Para lidar com as críticas, os pastores não precisam de uma “casca” mais grossa

Já parou para pensar nisto: E se a solução para as críticas dolorosas for incentivar mais feedback, e não menos?

Christianity Today April 14, 2022
Ilustração por Anson Chan

Desde os primeiros dias no ministério, me disseram que, quando se trata de crítica, eu só tinha de desenvolver uma “casca” mais grossa. A implicação é que, se pastores conseguissem desenvolver essa casca, poderiam resistir melhor à dor aguda dos feedback negativos, da mesma maneira que uma pele mais grossa consegue resistir à perfuração de espinhos afiados. A dor não consegue ser tão profunda se a grossura da pele a mantiver à distância.

Hoje, com 16 anos de ministério, cheguei à conclusão de que essa casca mais grossa é algo que não existe. O problema com a metáfora da casca mais grossa é que ela oferece apenas duas opções: (1) Ou endurecermos para evitar a dor da crítica, (2) Ou permanecermos abertos à crítica e sermos destruídos por ela. A primeira opção é uma espécie de casca mais grossa que nos torna pouco receptivos a todas as formas de feedback, incluindo as críticas saudáveis e construtivas. A segunda opção significa nos submetermos a um ataque incessante de críticas, o que inevitavelmente leva ao esgotamento ou ao desespero. Eu tentei manter essa “casca mais grossa” por anos. Nunca funcionou, e duvido que algum dia funcionará. Certamente deve haver uma maneira melhor.

Sob ataque

Minha jornada para lidar com críticas dolorosas começou há cerca de uma década, quando fiz parte da transição, em uma comunidade de fé, de um estilo mais tradicional de adoração musical para um formato mais moderno. Essa mudança dramática — que incluiu mudanças esperadas como som mais alto, modernização na iluminação e na produção e, sim, máquinas de fumaça — foi bem recebida por alguns e considerada frustrante para outros. Foi o tipo de mudança que gerou, para os pastores, níveis de privação de sono semelhantes aos de pais de recém-nascidos. E gerou também alguns comentários nada surpreendentes: O som está alto demais. As músicas são desconhecidas. A equipe de louvor está muito “modernosa ”.

Mas o que foi realmente doloroso foram os momentos em que as críticas se transformaram em ataques ao caráter das pessoas ou à sua fidelidade a Deus. Para alguns dos que estavam descontentes não bastava discordar — seus comentários tinham de ser subscritos com justificativas pseudoteológicas.

Fomos confrontados com uma questão desafiadora: como liderar uma igreja ao longo de uma mudança dramática, de maneira a honrar as vozes daqueles mais afetados por ela e honrar a visão que Deus nos deu? É uma questão crucial que se relaciona com muitas situações que os pastores enfrentam: Como ouvirmos as críticas e ainda mantermos a convicção? Como discernimos comentários legítimos de reatividade? O que é necessário para criar na igreja uma cultura saudável em torno de críticas e feedbacks?

Nessa transição do estilo de adoração comecei uma jornada que me levou a descobrir que a resposta para todas essas perguntas, na verdade, envolve receber mais feedbacks e ouvir mais críticas, e não menos. Pela primeira vez, comecei a entender que lidar bem com as críticas tinha menos a ver com desenvolver uma casca mais grossa, e muito mais a ver com a estrutura e os ritmos de nossa igreja que favorecessem um feedback saudável.

Feedback vindo do rebanho

Todos nós temos em nossas igrejas aquelas vozes críticas que tememos encontrar, pois parecem ter sempre um “feedback” para nós. O pastor e treinador de líderes, Steve Cuss, se refere a esse tipo de pessoa como os “questionadores de sempre”. Não podemos dizer que não queremos ouvir seu feedback, porque pareceríamos inacessíveis ou arrogantes, mas sempre nos sentimos pior depois de conversar com eles.

Enquanto isso, outras pessoas em nossas comunidades geralmente evitam conflitos e se sentem desconfortáveis em falar sobre suas preocupações. Esses indivíduos precisam se sentir muito incomodados, antes de ficarem dispostos a falar — e então, quando começam a dar feedbacks, nos deparamos com o final explosivo de um ano inteiro de frustração reprimida! A essa altura, sem que estivéssemos cientes disso, o relacionamento provavelmente já se desgastou tanto que é quase impossível de se recuperar.

A boa notícia é que desenvolver hábitos e ritmos bons de feedback em nossas igrejas pode ajudar com esses dois desafios. No primeiro caso, pode fornecer um canal para as vozes críticas em nossas congregações. Isso protege os pastores de serem pegos de surpresa pelas críticas, e nos fornece um contexto específico em que possamos estar mental e emocionalmente preparados para recebê-las. E, no segundo caso, esses canais se tornam um convite e um sistema compensatório natural para se compartilhar feedbacks, antes que cheguem a um nível explosivo.

Quando criamos vários canais de feedback e fazemos dessa espécie de via de mão dupla uma coisa normal, não estamos apenas criando um sistema — estamos comunicando uma postura de humildade. Isso incentiva os congregantes a darem feedback antes que o relacionamento sofra, e permite que os líderes da igreja se beneficiem da sabedoria de sua comunidade. Embora certamente existam algumas exceções, a maioria dos feedbacks começa como um desejo de fortalecer algo de que esses indivíduos já gostam de fazer parte, e não como um desejo de destruir algo que eles não querem mais que exista. Ritmos de feedback consistentes e saudáveis nas igrejas permitem que os pastores respondam pessoalmente melhor às críticas e que as congregações se beneficiem organizacionalmente.

Sessões de escuta

Ao longo de todos os desafios de 2020, nós, como muitas igrejas, nos encontramos enfrentando conflitos dolorosos. Várias pessoas próximas a mim decidiram deixar nossa igreja ou se sentiram intensamente frustradas. Muitas vieram falar de suas preocupações diretamente comigo — o que foi preferível, embora também mais doloroso. Era fácil sentir-se incompreendido ou sentir que os outros não reconheciam o desafio daquele momento para os líderes da igreja. No entanto, refletindo sobre essas conversas, vimos que o denominador comum era a sensação das pessoas de não se sentirem ouvidas em nossa igreja; portanto, elas não se sentiam em casa em nossa igreja.

Uma das características da boa escuta é a capacidade de manter o foco na pessoa que está vocalizando sua perspectiva. O desafio de receber críticas é o impulso instintivo de voltar o foco para nós, geralmente tentando nos defender. Na igreja (e nos relacionamentos em geral), as conversas que envolvem feedback acabam mal não apenas porque as pessoas saem sentindo que discordamos delas, mas porque saem sentindo que não foram ouvidas. Fazer com que as pessoas se sintam ouvidas está diretamente relacionado à nossa capacidade de receber — isto é, de ouvir verdadeiramente — um feedback. À luz disso, a advertência de Tiago exige um alto nível de inteligência relacional: “Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se” (Tiago 1.19).

Como fruto do estudo de recursos e técnicas para ouvir bem, nossa igreja desenvolveu sessões de escuta, nas quais os líderes da igreja se sentavam com membros de nossa comunidade, e nosso único papel era fazer perguntas sobre tópicos controversos e, depois, ouvir e tomar notas. Não estávamos lá para desafiar, questionar, criticar nem mesmo responder. Simplesmente ouvíamos e fazíamos perguntas para esclarecer o assunto, na tentativa de comunicar nosso desejo de ouvir. Achamos essas sessões extremamente úteis para criar espaço para as pessoas comunicarem suas perspectivas sobre uma série de assuntos, e para que nós, como equipe de líderes da igreja, crescêssemos na habilidade da escuta não defensiva.

Reuniões que pulam níveis na hierarquia

Ouvi falar pela primeira vez de reuniões que pulam níveis na hierarquia no The Andy Stanley Leadership Podcast. Essencialmente, são conversas sobre feedback em que os líderes que ocupam determinado nível hieráquico em uma organização pulam um ou mais níveis de liderança para baixo deles, com o intuito de coletar informações. Em nossa igreja, os presbíteros estão acima de mim hierarquicamente; assim, eles me “pulam” e buscam informações de membros da equipe que se reportam diretamente a mim. Essas conversas são usadas para coletar feedback sobre a cultura e a experiência da equipe, inclusive sobre questões relacionadas a como posso servir e liderar melhor minha equipe, quais as áreas que carecem de mais clareza, desafios únicos que eles estejam enfrentando e qualquer outra coisa que os presbíteros possam achar útil para servir nossa equipe e a igreja .

Essas reuniões que pulam níveis na hierarquia permitem que os presbíteros alcancem duas coisas: primeiro, eles são capazes de obter feedback mais franco e honesto de cada membro da equipe (porque a pessoa não está sendo solicitada a dar feedback diretamente a seu chefe). Em segundo lugar, os presbíteros podem ouvir o feedback à medida que é dado, e não através do meu filtro interpretativo. Depois de várias reuniões que pulam níveis na hierarquia, os presbíteros pegam as informações coletadas, extraem as áreas em que preciso crescer e as relatam para mim (preservando o anonimato). Esse processo libera os membros da equipe da preocupação de como seu feedback afetará nosso relacionamento ou colocará em risco seus empregos. Também me liberta para ouvir o feedback através do filtro de como posso melhorar, e não de “O que essa pessoa pensa sobre mim?”

Mas a maior recompensa de todas é a cultural. Essa ferramenta de feedback ajuda os membros da equipe a sentirem que suas perspectivas são valorizadas e bem-vindas, que têm voz e têm um meio para comunicar suas necessidades ou preocupações.

Essas reuniões que pulam níveis na hierarquia foram extremamente benéficas, à medida que voltamos aos cultos presenciais semanais, em 2021. Nossa igreja estava perdendo muitos voluntários no início desse processo; então, iniciei algumas reuniões que pulavam níveis na hierarquia, e me reuni diretamente com os voluntários, para entender o porquê disso. No feedback que coletei tanto dos voluntários que desistiram quanto dos que ainda estavam servindo, as frustrações que eles compartilharam variaram, e iam desde desorganização de suprimentos, falta de planejamento antecipado e uso excessivo das mesmas pessoas repetidamente (devido à falta de voluntários), a treinamento insuficiente, comunicação inconsistente e uma experiência caótica e apressada como igreja móvel.

A partir dessas conversas, conseguimos depurar as prioridades mais importantes e montar um plano de ação para melhorar a experiência dos nossos voluntários. Mais importante, porém, é o que foi comunicado a eles durante o processo: estamos ouvindo, nos preocupamos com sua experiência e estamos trabalhando para melhorá-la.

Avaliações trimestrais

Uma terceira ferramenta que usei para coletar feedback foram as avaliações trimestrais. Como não queríamos criar uma cultura em que o valor de uma pessoa estivesse diretamente atrelado ao seu desempenho, nossa equipe a princípio resistiu a essas ferramentas. No entanto, à medida que percebi a necessidade de receber um feedback melhor, reconsiderei as avaliações e, desde então, as tornamos parte do ritmo de nossa equipe, mas com algumas modificações cruciais.

Primeiro, e mais importante, em uma cultura de feedback com ritmos saudáveis, sei que é crucial que eu mesmo seja submetido a uma avaliação (e não só os outros membros da equipe). Em segundo lugar, incorporamos uma autoavaliação como parte do processo. Acho isso muito útil no meu ministério pastoral. Na autoavaliação, respondo as mesmas perguntas sobre mim que nossos presbíteros (meus chefes) responderão sobre mim. Isso infunde um pouco de humildade em todo o processo — pois, se eu for honesto comigo mesmo, sei que não é realista esperar obter notas ideais em tudo. A autoavaliação prepara o caminho para que, quando nos reunirmos para uma conversa, eu já tenha pensado sobre as áreas pessoais nas quais posso melhorar, e também esteja com uma postura de humildade para receber feedbacks. Isso torna essas conversas bem menos pessoais e bem mais construtivas.

Mais, não menos

O segredo para lidar com um feedback negativo não é tentar desenvolver uma lendária casca que seja impermeável à perfuração emocional das críticas. É absurdo pensar que nós, pastores, poderíamos de alguma forma receber comentários negativos sobre nós, nosso desempenho ou nossa liderança e jamais ficarmos pessoalmente magoados com eles. Essa é uma mentira que de alguma forma perpetuamos sem cessar, simplesmente porque soa bem. Mas é hora de reconhecer a verdade: a tal “casca mais grossa” é um mito.

Por mais tentador que possa parecer, o segredo para lidar com críticas, como pastores, não é evitá-las nem ouvi-las menos. O segredo para lidar bem com as críticas é criar canais e práticas que permitam mais críticas, mas de maneira mais saudável. É claro que isso não removerá inteiramente o aguilhão da crítica e não removerá o espírito crítico de algum indivíduo de nosso rebanho. Mas as ferramentas de feedback saudáveis fornecem caminhos menos pessoais para que essa comunicação ocorra, a fim de que nós, como líderes, possamos permanecer humildes, abertos ao ensino e receptivos a conselhos sábios, sem sermos destruídos pelos golpes emocionais que geralmente acompanham um feedback.

Ike Miller é o autor de Seeing by the Light e pastor sênior da Bright City Church, em Durham, na Carolina do Norte. Ele tem doutorado em teologia pela Trinity Evangelical Divinity School.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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