enfrentaram a [Guerra Civil] e suas consequências” decidiram que “corrigir os males sociais modernos [era] um esforço muito difícil e, em todo caso, uma tarefa secundária em relação à evangelização”. Em contrapartida, no começo da direita religiosa, alguns, acreditando que a vitória política estava ao alcance, “rejeitaram um arrebatamento iminente e um reino futuro como antitéticos à organização política urgente”.

Mas Hummel não explora se alguma mudança comparável pode estar surgindo, à medida que o nacionalismo cristão e outras mentalidades iliberais ganham força. Se você tem nova esperança de estabelecer uma governança explicitamente cristã, se você acredita (como disse o ex presidente Donald Trump em março) que a próxima eleição presidencial é “a batalha final” para a América, e se você espera sinceramente “recuperar” seu país, pergunto: há espaço para o arrebatamento em seu plano para os próximos 10 anos? O sociólogo Samuel Perry especulou no Twitter que “poderíamos ver um aumento no pós-milenismo nos círculos da direita cristã, pois o pós-milenismo fornece uma justificativa melhor para os objetivos nacionalistas cristãos do que a visão pré-milenista dominante”. A perspectiva de Hummel seria uma valiosa contribuição para essa discussão. [Nota do autor: consegui falar com Perry e Hummel para uma coluna na CT sobre este assunto, depois de escrever este artigo, mas antes de sua publicação.]

Por fim, Rise and Fall termina com uma observação desafiadora:

Na esteira do colapso do dispensacionalismo [escolástico], a visão escatológica da igreja americana tornou-se turva. “Bom!”, diriam os leitores céticos — é melhor uma visão vaga do que uma visão falsa. E, no entanto, a história do dispensacionalismo não permite um julgamento tão fácil.

A lacuna teológica deixada pelo dispensacionalismo — uma das poucas tentativas sustentadas de criar um sistema teológico fundamentalista no século 20 — não permaneceu vazia. Os evangélicos, e os americanos em geral, apenas multiplicaram a especulação apocalíptica, desde o colapso da teologia dispensacionalista, na década de 1990. Seus remanescentes no dispensacionalismo pop foram lançados em um mar de apocalipticismos americanos enfurecidos, que inclui pessimistas do Antropoceno, extremistas da Teoria da Substituição, provocadores da teoria QAnon, tecnopessimistas e neomalthusianos.

Apesar de todos os problemas que o apocalipticismo teológico introduziu no século 20, é provável que o apocalipticismo irreligioso do século 21 se mostre ainda mais disruptivo.

Como um desses leitores céticos, esta é minha última questão, sobre a qual terei de ponderar: os cristãos americanos estão melhor depois da queda do dispensacionalismo, do que estavam antes dela?

Ou seja, passamos para uma visão fiel e produtivamente vaga do fim dos tempos ou, em vez disso, mergulhamos em uma multiplicidade de visões falsas? E será que esperamos sinceramente a volta de Cristo, não importa como a linha do tempo possa transcorrer? Por mais que tivessem suas falhas, os dispensacionalistas nunca deixaram de dizer com fervor: “Vem, Senhor Jesus”.

Bonnie Kristian é diretora editorial de ideias e livros para a Christianity Today. Ela é a autora de Untrustworthy: The Knowledge Crisis Breaking Our Brains, Polluting Our Politics, and Corrupting Christian Community.

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