Em tempos de divisão, é preciso falar mais sobre inimigos

Parece contraditório. Mas há razões bíblicas e culturais para acreditar nisso.

Christianity Today January 25, 2024
Illustration by Abigail Erickson / Source Images: Wikimedia Commons

Hoje falamos menos sobre inimigos do que no passado.

Talvez não seja essa a nossa impressão. A quantidade de brigas internas, de acusações difamatórias, de xingamentos e de grosserias que vemos hoje no discurso público, inclusive dentro da igreja, é trágica e autodestrutiva. A calúnia e a maledicência se tornaram algo normal em muitos círculos. Por isso, nestes tempos instáveis e divisivos que vivemos, pensar e falar sobre inimigos pode parecer a última coisa de que precisamos.

No entanto, a verdade é bem o contrário, e por dois motivos. O primeiro deles é bíblico: as Escrituras falam sobre inimigos com grande clareza e uma frequência notável, inclusive de maneiras que somos abertamente incentivados a imitar. O segundo motivo é cultural: a confusão sobre quem exatamente são os inimigos de Deus e como a igreja deve reagir a eles torna os cristãos mais propensos a atacarem uns aos outros, e não menos.

Primeiro, vejamos o argumento bíblico. Há cerca de 400 referências a “inimigo” ou a “inimigos” nas Escrituras. (A título de comparação, essa frequência é cerca de duas vezes maior do que as aparições das palavras gracioso e graça). É bem verdade que muitos desses exemplos se referem a adversários políticos ou militares de Israel que não existem mais. Mas alguns deles se referem àqueles que amam o mundo, odeiam a cruz e odeiam a igreja (Tiago 4.4; Filipenses 3.18; Apocalipse 11.5, 12).

Muitas referências dizem respeito à obra do próprio Messias, que “possuirá a cidade dos seus inimigos” (Gênesis 22.17, ESV) e que —é citado com mais frequência por Jesus no texto bíblico e em todo o Novo Testamento — se sentará à direita de Deus, até que seus inimigos sejam transformados em um “estrado para os teus pés” (Salmos 110.1). Aparentemente, esmagar a cabeça de seus inimigos é uma característica central do que Cristo veio fazer. É o assunto da primeira profecia sobre ele, ainda lá no Jardim (Gênesis 3.15), e é prefigurado em várias histórias em que cabeças rolaram na Bíblia hebraica, começando por Sísera e passando por Abimeleque, Dagom e Golias.

De forma incisiva, os apóstolos exortam a igreja a orar e a cantar Salmos (Efésios 5.19) que estão repletos de orações por libertação e destruição de nossos inimigos. A menos que estejamos dispostos a cortar fora essas passagens com uma tesoura, assim como foi feito com a Bíblia editada por Thomas Jefferson, precisaremos encontrar maneiras que façam sentido de entender essas passagens e de orar a esse respeito. Afinal de contas, até mesmo Salmos 23, o mais pacífico, pastoral e popular dos salmos, fala de uma mesa que é posta “na presença dos meus inimigos” (v. 5).

Precisamos nos perguntar: O que significa orar pedindo “arrebenta os dentes dos ímpios”, ao mesmo tempo em que continuamos a amar nossos inimigos (Salmos 3.7; Mateus 5.44)? Estamos pedindo a Deus que derrube grupos como o Estado Islâmico ou tiranos como Vladimir Putin? Que esmague o Diabo e todas as suas obras? Que vindique Jesus? Que destrua nosso próprio pecado? Que acabe com todo o mal no Dia do Juízo? Que faça todas as opções anteriores? (Achei o livro Cursing with God [Amaldiçoando com Deus], de Trevor Laurence, extremamente útil para perguntas como essas).

O contexto cultural do nosso tempo torna ainda mais importante termos uma visão bíblica da inimizade. E um curioso paradoxo entra em ação nesse aspecto. À medida que os ocidentais modernos se tornaram menos convencidos de que o Diabo existe, ficamos mais inclinados a ver uns aos outros como diabólicos. (Conforme apontaram historiadores como Tom Hollande Alec Ryrie, agora invocamos Hitler, os nazistas ou o Holocausto, em vez de Satanás, os demônios ou o inferno, embora o efeito seja praticamente o mesmo).

Essas tendências estão interligadas. Sabemos, com tristeza, que o mal radical existe; portanto, se não sabemos exatamente quem são nossos inimigos, tendemos a vê-los por toda parte. A maioria de nós evita termos como inimigos ou perversos, preferindo uma combinação de insultos, palavrões, epítetos rancorosos e generalizações caluniosas. Mas, mesmo quando a linguagem da inimizade desaparece, a experiência que temos dela não desaparece, como bem sabe qualquer pessoa que já tenha se alegrado com a queda de alguém (ou lamentado o sucesso de alguém).

Uma solução para esse ciclo de destruição da inimizade é ter mais clareza sobre quem são nossos verdadeiros inimigos. O pecado, a morte, o mundo, a carne, o diabo: esses são os inimigos que Cristo veio esmagar. E eles estão agindo em nós, assim como estão agindo nas pessoas de quem não gostamos. Amamos o jovem rico por ele odiar Mamom. Amamos os efésios — e os londrinos e os nova-iorquinos — por odiarem a idolatria. Pois nossa luta é contra as forças espirituais do mal, não contra a carne e o sangue (Efésios 6.12).

“Todo grupo tem seu demônio”, lembro-me de um sábio pastor dizer isso, há vários anos. “Nesse caso, o nosso pode muito bem ser o Diabo.”

Andrew Wilson é pastor responsável pelo ensino na London King's Church e autor de Remaking the World.

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Os ecos de Gênesis em Darwin

A ciência evolucionária tem raízes surpreendentes em uma visão hebraica da realidade.

Charles Darwin

Charles Darwin

Christianity Today January 24, 2024
Illustration by Rick Szuecs / Source images: Wikimedia Commons

A Bíblia difere do pensamento darwiniano em aspectos fundamentais. No entanto, os primeiros autores das Escrituras e os arquitetos da ciência evolucionária compartilharam um desafio semelhante: ambos procuravam compreender ambientes caracterizados por agressão, violência e competição acirrada por recursos escassos. Dru Johnson, estudioso da Bíblia e diretor do Center for Hebraic Thought [Centro do Pensamento Hebraico], explica esse e outros paralelos surpreendentes em seu livro What Hath Darwin to Do with Scripture? Comparing the Conceptual Worlds of the Bible and Evolution [O que Darwin tem a ver com as Escrituras? Comparando os mundos conceituais da Bíblia e da evolução]. Matthew Nelson Hill, autor de Embracing Evolution: How Understanding Science Can Strengthen Your Christian Life [Compreendendo a evolução: Como entender a ciência pode fortalecer nossa vida cristã], conversou com Johnson sobre a conciliação dos relatos bíblico e científico da realidade.

What Hath Darwin to Do with Scripture?: Comparing Conceptual Worlds of the Bible and Evolution

Como você resumiria seu livro em poucas palavras?

Os autores bíblicos têm um modelo conceitual específico que rege a forma como pensam sobre a realidade. O que Darwin mais tarde chamaria de seleção natural é algo sobre o qual eles realmente falam com bastante vigor nos primeiros capítulos de Gênesis, mesmo que não explicitamente nesses termos. Meu objetivo no livro é colocar esse modelo bíblico em diálogo com o modelo darwiniano da ciência evolutiva, para ver onde as duas visões de mundo subjacentes se assemelham e se contrastam. Meu argumento é que essas visões de mundo são mais complementares do que algumas vezes poderíamos supor.

Como você faz para manter uma visão elevada das Escrituras, ao colocá-las em diálogo com a ciência darwiniana?

Essa é a visão mais elevada das Escrituras que poderia haver, pois faz um esforço sério para avaliar as motivações e as noções filosóficas daqueles que escreveram a Bíblia. No entanto, isso muitas vezes causa desconforto entre aqueles que dizem ter uma visão elevada das Escrituras, porque nem sempre estamos acostumados a entrar no mundo intelectual dos próprios autores.

Em geral, pensamos na ciência como algo inerentemente secular em suas perspectivas e suposições. Mas quando a estudamos lado a lado com o mundo conceitual da Bíblia Hebraica, podemos ver como ela representa uma das maiores expressões desse mundo conceitual. Passei muito tempo estudando o texto hebraico e acredito que, se você pudesse transportar os escritores daquela época para o presente, e atualizá-los sobre nosso conhecimento atual das coisas, como o conhecimento que temos dos sistemas solares e das galáxias, eles descobririam que tudo faz sentido.

No início do livro, você argumenta que a ciência está contando uma história, e também que as Escrituras não são “meramente” uma história. Poderia explicar isso melhor?

Sempre que lemos uma explicação científica, ela quase sempre vem envolta em uma narrativa maior. Especialmente no nível quântico, muitos fatos científicos são quase inexplicáveis sem uma estrutura narrativa que nos ajude a entendê-los.

Quando você lê relatos sobre a evolução, dizendo como os seres humanos surgiram de vários ancestrais hominídeos, percebe que toda visão de mundo tem uma história ou relato das origens, que deve nos dizer de onde vem a moralidade e explicar a realidade que vemos hoje. As Escrituras, sob essa luz, não estão fazendo nada de estranho ao apresentar uma história das origens destinada a fornecer um fundamento para a moralidade e a ética, bem como para explicar o desenvolvimento de coisas como famílias, nações e sistemas políticos.

Muitas pessoas chegam aos primeiros capítulos de Gênesis com uma pergunta: Será que tudo isso realmente aconteceu? Acredito de fato que os antigos hebreus teriam lido essas histórias como relatos de coisas que realmente aconteceram. Mas, em outro sentido, a Bíblia resiste a esse tipo de enquadramento, porque está tentando oferecer algo que vai além de uma explicação funcional de como o mundo surgiu.

Em uma das seções do livro, você aborda bastante a reprodução sexual, um tópico ao qual tanto a evolução quanto as Escrituras conferem grande importância. Como podemos falar sobre esse tópico de forma produtiva?

Se você é puritano em relação ao sexo, então aperte o cinto, porque os escritores bíblicos não são, especialmente quando se trata da necessidade de dar continuidade às linhagens familiares. Eu poderia citar o relato das duas filhas de Ló, que embebedaram o pai para fazer sexo com ele e gerar descendentes. Ou poderia apontar para Abraão, que prostituiu a esposa como forma de salvar a própria vida e preservar a possibilidade da família que Deus havia prometido.

Por que tudo isso foi incluído [na narrativa]? Acho que parte da resposta é que essas histórias transmitem algo da sobriedade que os autores bíblicos trouxeram para a condição caída e a fragilidade da humanidade e sua necessidade de redenção.

A morte, como você mostrou, é parte integrante da natureza. No entanto, as Escrituras retratam a morte como um grande inimigo a ser derrotado. Como podemos conciliar essas duas perspectivas?

Os autores bíblicos estão muito conscientes do fato de que a morte acontece e que é horrível. Eles estão cientes de como isso molda o mundo ao seu redor, mas também estão cientes de que não é assim que deveria ser.

No livro, uso a linguagem da doxologia “Gloria Patri” — “como era no princípio, é agora, e sempre será” — para delinear essa realidade. Esse hino em si, é claro, testifica que Deus é o mesmo ontem, hoje e sempre. Mas a linguagem sugere que as coisas estão diferentes depois da Queda, que o projeto original de Deus foi quebrado por causa do pecado. Portanto, podemos imaginar um mundo em que a natureza é criada para um bom fim, sem a necessidade da morte.

Se, como você afirma, a verdadeira ciência — a pesquisa e a investigação regidas pelo método científico — começou há cerca de 500 anos, como podemos ver a Bíblia como algo que nos diz alguma coisa sobre a ciência?

Há uma pergunta recorrente na história da ciência que, essencialmente, indaga: “Por que a ciência começou?” Pois, claramente, já havia grande atividade intelectual ocorrendo na China, na Mesopotâmia, no Egito, na Grécia, em Roma e em outros grandes impérios. Não havia escassez de pessoas muito inteligentes fazendo coisas muito inteligentes. Então, por que a ciência se desenvolve no Ocidente, com pessoas que essencialmente se apropriaram de uma visão hebraica da realidade?

Uma boa resposta começaria assim: simplesmente não existe uma boa versão da ciência que se baseie na suposição de que nada do que observamos ao nosso redor é de fato real. Não podemos dizer que tudo o que é real está nos céus ou é animado por espíritos que estão por trás das árvores, para mencionar apenas algumas generalizações amplas de certas escolas de pensamento religioso ou filosófico. Não podemos dizer que nossos sentidos estão fundamentalmente nos enganando.

A Bíblia Hebraica adota uma posição muito diferente disso: defende que aquilo que observamos ao nosso redor é real, passível de ser conhecido, e regulado, ainda que deixando espaço para a interrupção divina. O presente que os hebreus nos dão é um esquema para discernir o funcionamento da realidade natural e permitir que essa realidade nos corrija, o que é um aspecto da ciência que eu gostaria que a teologia adotasse com mais frequência.

Qual é a sua maior esperança para os leitores deste livro?

Não tem nada a ver com evolução ou darwinismo. Meu maior objetivo é levar as pessoas a pensarem seriamente sobre o mundo intelectual dos autores bíblicos e da própria literatura bíblica. Espero que os leitores vejam como esses autores estão abordando mais questões do que podemos perceber superficialmente.

Citando apenas um exemplo: Você não vê na Bíblia a instituição moderna do policiamento. A partir disso, você pode concluir que a Bíblia não fala muito sobre o trabalho da polícia. Na verdade, ela tem muito a dizer [sobre isso], mas é preciso saber como ouvir. De modo geral, quero que os leitores passem de serem instruídos na Bíblia, isto é, de saberem o que está na Bíblia, para serem fluentes em Bíblia ou conhecedores da Bíblia, o que significa serem capazes de estender a maneira bíblica de pensar a todos os tipos de áreas práticas.

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Books

Os 50 países onde é mais difícil seguir a Jesus em 2024

O último relatório sobre a perseguição a cristãos fala do perigo crescente dos militantes islâmicos e dos regimes autocráticos, da Nigéria à Nicarágua.

Christianity Today January 17, 2024
Illustration by Kumé Pather

Cerca de 5.000 cristãos foram mortos por causa da sua fé no ano passado. Cerca de 4.000 foram sequestrados.

Cerca de 15.000 igrejas foram atacadas ou fechadas.

E mais de 295.000 cristãos foram deslocados à força de suas casas por causa da sua fé.

A África Subsaariana — epicentro do cristianismo global — continua a ser o epicentro da violência contra os seguidores de Jesus, de acordo com a Lista Mundial de Perseguição de 2024 (LMP). A última contagem anual da organização Portas Abertas classifica os 50 principais países onde é mais perigoso e difícil ser cristão.

Os números preocupantes de martírios e de sequestros são, na verdade, inferiores aos do relatório do ano passado. Mas a Portas Abertas enfatiza que são números “mínimos absolutos”. E atribuiu o declínio em ambos os casos a um período de calmaria, antes das últimas eleições presidenciais na Nigéria. No entanto, a Nigéria juntou-se à China, à Índia, à Nicarágua e à Etiópia como os países que impulsionam o aumento significativo de ataques às igrejas.

No geral, 365 milhões de cristãos vivem em países com elevados níveis de perseguição ou discriminação. Isso representa 1 em cada 7 cristãos em todo o mundo, incluindo 1 em cada 5 na África, 2 em cada 5 na Ásia, e 1 em cada 16 na América Latina.

E, pela quarta vez em três décadas de acompanhamento, todas as 50 nações obtiveram pontuações suficientemente altas para registar níveis de perseguição “muito elevados” na matriz de mais de 80 perguntas da organização Portas Abertas. O mesmo aconteceu com mais 7 nações que ficaram fora da lista, mas bem perto da pontuação de corte. Enquanto isso, a Síria e a Arábia Saudita entraram no nível de perseguição “extrema”, elevando essa contagem para 13 nações.

O objetivo do ranking anual da LMP é orientar as orações e buscar uma ira mais eficaz, ao mesmo tempo em que mostra aos crentes perseguidos que eles não foram esquecidos.

A versão 2024 da LMP rastreia o período de 1º. de outubro de 2022 a 30 de setembro de 2023, e é compilada a partir de relatórios de campo feitos por funcionários da organização Portas Abertas, em 25 bases nacionais, e com trabalho de apoio em 70 países. A metodologia é auditada pelo International Institute for Religious Freedom [Instituto Internacional para a Liberdade Religiosa].

Quando a lista foi publicada pela primeira vez, em 1993, apenas 40 países alcançaram pontuações suficientemente altas para justificar o rastreio. Este ano, 78 países alcançaram.

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Onde os cristãos são mais perseguidos hoje?

A Coreia do Norte ficou em primeiro lugar, como em todos os anos, exceto em 2022, quando o Afeganistão a ultrapassou por um breve período. O restante dos 10 primeiros países passaram por um rearranjo, mas permaneceram os mesmos: Somália (2º.), Líbia (3 º.), Eritreia (4 º.), Iêmen (5 º.), Nigéria (6º.), Paquistão (7 º.), Sudão (8 º.), Irã (9 º.) e Afeganistão (10 º.).

O país com mais mortes de cristãos foi a Nigéria, onde mais de 4.100 cristãos foram mortos por causa de sua fé — o que representa 82% do total global. A Portas Abertas na região subsaariana incluiu 26 países na LMP, 15 deles no nível “extremamente alto”. Fissuras na segurança oferecida pelos Estados e exploradas pelos jihadistas foram a causa atribuída ao Mali (14º.) e à Burquina Faso (20º.), enquanto os ataques a igrejas cresceram acentuadamente na Etiópia (32º.).

A Portas Abertas segue uma escala de 100 pontos ao pontuar cada nação. Aumentos de mais de 4 pontos foram registados em Omã (4,2), Burquina Faso (4,8), Nicarágua (5,3), Argélia (6,1) e Laos (6,6). Omã passou do 47º. para o 31º. lugar, embora detalhes sobre suas estatísticas de violência não sejam revelados por razões de segurança. Pelo segundo ano na lista, a Nicarágua passou do 50º. para o 30º. lugar, devido à hostilidade aberta do governo contra a Igreja. A Argélia passou do 19º. para o 15º. lugar, à medida que as autoridades intensificaram uma campanha contra as igrejas protestantes, sendo que apenas 4 das 46 igrejas permanecem abertas.

Países onde é mais difícil ser seguidor de Jesus:



1. Coreia do Norte
2. Somália
3. Líbia
4. Eritreia
5. Iêmen
6. Nigéria
7. Paquistão
8. Sudão
9. Irã
10. Afeganistão
11. Índia

O Laos, no entanto, que passou do 31º. para o 21º. lugar, foi citado como uma história de boas novas. “Nunca vi uma ligação mais clara entre uma igreja em crescimento e uma oposição crescente, resultando em pontuações mais elevadas”, disse um pesquisador da Portas Abertas. “Acho reconfortante ver que os versículos bíblicos que preveem esta ligação ainda sejam verdadeiros”.

A Colômbia foi o único país entre os 50 primeiros a registar um decréscimo de pelo menos 2 pontos (2,5), caindo do 22º. para o 34º. lugar. Uma melhoria significativa foi observada também no Vietnã (que caiu do 25º. para o 35º. lugar), na Indonésia (de 33º. para 42º.) e Turquia (de 41º. para 50º.).

Outros sinais de esperança foram notados no Mali, onde os cidadãos aprovaram uma nova constituição que reconhece claramente a sua minoria cristã e pode levar à volta a um regime civil. E na Índia, no estado de Karnataka, um partido de oposição desbancou o BJP nacionalista hindu com a promessa de reverter as leis locais anticonversão.

Mas, no geral, a Índia manteve-se em 11º. lugar, pois ataques a lares cristãos duplicaram para 180, as mortes de cristãos aumentaram em nove vezes, para 160, e os ataques a igrejas e a escolas cristãs aumentaram de 67 para 2.228. Combinados com as cerca de 10.000 igrejas que foram fechadas na China (19º.), estas duas nações foram responsáveis por quase 83 por cento de todos os incidentes violentos com igrejas em 2023.

Onde cristãos enfrentam o maior nível de violência:



1. Nigéria
2. Paquistão
3. Índia
4. Nome não revelado
5. Eritreia
6. Mali
7. Mianmar
8. Bangladesh
9. República Centro-Africana
10. República Democrática do Congo

Período do relatório Portas Abertas: 1º de outubro de 2022 a 30 de setembro de 2023

No entanto, foi o aumento global de 8,3% da Nicarágua na pontuação geral que representou o aumento mais rápido de todas as nações da LPM. Em vez de estabelecer uma nova tendência, a Portas Abertas afirmou que as restrições legais feitas “sob medida” da nação centro-americana à liberdade religiosa, a apreensão de propriedades cristãs e a prisão ou exílio de líderes religiosos são provas de que a Nicarágua está cada vez mais se “alinhando” com a Cuba comunista (que passou de 27º. para 22º.).

Os ímpetos autoritários são importados de outros lugares, à medida que a China e a Rússia (que não estã na lista, mas são monitoradas pela Portas Abertas) espalham a sua influência especialmente na África. Entre os muitos países que compram tecnologias de vigilância de Pequim o maior é a Nigéria, enquanto o Grupo Wagner, de Moscou, fez incursões com assistência de segurança em países como Burquina Faso, Mali, República Centro-Africana (28º.) e Moçambique (39º.).

Este ano, não há novos países entre os 50 que mais perseguem cristãos.

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Como os cristãos são perseguidos nesses países?

A organização Portas Abertas acompanha a perseguição em seis categorias — levando em conta a pressão social e governamental sobre indivíduos, famílias e congregações — e tem um foco especial nas mulheres.

Quando a violência é isolada como categoria, os 10 principais perseguidores mudam drasticamente — apenas a Nigéria permanece [veja o quadro lateral].

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Os martírios tiveram uma queda de mais de 600 em relação ao ano anterior, uma vez que a Portas Abertas registrou 4.998 cristãos mortos por sua fé durante o período do relatório. Representando uma queda de 11%, o saldo continua sendo o terceiro maior, desde o recorde de 7.106 mortes em 2016. A Nigéria respondeu por 82 por cento do total. A República Democrática do Congo ocupa o segundo lugar, com 261 cristãos mortos, e a Índia ficou em terceiro lugar, com 160 cristãos mortos.

Onde os cristãos foram mais martirizados:



1. Nigéria: 4.118
2. República Democrática do Congo: 261
3. Índia: 160
4. Nome não revelado: 100*
5. Uganda: 55
6. Mianmar: 34
7. Burquina Faso: 31
8. Camarões: 24
9. República Centro-Africana: 23
10. Colômbia: 16

*Número estimado | Período do relatório Portas Abertas: 1º de outubro de 2022 a 30 de setembro de 2023

A organização Portas Abertas é conhecida por favorecer uma estimativa mais conservadora do que outros grupos, que muitas vezes contabilizam 100 mil martírios por ano.

Onde os números não podem ser verificados, são dadas estimativas em números arredondados de 10, 100, 1 mil ou 10 mil, presumindo-se que são mais altos na realidade. E as tabulações de alguns países podem não ser fornecidas, por motivo de segurança, aparecendo sob a designação “N.N.” (sigla que significa “não identificado”) para países como Afeganistão, Butão, Malásia, Maldivas, Coreia do Norte, Omã, Somália e Iêmen.

Sob esta rubrica, um país não identificado ficou em 4º. lugar, seguido por Uganda, que registrou 55 martírios, Mianmar com 34, Burquina Faso com 31, Camarões com 24, República Centro-Africana com 23 e Colômbia com 16.

Uma segunda categoria rastreia ataques a igrejas e a outros edifícios cristãos, como hospitais, escolas e cemitérios, sejam eles destruídos, fechados ou confiscados. O número aumentou sete vezes, passando para 14.766 incidentes — e ultrapassando o máximo de 9.488 incidentes, registrados no relatório de 2020 —; foi liderado pela China e pela Índia, seguidas por Nigéria (750), Nicarágua (347), Etiópia (284) e Ruanda (12), com o Sudão, Burquina Faso, Níger e Angola registrando um total simbólico de 100 ataques.

A categoria de cristãos que foram detidos sem julgamento, presos, sentenciados e mantidos na prisão caiu para 4.125, ficando abaixo do recorde de 6.175 do relatório de 2022; mas é ainda o terceiro maior total desde que a categoria é rastreada.

A Portas Abertas divide isso em duas subcategorias, com 3.329 cristãos detidos, o que representa um aumento de 6 por cento. A Índia liderou essa subcategoria com 2.085, e foi seguida por Eritreia com 322 casos e Irã com 122. Uma nação não identificada, Paquistão e China, cada qual com uma contagem simbólica de 100; enquanto isso, Laos com 65, Cuba com 45, Nicarágua com 38 e a Líbia com 31 completaram os 10 primeiros.

Países onde igrejas foram mais atacadas ou fechadas:



1. China: 10.000*
2. Índia: 2.228
3. Nigéria: 750
4. Nicarágua: 347
5. Etiópia: 284
6. Ruanda: 120
7. Sudão: 100*
8. Burquina Faso: 100*
9. Níger: 100*
10. Angola: 100*
11. Mianmar: 100*

*Número estimado | Período do relatório Portas Abertas: 1º de outubro de 2022 a 30 de setembro de 2023

A contagem de 796 cristãos presos, no entanto, representa um aumento de 43 por cento em relação aos 1.388 casos registrados no período anterior. A Índia liderou com 247, enquanto um país não identificado, Eritreia, Paquistão e China registraram cada qual um total simbólico de 100.

O número de cristãos sequestrados diminuiu de 5.259 para 3.906, mas ainda representa o segundo maior total desde que a categoria é rastreada. A Nigéria foi responsável por 83 por cento do total, ou 3.300 casos, enquanto o Paquistão, a República Centro-Africana e o Congo registaram um total simbólico de 100.

De longe, a categoria com o maior total foi a do deslocamento interno [forçado], com 278.716 cristãos forçados a deixar suas casas ou a se esconder por motivos relacionados à fé, mais do que o dobro do total de 124.310 do ano passado. Outros 16.404 cristãos foram forçados a deixar seu país, um aumento se comparado com os 14.997 do ano passado. Mianmar e Nigéria lideram com um número simbólico de 100.000 deslocamentos internos, seguidos pela Índia com 62.119. Mianmar também liderou com um número simbólico de 10.000 refugiados contabilizados, seguido por Nigéria, Irã, uma nação não identificada, Bangladesh e Congo, com números simbólicos de 1.000 refugiados.

A Portas Abertas afirmou que várias categorias foram particularmente difíceis de serem contabilizadas com precisão, sendo a mais alta delas os 42.849 casos de abuso físico e mental, que incluem espancamentos e ameaças de morte. (A contagem do ano passado foi de 29.411 incidentes.) Das 75 nações avaliadas, 48 receberam números simbólicos. Nigéria, Paquistão e Índia registraram um total simbólico de 10.000; uma nação não identificada, Eritreia, Mali, Mianmar, Bangladesh, República Centro-Africana e Congo completam os 10 primeiros países, com um total simbólico de 1.000 cada.

Um total estimado de 21.431 casas e propriedades de cristãos foram atacadas em 2023, junto com 5.740 lojas e locais de negócio. Nesta segunda categoria, somente 17 dos 42 países registraram números específicos, com os 1.572 casos da Índia seguidos por um número simbólico de 1.000 casos na Nigéria, em Burquina Faso e na República Centro-Africana. Quanto aos lares cristãos, o número simbólico de 10.000 na Nigéria foi seguido pelos 5.878 específicos da Índia, e o número simbólico de 1.000 atribuído a Paquistão, Mianmar, República Centro-Africana e Congo.

Categorias específicas para mulheres também foram difíceis para os pesquisadores da organização Portas Abertas calcularem com precisão. Os casos de estupro e de assédio sexual aumentaram de 2.126 para 2.622 contabilizados, liderados pela Nigéria, com um número simbólico de 1.000 casos, seguida pela Síria, com um número simbólico de 500. Os casamentos forçados com pessoas não cristãs diminuíram de 717 para 609 casos registrados, liderados por Paquistão, Irã e uma nação não identificada, com números simbólicos de 100 casos cada.

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Por que os cristãos são perseguidos nesses países?

A principal causa varia de país para país, e entender melhor as diferenças pode ajudar cristãos de outras nações a orarem e a lutarem com mais eficácia por seus irmãos e irmãs em Cristo que são perseguidos.

A Portas Abertas divide as principais causas de perseguição cristã em oito grupos:

Opressão islâmica (30 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam em mais da metade dos países que constam da lista da perseguição, entre os quais encontram-se 7 dos 10 primeiros da lista. A maioria dos 30 países são nações oficialmente muçulmanas ou que têm maioria muçulmana; no entanto, 6 deles na verdade têm maiorias cristãs: Nigéria (6º.), República Centro-Africana (28º.), Etiopia (32º.), Moçambique (39º.), República Democrática do Congo (41º.) e Camarões (43º.).

Paranoia ditatorial (11 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam em onze países, a maior parte deles de maioria muçulmana — Síria (12º.), Uzbequistão (25º.), Bangladesh (26º.), Turcomenistão (29º), Tajiquistão (46º) e Cazaquistão (47º) — mas também na Coreia do Norte (1º.), Eritreia (4º), Mianmar (17º.), Cuba (22º) e Nicarágua (30º).

Opressão comunista e pós-comunista (3 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam em três países, todos na Ásia: China (19º.), Laos (21º.) e Vietnã (35º.).

Nacionalismo religioso (2 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam em duas nações, ambas asiáticas. Os cristãos são visados principalmente por nacionalistas hindus na Índia (11º.) e por nacionalistas budistas no Butão (36º.).

Crime organizado e corrupção (2 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam na Colômbia (34º.) e no México (37º.).

Opressão por clãs (2 países): Esta é a principal causa de perseguição que os cristãos enfrentam no Iêmen (5º.) e na Jordânia (48º.).

Intolerância secular e protecionismo denominacional cristão (0 países): A Portas Abertas rastreia essas duas causas de perseguição enfrentadas pelos cristãos, mas nenhuma delas é a principal causa em nenhum dos 50 países que figuram na lista de 2024.

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Como comparar a Lista Mundial da Perseguição (LMP) a outros relatórios sobre perseguição religiosa?

A organização Portas Abertas acredita que seja razoável dizer que o cristianismo é a religião mais severamente perseguida do mundo. Ao mesmo tempo, observa que não há documentação comparável para a população muçulmana do mundo.

Outras avaliações da liberdade religiosa em todo o mundo corroboram muitas das descobertas do relatório da Portas Abertas. Por exemplo, a última análise feita pelo Pew Research Center sobre hostilidades governamentais e sociais em relação à religião descobriu que os cristãos foram assediados em 155 países em 2020, mais do que qualquer outro grupo religioso. Muçulmanos foram perseguidos em 145 países, seguidos por judeus, em 94 países.

O detalhamento corresponde aos dados [do levantamento] da Portas Abertas. China, Eritreia e Irã estão classificados entre os 10 primeiros países da lista da Pew que praticam assédio governamental, enquanto Índia, Nigéria e Paquistão são classificados entre os 10 primeiros em que há hostilidade social. Afeganistão e Egito constam em ambos os quesitos.

A maioria das nações que estão na lista da Portas Abertas também aparece na lista anual do Departamento de Estado dos EUA, que nomeia e condena governos que “se envolveram ou toleraram violações sistemáticas, contínuas e flagrantes da liberdade religiosa”.

Entre os primeiros classificados da lista anual de Países de Preocupação Particular do Departamento de Estado dos EUA encontram-se Mianmar (17º. na Lista Mundial da Perseguição [ LMP] de 2023), China (19º.), Cuba (22º.), Eritreia (4º.), Irã (9º.), Coreia do Norte (1º,), Nicarágua (30º.), Paquistão (7º.), Rússia (que ficou fora da LMP em 2022), Arábia Saudita (13º.), Tajiquistão (46º.) e Turcomenistão (29º.). Uma lista de vigilância especial de segundo nível inclui Argélia (15º.), Azerbaijão (sem classificação, mas monitorado pela Portas Abertas), República Centro-Africana (28º.), Comores (45º.) e Vietnã (35º.).

O Departamento de Estado americano também faz uma lista de Entidades de Preocupação Particular, isto é, de agentes não governamentais que geram perseguição, todos eles ativos em países da lista da Portas Abertas. Entre eles estão o Boko Haram e o Estado Islâmico na Província da África Ocidental, ambos na Nigéria (6º. lugar na Lista Mundial da Perseguição); o Talibã, no Afeganistão (10º.); o Al-Shabaab, na Somália (2º.); o Hayat Tahrir al-Sham, na Síria (12º.); os houthis, no Iêmen (5º.); o Wagner Group, por suas atividades na República Centro-Africana (28º.), e o ISIS-Grande Saara e o Jamaat Nasr al-Islam wal Muslimin, no Sahel.

Enquanto isso, a Comissão de Liberdade Religiosa Internacional dos EUA (USCIRF, em inglês) em seu relatório de 2023 recomendou as mesmas nações para a lista de Países de Preocupação Particular, com o acréscimo de Nigéria (6º.), Índia (11º.), Síria (12º.), e Vietnã (35º.). Para a lista de monitoramento do Departamento de Estado, a USCIRF recomendou as mesmas nações, com exceção de Comores e com o acréscimo de Egito (38º.), Indonésia (42º.), Iraque (16º.), Cazaquistão (47º.), Malásia (49º.), Sri Lanka (sem classificação, mas monitorado pela Portas Abertas), Turquia (50º.) e Uzbequistão (25º.).

Todas as nações do mundo são monitoradas por pesquisadores e equipes de campo da organização Portas Abertas, mas uma atenção mais profunda é dada a 100 países, com foco especial em 78 deles que registram níveis “altos” de perseguição (que pontuam mais de 40 em uma escala de 100, feita pela organização Portas Abertas).

A CT publicou anteriormente as classificações da Lista Mundial da Perseguição dos anos de 2023, 2022, 2021, 2020, 2019, 2018, 2017, 2016, 2015, 2014, 2013 e 2012, incluindo um destaque sobre onde é mais difícil ter fé. A CT também perguntou a especialistas se os Estados Unidos devem integrar as listas de perseguições e compilou as histórias mais lidas da igreja perseguida em 2019, 2018, 2017, 2016 e 2015.

Leia o relatório completo da organização Portas Abertas sobre a Lista Mundial da Perseguição de 2024 aqui.

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Os evangélicos devem criticar o evangelicalismo? Sim, se o que realmente importa é o evangelho

O evangelho não vem acompanhado de uma ordem de mordaça. Ele nos chama a identificar e a nos arrepender de idolatrias e hipocrisias — especialmente das nossas.

Christianity Today January 15, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Getty

Este artigo foi adaptado da newsletter de Russell Moore.

Há mais ou menos um ano, meu amigo David French e eu estávamos falando para um grupo de jovens funcionários do Congresso, no Capitólio, quando um jovem, que é republicano e cristão evangélico, nos perguntou por que criticaríamos o que está acontecendo agora na direita.

“Com toda a hostilidade que vem do secularismo e da ideologia progressista contra os cristãos”, perguntou ele, “por que não bater na esquerda, em vez de na direita?"

Com bastante frequência, ouvimos esse tipo de reclamação da boca de cristãos que se professam evangélicos — geralmente em resposta a algum livro que gera discussões, como o de Kristin Kobes Du Mez, Jesus and John Wayne [publicado no Brasil sob o título Jesus e John Wayne], ou a nova obra de Tim Alberta, The Kingdom, the Power, and the Glory [O Reino, o Poder e a Glória]. Essas objeções costumam ser formuladas em termos que falam da manutenção da “unidade da igreja”, geralmente retratando como traidores os evangélicos que discordarem do nacionalismo cristão ou da política identitária branca, acompanhado de um subtexto não dito [mas implícito]: “A primeira regra do Clube dos Nascidos de Novo é que não falamos sobre o Clube dos Nascidos de Novo”.

De quando em quando, essa crítica se estende até a série de escândalos provenientes do cristianismo evangelical americano, às vezes sob o argumento de que evangélicos “que atacam o nosso próprio lado” no que diz respeito a essas questões só farão com que os incrédulos nos odeiem mais e os cristãos confiem menos em seus líderes.

Esse argumento é semelhante à política “Sem inimigos de esquerda”, adotada por alguns setores progressistas americanos, em meados do século passado, em relação à União Soviética e ao totalitarismo comunista. Alguém podia até sussurrar que Josef Stalin era horrível, mas dizer isso publicamente só serviria para fortalecer os anticomunistas autoritários. Podia-se até reconhecer que figuras como Alger Hiss certamente pareciam ser ativos da KGB, mas jamais se podia dizer isso em palavras. Afinal, com o macartismo em alta e repleto de falsas acusações sobre infiltrados comunistas, por que reconhecer que alguns desses infiltrados poderiam de fato existir?

A estratégia até que faz sentido em termos darwinianos, pois, se um grupo — seja ele um sindicato, um partido político ou uma igreja — for uma unidade tribal que evoluiu para se reunir em torno da fogueira por medo dos tigres dentes de sabre no escuro, não importa o que aconteça. E, no entanto, mesmo que se aceite essa premissa, a estratégia não se sustenta. Isso é especialmente verdadeiro em um contexto de compromisso declarado com a ortodoxia cristã.

Em primeiro lugar, os pontos da discussão refutam a si mesmos. Se os cristãos que criticam outros cristãos — especialmente para ouvidos incrédulos — estão errados, por atacarem a unidade da igreja e, em vez disso, deveriam falar principalmente de “todas as coisas boas que fazemos”, então, por que não é errado cristãos criticarem os cristãos que criticam outros cristãos? Na raiz desse argumento está o próprio tipo de relativismo moral desconstrucionista que fomos ensinados a rejeitar.

Porém, o mais importante é que o argumento “bata só na esquerda” é, na melhor das hipóteses, uma revelação de falta de familiaridade com o texto real da Bíblia e, na pior delas, uma negação da autoridade bíblica. Além disso, esse argumento revela uma concordância com os inimigos da igreja cristã — no sentido de que a igreja é apenas mais uma tribo partidária.

Afinal, o que é pior nas Escrituras: os ídolos pagãos das nações ao redor de Israel ou os bezerros de ouro que o próprio Jeroboão colocou em Betel e Dã? Por toda a Bíblia, Deus denuncia e ridiculariza os falsos deuses das nações — mas, quase sempre, como um aviso ao seu próprio povo para que não fizesse o mesmo.

Os bezerros de ouro de Jeroboão, como o bezerro de ouro de Arão, antes dele, não são apenas errados; são também blasfemos. Jeroboão, o rei de Israel, usou o nome de Deus para cumprir uma agenda política — para impedir que as pessoas viajassem a Judá para adorar — como se ele estivesse falando com a autoridade de Deus (1Reis 12.25-33). O Espírito Santo, falando nas Escrituras, denuncia esse fato nos termos mais severos possíveis: “E isso se tornou um pecado para a casa de Jeroboão, de modo que a cortaram e a destruíram da face da terra” (1Reis 13.34, ESV).

A ação de Jeroboão é perfeitamente racional em termos estritamente políticos. Afinal de contas, todas as nações do mundo estavam unidas em torno de seus deuses, de sua adoração. É por isso que os tratados, as alianças e os casamentos quase sempre incluíam a importação dos deuses de outra pessoa.

Tudo isso já é ruim o bastante, mas se torna muito pior porque Deus realmente existe, porque ele realmente falou. Jeroboão não estava apenas pecando como indivíduo, nem estava apenas levando uma comunidade a pecar. Ele estava levando o povo de Deus, o povo da aliança à idolatria, dizendo-lhes que aquilo era adoração a Deus.

É por isso que o apóstolo Paulo escreveu que as hipocrisias de seu próprio povo eram ainda piores do que os mais baixos atos de rebeldia dos pagãos. Sobre aqueles que deveriam instruir as nações e ser “luz para os que estão nas trevas”, mas que estavam cometendo os mesmos pecados que denunciavam, Paulo escreveu: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vocês” (Romanos 2.19, 24).

Teologicamente falando, Jesus tinha muito mais em comum com os escribas e os fariseus do que com os cobradores de impostos ou mesmo com os saduceus. Suas denúncias mais severas, no entanto, são dirigidas aos fariseus. Por quê? Precisamente porque esses líderes religiosos “sentam na cadeira de Moisés” (Mateus 23.2). Como o irmão de Jesus escreveria mais tarde, aqueles que reivindicam a autoridade da igreja para ensinar “serão julgados com maior rigor” (Tiago 3.1).

No grande esquema da política mundial, o que importa mais: um império inteiro entregue à imoralidade sexual e cultural, bem como à adoração de todo um panteão de falsos deuses — ou um pequeno grupo de cristãos reunidos em uma cidade portuária que ignoram o mau comportamento de seus próprios membros? O que mais importa é esta última opção, segundo escreveu o apóstolo Paulo.

Na verdade, ele escreveu que não estava dizendo para que as pessoas se desassociassem dos incrédulos — nem mesmo dos mais fornicadores, fraudadores e idólatras. “Pois o que tenho a ver com o julgamento dos de fora? Não são os que estão dentro da igreja que vocês devem julgar? Deus julga os de fora” (1Coríntios 5.12-13, ESV).

Com todas as perseguições que a igreja enfrentava, por que Paulo não “bateu só nos pagãos”? Não foi por ele levar a igreja menos a sério do que levava o mundo, mas sim porque a levava mais a sério do que o mundo. Segundo Jesus lhe dissera, a igreja é o corpo do próprio Cristo.

Quando uma geração está mais encantada com coisas como a Values Voter Summit [algo como Cúpula de Eleitores de Valor, uma conferência anual para ativistas conservadores norte-americanos] do que com a Escola Bíblica de Férias, os argumentos a favor dos profetas que denunciavam o “inimigo” e reafirmavam o povo de Deus parecem plausíveis.

Dizer a Israel “que os utensílios da casa do Senhor serão em breve trazidos de volta da Babilônia” (Jeremias 27.16, ESV) pode soar como uma forma de edificar a unidade do povo. Afinal, não é assim que se mantém a confiança, concentrando-se nas “coisas boas” e nos dizendo que tudo está prestes a melhorar? Jeremias, porém, disse que isso era uma mentira. E quando o fez, disseram que ele estava traindo seu próprio povo — que ele estava do lado dos babilônios (v. 16-22).

Hananias teria parecido um “evangélico” mais leal do que Jeremias. Ele bateu em Nabucodonosor e animou os que eram do “nosso lado”. E Deus disse, por intermédio de Jeremias: “Escute, Hananias! O Senhor não o enviou, mas assim mesmo você persuadiu esta nação a confiar em mentiras” (Jeremias 28.15). Jeremias disse que a “unidade” pregada por Hananias era, na verdade, “rebelião contra o Senhor” (v. 16).

Mesmo em um nível infinitamente menos sério do que o da política, para aqueles de nós que realmente se importam com o conservadorismo, o fato de equipará-lo [o conservadorismo] à demagogia autoritária ou à predação sexual é, na verdade, a maior vitória possível para a esquerda. Isso deixa o país com um conservadorismo sem princípios e permite que uma geração inteira equipare o conservadorismo ao nacionalismo branco, ao antiliberalismo inconstitucional ou a mais básica misoginia. Isso torna o progressismo, na mente de muitas pessoas, a única alternativa que se percebe contra a insanidade ou a crueldade.

Tudo isso talvez nem tenha tanta importância — a menos que os princípios conservadores sejam realmente verdadeiros. E mais até do que isso, é de importância crucial essa credibilidade teológica e moral que brota de dentro do cristianismo evangelical — de uma igreja que afirma ser (imperfeitamente) a “luz do mundo”, que traz uma palavra de “assim diz o Senhor” (em uma era de desconstrução da autoridade) e um chamado ao arrependimento e à fé (em uma era de moralidade relativizada). O cristianismo evangelical só pode oferecer ao mundo aquilo de que ele não abriu mão a respeito de si mesmo.

Baal, Ártemis e Odin sempre serão melhores como mascotes tribais do que o Cristo crucificado. “Bata no outro lado” é um conselho que sempre soa melhor aos ouvidos dos especialistas e entendidos do que “Arrependa-se, pois o reino dos céus está próximo” jamais soará. “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” sempre soará mais como uma notícia ruim do que como uma notícia boa para um grupo que deseja vencer. Tudo isso é evidente por si mesmo — a menos que o céu, o inferno, o evangelho e Deus realmente existam.

O evangelho não vem acompanhado de uma ordem de mordaça. Passamos a acreditar que ele vem [acompanhado dessa ordem] quando desistimos das palavras “Você precisa nascer de novo”.

Russell Moore é o editor-chefe da Christianity Today e lidera o Projeto de Teologia Pública.

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Nunca se deixe “curar” da prática de frequentar uma igreja

A jornada de um cristão sem igreja é solitária e exaustiva. E o único antídoto para isso é a comunidade cristã.

Christianity Today January 12, 2024
Illustration by Mallory Rentsch Tlapek / Source Images: Unsplash

Quando minha família se mudou do estado de Washington para a Califórnia, nossos pais prepararam os filhos para uma busca para encontrar outra igreja que poderia levar algum tempo. Mas, depois de um único domingo, nos apaixonamos por uma congregação que a minha família ainda frequenta mais de 15 anos depois.

Ao sair de casa, quando entrei na faculdade, eu esperava que a história se repetisse. Em vez disso, vivi exatamente o oposto. De fato, até cerca de seis meses atrás, eu fiquei por seis anos sem ter uma igreja para chamar de minha — uma realidade familiar para muitos cristãos da Geração Z.

Hoje, cerca de um terço dos jovens vai à igreja com menos frequência do que antes da pandemia. Um estudo de 2022 do Survey Center sobre o estilo de vida norte-americano descobriu que a pandemia parece ter feito com que aqueles que já tinham um compromisso mais fraco com a frequência religiosa regular — entre eles, jovens, pessoas solteiras e os que se identificam como liberais — parassem de vez de frequentar a igreja em uma proporção muito maior do que outros grupos de norte-americanos.

Durante toda a minha busca por uma igreja, lutei com pensamentos de dúvida em relação a mim mesma, perguntando-me se eu era o problema: será que eu estava sendo muito exigente em minhas expectativas? Será que eu estava descartando igrejas por motivos superficiais? Em minha mente, na época, o motivo pelo qual eu ainda não havia encontrado uma igreja para frequentar era uma combinação de fatores igualmente válidos que contribuíram para isso, ao longo de minha carreira universitária.

No meu primeiro ano, visitei, de ônibus, já que eu não tinha carro, o que me pareceram centenas de igrejas. E quando a pandemia nos atingiu em cheio, nos meus segundo e terceiro anos da faculdade, comecei a assistir em casa [online] aos cultos da minha amada igreja na Califórnia. No último ano, eu estava determinada a encontrar uma comunidade e não tinha nenhuma expectativa de encontrar algo que se comparasse a minha antiga comunidade.

Comecei a fazer um trajeto de 40 minutos, indo para a cidade em busca de uma comunidade de crentes que fosse rica e diversificada — dos pontos de vista étnico, geracional e socioeconômico. Decidi que me comprometeria com uma igreja que eu amasse, independentemente da distância que tivesse de percorrer para encontrá-la. Mas logo percebi como era difícil me integrar à comunidade da igreja, quando se é a única pessoa que mora longe — eu não podia passar para tomar café depois do trabalho, como os outros membros que moravam na região.

Enquanto isso, domingo após domingo, eu sentia o isolamento de não ter uma igreja para chamar de “minha”.

Um dos motivos para isso foi que muitas das congregações que visitei eram homogêneas, e eu queria desesperadamente aprender e ser desafiada por um grupo diversificado de pessoas. Outros motivos eram um pouco mais objetivos: uma igreja que visitei tocou música do Pitbull [um rapper] durante a oferta. O site de outra igreja usava um bot de IA para “me mostrar o local”, mas para obter informações adicionais sobre liderança e envolvimento na comunidade, eu precisava entrar no canal do Slack [aplicativo de mensagens]. Em outra igreja que visitei, o pastor fez um comentário casual no púlpito que, para mim, foi um grande sinal de alerta.

Eu simplesmente não confiava em algumas igrejas, em parte por causa de seu envolvimento com denominações que estavam lutando contra escândalos ou fazendo vista grossa para abusos sexuais. Infelizmente, nos tempos atuais, comprometer-se com uma igreja muitas vezes exige um equilíbrio delicado entre confiar nos pessoas da congregação e ficar sempre atento. E, especialmente por ser uma mulher jovem, eu queria um lugar onde pudesse me permitir ser vulnerável.

Mesmo quando a denominação em sentido mais amplo está lutando em busca de justiça e prestação de contas, sei que há igrejas que individualmente estão indo bem. Mas como posso saber qual congregação ou qual líder de igreja será alvo do próximo escândalo — ou se não serei eu a próxima vítima?

Estudos mostram que não estou sozinha nesse medo. De acordo com um estudo do Barna Group, de 2022, 27% das pessoas dizem que sua dúvida sobre o cristianismo se deve a experiências passadas com uma instituição religiosa. Estatisticamente e de forma anedótica, muitos membros da Geração Z que conheço compartilham a preocupação de que a igreja não parece ser um ambiente seguro, em meio a tantos escândalos.

Há outra razão frequentemente citada para as pessoas evitarem se comprometer com uma igreja: Em meus círculos sociais formados por jovens, ouço muitos deles dizerem que simplesmente não encontraram uma igreja que compartilhe de todas as convicções deles.

Nesse caso, lembro-me da advertência assustadora que C. S. Lewis faz em The Screwtape Letters [Cartas de um Diabo a seu aprendiz], quando o “demônio” escreve para seu protegido: “Certamente você sabe que, se um homem não pode ser curado de frequentar a igreja, a próxima melhor coisa a fazer é mandá-lo por toda a vizinhança à procura da igreja que ‘lhe convenha’, até que ele se torne um provador ou um conhecedor de igrejas”.

Também ouvi falar de outras pessoas que simplesmente não veem a igreja como um requisito da fé cristã. Como Daniel K. Williams escreve: “E se o problema com os evangélicos sem igreja não for sua compreensão errônea da fé, mas sim a própria falta de ênfase da teologia evangélica na igreja?” Ele defende que os evangélicos precisam redescobrir uma teologia da igreja que seja convincente — para estabelecer uma resposta exclusivamente evangélica à pergunta: “Por que ter uma igreja?”

Até mesmo eu me deparava com as mentiras do isolamento em cada esquina. Passei por períodos em que simplesmente não frequentava a igreja, e dizia a mim mesma que não era necessário. Às vezes, eu citava Mateus 18.20 para me convencer de que estava sempre “na igreja” quando estava com duas ou mais pessoas reunidas em nome de Jesus.

Nesse sentido, estudar em uma faculdade cristã era uma faca de dois gumes. Fica mais fácil evitar frequentar uma igreja local quando você está constantemente cercado pela comunidade cristã — frequentando a capela três vezes por semana e se envolvendo com um currículo bíblico todos os dias. Mas eu me sentia envergonhada, como se fosse um péssima cristã, sempre que as pessoas me perguntavam a que igreja eu estava indo. Parecia que o fato de estar conectada a uma igreja local era um teste decisivo para o meu bem-estar espiritual.

No entanto, nenhuma dessas desculpas resolvia meu profundo anseio por uma comunidade cristã. Não ter uma igreja é um estado solitário, além de ser um ponto de vulnerabilidade para que o inimigo introduza mentiras em nossa mente. Satanás sabe que a busca por uma igreja é algo exaustivo e exige fé para perseverarmos, enquanto procuramos uma congregação saudável que nos desafie a servir aos outros e a crescer em nossa caminhada espiritual. É por isso que ele frequentemente nos incentiva a ser apáticos e indiferentes, para nos distanciar de nossos desejos por Deus e por uma comunidade. Isso, aliado à solidão, pode ser uma combinação poderosa.

A igreja é essencial para a nossa fé, sem mencionar o fato de que a adoração presencial pode melhorar nosso bem-estar geral e diminuir nosso sofrimento psicológico. Mas superar o estágio de não ter uma igreja exige tempo, energia mental e resistência emocional. Muitos de nós lutam com a resiliência para enfrentar isso — em especial aqueles que são jovens adultos ou solteiros.

No entanto, pode haver uma bênção oculta nessa própria luta. Citando Romanos 5.3-5, “Não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança. E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu.”

Mais do que qualquer outra coisa, sou grata pelo fato de o Senhor se importar com nosso sofrimento e nos socorrer em meio a tudo isso.

Há alguns meses, como já havia feito muitas vezes antes, entrei sozinha em mais uma nova igreja — sentindo que cada célula do meu ser não queria entrar sozinha naquele santuário. Naquele momento, ouvi uma voz mansa e suave em minha mente dizer algo que me deu uma sensação imediata de paz: “Uma igreja deve ser o lugar mais seguro para se estar sozinho.”

Desde então, participei da aula para me conectar com a igreja, me inscrevi em um pequeno grupo e me juntei ao ministério de mulheres. Anotei os nomes das pessoas que conheci a cada semana como um lembrete de que minhas orações por uma comunidade cristã foram atendidas. Neste domingo, estarei sentada no santuário, cercada por menos estranhos do que na semana anterior — com minha Bíblia e meu caderno, minha lista de prioridades e a mente aberta — orando para que este seja o lugar onde eu possa plantar minhas raízes e prosperar.

E, à medida que continuo a ir à igreja a cada semana, Deus continua a demonstrar sua fidelidade a mim. Todos os domingos, agradeço ao Senhor por me dar forças para lutar contra a solidão; e quanto mais me conecto [à comunidade], mais minha solidão se dissipa. Além disso, sou grata pelas oportunidades de ver mais do reino de Deus em ação ao meu redor e de conhecer outras pessoas que têm seus próprios motivos para comparecer à igreja, apesar de seus impedimentos pessoais.

Isso não quer dizer que ainda não haja manhãs de domingo em que eu não queira acordar e ir à igreja. Mas quando olho para trás e vejo alguns dos momentos mais difíceis da minha vida, vejo que me senti mais distante de Deus quando não estava cercada por outros crentes que pensam como eu — e a única maneira de sair dessas trincheiras foi quando decidi dar outra chance à igreja.

Na verdade, houve momentos em minha vida em que a única razão pela qual eu ainda me agarrava à minha fé foi por saber que havia outros cristãos orando por mim. Nos dias em que me sinto chateada com Deus ou desanimada com nosso mundo pecaminoso, sei que alguém está orando por mim, para que eu recupere o senso de esperança.

Em tudo isso, quero lembrar àqueles que estão sofrendo com a falta de uma igreja — especialmente jovens adultos e pessoas solteiras como eu — que vocês não estão sozinhos. Mais do que isso, não precisam se contentar com essa solidão. Vocês podem ser resilientes e encontrar a família que Deus lhes prometeu.

E toda vez que tomamos a decisão e nos esforçamos para comparecer ao culto, em uma manhã de domingo, nossa simples presença na casa de Deus significa que o diabo não conseguiu nos curar de frequentar a igreja.

Mia Staub é gerente de conteúdo da Christianity Today.

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A cultura das celebridades no meio cristão

Adoramos as conversões de pecadores famosos, mas essa obsessão pode não ser tão centrada no evangelho quanto parece.

Christianity Today January 12, 2024
Illustration by Mallory Rentsch / Source Images: Getty / Unsplash

Nós adoramos celebridades cristãs. E não me refiro apenas a palestrantes e a pastores que ganham status de celebridade no mundo cristão. Refiro-me a celebridades famosas do mundo secular — como Justin Bieber, Kanye West, Daddy Yankee ou a mais recente delas, Hulk Hogan — que se convertem ou fazem uma profissão de fé pública.

Em certo sentido, é bom e correto regozijar-se com isso, pois é uma extensão da “alegria [que há] na presença dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende” (Lucas 15.10). Mas aplaudir de longe as profissões de fé das celebridades não é exatamente o mesmo que se alegrar ao testemunhar um arrependimento verdadeiro. E, se não formos cuidadosos, podemos acabar nos agarrando a algo sem consistência, à procura dos sinais mais sutis de que nossas celebridades favoritas são crentes — mesmo que elas estejam dando pouco ou nenhum fruto (Mateus 7.15-20).

Esse hábito de procurar cristãos em posições de destaque é popular e alcança todas as linhas culturais e políticas. Nossa família assistia reunida aos jogos de futebol americano, quando eu era criança, e sempre que um jogador apontava para o céu, depois de um touchdown, minha mãe dizia (às vezes brincando, às vezes não): “Aposto que ele é cristão!” Ela e minhas irmãs fazem a mesma coisa agora com os membros de bandas de K-pop, e eu já tive uma colega de quarto que era discretamente obcecada por Justin Bieber e orava com regularidade por sua salvação.

Crentes de ambos os lados do espectro político estão ansiosos para provar que seus políticos favoritos são realmente salvos — como aqueles que afirmam que o ex-presidente Donald Trump foi (repetidamente) conduzido [por pastores] na oração do pecador, ou aqueles que apontam a frequência do presidente Joe Biden às missas como um sinal de fé genuína.

No outono passado, assim que se espalhou a notícia do falecimento do ator Matthew Perry, cristãos começaram a fazer circular citações da autobiografia dele, que detalhavam um encontro poderoso que Perry teve com Deus. Apenas algumas semanas antes, cristãos estavam vasculhando as páginas do novo livro de memórias de Britney Spears, em busca de indícios de fé — que estão lá, juntamente com seu relato sobre ter aprendido a Cabala com Madonna e a revelação de que ela não tem “ideias rígidas sobre religião”.

O sincretismo religioso de Britney Spears é uma das razões pelas quais essa ânsia de encontrar migalhas de fé não é uma simples esperança cristã: é algo que nos incentiva a fazer vista grossa para sérios desvios da ortodoxia básica, em nosso entusiasmo por reivindicar a fé de alguma alma famosa.

Mais recentemente tem havido um debate, nos círculos evangélicos, sobre Ayaan Hirsi Ali, uma intelectual muçulmana que se tornou nova ateia, e cuja [posterior] conversão pública descreve suas razões para aderir ao cristianismo, mas não menciona Jesus. Enquanto alguns dizem que ela é apenas uma nova crente que ainda não sabe escolher as palavras certas, outros especulam que ela não aderiu propriamente à fé cristã, mas aceitou a visão de mundo judaico-cristã como uma ferramenta sociopolítica.

Além disso, nossa obsessão por conversões de celebridades evidencia um tipo de favoritismo que as Escrituras proíbem explicitamente (Gálatas 2.6; 1Timóteo 5.21). Tiago 2 nos adverte sobre isso: “Meus irmãos, como crentes em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, não façam diferença entre as pessoas, tratando-as com favoritismo”, pois “se vocês de fato obedecerem à lei real encontrada na Escritura que diz: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’, estarão agindo corretamente. Mas se tratarem os outros com favoritismo, estarão cometendo pecado e serão condenados pela Lei como transgressores” (v. 1,8,9).

O regozijo que há no céu parece ser imparcial, mas o maior regozijo aqui na Terra é frequentemente reservado aos pecadores famosos. Afinal de contas, será que nos alegramos com o mesmo entusiasmo, quando pessoas de outros setores se tornam crentes? Será que pulamos de alegria, quando descobrimos que nosso encanador é cristão? Será que ficamos igualmente ansiosos por sinais de que pessoas comuns, como nosso vizinho ou nosso colega de trabalho, estão se achegando à fé em Jesus?

É claro que a conversão do nosso vizinho provavelmente não fará com que o cristianismo pareça mais legal, enquanto as conversões de celebridades podem fazê-lo. É difícil imaginar que isso não seja um fator [que colabora] para esse fenômeno. Talvez, pensamos, a conversão pública de uma pessoa famosa ajude a causa do cristianismo.

É bem verdade que a Bíblia deixa claro que todos nós somos chamados a usar nossos talentos para glorificar a Deus (Mateus 25) — e isso pode incluir fama mundial, popularidade entre nossos pares ou uma consideração geral por nossas boas obras (1Pedro 2.12). Mas o ministério terreno de Jesus não dependia do status social elevado dos convertidos. Ele não buscou os abastados ou altamente conceituados, mas sim os marginalizados que tinham pouco ou nenhum poder e influência.

O Antigo e o Novo Testamentos são consistentes, do início ao fim, em demonstrar que Deus escolhe as coisas tolas para envergonhar as sábias, exalta os insignificantes para envergonhar os presunçosos e concede maior valor a pessoas que o mundo considera mais inúteis (1Coríntios 1.28).

De fato, no corpo de Cristo, diz Paulo, “os membros que pensamos serem menos honrosos, tratamos com especial honra”, pois “Deus estruturou o corpo dando maior honra aos membros que dela tinham falta”. Por quê? A fim de que “não haja divisão no corpo, mas, sim, que todos os membros tenham igual cuidado uns pelos outros. Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele” (1Coríntios 12.23-27).

Quando exaltamos indevidamente os que já são exaltados, podemos cometer uma falha ao cuidar dessa parte do corpo de Cristo, ainda que de uma maneira diferente. Corremos o risco de prestar um grande desserviço às próprias pessoas que admiramos, especialmente quando são novos crentes e, portanto, vulneráveis em sua fé. Embora a Bíblia exorte repetidamente contra o orgulho (Provérbios 8.13; 1Pedro 5.5; Tiago 4.6), elogiar cristãos famosos é um incentivo [ao orgulho].

A honra indevida também pode obrigar novas celebridades cristãs a serem líderes em um período da fé em que seria melhor se elas fossem meros seguidores. No último outono, Kat Von D, empresária e celebridade da televisão — e também ex-ocultista — postou um vídeo de seu batismo público no Instagram. Sua publicação foi compartilhada novamente por inúmeros fiéis entusiasmados, mas ela deixou claro, em um vídeo posterior, que provavelmente não falará muito sobre sua fé nas mídias sociais: “Se você começou a me seguir porque acha que esse espaço vai se tornar uma espécie de página de memes cristãos, saiba que isso não vai acontecer.”

“Não há uma razão maior por trás disso, eu só não me sinto preparada para ser uma garota-propaganda do cristianismo”, continuou Von D. “Acho que ainda estou aprendendo e, à medida que aprender, estarei mais preparada.” Isso é sábio, pois, como Tiago aconselhou: “Meus irmãos, não sejam muitos de vocês mestres, pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor” (Tiago 3.1). O discipulado sólido deve vir em primeiro lugar, especialmente para aqueles que têm grandes audiências.

O próprio Jesus Cristo, apesar de ficar famoso, não é um superstar — e seus seguidores também não são chamados para serem famosos. As histórias de conversão que divulgamos não devem ser tributos ao estrelato secular, mas sim testemunhos da graça de Deus. Não vamos orientar nossa estratégia de evangelismo para alcançar famosos à custa de desamparados, e vamos parar de procurar celebridades para validar nossa fé.

Stefani McDade é editora de teologia da Christianity Today.

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History

As 10 principais descobertas da arqueologia bíblica em 2023

Do antigo DNA israelita a um fosso ao redor de Jerusalém, estas são as descobertas que deixaram os estudiosos do mundo bíblico maravilhados no ano passado.

Homens palestinos trabalham na escavação de um cemitério romano, na cidade de Gaza.

Homens palestinos trabalham na escavação de um cemitério romano, na cidade de Gaza.

Christianity Today January 12, 2024
Image: Majdi Fathi/NurPhoto via AP

As principais histórias da arqueologia bíblica de 2023 contêm muita desgraça, destruição e decepção. Elas também contêm mistérios que podem ser solucinados por escavações futuras — e talvez, em um caso específico, tragam a solução para uma controvérsia contínua, que tem atormentado os estudiosos do Novo Testamento na última década.

É evidente que descobertas realmente importantes de 2023 podem não ser conhecidas por anos, pois leva tempo para que os arqueólogos estudem cuidadosamente os achados de suas pesquisas e, depois, publiquem suas descobertas em revistas científicas. Mas estas que citamos abaixo são algumas das histórias que geraram manchetes para a arqueologia bíblica em 2023.

10. Túmulos perdidos em Gaza

Perto do final de setembro, arqueólogos que estavam na cidade de Gaza anunciaram a descoberta de túmulos em um cemitério da era romana. As equipes, que trabalham sob o comando do arqueólogo francês René Elter, encontraram informações importantes sobre a vida das pessoas que habitavam ao longo dessa rota comercial costeira, há 2.000 anos. Eles encontraram dois caixões de chumbo extremamente raros — um decorado com folhas de uva ornamentadas e o outro com imagens de golfinhos — sugerindo que elites da sociedade haviam sido enterradas ali.

“Um terreno construído que não chama a atenção — cercado por um mar de prédios de apartamentos que nada têm de especial — tornou-se uma mina de ouro para os arqueólogos”, informou a Associated Press.

Duas semanas depois, militantes do Hamas, provenientes de Gaza, atacaram Israel, precipitando uma guerra dispendiosa que provavelmente arrasou esses prédios de apartamentos de aparência comum, deslocando e talvez matando seus habitantes. O que aconteceu com as pessoas que trabalhavam no local e com o próprio local é algo desconhecido no momento. Elter respondeu a uma pergunta sobre sua segurança, mas não entrou em detalhes sobre a escavação.

A guerra, obviamente, interrompeu o trabalho da Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA, na sigla em inglês) em todo o país. Alguns arqueólogos da IAA, com experiência adquirida no estudo de desastres antigos, viram suas habilidades serem requisitadas para um tipo diferente de trabalho. Eles foram chamados para ir às comunidades judaicas atacadas pelo Hamas e ajudar a encontrar e a identificar restos humanos.

“Uma coisa é escavar restos de destruição de 2.000 anos atrás; outra coisa bem diferente — desoladora e impensável — é realizar a tarefa atual de procurar evidências [dos corpos] de nossas irmãs e de nossos irmãos nos assentamentos”, disse a IAA.

Eles encontraram evidências que ajudaram a identificar pelo menos 10 pessoas mortas, que até então eram consideradas desaparecidas.

9. Antigo DNA israelita

Quase perdido, em meio a notícias sobre a guerra, foi o anúncio, feito no início de outubro, da recuperação de DNA de antigos israelitas do período do Primeiro Templo. O material genético foi extraído de dois indivíduos, cujos restos mortais foram encontrados em uma tumba familiar, que fica a oeste de Jerusalém, datada de cerca de 750-650 a.C.

O feito foi descrito como “um Santo Graal no estudo da civilização perdida”, que “promete abrir caminho para mais pesquisas sobre questionamentos de longa data a respeito das origens dos antigos israelitas”.

Os resultados preliminares deveriam ser discutidos em uma conferência sobre novas descobertas arqueológicas, mas o encontro foi adiado, devido ao conflito entre Israel e o Hamas.

8. Evidências antigas de uma guerra ancestral

A Bíblia descreve guerras que remontam à época de Abraão, em Gênesis 14. Agora, os arqueólogos descobriram evidências de conflito armado de vários milhares de anos antes, do período Calcolítico inicial, cerca de 5800-4500 a.C.

Centenas de pedras de funda — talhadas em um formato uniforme e aerodinâmico — foram descobertas em dois locais diferentes em Israel. Isso indica uma preparação organizada para a batalha. O tamanho dos dois sítios pré-históricos, na Baixa Galileia e na planície de Sarom (ao norte), mostra que eram necessárias muitas pessoas para se preparar para uma guerra.

7. Terremoto em Antioquia

Em 2022, arqueólogos turcos começaram a trabalhar pela primeira vez em áreas residenciais de Antakya, local em que ficava a antiga cidade de Antioquia, onde os seguidores de Jesus foram chamados de cristãos pela primeira vez. A escavação gerou esperanças sobre a possibilidade de muitas novas descobertas sobre a vida em Antioquia. Mas, em 6 de fevereiro, um terremoto atingiu a Turquia e a Síria.

Antakya foi uma das cidades mais devastadas, com mais de 35.000 mortos. A parte antiga da cidade, que incluía monumentos de sua história diversificada, que remonta ao primeiro século e até antes disso, acabou em escombros. Os planos de escavação estão permanentemente suspensos.

6. A decepção de Siloé

Por quase duas décadas, os visitantes de Jerusalém têm visto degraus que ficavam em um dos lados do tanque de Siloé, nos tempos do Novo Testamento. O tanque era um local de purificação ritual para peregrinos judeus, antes de eles subirem para o templo. Em João 9, Jesus cura um homem cego e diz a ele para se lavar no tanque de Siloé.

Os degraus foram descobertos acidentalmente, durante um conserto de esgoto, em 2004. Mas a escavação foi limitada, para preservar um pomar. No entanto, os arqueólogos e as autoridades locais ficaram tentados com a possibilidade de encontrar mais coisas e decidiram arrasar o pomar para fazer uma escavação mais completa. Nada foi encontrado. Aparentemente, os degraus foram preservados quando uma estrada foi construída sobre eles, mas o restante das pedras do tanque não está lá. É provável que tenham sido levadas, em tempos antigos, e aproveitadas em outros projetos de construção.

5. Salmo 86 encontrado no topo de uma montanha no deserto

Arqueólogos escalaram até Hyrcania, uma fortaleza no topo de uma montanha no deserto, com vista para o mar Morto, para uma primeira temporada de escavações. A fortaleza foi construída pelos asmoneus, depois usada como prisão por Herodes, o Grande, e, mais tarde, como mosteiro bizantino. Em meio a uma camada de pedras da construção que desmoronaram, os arqueólogos descobriram, pintado em vermelho, um grafite de uma simples cruz com uma inscrição embaixo. Era uma oração que citava parte do Salmo 86: “Jesus Cristo, guarda-me, pois sou pobre e necessitado”.

A inscrição foi datada do século 6 d.C., a julgar pelo estilo epigráfico.

4. Davi e Salomão recuperam sua importância

Descartados como líderes de menor importância por minimalistas bíblicos, por várias décadas, os reis israelitas de 3.000 anos atrás mostraram uma resiliência notável em 2023. Um artigo publicado no meio do ano, pelo arqueólogo Yosef Garfinkel, da Universidade Hebraica, analisou escavações feitas em cinco locais ao redor de Jerusalém e concluiu que suas fortificações semelhantes, bem como outras características urbanas correspondiam à descrição bíblica de um reino centralizado naquele período.

“Essas cidades não estão localizadas no meio do nada”, escreveu ele. “É um padrão urbanístico com o mesmo conceito urbano.”

Os arqueólogos, que escavaram Tel Gezer por uma década, publicaram em novembro resultados de testes de radiocarbono que dataram a construção do famoso portão de seis câmaras de Gezer na primeira metade do século 10 a.C. Isso parece dar suporte a 1Reis 9.15, que descreve Salomão recrutando mão de obra para trabalhar em Jerusalém, Hazor, Megido e Gezer.

“Isso coloca Davi e Salomão de volta na discussão, por estarem envolvidos em pelo menos parte da arquitetura monumental da área”, disse Lyndelle Webster, do Instituto Arqueológico Austríaco, e principal autora do estudo.

3. O mistério do arco de tijolos de barro em Tel Shimron

Um arco de tijolos de barro, extraordinariamente bem preservado, foi cuidadosamente escavado na acrópole de uma cidade cananeia com vista para o Vale de Jezreel, no norte de Israel. O arco vai de um corredor abobadado até o tel, um monte arqueológico composto de camadas. Sua extremidade final ainda não foi descoberta.

A finalidade do arco ainda não é conhecida, embora alguns especulem que ele tenha um significado cúltico. O arco parece ter sido preservado por ter sido enterrado novamente, logo após a construção.

Shimron, pouco mencionada na Bíblia, foi amplamente ignorada pelos arqueólogos até o início da escavação atual, em 2017. A cidade cobria 48 acres em seu auge, no período do Bronze Médio, há 4.000 anos.

2. Identificando Betsaida na costa da Galileia

Os arqueólogos têm escavado cuidadosamente os restos de uma basílica bizantina perto do mar da Galileia, convencidos de que estão descobrindo o verdadeiro local de Betsaida. No ano passado, eles encontraram uma inscrição em mosaico que faz referência ao “chefe e comandante dos apóstolos celestiais”, o que sugere que essa antiga igreja pode ter sido construída para homenagear Pedro. De acordo com a tradição, a Igreja dos Apóstolos foi construída sobre a casa dos apóstolos Pedro e André. Essa descoberta foi a número 6 em nossa lista de histórias de arqueologia de 2022.

Em 2023, a escavação recebeu maior destaque por descobrir, nas profundezas da abside, os restos de uma muralha do primeiro século. A descoberta dá mais peso ao argumento de que essa é a histórica Betsaida, e não et-Tel, um sítio que fica a vários quilômetros para o interior.

A continuação da escavação poderia nos contar mais sobre a vida dos primeiros apóstolos. João chama Betsaida de a cidade de André e Pedro. Marcos, porém, sugere que ele [Pedro] viveu em Cafarnaum. Será que Pedro viveu em duas vilas de pescadores diferentes? Uma escavação em meados do século 20 alegou ter descoberto a casa de Pedro. O local agora é ocupado por uma igreja ultramoderna, em forma de disco voador. Talvez a clareza sobre o local venha com mais descobertas da arqueologia.

1. O misterioso fosso de Jerusalém

Os arqueólogos ficaram perplexos com os canais escavados no leito rochoso da parte mais antiga de Jerusalém. Eles poderiam ter sido projetados para algum tipo de produção industrial de líquidos? Os especialistas arriscaram várias suposições e até chamaram uma equipe de CSI [que investiga cenas de crimes], do Departamento de Polícia de Jerusalém, para tentar solucionar o mistério.

Em seguida, descobriram que os canais faziam parte de um fosso que datava do século 9. De acordo com um relatório, publicado no outono de 2023, o fosso separava o monte do Templo da área mais antiga e mais baixa da Cidade de Davi, quando Jerusalém era a capital de Judá, e possivelmente centenas de anos antes.

“Em todas as nossas reconstruções de como era Jerusalém naquela época, temos apenas uma paisagem urbana contínua que vai do monte do Templo até a parte baixa da Cidade de Davi”, disse o codiretor da escavação, Yiftah Shalev. “Essa descoberta muda completamente esse cenário.”

O fosso, com quase 30 metros de largura e pelo menos 6 metros de profundidade, havia sido visto nas escavações anteriores de Kathleen Kenyon, mais a leste, mas os especialistas acharam que era uma característica natural da paisagem, e não parte da arquitetura da cidade. Mas Shalev e sua equipe concluíram que o fosso criava uma barreira entre o templo, o palácio e a área onde o restante das pessoas vivia. Em uma época anterior, antes da construção do templo e do palácio, ele pode ter protegido a cidade de um ataque ao norte.

Essa escavação em particular, conhecida como escavação do estacionamento Givati, produziu muitas descobertas surpreendentes, desde que começou, em 2007, entre elas um tesouro de moedas de ouro da era bizantina e telhas de cerâmica que datam do período helenístico. O codiretor da escavação, Yiftah Shalev, estima que ainda há mais um ano de trabalho a ser feito.

Bônus: uma das descobertas mais empolgantes anunciadas em Israel, em 2023, não é tecnicamente do período bíblico. Os arqueólogos entraram em uma caverna perto do mar Morto para ver melhor uma inscrição em estalactite, que tinham notado anteriormente. Na parte superior da caverna, eles viram um pilo [pilum, em latim] com haste pontiaguda, uma arma semelhante a uma lança. Em uma inspeção mais detalhada, eles encontraram um esconderijo de espadas romanas bem preservadas, aparentemente tiradas de soldados durante a revolta de Bar Kokhba, entre 130 e 135 d.C. As espadas ainda estavam em suas bainhas de madeira e couro.

Gordon Govier escreve sobre arqueologia bíblica para a Christianity Today, apresenta o programa de rádio The Book & The Spade , e é editor da revista de notícias sobre arqueologia bíblica ARTIFAX.

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Os 10 versículos mais lidos no Brasil em 2023

E o que a lista da YouVersion pode revelar sobre a prática das igrejas brasileiras.

Christianity Today January 5, 2024
Illustration by Christianity Today / Source Images: Pexels

Em 2023, os versículos mais lidos entre os brasileiros têm seu foco voltado para a provisão de Deus.

Aqueles que leram Bíblias digitais se mostraram mais propensos a procurar por versículos como Josué 1.9, seguido por Jeremias 29.11 e Isaías 41.10, de acordo com o aplicativo YouVersion.

Valdemar Kroker, que pastoreia a Igreja Irmãos Menonitas, em Curitiba, Paraná, não achou esses resultados surpreendentes.

“Já ouvi meu pai cantar essa passagem inúmeras vezes”, disse ele.

Quase todos os versículos que figuraram na lista dos 10 mais lidos no Brasil são textos do Antigo Testamento que carregam um tom de “promessa”, de acordo com Paulo Won, pastor presbiteriano, professor de teologia e criador de conteúdo.

“O foco está no que Deus pode fazer em nós, no sentido de nos conceder vitórias na vida, mais do que em como podemos ser moldados à vontade de Deus, e, assim, viver um discipulado que pressuponha eventuais dificuldades e tribulações”, disse ele. “É um diagnóstico claro de que nossa maneira de viver o evangelho é em grande parte triunfalista”.

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O destaque dado a estes versículos sugere que os cristãos não estão sendo ensinados a lidar com a Bíblia como uma grande narrativa ou a considerar o contexto de onde foram extraídos esses versículos”, afirma Cynthia Muniz, bióloga e teóloga.

“O próprio cenário evangélico brasileiro tem sido fortemente influenciado por teologias voltadas para sucesso, de modo que alguns desses textos podem ser entendidos como promessas pessoais de prosperidade e vitória, inclusive materiais”, disse ela.

Entre os aplicativos da YouVersion estão ferramentas projetadas para ajudar as pessoas a ler a Bíblia com mais frequência e a orar com mais regularidade. Eles foram baixados 11,2 milhões de vezes em 2023, um aumento de 112% em relação a 2022. (A YouVersion também observou que trabalhou com 150 parceiros, para lançar 330 novos planos de leitura da Bíblia em português, no ano passado.)

“Este ano, nossa equipe realmente se concentrou em expandir parcerias no Brasil, porque queremos que todos tenham acesso fácil a conteúdo bíblico de qualidade em seu idioma nativo”, disse Bobby Gruenewald, fundador e CEO da YouVersion. “Mais do que qualquer outra coisa, queremos ajudar as pessoas a experimentar o amor de Deus, e nosso ministério não seria possível sem esses parceiros incríveis com quem trabalhamos no Brasil, que têm verdadeira paixão por investir no crescimento espiritual de suas comunidades.”

O uso diário da Bíblia no aplicativo da YouVersion aumentou 27% no Brasil, em 2023. Mas esse fervor pela leitura da Palavra de Deus não se limitou a versões bíblicas digitais. Segundo a Sociedade Bíblica do Brasil, em média, o país imprime sete Bíblias por minuto.

Apesar de toda essa energia em relação ao envolvimento com a Bíblia, uma leitura atenta da lista de versículos da YouVersion também fornece um feedback para a igreja brasileira. Além de identificarem um tom triunfalista entre as passagens mais populares, os teólogos também notaram a escassez de versículos bíblicos que contêm citações das palavras de Jesus. Dos 10 versículos da lista dos mais lidos, apenas dois encontram-se nos Evangelhos, e apenas um deles contém citação das palavras de Jesus (Mateus 6.33).

“Na verdade, não estamos apenas lendo muito pouco, mas também pregando muito pouco os Evangelhos”, disse Won. “Associamos os evangelhos a histórias sobre Jesus que muitas vezes não carregam a ênfase de prosperidade e sucesso que muitas de nossas igrejas favorecem”.

Por exemplo, Mateus 6.33 faz parte do Sermão do Monte, passagem que reúne os principais ensinamentos de Jesus a seus discípulos e que está repleta de conselhos sobre como encarnar esses valores para o mundo. Mas as igrejas de hoje prestam muito pouca atenção aos capítulos 5 a 7 de Mateus, diz Cynthia Muniz.

“Como mostram os dados, estamos lendo muito pouco os Evangelhos. Isto é preocupante, porque eles estão no centro da mensagem do Novo Testamento”, disse ela. “Além disso, como seguidores de Jesus e chamados a ser ‘seus imitadores,’ é essencial que meditemos em suas Palavras e nos inspiremos em suas ações. Não há dúvida de que temos muito a aprender com Jesus”.

Muniz e Won também expressaram preocupação com uma tendência dos leitores da Bíblia no Brasil: a de tirar um versículo de seu contexto mais amplo.

Romanos 8.28 diz: “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito”. Esse versículo faz parte de uma seção maior do texto, na qual Paulo discute “as adversidades do tempo presente, ainda sob os efeitos do pecado e nossa participação nos sofrimentos de Cristo para que possamos também participar de sua glória”, disse Muniz.

“Este texto é um bom exemplo de como não levar em conta o contexto e ler o versículo de forma isolada pode levar a interpretações erradas”, acrescentou.

A ideia de vitória que Paulo sugere não se refere à “prosperidade nesta vida nem à conquista de qualquer coisa mundana”, diz Won.

“A vitória é sobre a morte e o pecado, sobre os principados e potestades”, afirma ele. “É a vitória máxima de Cristo, na qual, nele, participamos. Nesse sentido, ler o texto como um simples bem-estar para os crentes não é apenas uma leitura inadequada, mas uma deturpação diabólica do verdadeiro triunfo que temos no Senhor”.

Segundo Won, a igreja brasileira precisa ler mais Mateus 11.29: “aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração”.

“Estamos vivendo uma intensificação da polarização em diversos âmbitos da sociedade. Para mim, o chamado de Jesus à mansidão e à serenidade não deve ser esquecido”, diz ele.

Kroker enfatiza que Jesus precisa ser nosso maior exemplo. Os líderes da igreja brasileira precisam dedicar mais sermões aos Evangelhos, com um foco voltado especificamente para a natureza, as ações e a missão de Jesus, segundo ele.

“Precisamos de sermões narrativos que destaquem de forma mais vívida o exemplo de todas as qualidades e atitudes que se esperam de nós e que vemos na vida de Jesus”.

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Books

IHOP corta relações com Mike Bickle por “comportamento inadequado”

O fundador da International House of Prayer (Casa Internacional de Oração) admitiu, no início de dezembro, seu envolvimento com “má conduta no passado”.

Christianity Today January 4, 2024
Mike Bickle

Os líderes da International House of Prayer (Casa Internacional de Oração), influente grupo evangélico carismático de oração e de missões, com sede em Kansas City, anunciaram na sexta-feira, 22 de dezembro, que cortaram os laços com o fundador Mike Bickle.

No final de outubro, um grupo de ex-líderes da IHOPKC acusou Bickle de envolvimento em um padrão de suposta má conduta sexual como clérigo. No início de dezembro, Bickle admitiu seu envolvimento em alguns comportamentos impróprios no passado, mas disse que muitas das acusações contra ele eram falsas.

“Com o coração bem pesado, quero expressar o quanto estou profundamente triste por meus pecados passados terem levado a tanta dor, confusão e divisão no corpo de Cristo nesta hora”, disse Bickle em uma declaração on-line. “Infelizmente, admito que, há mais de 20 anos, pequei ao me envolver em um comportamento inadequado — minhas falhas morais foram reais.”

Na sexta-feira (22), a IHOPKC anunciou que Bickle não fazia mais parte do grupo.

“Desde que assumiu a gestão da crise, o Comitê Executivo recebeu novas informações que agora confirmam um nível de comportamento inadequado por parte de Mike Bickle, que exige que a IHOPKC se separe dele de modo imediato, formal e permanenteme”, disse Eric Volz, porta-voz e consultor de gestão de crises, em um vídeo publicado no YouTube.

Volz disse que os líderes da IHOPKC não tinham permissão para compartilhar detalhes sobre a suposta má conduta de Bickle, afirmando apenas que uma investigação sobre as acusações feitas contra ele está em andamento.

O porta-voz também anunciou que Stuart Greaves, diretor-executivo da IHOPKC, havia se demitido sem fornecer nenhum motivo aparente para isso.

Há muito tempo Bickle tem sido uma figura influente nos círculos cristãos carismáticos. Um dos primeiros líderes do movimento Vineyard, ele se separou do grupo, na década de 1990, por causa da teologia e de conflitos com seu fundador, John Wimber, e outros líderes. Bickle talvez seja mais conhecido por ter fundado a IHOPKC, que começou em 1999, com a prática de realizar orações 24 horas por dia, sete dias por semana, e mais tarde se tornou um movimento missionário.

Bickle também foi um líder da Nova Reforma Apostólica, que enfatiza a ideia de que a igreja deve ser liderada por profetas e apóstolos dos dias de hoje.

Os líderes da IHOPKC divulgaram um relatório inicial em novembro, levantando dúvidas sobre as acusações feitas contra Bickle, com base em uma análise interna. Mas, no início de dezembro, Volz anunciou que a IHOPKC havia contratado o Lathrop Group para investigar o caso mais a fundo. A IHOPKC, que está pagando por esse serviço e assinou contrato com o Lathrop Group, alega que a investigação é independente.

Volz disse que a decisão de cortar relações com Bickle mostra por que é necessária uma investigação independente. Ele também disse que os líderes da IHOPKC se comprometeram a “implementar toda e qualquer mudança necessária nas políticas, nos procedimentos e na cultura da igreja, para garantir que a IHOPKC não volte mais a trilhar esse caminho difícil”.

Os advogados das supostas vítimas de abuso, entre eles o advogado Boz Tchividjian, dizem que querem a verdade sobre as acusações, mas não acreditam que a investigação do Lathrop Group será independente. Eles citam uma declaração que se encontra no site da empresa, na qual esta se vangloria de seu trabalho para defender grupos religiosos que lidam com acusações de abuso.

Enquanto isso, a CT fez uma reportagem em dezembro sobre como as acusações contra Bickle abalaram os evangélicos no Brasil, país em que ele e seu movimento de oração têm um grande número de seguidores, e forçaram uma conversa sobre como as igrejas brasileiras lidam com o abuso.

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Books

Acreditamos em milagres; então, por que não em alienígenas?

É mais provável que os cristãos aceitem a possibilidade de vida extraterrestre, dados os nossos pressupostos prévios.

Christianity Today January 2, 2024
Illustration by Christianity Today / Source Images: WikiMedia Commons

Histórias sobre fenômenos aéreos inexplicáveis (ou UAP, na sigla em inglês — que é como agora devemos chamar os OVNIs) costumavam ser reservadas para as partes mais extravagantes ou sensacionalistas da Internet ou para os tabloides que ocupam o último andar das prateleiras de revistas. Não é mais assim hoje, quando histórias que apontam para evidências de vida extraterrestre estão aparecendo em todos os principais meios de comunicação.

Destaca-se, como sempre, uma manchete que não vai desaparecer: que o governo dos EUA recuperou naves espaciais acidentadas com “produtos biológicos não humanos”. Há até um livro recém-lançado que detalha, como sugere a manchete de um artigo recente da Time, “A busca do governo por alienígenas e por que eles provavelmente existem”.

Talvez agora seja o momento ideal para os cristãos começarem a fazer algumas perguntas sérias como: “E se a primeira página do jornal de amanhã trouxer notícias de evidências de vida em outro planeta?” Esta pergunta me levou a alguns dos territórios teológicos mais fascinantes que já considerei — alguns dos quais exploro no meu livro recente, Astrobiology and Christian Doctrine: Exploring the Implications of Life in the Universe [Astrobiologia e doutrina cristã: explorando as implicações de vida no universo].

Também fui um entre as duas dúzias de teólogos que foram convidados a participar no projeto de pesquisa financiado pela NASA sobre as implicações sociais da astrobiologia, no Centro de Investigação Teológica de Princeton. E, na minha pesquisa, fiquei surpreso ao descobrir que os pensadores cristãos têm ponderado sobre a vida fora da Terra há muito tempo. Por quê? Uma das razões é que a cosmovisão cristã tem um conjunto único de pressupostos prévios que podem nos deixar mais dispostos (e não menos dispostos, como alguns poderiam supor) a acreditar na probabilidade de vida extraterrestre.

Vejamos, por exemplo, as reações a um UAP em particular, com o qual os principais cientistas parecem mais entusiasmados. O ‘Oumuamua (termo havaiano para “mensageiro de longe que chega primeiro”) entrou em nosso sistema solar e passou bem perto do Sol (e não tão longe da Terra) em 9 de setembro de 2017, viajando a quase 320.000 quilômetros por hora. Este foi o primeiro “objeto interestelar” já observado em nosso sistema solar ― isto é, um objeto que viajou entre estrelas, em contraste com um cometa, por exemplo, que é limitado pela influência gravitacional do nosso Sol.

Isso é bastante notável, mas o ‘Oumuamua tinha algumas outras propriedades incomuns. Embora não possamos ter certeza sobre sua forma, parece ter sido a de um objeto estranhamente longo e fino, como um charuto alongado, ou talvez um disco (ou mesmo um pires, como já se viu em tantos filmes de ficção científica). Também percorreu uma trajetória incomum quando se aproximou do sol.

O que devemos fazer com tudo isso? Será que essas propriedades incomuns sugerem que não se tratava de um objeto antigo, mas sim de um artefato de outra civilização?

Para Avi Loeb, astrofísico de Harvard, o ‘Oumuamua é tão estranho, que vê-lo como um artefato alienígena faz mais sentido. Em contrapartida, o filósofo Christopher Cowie argumentou que, mesmo que exista outra forma de vida na galáxia, os artefatos extraterrestres seriam demasiado raros para serem uma explicação plausível para o ‘Oumuamua.

O que distingue Loeb de seus críticos não é se ‘Oumuamua é estranho — nisso eles concordam ― mas sim se isso conta como evidência de que existem outras civilizações. Os críticos de Loeb acham que tais civilizações são tão improváveis que faz mais sentido dizer que, embora seja estranho para um objeto natural, ele é, no entanto, natural. Em contraste, Loeb pensa que tais civilizações estão provavelmente difundidas, de modo que é mais provável que o ‘Oumuamua seja uma obra alienígena do que seja algum objeto natural bizarro.

O astrofísico Charles H. Lineweaver examinou o ‘Oumuamua usando o teorema de Bayes: o que constitui uma explicação plausível para as evidências depende de nossos pressupostos prévios. Ou seja, se é ou não crível acreditar que se tratava de uma nave espacial alienígena depende do que mais tomamos como certo — como, por exemplo, qual é a probabilidade com que consideramos a existência de civilizações extraterrestres.

O pai da lógica bayesiana é Thomas Bayes, um ministro presbiteriano inglês dos anos 1700, cujo trabalho inovador foi provavelmente provocado pelo ataque aos milagres desferido pelo filósofo David Hume (na obra Investigação sobre o entendimento humano). Hume argumentou que não deveríamos aceitar histórias sobre milagres, uma vez que ― na opinião dele ― sempre haverá uma explicação mais provável e não miraculosa para qualquer acontecimento extraordinário. Nossa interpretação depende de nossos pressupostos, e os dele não iam muito longe na direção de Deus.

E, embora não saibamos ao certo se Bayes foi, de fato, motivado pelo livro de Hume, seu amigo Richard Price fez esta ligação. Price era doutor em divindade e trouxe à atenção do público o trabalho de Bayes sobre estatísticas, após sua morte. Seu tratado contra a abordagem cética de Hume aos milagres (Sobre a importância do cristianismo, a natureza da evidência histórica e os milagres) foi publicado alguns anos depois. Bayes percebeu que interpretamos os acontecimentos como prováveis ou improváveis dependendo dos nossos pressupostos, e Price aplicou essa lógica aos milagres — na primeira aplicação do pensamento “bayesiano”, até onde sabemos.

Como agnóstico convicto, Hume era cético em relação a Deus. Portanto, ele considerava menos provável uma explicação milagrosa para um acontecimento inesperado do que uma explicação natural, mesmo que não soubesse que explicação poderia ser essa. Mas um cristão, como Bayes ou Price, olha para a mesma história de uma perspectiva diferente. Se você acredita em Deus e em Jesus como Deus encarnado, não parece nada absurdo supor que Cristo pudesse transformar água em vinho ou acalmar uma tempestade.

Ou, no caso em questão, é mais provável que acreditemos na possibilidade de vida fora da Terra.

Passando do século 18 para o século 20, existe um pressuposto comum (embora errado) de que as religiões não têm imaginação, se comparadas à ciência, e que precisam de descobertas científicas para provocá-las a pensar sobre a vida fora da Terra. Carl Sagan, um renomado astrônomo, fez essa mesma acusação, quando perguntou:

Como é possível que quase nenhuma grande religião olhou para a ciência e concluiu: “Isto é melhor do que pensávamos! O Universo é muito maior do que disseram nossos profetas, mais grandioso, mais sutil, mais refinado. Deus deve ser ainda maior do que sonhamos”? Em vez disso, elas dizem: “Não, não, não! Meu deus é um deus diminuto e quero que ele continue assim.” Uma religião, seja ela antiga ou nova, que enfatizasse a magnificência do Universo tal como é revelada pela ciência moderna, poderia ser capaz de extrair reservas de reverência e de admiração que dificilmente são exploradas pelas fés convencionais.

No entanto, os teólogos cristãos têm pensado continuamente na questão de vida fora da Terra desde meados do século 15 (e os teólogos judeus e os islâmicos há ainda mais tempo). Se há algo frustrante na forma como as fontes cristãs abordam este tópico, é o fato de que não tendem a se estender muito ― o autor menciona a probabilidade com alegria, e depois segue em frente. A impressão que se tem é que esses pensadores não estavam preocupados o suficiente para escrever muito sobre o assunto.

No século 15, temos um frade franciscano, Guillaume de Vaurouillon, e Nicolau de Cusa, talvez o maior teólogo da sua época. No século 17, temos o dominicano Tommaso Campanella (escrevendo em defesa de Galileu). Poderíamos acrescentar o teólogo puritano inglês Richard Baxter e o anglicano John Ray, que escreveu sobre a possibilidade de outros sistemas solares com planetas que eram “com toda a probabilidade, equipados com uma variedade tão grande de criaturas corpóreas, animadas e inanimadas, quanto a Terra, e todos eles tão diferentes do [sistema] terrestre e uns dos outros em termos de natureza quanto o são em termos de lugar”.

Charles Spurgeon, pregador do século 19, referiu-se a toda a criação como uma “grande orquestra” cujos “habitantes dos diversos mundos, que sejam talvez em multitude incontável, tomam seus lugares numa única canção harmoniosa”. Ele acreditava que “pode haver dezenas de milhares de raças de criaturas, todas sujeitas a ele e governadas pela mesma lei de direito e justiça imutáveis”.

No século 20, C. S. Lewis era fascinado pelo espaço sideral, tendo escrito um ensaio (“Religião e Foguetes”) e três romances (Trilogia Cósmica) sobre o tema. Lewis não acreditava que a descoberta de vida noutros planetas desafiasse o cristianismo, embora certamente viesse a gerar algumas questões teológicas intrigantes para considerarmos.

Um escritor proeminente, John Wilkins (bispo de Chester e fundador da Royal Society, a organização científica mais prestigiada da Inglaterra), pensava que ele tinha evidências de vida na Lua, mas a maioria dos teólogos especulava sem evidências. Dito isto, é impressionante como muitos teólogos acreditavam com forte convicção que existe vida fora da Terra com bases teológicas — e que encaravam isto como uma certeza, e não apenas como uma possibilidade.

Como disse antes, o que achamos plausível depende de nossos pressupostos prévios. Muitos teólogos cristãos têm operado com o pressuposto de que Deus só criaria lugares habitáveis para que pudessem ser habitados. E assim, longe de rejeitar a ideia de que o universo possa conter outras formas de vida, encontramos teólogos argumentando que a vida fora da Terra é difundida. Na verdade, eles assumiram que haverá vida em praticamente todos os lugares onde seja possível sobreviver.

Se o seu pressuposto é que a vida é o que importa, especialmente para Deus ― e que, portanto, a habitabilidade existe em prol da habitação — você achará implausível que lugares habitáveis permaneçam vazios. Historicamente, então, os teólogos cristãos com frequência provavelmente superestimaram a quantidade de vida que pode existir no universo. Isso decorreu de forma plausível do pressuposto de que Deus povoa os lugares e que os lugares são valiosos se hospedarem seres vivos.

Estou muito aberto ao universo cheio de vida, mas eu diria que alguns dos pressupostos mencionados no parágrafo anterior são falhos. Há esplendor em todos os tipos de lugares diferentes do universo, sendo que todos dão testemunho da glória de Deus à sua maneira, sejam eles habitados ou não.

Jean Guitton, teólogo católico romano francês do século 20, escreveu que um vasto universo, desabitado e além da Terra, era implausível porque isso essencialmente tornaria “o pedestal demasiado grande para a escultura”. Em outras palavras, o universo seria como uma moldura tão grande que dominaria a pintura em seu centro.

Acho que isso está errado duas vezes. Primeiro, mesmo que o universo tivesse vida apenas na Terra, um universo inimaginavelmente grande não seria um cenário, uma estrutura ou um pedestal demasiado esplêndido para a glória da vida na Terra ― especialmente para a vida humana, com a sua autoconsciência e a sua relação com Deus.

Mas, em segundo lugar, será mesmo útil pensar no restante do universo apenas como um palco para a vida? O universo tem glória e dignidade próprias, que não devem ser julgadas meramente em relação a nós. Afinal, não somos as únicas criaturas com vocação para louvar a Deus; os céus também são [vocacionados para isso] (Salmo 148.3-6). Os próprios céus são alienígenas e inescrutáveis — tanto assim que Deus os traz à tona, quando coloca Jó em seu devido lugar por questionar sua soberania (Jó 38.31-33).

Quando se tratar do lugar e da prevalência da vida no universo, deixarei que a ciência me informe, à medida que os dados surgirem. Não ficarei perturbado se encontrarmos muita vida ou nenhuma.

Dito isto, ficarei surpreso se a vida na Terra for a única existente. Afinal de contas, até ao final do século 20, não sabíamos se existiam planetas em torno de outras estrelas ― e descobrimos que eles estão por todo o lado. Encontrar evidências de vida extraterrestre pode ser uma façanha. No entanto, a nossa capacidade de detectar sinais de vida em torno de outros planetas deu um grande salto à frente com o lançamento do Telescópio Espacial James Webb, em 2021: ele detecta luz infravermelha, que é ideal para medir o equilíbrio de gases na atmosfera de outros planetas e, portanto, averiguar alguns dos sinais reveladores de vida.

Os teólogos cristãos têm pensado muito sobre o que torna algo vivo e o que pode ser considerado como um ser vivo. Por exemplo, os seres angelicais são um exemplo de vida além da Terra que é mencionada na Bíblia e retratada no imaginário cristão — por mais diferentes que sejam de outras formas de vida biológica.

Faz diferença que na Bíblia não haja menção de vida extraterrestre no universo? Eu não diria isso, especialmente quando consideramos para que servem e para que não servem as Escrituras.

Na Bíblia, Deus fala conosco de uma maneira humana. Isso torna a nossa compreensão de Deus tão humana que outras criaturas não pensariam em Deus como nós? Muitos teólogos, como Calvino, falaram sobre a “acomodação” divina ― o fato de Deus falar às criaturas de uma forma que elas possam compreender. O conhecimento de Deus e a revelação vinda de Deus certamente seriam questões “acomodadas” de maneira diferente para diferentes criaturas, para que pudessem entendê-lo, mas seria o mesmo Deus que é revelado e conhecido.

Assim, temos a ideia de que os seres humanos são feitos à imagem de Deus. Esta premissa seria prejudicada, se houver outras criaturas que também possam conhecer e amar e se tornar amigas de Deus? Eu acho que não. Não seríamos criados de maneira menos maravilhosa nem menos amados por Deus só porque outras coisas também são amadas e maravilhosas — e, provavelmente, maravilhosas de uma maneira diferente da nossa. Penso que quanto mais, melhor.

Mas e o pecado e a salvação? Se houver outra vida senciente, a queda é inevitável? E quanto à Encarnação e à redenção? Poderiam a morte e a ressurreição de Cristo redimir todo o cosmos? Sem dúvida; mas Deus se limitaria a uma Encarnação? Essa talvez seja a questão mais contestada na área. Como Aaron Earls apontou para a CT, até mesmo C. S. Lewis pensava que ao menos valia a pena considerar a possibilidade de que Jesus poderia ter “encarnado em outros mundos além da Terra e, assim, salvado outras raças além da nossa”.

Quanto a mim, acredito que uma Encarnação seja “suficiente”, mas quem disse que Deus deve fazer o que é minimamente necessário? Em Jesus, vemos Deus face a face como ser humano. Mas eu poderia ver beleza em outras criaturas também conhecerem Deus em sua própria carne e sangue.

No início do século 20, a poetisa inglesa Alice Meynell escreveu que só nós conhecemos a nossa história e que aquilo que Deus fez noutros lugares permanece noutros lugares:

Nenhum planeta sabe que isso
[que] Nosso planeta à margem do caminho, que carrega terra e ondas,
Amor e vida multiplicados, e dor e felicidade,
Traz, como tesouro principal, um sepulcro abandonado.

Nem que, em nosso diminuto dia,
Seus artifícios com os céus sejam adivinhados,
Sua peregrinação para percorrer a Via Láctea
Ou Suas dádivas sejam manifestas.

Mas ela terminou o poema, intitulado “Cristo no Universo”, com a ideia tentadora de que podemos esperar conhecer o resto da história do cosmos na vida do mundo vindouro:

Ó, esteja preparada, minha alma!
Para ler o inconcebível, para escanear
As inúmeras formas de Deus que essas estrelas desvendam
Quando, por nosso turno, lhes mostrarmos um Homem.

Em última análise, seja o que for que esteja além da Terra, disto podemos ter certeza: Deus será gracioso e fará algo glorioso.

Andrew Davison é o autor de Astrobiology and Christian Doctrine: Exploring the Implications of Life in the Universe [Astrobiologia e doutrina cristã: explorando as implicações da vida no universo]. Ele é grato a Cat Gillen, da Durham University, por discutir o 'Oumuamua do ponto de vista bayesiano.

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