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O que Tomás de Aquino pode nos ensinar sobre o pastoreio de pessoas que estão sofrendo

Insights teológicos sobre a natureza da emoção humana.

Christianity Today March 22, 2021
Illustration by Rick Szuecs / Source images: Lucas Sankey / Unsplash / Wikimedia commons

Quando eu tinha dez anos, lembro de meu pai estender a mão para cumprimentar um homem que a recusou, e ostensivamente pôs as mãos atrás das costas. Aquele senhor era um ex-membro de nossa igreja e estava com raiva de meu pai.

Essa cena constrangedora me ensinou o que significa ser pastor. Lembro-me de meu pai explicar sem amargura por que o homem estava com raiva. A forma como ele explicou nos ajudou a enxergar a dor daquele senhor.

Há um ditado comum da psicologia que diz que por trás da raiva existe o medo. E poderíamos acrescentar: por trás do medo existe a dor. Observei em meu pai uma capacidade saudável de reavaliar a raiva de alguém como dor. Ele não interpretou a emoção do homem como um julgamento lúcido contra si. Em vez disso, ele escolheu uma perspectiva que abria a possibilidade de empatia em relação à dor daquele homem.

Neste momento que estamos vivendo em nossa cultura, estamos engolfados por raiva, medo e dor — e os pastores não são exceção. Nossas agendas estão tomadas por um fluxo constante de pessoas zangadas. Isso é exaustivo. Para nós, é muito fácil internalizar essa raiva ou considerá-las pessoas deliberadamente rebeldes. Mas isso é um erro. Quando acusado de negligência pela doença de Lázaro, Jesus respondeu a Marta: “Teu irmão ressuscitará” (Jo 11.22-23). Ele viu a dor por trás da repreensão.

Todos precisamos de ajuda para entender as emoções confusas de nosso povo e de nosso coração. Como podemos pastorear pessoas iradas, ansiosas ou feridas? Um teólogo me ensinou mais sobre como pastorear os que sofrem do que qualquer outro: Tomás de Aquino. Talvez ele seja uma fonte surpreendente, pois é conhecido principalmente por suas refinadas distinções teológicas, não por seu coração pastoral (embora G. K. Chesterton lhe tenha atribuído as duas coisas, escrevendo que Tomás de Aquino “trazia em si um grande coração e uma grande mente”). Tomás de Aquino nos oferece principalmente clareza sobre a natureza da emoção e como interpretá-la.

Ele teve vários insights sobre as emoções humanas que podem nos ajudar em nosso trabalho pastoral. Para começar, ele enfatizou que a emoção humana está sempre ligada ao corpo. E insistia que não podemos compreender a dinâmica interna da raiva, do medo ou da dor interior sem compreendermos o corpo. Além disso, Tomás enfatizava que a emoção não opera em um nível deliberado e consciente, como operam o pensamento e as nossas escolhas. A emoção envolve reações e maneiras de ver, ambas inconscientes.

Emoções são ligadas ao corpo

O que significa estar ansioso? Meu coração se acelera; meu estômago está embrulhado. Minha mente gira em torno de possibilidades negativas. A ansiedade está nos sentimentos? Ou nos pensamentos? Quem determina se estou ansioso: meu corpo ou minha mente?

Tomás de Aquino diz que ambos fazem parte da minha ansiedade. Ele argumenta, em sua Summa Theologica, que nossa alma é responsável não apenas pelo pensamento, mas pela própria vida com todas as suas capacidades. A alma é o “primeiro princípio vital” em todas as criaturas vivas. Todos os nossos poderes fluem de uma união corpo-alma, desde nossos poderes digestivos ou de cura até nossos poderes emocionais e de percepção, bem como nossas capacidades de pensar e fazer escolhas. Somos seres holísticos. Portanto, a ansiedade, por exemplo, é um movimento da alma que vem “por meio de uma mudança corporal”. Na opinião de Tomás de Aquino, não devemos separar corpo e alma — e nenhum dos dois, sozinho, produz uma emoção.

Por esse motivo, a saúde deficiente do corpo afeta as emoções, como um carburador com vazamento afeta o funcionamento de um trator. Mas, ao contrário de um trator, o corpo está se refazendo continuamente. Nossos pensamentos, ações e experiências formam hábitos que contribuem para estados emocionais futuros. Além disso, nosso corpo forma hábitos por meio de nossas vias neurológicas e climas hormonais.

Como pastor, preciso lembrar que emoção não é o mesmo que ação deliberada. Quando confundimos os dois, presumimos que as pessoas têm mais controle imediato sobre seus sentimentos do que realmente têm. Hábitos emocionais são respostas corporais acumuladas ao que uma pessoa tem pensado, ouvido, visto e vivenciado ao longo do tempo. Eles surgem da interação misteriosa entre natureza, estímulos e agência. Essa reação emocional de corpo inteiro pode afetar o modo como alguém experimenta toda a vida. Substâncias químicas neurológicas também influenciam sua perspectiva, para o bem ou para o mal. Reconhecer o papel que o corpo desempenha na emoção pode ajudar um pastor a responder com compaixão a alguém que está sobrecarregado.

Emoções têm lógica própria

Minhas mãos estão suando, mas estou firmemente preso ao carrinho da montanha-russa por um resistente aparato de segurança. Eu sei que estou bem, mas será que meu corpo também sabe? Como posso discordar de meu corpo sobre o perigo que corro? O corpo deve ter lógica própria.

Tomás de Aquino nos ajuda a compreender nosso conflito interno — como podemos sentir algo e, ao mesmo tempo, rejeitar esse sentimento. Na Summa Theologica, ele faz uma distinção entre duas formas de juízo que fazemos: o “juízo rápido” do corpo e o juízo da razão. Podemos chamá-los de percepção e pensamento. Isso é semelhante à sua distinção entre emoções e escolhas. A verdade é que a maioria de nossas reações emocionais vem de percepções inconscientes.

É por isso que as emoções muitas vezes parecem nos acometer. Por exemplo, quando vemos um rosto zangado e agressivo, não pensamos: Esta pessoa pode ser um perigo para mim. Simplesmente sentimos medo. Quando pessoas traumatizadas passam por uma experiência que desencadeia seu trauma, elas não pensam: É racional eu ter um ataque de pânico agora? Elas simplesmente têm.

Como pastor, preciso lembrar que a percepção também não é uma ação deliberada. É importante distinguir entre pensamentos automáticos e inconscientes que as pessoas possam ter e seus pensamentos reflexivos e conscientes.

Emoções respondem à experiência

Os seres humanos são iguais e diferentes dos cães de Pavlov. Sim, alimentos doces ou saborosos podem nos fazer salivar. Mas também podemos reagir a estímulos complexos, como a perspectiva de ir à academia. Como passamos a nos sentir de forma positiva ante à perspectiva de irmos à academia? Não é apenas falando a nós mesmos sobre isso. É também experimentando a academia — talvez por meio do treino pessoal ou das pessoas que frequentam a academia. A experiência pode forjar nossos desejos.

Na Summa Theologica, Tomás de Aquino enfatiza que nossas emoções respondem diretamente a objetos concretos, a partir dos quais aprendemos experiencialmente. Por exemplo, aprendemos a ter medo de queimaduras ao tocar em um fogão quente. Como resultado, a formação de nossas emoções depende, em parte, de nossas ações e, em parte, de nosso pensamento.

Nossas palavras moldam nossas experiências, e nossas experiências dão a nossas palavras um conteúdo emocional. Dizer a mim mesmo: “A aranha não é perigosa” não é suficiente para mudar minha emoção sobre isso. Minha emoção muda quando ajo de acordo com essa crença, segurando a aranha sem que ela me faça mal. As experiências nos ensinam.

Como pastor, preciso lembrar que as lições que as pessoas aprendem com a experiência podem ferir ou curar. Por exemplo, a experiência pode ter ensinado a certo membro da igreja que homens, pais ou pastores não são confiáveis. Esse membro pode reagir ao seu pastoreio de modo consistente com sua experiência anterior, e essa reação pouco terá a ver com você. Compreender as feridas causadas por experiências pode despertar o interesse compassivo do pastor com relação à pessoa que sofre.

Mas a pessoa que sofre também pode encontrar cura por meio da experiência da vida espiritual no corpo de Cristo. A comunidade da igreja tem um papel a desempenhar na santificação e na cura. O corpo de Cristo ministra a nutrição do Cabeça [que é Cristo] pelos dons que seu Espírito concede (Rm 12.3-8; Ef 4.11-16; Cl 2.19). A liturgia também ensina o corpo sobre a morte e a ressurreição em Cristo, sobre a dependência constante do alimento espiritual de Cristo.

Presença curadora de Deus

Existe uma última maneira pela qual Tomás de Aquino nos ensina a ajudar os que sofrem. Aprendi com ele que a cura e a alegria verdadeiras vêm principalmente por meio da comunhão com Deus. A comunicação é para a comunhão. Por mais útil que seja entender a nós mesmos e a nossa dor, em última análise a alegria vem por meio da presença do Amado.

Toda a humanidade está alienada de Deus e anseia pela fonte de toda bondade e alegria. Tomás de Aquino explica isso em um comentário à carta de Paulo aos Gálatas: “A perfeição última, pela qual uma pessoa se torna perfeita interiormente, é a alegria, que nasce da presença do Amado. Quem tem o amor de Deus, porém, já tem o que ama, como diz 1João 4.16: ‘quem permanece no amor de Deus permanece em Deus, e Deus nele.’ E a alegria brota disso”.

Para Tomás de Aquino, a grande esperança da humanidade é que Jesus nos traz para a comunhão da Trindade. A encarnação, a vida, o sofrimento, a morte e a ressurreição de Jesus nos restauram ao nosso Amado. Ao assumir a carne, “o impassível Deus sofre e morre”, unindo-nos a si mesmo em sua morte e ressurreição, Tomás de Aquino escreve em seu comentário sobre 1Coríntios. E, em Cristo, também temos o Espírito Santo. O Espírito cura nossas emoções por sua presença e por seus dons. Tomás de Aquino diz: “o Espírito Santo habita em nós por meio do amor”. Esse amor cura e orienta nossas emoções.

O bom pastoreio modela e ministra a presença de Deus. Encontramos as ovelhas onde estiverem, muitas vezes perdidas, zangadas e com medo. E conduzimos as ovelhas ao pastor, que é manso e humilde de coração (Mt 11.29). Esse pastor dá um Consolador que geme conosco, intercedendo por nós (Rm 8.23,26-27).

Deus é, podemos dizer assim, uma presença destituída de ansiedade em meio a nossas necessidades. Tomás de Aquino nos ensina que Deus entra em comunhão conosco não para preencher alguma deficiência em si mesmo, mas para nos fortalecer. Nele devemos experimentar bondade e integridade. Tomás escreve na Summa Theologica: “Deus pretende apenas comunicar a própria perfeição [a nós], que é sua bondade”.

Ao ministrarmos os dons de Cristo a seu rebanho, precisamos incorporar sua sabedoria mansa e humilde, que é “pura. Também é pacífica, sempre amável e disposta a ceder a outros. É cheia de misericórdia e é o fruto de boas obras. Não mostra favoritismo e é sempre sincera” (Tg 3.17). Podemos fazer isso por meio de uma escuta não defensiva, compassiva e interessada, mesmo diante de emoções como ansiedade e raiva. Consolamos os aflitos “com o consolo que nós mesmos recebemos de Deus” (2Co 1.4).

Tomás de Aquino nos ajuda a consolar os outros, ensinando-nos perguntas sábias: Como o corpo está envolvido nessa emoção? Que juízos estão sendo feitos de forma automática? Como a experiência ensinou essa pessoa a fazer esses juízos? Em última análise, essas perguntas nos permitem levar os sofredores gentilmente à presença de Deus, tanto agora quanto pela eternidade. Pois, um dia, Deus “habitará com eles. [. . .] Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor”(Ap 21.3-4).

Matthew LaPine é o autor de The Logic of the Body: Retrieving Theological Psychology. Ele é pastor de desenvolvimento teológico na Cornerstone Church e palestrante na Salt Network School of Theology em Ames, Iowa.

Traduzido por Maurício Zágari

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